quinta-feira, 26 de agosto de 2021

RECORDAÇÕES DE GETÚLIO


Por Deputado José Barbosa 
 
Texto de Glauco Carneiro / Foto de Hélio Passos
 José Barbosa foi um dos amigos mais constantes de Getúlio Vargas e, nesta
  condição, foi também um dos fundadores do Partido Trabalhista Brasileiro.
  Coube a êle o alistamento de Getúlio Vargas no PTB.
 
"Decorridos oito anos da morte de Getúlio Vargas, cresce cada vez mais o seu nome na memória de todos os brasileiros. Êle está sempre presente em tôdas as reivindicações dos humildes, pelos quais morreu. José Barbosa, um dos seus amigos sinceros, conta, nestas páginas, alguns episódios que bem marcaram tôda a vida e a obra do grande líder dos trabalhadores. 
A HISTÓRIA da amizade entre Getúlio Vargas e José Barbosa começa em 1943. Neste ano, José Barbosa, então líder estudantil e jornalista, recebeu um convite de Macedo Soares e Cândido Mota Filho para discursar perante o Chefe da Nação, durante a inauguração do Serviço de Assistência aos Intelectuais, em São Paulo. José Barbosa falou, reivindicando do Presidente o salário mínimo profissional para os jornalistas, e chamando sua atenção para vários outros problemas de interêsse nacional. 

Getúlio gostou da franqueza do môço que lhe dissera o que alguns "medalhões" não tinham a coragem de dizer. E, no ano seguinte, chamou-o ao Palácio Rio Negro, perguntando-lhe como iam as coisas em São Paulo. "Tudo calmo, Presidente. Apenas, com a chegada de Osvaldo Aranha, as coisas estão se complicando", respondeu Barbosa. Comentário de Getúlio: "Às vezes há quem vá prestar um serviço e presta um desserviço." 

Barbosa aproveitou a oportunidade e voltou ao assunto do salário profissional dos jornalistas. "Mas o Assis (Chateaubriand)" respondeu Vargas "estêve comigo e me informou que êste assunto estava resolvido." Respondeu-lhe o jornalista que o Dr. Assis mandara reajustar os salários do pessoal dos Associados, mas que êle não era dono de tôda a Imprensa do Brasil." Getúlio sorriu. José Barbosa então mostrou-lhe o trabalho elaborado pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, ficando então acertado que êle e André Carrazzoni, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, se entenderiam com o Ministro do Trabalho. Dêsses encontros resultou o Decreto-Lei nº 7.037, de 10-11-1944, que regulamentou a profissão. Assinado o decreto, Getúlio perguntou a José Barbosa: "E para ti, não queres nada?" Respondeu-lhe Barbosa: "Não fiz discurso para obter emprêgo." 

No dia 29 de outubro de 1945, José Barbosa se encontrava em Jaboticabal para realizar um comício trabalhista, quando soube da deposição de Getúlio. Desde aquêle momento, não saiu mais do espírito de José Barbosa o desejo e a preocupação de levar sua solidariedade ao grande líder deposto, agora no exílio de São Borja, longe dos bajuladores. Desencorajado pelos amigos, José Barbosa conseguiu, assim mesmo, algum dinheiro emprestado, e viajou para a Fazenda Santos Reis. 

Gregório Fortunato, recebendo-o na casa da fazenda, disse-lhe que êle era dos primeiros a aparecer por aquêles pagos. Getúlio agradàvelmente surpreendido com a visita, comentou para Barbosa: "É... eles me surpreenderam!" Indagado sôbre o comportamento de João Alberto, respondeu Getúlio: "O João foi meu amigo." Mais tarde, João Alberto comoveu-se quando soube, através de José Barbosa, do conceito que Getúlio fazia dêle. 

Trocaram idéias sôbre a sucessão presidencial. Todos disputavam o apoio do ex-Presidente. Mas os civis consultados por Getúlio não aceitaram sua indicação. Apoiar o Engenheiro Fiuza seria fazer o jôgo dos comunistas. Quanto ao Brigadeiro, estava cercado pelos mais notórios inimigos de Vargas. Assim, restava uma saída lógica: o General Dutra. Êsse, em síntese, o pensamento de Getúlio naquela fase. Na realidade, foi Getúlio quem elegeu seu ex-Ministro da Guerra. 

O mês de novembro de 1945 marcou um grande êxito na vida de José Barbosa: conseguiu fazer a inscrição de Vargas no Partido Trabalhista Brasileiro. É verdade que a ficha de inscrição só ficou completa cinco meses mais tarde, com dados fornecidos pela sua filha Alzira Vargas, que escreveu as informações com sua própria letra. Convidada para alistar-se também no PTB, D. Alzira riu e respondeu: "Eu cumpro ordens." 

Tendo-se aproximado de Getúlio no exílio, José Barbosa o acompanhou em suas idas e vindas pelas estâncias de Santos Reis, Espinilho e Itu, de onde Vargas saiu para voltar ao Govêrno. Nesses dias de contato mais íntimo, José Barbosa pôde, juntando aspectos isolados da personalidade do ex-Presidente, compor-lhe um retrato de corpo inteiro. 

Certa vez, quando Barbosa lhe mostrou um jornal com a fotografia do Presidente Roosevelt e a notícia de sua morte, Vargas disse: "Roosevelt foi meu amigo e um grande amigo do Brasil. Sem seu auxílio, eu não poderia ter construído Volta Redonda." E contou a José Barbosa a luta pela construção da Siderúrgica, "enfrentando a resistência dos 'trusts' internacionais do aço, e a influência de grupos poderosos". A certa altura narrou Getúlio teve de insinuar uma ameaça de que seu Govêrno iria buscar na Alemanha os recursos necessários para que o Brasil pudesse forjar o seu aço. Roosevelt compreendeu tudo e explicou aos grandes 'trusts': ou êles cediam ou os Estados Unidos perderiam um grande aliado. Só assim é que foi possível a construção de Volta Redonda. 

José Barbosa contou a Getúlio o que tinha sido a chegada de Washington Luís. Êle, mostrando grande interêsse em saber de tudo, comentou: "Tenho grande respeito pelo Washington e pelo Otávio Mangabeira. Nunca atenderam aos meus acenos diretos ou indiretos. São dois homens que merecem ser acatados." 

Getúlio, segundo José Barbosa, gostava muito de animais. Muitas vêzes, interrompia as refeições para alimentar, com suas próprias mãos, o cachorrinho "Pito", deixando de lado a conversa dos figurões para atender àquele amigo de verdade. 

José Barbosa relembra muitas histórias acontecidas com Vargas. Esta, por exemplo: 

Certa vez, chegou à Fazenda Itu um homem simples, carregando uma mala. No bôlso, apenas Cr$ 50,00. Viera de São Paulo, por conta própria, sem ajuda de ninguém. Queria apenas saber se Getúlio Vargas era candidato à Presidência da República. Isto foi antes de 1950. Getúlio, inteirado de sua presença, não lhe deu muita esperança de se candidatar. O homem (chamava-se José) não duvidou: "Então vou ficar por aqui até o senhor se decidir. Sou jardineiro, entendo de horta, e posso ajudá-lo." Mais tarde, já em março de 1950, depois de um encontro decisivo em Itu, Getúlio saiu candidato. O homem, depois de confirmar a notícia com José Barbosa, exclamou: "Então, a minha missão está cumprida. Posso ir embora." E foi. A veneração com que os trabalhadores tratavam Getúlio assumia, muitas vêzes, êstes aspectos quase místicos. 

Para José Barbosa, não é apenas o fato de Getúlio ter governado o País num período conturbado que marca a sua presença ainda hoje na vida política. "Realmente, êle continua presente em tudo: nas ruas, na vida rural, no Govêrno, enfim, na própria alma da Nação. No Govêrno, êle está presente na pessoa de João Goulart, que continua a sua luta. A mensagem deixada por êle comunicando ao povo a pressão constante a que tinha sido submetido, tudo suportando em silêncio para defender o seu povo é que o faz lembrado. Nas propaladas reformas de base, Getúlio está presente. No progresso do Brasil, agora caminhando para melhores dias, no alicerce de todas as grandes reivindicações nacionais, está presente a figura do homem que morreu para alertar o povo contra aquêles que queriam sugar o seu sangue. A perpetuação da figura de Getúlio reflete aquela verdade já afirmada por Augusto Comte: "Os mortos cada vez mais governam os vivos." Getúlio morto continua cada vez mais presente na alma do povo, inspirando-o e dando-lhe fôrças para reagir. O sacrifício de Vargas é e continuará sendo a grande bandeira de luta do povo. Cada gôta do seu sangue é uma chama imortal na consciência dos brasileiros, mantendo viva a chama sagrada da resistência. E o que é importante essa luta, essa resistência do povo que é humilhado e passa fome é uma luta sem ódios. É uma resistência tranquila e constante contra a espoliação do Brasil, contra a espoliação do povo, que "sente no peito a energia para a luta." 

São estas as palavras de José Barbosa, que conclui: "Getúlio continua presente, e o seu espírito é de paz e concórdia, porque só o amor constrói para a eternidade. Aos que ainda pensam que o derrotaram, êle está respondendo com a sua vitória, a sua grande vitória, pois o continuador da obra de Vargas, João Goulart, inspira-se na luta e na experiência legadas pelo grande trabalhista."

O CRUZEIRO, Rio de Janeiro, Ano XXXIV, nº 52, edição de 06/10/1962, p. 99 e 101 



Mocão de Congratulações e Aplausos ao profissional da área política,  Ilmo. Sr. Dr. José Barbosa, outorgada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em 13/06/2003, Dia de Santo Antônio, santo da predileção do homenageado. Crédito: Dr. José Barbosa, o homenageado.

 
Da esq. p/ dir.: Francisco Braga, sua esposa Rute Pardini, Deputado José Barbosa, escritora Léa Sayão, uma amiga e Ivonilda da Silva Santos, a "Ive", na residência desta última no Lago Norte (set/2002)

 
 

II. AGRADECIMENTO
 

Agradeço carinhosamente à minha esposa Rute Pardini a captação da foto original de O Cruzeiro, bem como a sua edição e formatação para fins deste post. 

 


III. BIBLIOGRAFIA



BARBOSA, José: curriculum vitae, disponível in https://www.advogadoemportugal.com/dr-jose-barbosa-founder.php (home page da B&B Advocacia)

CÂMARA DOS DEPUTADOS: Biografia

terça-feira, 24 de agosto de 2021

O SUICÍDIO DE GETÚLIO VARGAS (São Borja-RS, 1882-Rio de Janeiro-DF, 1954)


Por Francisco José dos Santos Braga 
 
Velório de Getúlio Vargas no Palácio do Catete - Crédito pela foto: Carta Maior

 

Dentre as mais distantes memórias de minha infância, destaca-se a do dia da morte fatídica do nosso Presidente Getúlio Vargas, às 8 horas da manhã do dia 24 de agosto de 1954. Ao tomar conhecimento do acontecido através do Repórter Esso, noticiário financiado pela multinacional Standard Oil, minha mãe Celina dos Santos Braga, alheia às perfídias palacianas, irrompeu no nosso quarto de crianças, totalmente perturbada, tomada de angústia, em pranto convulsivo e soluços lancinantes, diante do horrível quadro de nosso presidente morto, conforme noticiado pelo Repórter Esso, cujo slogan era "O Primeiro a Dar as Últimas" e "Testemunha Ocular da História", o mais famoso jornal radiofônico do País transmitido pela Rádio Nacional diretamente do histórico edifício "A Noite", na praça Mauá, no Rio de Janeiro, capital federal na época. 

1ª transmissão do Repórter Esso: 28 de agosto de 1941. Blog do Braga lembra os 80 anos do feito. Foram 27 anos do noticiário que encerrou as transmissões no Brasil em 31/12/1968. Marco histórico inesquecível.
 

De forma contundente e sem preâmbulos, minha mãe acabara de ouvir o locutor Heron Domingues anunciando em edição extraordinária que o presidente Getúlio Vargas tinha cometido suicídio com um tiro no peito. 

No quadro "O rádio faz história", do programa Todas as Vozes da jornalista Ana Baumworcel e estudantes da UFF, lançado em 2004, tomamos conhecimento das palavras do próprio Heron Domingues: 

"Às 8 horas de 24 de agosto de 1954, eu tinha lido a edição normal do Repórter Esso. Trinta minutos depois, recebi um telefonema do diretor da Rádio Nacional, Victor Costa, que estava no Palácio do Catete. Victor, com voz 'totalmente alterada', contava que o presidente Getúlio Vargas acabara de cometer suicídio. Fiquei perplexo. Em seguida, entrei na sala dos diretores da emissora, mas não tive coragem de dar a notícia para eles, pois me dei conta de que muitos eram idosos e podiam não resistir ao impacto de algo tão bombástico." 
O locutor preferiu, então, correr para o microfone e veicular uma edição extraordinária do Repórter Esso, "O Primeiro a Dar as Últimas", sendo minha mãe uma das primeiras pessoas que ouviram falar da morte do presidente. 

Bem mais tarde (1987), trabalhando em Rondônia e em diversos encontros posteriores em Brasília, ouvi a mesma versão realística do Assessor do Presidente Getúlio Vargas, saudoso Deputado José Barbosa (✰ Cajurú-SP, 01/03/1917 - ✞ Rio de Janeiro, 23/06/2010), do PTB, testemunha ocular daqueles fatos históricos, pois testemunhou naquela madrugada que Vargas tinha concordado com um pedido de licença, como resultado de reunião ministerial em que os comandantes militares exigiam sua renúncia, e esteve em vigília durante toda a noite do dia 23 de agosto, ficando por perto, no aguardo de um chamado de Vargas, acompanhando a movimentação dentro do Palácio do Catete e pela manhã ainda cumprimentou o presidente, mantendo-se em guarda para evitar que se cumprisse a promessa dele de suicídio. 

Getúlio registrou em sua agenda de compromissos, na página do dia 23 de agosto de 1954, segunda-feira: 

"Já que o ministério não chegou a uma conclusão, eu vou decidir: determino que os ministros militares mantenham a ordem pública. Se a ordem for mantida, entrarei com pedido de licença. Em caso contrário, os revoltosos encontrarão aqui o meu cadáver." 
A hipótese do Dep. José Barbosa coincidia com a de Ana Baumworcel, para quem 
"repercussão da leitura da carta-testamento de Vargas ao microfone das rádios foi o que realmente contribuiu para a modificação do quadro político". Ou seja, "foi o rádio que por meio da mensagem sonora fez "ver" a muitos o que se passava. O fato de ter sido a carta-testamento de Vargas escrita na primeira pessoa, possibilitou, no ato da escuta, a criação de uma identificação entre o locutor radiofônico e seu presidente morto. Também, ao ser lida ao microfone, estabeleceu-se um elo entre o que foi dito pelo locutor e o que foi escrito pelo autor. No imaginário social, seria como se os ouvintes sentissem a “alma sofrida” de Vargas através do que era narrado." 
Independentemente das versões de como a carta-testamento chegou até à emissora, foi, sem dúvida, pelas ondas da Rádio Nacional que o documento foi divulgado. Depois, as outras estações o reproduziram. 

Há, no entanto, uma controvérsia quanto ao "furo" de reportagem. Teria sido a emissora estatal Rádio Nacional com seu Repórter Esso, ou teria sido a Rádio Globo, através da qual se manifestava Carlos Lacerda, o principal opositor de Vargas?

Leo Batista, com 22 anos na época, estava na Rádio Globo e reivindica a primazia no caso da reportagem que sacudiu o Brasil: 

"... O pessoal da Aeronáutica trazia documentos para o Lacerda que sacudia na frente do microfone: “está aqui, está ouvindo o farfalhar dessas páginas”... o Lacerda estava, a noite toda, falando cobras e lagartos e denunciando e gritando... Eu tinha acabado de fazer O Globo no Ar... de repente o nosso repórter do Palácio do Catete começou a gritar: “Tira o homem do ar... Tira o Lacerda do ar, o homem se suicidou...” Aí eu corri também, eu falei: “Quem que se suicidou?” “O Getúlio, rapaz... deu um tiro no peito”. Eu falei: “Meu Deus! Então vamos dar uma edição extra...” Então cortamos o Lacerda... Ele nem tava sabendo de nada... tava xingando, o homem já tava morto... Aí entrou o prefixo... Eu dizia, eu me lembro até agora, foi assim lacônico: “E atenção, atenção senhores ouvintes. Atenção para essa edição extraordinária... Acaba de se suicidar no Palácio do Catete o presidente Getúlio Vargas. Repito...” Então, a primeira notícia realmente eu dei pela Rádio Globo, só que a Rádio Globo naquela época não era essa poderosa cadeia de rádio e televisão que é hoje." 
Ana Baumworcel acrescenta: 
"Victor Costa, por exemplo, havia posto seu trabalho à disposição de Vargas e até seu sangue se fosse preciso. O diretor geral da Rádio Nacional passou os últimos 20 dias do governo Vargas no Palácio do Catete acompanhando de perto a crise político-militar e privando da intimidade da família. 
Segundo Carlos Lacerda, principal representante da oposição a Getúlio Vargas naquele período, a carta era lida de dez em dez minutos: 
Um texto bastante agitador, em cima de um acontecimento que perturbou todo mundo. E aquilo era acompanhado com música de fundo, músicas tristes, marchas fúnebres, etc., e lido com a maior ênfase de dez em dez minutos (LACERDA:1978:147) 
Carlos Lacerda, da UDN, percebeu a importância da carta-testamento, a repercussão que estava causando e alertou para o “perigo”, sugerindo que ela fosse retirada do ar: 
O Café Filho assumiu imediatamente, mas largou as rádios de lado... Eu me lembro que telefonei, se não me engano, para o Odilo Costa Filho, que assumiu a direção da Rádio Nacional na ocasião, e disse: “Isso é uma loucura o que vocês estão fazendo! Vocês estão jogando o povo contra o governo Café Filho e daqui a pouco vai haver motins na rua. Vocês estão pondo o povo num estado de exasperação nervosa, e não há povo que aguente isso... Um povo emotivo e vocês deixam de dez em dez minutos isso ser irradiado acompanhado de música de fundo”. (LACERDA: 1978:147) 
Na noite de 28 de agosto de 1954, Lacerda retornou ao microfone da Rádio Globo e voltou a falar da carta: 
Constituía-se num evangelho maldito, de intriga, que visava desunir os brasileiros, lançando uns contra os outros (DULLES:1992:192)."  
O paradoxo é que a mesma Standard Oil que financiava o noticiário da Rádio Nacional teve seu prédio invadido pelos “órfãos” de Getúlio que foram para a rua protestar contra os “decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais...”, como dizia a carta-testamento. 
 
Carta Maior ofereceu a seus leitores o relato talvez mais fidedigno dos últimos instantes de Getúlio Vargas no Palácio do Catete na reportagem "24 de agosto de 1954: Getúlio se mata com um tiro no coração / Suicídio interrompe golpe, que já era comemorado com champanha por Lacerda": 
"De manhã cedo, o presidente Getúlio Vargas, de pijamas, sai do seu quarto no palácio do Catete, vai até o gabinete de trabalho e volta com um envelope. Pouco tempo depois, ouve-se um tiro. O filho, Lutero, corre para os aposentos do pai, seguido pela irmã, Alzira, e pela mãe, Darci. Encontram Getúlio caído na cama, com um revólver Colt calibre 32 perto da mão direita. Na altura do coração, um buraco da bala e uma mancha de sangue. Encostado no abajur, sobre o criado-mudo, estava o envelope contendo a carta que, datilografada na véspera por um amigo, explica o gesto — não é um lamento, mas um manifesto político. 
A carta-testamento não deixava dúvida sobre como o suicídio deveria ser entendido: era uma reação a uma campanha subterrânea dos grupos internacionais, aliados aos grupos nacionais, para bloquear a legislação trabalhista e o projeto desenvolvimentista. “Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida”, dizia a carta, que concluía: “Serenamente dou o meu primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar para a história.” 
Naquele momento, seu maior adversário, Carlos Lacerda (UDN), ferido no pé dias antes no atentado da rua Tonelero, comemorava com champanha o golpe que parecia vitorioso. 
Horas antes, uma reunião de oficiais de alta patente recusara a proposta de Getúlio de licenciar-se da Presidência enquanto se desenrolasse o Inquérito Policial Militar (IPM) sobre o atentado. Brigadeiros, almirantes e generais foram taxativos: só aceitariam a renúncia."
   
Carta-Testamento de Getúlio Vargas 
 
Crédito: Panfleto do MOVIMENTO CÍVICO GETÚLIO VARGAS por doação do saudoso Dep. José Barbosa, dentro do qual vem estampada a carta-testamento

 
Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. 
 
Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. 
 
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
 
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder. 
 
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
 
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. 
 
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. 
 
O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História. 
(Rio de Janeiro, 23/08/54 - Getúlio Vargas) 

 


II. BIBLIOGRAFIA



BAUMWORCEL, Ana: 1954: um retrato do rádio na época de Vargas, II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho - Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004 (Baixar em PDF) 
 
CARTA MAIOR: 24 de agosto de 1954: Getúlio se mata com um tiro no coração - Subtítulo: Suicídio interrompe golpe, que já era comemorado com champanha por Lacerda
 
CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (FGV): Rádio Nacional (dados em cache)
 
WIKIPEDIA: Getúlio Vargas

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

NOTRE DAME DE PARIS


Por Francisco José dos Santos Braga 
 
Notre-Dame de Paris cerca de 1920

 

Nos seminários salesianos foi muito utilizado um compêndio de cantos para a vida do colégio e do lar, intitulado JUVENÍLIA, publicado pela Livraria Salesiana Editora, São Paulo-SP. Possuo um exemplar de 1952 (2ª edição). Em 2004 houve uma nova edição fac-similar bancada pelo CSDP-Centro Salesiano de Documentação e Pesquisa, de Barbacena-MG, dada a enorme procura daquela edição já esgotada há muitos anos. 

 
Juvenília: 2ª edição de 1952 (doação do Pe. Fernando Anuth) e edição fac-similar de 2004 (doação do Pe. Alfredo Carrara de Melo)

Nas páginas 21-22 de Juvenília encontra-se uma bela canção intitulada "Notre Dame de Paris", com a indicação de que se trata de uma redução da peça original, composta para barítono solista e piano e tendo sido publicada em 1914 por Édit. L. Jacquot, Paris, sabendo-se que a composição é de GUSTAVE GOUBLIER (1856-1926) sobre poema de Jacques Messis (?-1944). O andamento Maestoso proposto para a peça indica que os intérpretes devem tocar uma certa parte da música de uma forma imponente, digna e majestosa. 

Partitura de Notre Dame de Paris para piano e canto

 

Vejamos então o poema em francês e a minha tradução para o português: 

NOTRE DAME DE PARIS 

Par Jacques Messis 

Sur l’immense parvis où rêve de l’histoire 
Dans sa robe de pierre où chante de la gloire, 
Elle est fière comme autrefois, 
Ouvrant large son temple où la foule s’entasse, 
Elle est là pour bénir l’humanité qui passe : 
Les vagabonds ou bien les rois! 
 
REFRAIN: 
Sous le grand soleil d’or et par les nuits sans voiles, 
Elle parle d’amour, d’espoir et de bonté! 
Et ses bras de granit tendus vers les étoiles, 
Semblent dire aux mortels : Paix et Fraternité!
 
Sur l’immense Paris Paris, cerveau du monde, 
Pour les vieux qui s’en vont et pour la tête blonde, 
Son regard doux est maternel, 
Sachant que tout est vain, que tout est éphémère, 
Elle écoute passer tous les bruits de la terre 
Et rêve son rêve éternel! 
 
Sur l’immense clocher debout en sentinelle, 
Le vieux coq des Gaulois là-haut ouvre son aile, 
Et surveille l’horizon noir, 
Il montre le chemin à son frère qui passe, 
Le bel oiseau français dont il aime l’audace, 
Tout notre orgueil, tout notre espoir! 
 
Eis a minha tradução para o poema de Jacques Messis: 
 
NOTRE DAME DE PARIS
 
Por Jacques Messis
 
Sobre o enorme adro onde sonha com a história, 
Em seu manto de pedra onde canta com a glória, 
Ela está orgulhosa como outrora, 
Abrindo seu templo onde a multidão se aglomera, 
Ela está lá para abençoar a humanidade que passa: 
Os vagabundos bem como os reis! 
 
REFRÃO: 
Sob o grande sol dourado e nas noites sem véus, 
Ela fala de amor, esperança e bondade! 
E seus braços de granito estendidos em direção às estrelas, 
Parece dizerem aos mortais: Paz e Fraternidade!
 
Sobre a imensa Paris Paris, cérebro do mundo, 
Para os velhos que estão partindo e para o bebê louro, 
Seu doce olhar é maternal, 
Sabendo que tudo é vão, que tudo é efêmero, 
Ela ouve todos os ruídos da terra 
E sonha seu sonho eterno! 
 
No enorme campanário, de pé em sentinela, 
O velho galo dos gauleses lá em cima abre sua asa, 
E vigia o horizonte escuro, 
Ele mostra o caminho a seu irmão que está passando, 
O lindo pássaro francês cuja audácia ele ama, 
Toda nossa esperança, todo nosso orgulho! 
 
Disco de 1992 contendo a canção Notre-Dame de Paris (criação: 1914)

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Antes de mais nada, tenhamos um momento de relaxamento e elevação espiritual ouvindo a gravação antológica de "Notre Dame de Paris" na voz do barítono MICHEL DENS em gravação de 1992, num arranjo para orquestra, coro e voz. Ela é a minha interpretação preferida. Para tanto, queira clicar no link para ouvir a canção composta por Gustave Goublier: https://www.youtube.com/watch?v=0bhUxqNem0E   👈
 
 
Da minha parte, esta canção me dá um profundo sentimento de respeito e de orgulho por estabelecer conexão com esse país tão rico de grandiosos feitos históricos e patrióticos, razão por que os laços de amizade com a França só podem ser de profundo respeito e admiração. 
 
No entanto, foi com imensa tristeza que acompanhei o incêndio que abateu sobre o templo católico, monumento da fé e da cristandade, enquanto se aglomerava enorme multidão seguindo o drama, estupefata: uns em silêncio, outros em oração, ainda outros em lágrimas. Foi no fatídico dia 15 de abril de 2019 que a Catedral de Notre Dame, um dos templos católicos mais famosos do mundo, pegou fogo. Por horas, a catedral de 850 anos ficou em chamas até desabarem o teto e sua torre central icônica. 
 
Notre-Dame de Paris em chamas em 15/04/2019

 
 
Fiquei um pouco aliviado quando soube que o grande órgão de Notre Dame de 8.000 tubos um dos mais prestigiosos do mundo não tinha sofrido danos consideráveis. O que o atual organista titular do órgão de Notre Dame, Olivier Latry, descreve e ilustra para nós através dos seus teclados constitui a força da longa tradição artística atuando desde os grandes organistas do século passado, de Louis Vierne a Pierre Cochereau, chegando aos nossos dias. Merecem destaque o poder e a elegância do som que reverbera o tempo todo magnificado pela poderosa arquitetura do lugar sagrado. 
 
Estou ansioso pela conclusão da reforma e reabertura da igreja para visitação dos fiéis. Os planos do governo francês e da LRMH eram reabrir Notre Dame em 2021. Mas essa reabertura foi adiada desde a chegada da pandemia do coronavírus. 
 
De fato, a experiência única de ouvir aquele órgão de tubos é indescritível. [SANTOS, 2015, 36] tenta mostrar a influência da arquitetura sobre esse instrumento musical portentoso, criando uma interdependência para atingir os fins para que foi criado: 
(...) Os momentos litúrgicos surgem como grandes concertos que envolvem as pessoas que acreditam no “aproximar-se ao divino”, numa arte total que explora o multissensorial para esse fim. O órgão de tubos consegue, com a sua dualidade, chegar aos sentidos mais imediatos e manipuláveis trabalhando com os jogos de luz e de som. O incenso que envolve os fiéis através do olfacto, a hóstia que permite saborear o “corpo de cristo” através do paladar, e todo o espaço táctil onde o som do órgão se manifesta visual e acusticamente nos momentos litúrgicos, fazem deste espaço, um espaço de arte total que involuntariamente nos envolve através dos cinco sentidos. 
Ao impacto visual desencadeado pelo cenário decorativo e lumínico envolvente, juntava-se o cheiro produzido através do incenso e dos círios e a beleza dos sons produzidos por estes instrumentos musicais, aproximando afectivamente e espiritualmente os crentes de Deus. 
É dentro deste aspecto que se pode falar em espaços musicais, no qual o órgão é o protagonista. O órgão de tubos, ao contrário da maior parte dos instrumentos, é indissociável do espaço em que está inserido, criando ambiências únicas que influenciavam a própria composição musical, direccionando-a, inconscientemente, para o espaço e não para o instrumento musical. (...)  (grifo nosso)

Por outro lado, da mesma forma que na Páscoa experimentamos a alegria e a esperança da Ressurreição, também podemos afirmar com segurança que Notre Dame será tão bonita ou mais do que antes, mais limpa e brilhante, conforme Aline Magnien, dirigente da empresa responsável pela restauração do século. Isso é um dos sinais de que a morte não terá nunca a última palavra. Essa certeza nos vem de lá, da Catedral de Notre-Dame de Paris (Ferida, mas Eterna), com seus 850 anos,  seu órgão de tubos e  sua majestade secular. 

 


II. BIBLIOGRAFIA



PÉNET, Martin: La cathédrale Notre-Dame de Paris en chansons 
 
SANTOS, Sónia Maria de Jesus: Arquitectura e Som: o Órgão de Tubos. Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura apresentada à FAUP-Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto em 2015, em Porto, Portugal, 89 p. (baixar em PDF)
 


domingo, 8 de agosto de 2021

MEU PAI E NOEL ROSA


Por Francisco José dos Santos Braga 
 
 
Em 11/12/2019, doodle do Google celebrou 109º aniversário do querido cantor e compositor brasileiro, NOEL ROSA.

 

 

 

 

 

Meu pai Roque da Fonseca Braga-Crédito: Celina Maria Braga Campos

 

Dedicado a meu saudoso pai ROQUE DA FONSECA BRAGA (15/04/1918-26/09/1984) 
Dia dos Pais, 08/08/2021 

 

Transcorria o ano de 1977, em São Paulo, ocasião em que eu morava no início da Barata Ribeiro, rua que nascia na Praça 14 Bis e findava, depois de uma rampa pronunciada, na rua Peixoto Gomide. Fui surpreendido pela segunda e última visita de meu pai feita a mim, distante da casa paterna. (A sua primeira visita será relatada numa oportuna ocasião.) Agora basta informar que eu morava num apartamento minúsculo, inadequado para acomodar dois hóspedes. Meu pai veio acompanhado do tio Sebastião, seu irmão, ambos conduzidos pelo motorista "Pavão" da "Mina" (atualmente AMG Mineração de Nazareno-MG), e por isso os três se hospedaram num hotel conhecido do motorista. 

Combinamos de reencontrar-nos à noite para assistir a um espetáculo inaugural da sede própria do Teatro Popular do Sesi, na Av. Paulista: Noel Rosa, o poeta da Vila e seus amores, fruto de uma parceria de Flávio Império (cenários e figurinos) e Osmar Rodrigues Cruz (diretor da casa), que iria futuramente repetir-se ainda em três montagens consecutivas: A Falecida, em 1979, Chiquinha Gonzaga, ó abre alas, em 1983 e O rei do riso, em 1985. 

O espetáculo daquela noite contava com grande aceitação do público que lotava avidamente o salão. Ali vimos a história de um dos maiores compositores, sambistas e cantores da música popular brasileira que tomou a forma de teatro musical. Com texto de Plínio Marcos e direção de Dagoberto Feliz, a peça passeou por fragmentos da vida do poeta, alinhavados por algumas de suas mais belas canções. 

Quando teve início a representação, desde seu leito de morte, o artista Noel Rosa revisitava momentos cruciais de sua existência. Mulheres como sua mãe D. Marta, as damas que abalaram seu coração e suas intérpretes favoritas Marília Batista e Araci de Almeida protagonizavam uma espécie de delírio que recriava o clima boêmio da era do rádio, dos carnavais de bloco e dos cabarés típicos dos arredores dos Arcos da Lapa, na cidade do Rio de Janeiro. Igualmente, atores, músicos e bailarinos dividiam o espaço da cena em uma sequência como que produzida pela livre associação do pensamento moribundo, onde a ordem cronológica se perde. 

O auge da peça aconteceu quando se encenava o duelo musical protagonizado pelo "poeta da Vila" e seu arqui-rival Wilson Batista, ocasião em que Noel Rosa já era mestre consagrado e artista popular, enquanto Wilson Batista iniciava sua carreira de compositor e autor. Há quem imagine que os dois eram bons amigos e o duelo não passasse de uma brincadeira de provocar um ao outro. Há também quem ache que Noel Rosa na realidade quisesse simplesmente tirar Wilson Batista do anonimato e oferecer-lhe o primeiro plano. 

A rivalidade  teve início quando a chegada de um rapaz de Campos-RJ, Wilson Batista, fascinara tanto Sílvio Caldas que gravou seu samba imediatamente,  ambos atraídos pela malandragem da Lapa, do centro da capital federal, simbolizada no samba do músico novato chamado 

Lenço no Pescoço (1933) 

Meu chapéu do lado 
Tamanco arrastando 
Lenço no pescoço 
Navalha no bolso 
 
Eu passo gingando 
Provoco e desafio 
Eu tenho orgulho 
em ser tão vadio (BIS) 
 
Sei que eles falam deste meu proceder 
Eu vejo quem trabalha andar no miserê 
Eu sou vadio porque tive inclinação 
Eu me lembro: era criança tirava samba-canção 
 
Comigo não 
Eu quero ver quem tem razão 
E ele toca, e você canta e eu entoo 
 
Por sua vez, Noel era fascinado por essa mesma malandragem. Resolveu então redarguir o samba de Wilson Batista quase verso a verso. Assim, para contestar o novo rival, Noel escreveu 
 
Rapaz Folgado 
 
Deixa de arrastar o teu tamanco 
Pois tamanco nunca foi sandália 
E tira do pescoço o lenço branco 
Compra sapato e gravata 
Joga fora esta navalha que te atrapalha 
 
Com chapéu do lado deste rata 
Da polícia quero que escapes 
Fazendo um samba-canção 
Eu já te dei papel e lápis 
Arranja um amor e um violão 
 
Malandro é palavra derrotista 
Que só serve pra tirar 
Todo o valor do sambista 
Proponho ao povo civilizado 
Não te chamar de malandro 
E sim de rapaz folgado 
 
Wilson viu na réplica de Noel excelente oportunidade para se promover, pois, enquanto ele era um iniciante, Noel já era um artista consagrado. Para botar lenha na fogueira, armou-se de outro samba intitulado 
 
Mocinho da Vila 
 
Você que é mocinho da Vila 
Fala muito em violão, barracão 
E outros fricotes mais 
Se não quiser perder o nome 
Cuide do seu microfone e deixe 
Quem é malandro em paz (BIS) 
 
Injusto é seu comentário 
Fala de malandro quem é otário 
Mas malandro não se faz 
Eu de lenço no pescoço 
Desacato e também tenho o meu cartaz 
 
A polêmica teria terminado por aí, se não fosse um samba de Noel que foi um sucesso tão grande que atravessou gerações, do qual até hoje todo o mundo se lembra: 
 
Feitiço da Vila 
 
Quem nasce lá na Vila 
Nem sequer vacila 
Ao abraçar o samba 
Que faz dançar os galhos 
Do arvoredo e faz a lua 
Nascer mais cedo 
 
O sol da Vila é triste 
Samba não assiste 
Porque a gente implora 
Sol, pelo amor de Deus,
Não vem agora 
Que as morenas 
Vão logo embora 
 
Lá em Vila Isabel 
Quem é bacharel 
Não tem medo de bamba 
São Paulo dá café 
Minas dá leite e a 
Vila Isabel dá samba. 
 
A Vila tem um feitiço sem farofa 
Sem vela e sem vintém 
Que nos faz bem 
Tendo nome de princesa 
Transformou o samba 
Num feitiço decente 
Que prende a gente 
 
Eu sei tudo o que faço 
Sei por onde passo 
Paixão não me aniquila 
Mas tenho que dizer 
Modéstia à parte, meus senhores, 
Eu sou da Vila. 
 
O sol da Vila é triste 
Samba não assiste 
Porque a gente implora 
Sol, pelo amor de Deus, 
Não vem agora 
Que as morenas 
Vão logo embora 
 
A zona mais tranquila 
É a nossa Vila 
O berço dos folgados 
Não há um cadeado 
No portão porque 
Na Vila não há ladrão 
 
Então, foi a vez de Wilson caprichar numa tréplica na base do verso-a-verso tal como Noel tinha feito com ele, no frescor de um samba dotado de bela melodia intitulado
 
Conversa fiada 
 
É conversa fiada dizerem 
Que o samba na Vila tem feitiço 
Eu fui ver para crer e não vi nada disso
 
A Vila é tranquila porém eu vos digo: cuidado! 
Antes de irem dormir dêem duas voltas no cadeado 
 
Eu fui à Vila ver o arvoredo se mexer 
E conhecer o berço dos folgados 
A lua nesta noite demorou tanto 
 
Assassinaram meu samba 
Veio daí o meu pranto 
 
Visto que Wilson caprichou, Noel devolveu em dobro no samba seguinte: 
 
Palpite infeliz 
 
A vila não quer abafar ninguém, 
Só que mostrar que faz samba também!!! 
 
Quem é você que não sabe o que diz? 
Meu Deus do Céu, que palpite infeliz! 
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira, 
Oswaldo Cruz e Matriz 
Que sempre souberam muito bem 
Que a Vila não quer abafar ninguém, 
Só quer mostrar que faz samba também 
 
Fazer poema lá na Vila é um brinquedo 
Ao som do samba dança até o arvoredo 
Eu já chamei você pra ver 
Você não viu porque não quis 
Quem é você que não sabe o que diz? 
 
Quem é você que não sabe o que diz? 
Meu Deus do Céu, que palpite infeliz! 
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira, 
Oswaldo Cruz e Matriz 
Que sempre souberam muito bem 
Que a Vila não quer abafar ninguém, 
Só quer mostrar que faz samba também 
 
A Vila é uma cidade independente 
Que tira samba mas não quer tirar patente 
Pr' aquele cara que não sabe 
Aonde tem o seu nariz
Quem é você que não sabe o que diz? 
Quem é você que não sabe o que diz? 
 
Wilson Batista, quando se viu descontrolado com a genialidade do poeta da Vila, partiu para um comportamento agressivo, humilhando seu oponente e zombando de sua fealdade devido à malformação de sua mandíbula inferior, consequência de má colocação do fórceps na hora do parto. 
 
Frankenstein da vila (1936)
 
Boa impressão nunca se tem 
Quando se encontra um certo alguém 
Que até parece um Frankenstein 
Mas como diz o rifão: 
por uma cara feia 
perde-se um bom coração 
 
Entre os feios és o primeiro da fila 
Todos reconhecem lá na Vila 
Essa indireta é contigo 
E depois não vá dizer 
Que eu não sei o que digo 
Sou teu amigo... 
 
Imagine se não fosse amigo!? Qual teria sido a direta!? 
 
Certo dia, Noel ouviu pelo rádio um samba de Wilson e não gostou da letra, mas impressionou-o a melodia: 
 
Terra de cego 
 
Perde a mania de bamba 
Todos sabem qual é 
O teu diploma no samba. 
 
És o abafa da Vila, eu bem sei, 
Mas na terra de cego 
Quem tem um olho é rei. 
 
Pra não terminar a discussão 
Não deves apelar 
Para um barulho à mão. 
 
Em versos podes bem desabafar 
Pois não fica bonito 
Um bacharel brigar. 
 
Tempos depois Noel encontrou Wilson num café e propôs-lhe fazer uma nova letra para aquela melodia, uma parceria única entre os dois, que teria como assunto comum uma mulher que ambos namoraram, Ceci, para Wilson um caso passageiro, para Noel o grande amor de sua vida. A letra revela outra forma de dizer nos anos 30: "Baixa a bola, filha, que eu te conheço!"
 
Deixa de ser convencida (1935) 
 
Deixa de ser convencida 
Todos sabem qual é 
Teu velho modo de vida 
 
És uma perfeita artista, eu bem sei, 
Também fui do trapézio, 
Até salto mortal 
No arame eu já dei. (BIS) 
 
E no picadeiro desta vida 
Serei o domador, 
Serás a fera abatida 
 
Conheço muito bem acrobacia 
Por isso não faço fé 
Em amor, em amor de parceria 
(Muita medalha eu ganhei!) 
 
Ou seja, o duelo de titãs acabou gerando um lindo samba. 
 

domingo, 1 de agosto de 2021

MEU DISCURSO EM HOMENAGEM À MEMÓRIA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA PEDRO ALEIXO


Por Francisco José dos Santos Braga 
 
Casa em que nasceu Pedro Aleixo em 1901, no distrito de Bandeirantes, no município de Mariana. 


 
Brevíssima biografia de Pedro Aleixo.

 
Ilmo. Sr. Chefe do Executivo marianense, Sr. Juliano Gonçalves Duarte, digníssimo Prefeito, 
Exmo. Desembargador Caetano Levi Lopes, digníssimo diretor-presidente da Escola Nacional da Magistratura e presidente de honra do Instituto Roque Camêllo e apoiador do Memorial Pedro Aleixo, 
Ilma. Sra. Dra. Merania de Oliveira, presidente-executiva do Instituto Roque Camêllo, viúva do saudoso Prof. Roque Camêllo, de quem herdou o compromisso de levar a bom termo os ideais do marido, como idealizador da referida Associação e do projeto do Memorial Pedro Aleixo,
Ilma. Sra. Edna Fonseca, Presidente da Associação dos Amigos do Memorial Pedro Aleixo, 
Prezados amigos, prezadas amigas, 
 
Inicialmente agradeço à direção do Instituto Roque Camêllo o honroso convite para dissertar sobre o Presidente Pedro Aleixo no local onde ele nasceu em 1901, no distrito de Bandeirantes do município de Mariana, nesta data comemorativa do seu 120º aniversário de nascimento. 
 
Convite do Instituto Roque Camêllo em comemoração aos 120 anos do Presidente Pedro Aleixo

 
Venho de São João del-Rei, onde resido, donde trago os melhores votos de sucesso aos Amigos do Memorial Pedro Aleixo, da parte do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei na pessoa de seu presidente Paulo Roberto Sousa Lima, como dizia, venho de São João del-Rei aqui a Bandeirantes, na companhia de minha esposa Rute Pardini Braga, para, na qualidade de conselheiro honorário do Instituto Roque Camêllo, prestar minha reverência ao Presidente Pedro Aleixo. Além disso, sou ocupante da cadeira nº 23 da Academia Marianense de Letras, cujo patrono é o ilustre marianense Roque de Oliveira Camêllo. 
 
Dr. Caetano Levi Lopes presidindo a mesa e dirigindo os trabalhos. Live dos discursos in https://m.facebook.com/RoqueCamello/posts/911701005630094

 
Ocupantes da mesa: Dª Edna Fonseca, Francisco Braga (representando o Instituto Roque Camêllo), Dr. Caetano Levi Lopes, Sr. Juliano Gonçalves Duarte (Prefeito de Mariana), acompanhado da primeira dama

 
 
Aqui comparecendo nesta data festiva, de certa forma, falo em nome de Dr. Roque, assumindo a sua perspectiva louvável, pois é dele o projeto de transformar este espaço em um importante polo turístico do município e centro difusor da história de Mariana através de um maior conhecimento da vida e obra do honrado marianense Pedro Aleixo, cujo retrato figura hoje no panteão dos presidentes brasileiros. Minha presença aqui nesta solenidade constitui para mim não só uma honra, mas também grande oportunidade de estabelecer conexão com a realidade dos projetos culturais de Dr. Roque para Mariana, em particular, e para Minas Gerais, em geral. Vou relembrar aqui o que ele dizia: que o distrito de Bandeirantes era muito importante para ele, por ter sido o berço de muitos cidadãos proeminentes da História de Minas e do Brasil, entre os quais Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira Horta (1774-1842), que foi ministro dos Negócios do Império, Ministro da Fazenda e Senador, e o Dr. Pedro Aleixo, proclamado pelo Congresso Nacional Presidente do Brasil em 2011. Outro momento feliz de Dr. Roque Camêllo foi sua brilhante iniciativa de criar, em Mariana, a Associação dos Amigos do Memorial Pedro Aleixo (AAMPA), em 1º de agosto de 2015, data do 114º aniversário do ilustre Presidente da República Pedro Aleixo. O projetado Memorial seria, a seu ver, o local em que a comunidade pudesse interagir com o acervo do ilustre criminalista marianense. Dr. Roque achava que 
“os moradores de Bandeirantes tinham total legitimidade para colaborarem com o Memorial Pedro Aleixo, para que este se consagrasse não só como uma referência turística, mas também como um centro de conhecimento da história de um cidadão que pautou sua vida pela honestidade e dignidade, sacrificando-se pelo bem da Pátria.”
Na solenidade daquele memorável dia, coordenada pelo ex-prefeito e professor Roque Camêllo, este se disse muito preocupado com o esquecimento dos homens de bem deste País, o que justificava relembrar os princípios éticos e cívicos que marcaram a trajetória de Pedro Aleixo, político e professor catedrático da UFMG. Dela participaram diversas autoridades, além de seus filhos, Padre José Carlos e Maurício Brandi Aleixo. 
 
Busto em bronze de Pedro Aleixo
 
Por que Pedro Aleixo marcou tão fortemente a vida do Dr. Roque Camêllo? O que havia de especial naquele seu mestre que apontou ao discípulo o norte, o caminho a seguir? Certamente os atributos de caráter de Pedro Aleixo. Seu mestre tinha o dom da resiliência: diante dos obstáculos intransponíveis, sabia ser resiliente à maneira das águas correntes de um rio que, diante dum obstáculo muito grande, preferem contorná-lo no seu caminho para o mar. Quando as portas da vida política lhe eram fechadas, refugiava-se na cátedra de Direito Penal na universidade, militava na sua profissão de advogado e jornalista. Diante das agruras da vida política, não esmorecia nem caía no desalento. Não considerava a circunstância desfavorável uma derrota. Parecia por em prática a letra de samba famoso: "Reconhece a queda e não desanima: levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima." Aparentemente aguardava as condições propícias para seu retorno triunfante. O que importava era continuar a ser um homem probo, apresentar um currículo cheio de serviços à pátria e, por isso, comparável aos gregos e romanos biografados por Plutarco. Daí caber-lhe com muita propriedade o epíteto "varão de Plutarco". Certamente acreditava que a vida era constituída de pequenas conquistas diárias, para as quais era necessário entusiasmo e autodeterminação. Parecia dizer no seu íntimo: "Vergo mas não quebro.

Faculdade de Direito de Minas Geraes-Bacharelandos de 1922, entre os quais Pedro Aleixo
 

A biografia de Pedro Aleixo é certamente por todos já demais conhecida, de forma que basta citar algumas passagens de sua vida para corroborar o que afirmo. 

Duas vezes ocupou o mais alto cargo do Poder Legislativo: quando era presidente da Câmara dos Deputados, o Congresso foi fechado em 1937; e o de Presidente do Congresso em 1968, quando acumulava este com o cargo de vice-Presidente da República, quando o Congresso foi novamente fechado. 
Às vezes, o próprio Aleixo comentava com humor: 
A poucas pessoas acontece serem colhidas pelo raio duas vezes na vida.
São fatos históricos indiscutíveis. 
 
No primeiro momento, em maio de 1937, Aleixo foi eleito presidente da Câmara Federal, derrotando, com o apoio do governo, a candidatura do líder mineiro Antônio Carlos. Em 10 de novembro de 1937, colocou-se contrário à implantação da ditadura do Estado Novo, que fechou o Congresso, outorgou uma nova Constituição de cunho autoritário e suspendeu os trabalhos legislativos por 9 anos. 
 
No segundo momento, em 3 de outubro de 1966, foi eleito vice-Presidente da República na chapa do marechal Artur da Costa e Silva, pela ARENA. O vice-presidente, Pedro Aleixo assumiu provisoriamente a Presidência da República, por motivo de viagem do titular ao Uruguai, no período de 11 a 14 de abril de 1967. Porém, na noite de 13 de dezembro de 1968, Aleixo participava de reunião dos membros do Conselho de Segurança do regime militar no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, a pedido do então presidente Artur da Costa e Silva, com o objetivo de aprovar o Ato Institucional nº 5 que pretendia promulgar. O referido ato propugnava uma série de medidas de exceção, autorizando o presidente a fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos parlamentares, intervir em Estados e Municípios, suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por até dez anos e suspender a garantia do habeas corpus. Prevendo o que representaria o AI-5, que foi baixado para durar alguns meses e de fato durou 10 anos, naquela noite Aleixo votou contra sua decretação. Foi o único dos 23 membros do Conselho a fazê-lo. Com seu gesto, Prof. Pedro Aleixo entrou definitivamente para a história. 
 
Reunião do Conselho de Segurança com o Presidente Costa e Silva em 13/12/1968

 
Ainda devo acrescentar que, no ano seguinte (1969), com apoio do próprio presidente Costa e Silva, Aleixo pôs suas melhores energias num projeto de Constituição liberalizante que coordenou e concluiu. Sua esperança, contudo, acabou inviabilizada por doença grave e impedimento sem volta do velho marechal. A consequência foi que a Junta Militar autonomeada obstou a posse do mineiro, em agosto, e pôs no poder, em outubro, o general gaúcho Emílio Garrastazu Médici, através de sua eleição indireta para presidência do Brasil, exercida de 30/10/1969 até 15/03/1974. 
 
Pedro Aleixo

Prezados amigos, 
A vida de Pedro Aleixo não é apenas um exemplo para nós, seres humanos, mas também para as organizações, associações e entidades de toda natureza, porque ele hauriu nesta terra de Inconfidentes e bandeirantes o melhor da mineiridade a independência e a liberdade com destemor e elegância. Teve a altivez de nada pedir, nada regatear, nada extorquir para si com os elevados cargos que ocupou. 
 
Em janeiro de 1970, Pedro Aleixo desligou-se da ARENA, passando, a seguir, a dedicar-se à organização, sem sucesso, do Partido Democrático Republicano. Não voltou mais à política. Dedicou-se então à sua profissão de advogado e professor titular de Direito Penal na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi também um dos fundadores da Faculdade Mineira de Direito, hoje integrante da PUC-MG, e ali foi catedrático de Direito Penal. 
 
Foi ainda membro da Academia Mineira de Letras, ocupante da Cadeira nº 29 cujo patrono era o são-joanense Aureliano Pimentel. 
 
Aleixo fundou e manteve a instituição de assistência a menores da Fundação São José em Ibirité, MG, contribuiu para a sustentação e aprimoramento do Abrigo Monsenhor Artur de Oliveira (antiga Casa do Pequeno Jornaleiro em Belo Horizonte, que proporcionou o exercício de atividade útil aos menores no auxílio às suas famílias carentes) e por muitos anos integrou ativamente a comissão diretora da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. 
 
Na inauguração do Abrigo de Menores Afonso de Morais, disse Pedro Aleixo: 
(...) É necessário que o homem de governo saiba sofrer com o povo e seja capaz de mergulhar verticalmente nas camadas profundas para delas emergir, não com o sentimento esportivo de alívio, mas com as apreensões de quem encontrou a verdade e viu que a verdade é triste. É um palácio a menos e um asilo a mais, onde há excesso de palácios e carências de asilos.
Colaborou ainda na reforma do sistema penitenciário em Minas Gerais. 
Morreu em Belo Horizonte, em 03 de maio de 1975, após pronunciar a frase: Parto para a liberdade.
 
TRIBUTO A PEDRO ALEIXO - HOMENAGENS E HONRARIAS de acordo com a cronologia 
 
São muitíssimas, mas pude localizar em inúmeras fontes consultadas as seguintes de maior expressão: 
Na Câmara dos Deputados, por meio da Resolução nº 104, de 3 de dezembro de 1984, a sua Biblioteca passou a se chamar "Biblioteca Pedro Aleixo". A proposição é da autoria do deputado mineiro Rondon Pacheco (PDS/MG). 
 
Foto da inauguração da Biblioteca Pedro Aleixo da Câmara dos Deputados
  
Na entrada da Academia Marianense de Letras, pode-se ver uma placa com os seguintes dizeres, em comemoração ao 96º aniversário do homenageado: 
 
À memória do Presidente 
PEDRO ALEIXO, 
membro fundador desta Casa, 
a perene homenagem da 
ACADEMIA MARIANENSE DE LETRAS. 
Mariana, 1º de agosto de 1997. 
 
Em 2001, O Estado de Minas ganhou nova e moderna sede, que recebeu o nome de Edifício Pedro Aleixo. Ele tinha sido um dos três fundadores do jornal em 1927. 
 
Em 01/08/2001 (data do centenário do nascimento de Pedro Aleixo), aqui em Bandeirantes, é inaugurado o Centro Comunitário Presidente Pedro Aleixo com a presença do filho Maurício Brandi Aleixo, do Secretário de Estado da Cultura Ângelo Oswaldo, de convidados e populares, com o objetivo de reunir aqui objetos de sua história e memória. 
Também por ocasião do centenário do nascimento de Pedro Aleixo, Dom Luciano Mendes de Almeida escreveu no artigo "Centenário 1901-2001": 
(...) Teriam sido outros os rumos do Brasil se, como era de direito, Pedro Aleixo tivesse ocupado a Presidência. E Deus permita que a memória desse cristão exemplar e líder político desperte em nossa juventude a esperança. O rigor de Pedro Aleixo na administração dos bens públicos ficou tradicional. 
No mesmo ano, em 30/08/2001 o Senado realizou sessão plenária solene para homenagear o centenário de nascimento do político, jornalista e escritor mineiro Pedro Aleixo. Entre as autoridades que estiveram presentes, foram notadas as presenças do ministro Carlos Velloso pelo STF, do representante do governo de MG, Israel Pinheiro Filho, e do senador Francelino Pereira (PFL/MG), autor do requerimento da sessão solene. 
Vários senadores ocuparam a tribuna, dentre os quais se destacaram Bernardo Cabral (PFL/AM), José Alencar (PMDB/MG), futuro vice-presidente da República (2003-2011), Arlindo Porto (PTB/MG), Pedro Simon (PMDB/RS) e Edison Lobão (PFL/MA), presidente do Senado à época. Os filhos do homenageado estiveram presentes; Heloísa, a convite do presidente interino, rompeu o lacre do envelope que continha o selo de homenagem ao pai. 
 
Quadro de Homenagens Póstumas a Pedro Aleixo

 
 
Pedro Aleixo homenageado como Presidente da República em 2011 
 
Em 30/04/2010 o senador Eduardo Azeredo apresentou ao Senado Federal o Projeto de Lei 7245 com a seguinte emenda: "Incluí o nome do cidadão Pedro Aleixo na galeria dos que foram ungidos pela Nação Brasileira para a Suprema Magistratura". Aprovado o projeto pela Câmara dos Deputados e Senado Federal sem votos contrários, foi ele sancionado. 
Impedido de ocupar a Presidência pelos Comandantes Militares porque fora contrário ao AI-5, o Congresso Nacional, pela Lei 12.486, de 12 de setembro de 2011, reparou-lhe esta injustiça, reconhecendo-o Presidente da República. 
Segundo Cláudio Humberto, a presidente Dilma Rousseff, embora não tenha se oposto a sancionar a lei que concedeu a Pedro Aleixo o status de presidente da República, se recusou a assinar a lei perante familiares de Aleixo, em ato solene, alegando ter sido presa política e revelando ignorância da História, quando, de fato, Aleixo protagonizou rara resistência civil ao autoritarismo. Ora, se Dilma dizia ter sido presa e torturada pelo mesmo Ato Institucional, não poderia ter alegado desconhecimento dos fatos. Link: http://capitaldigital.com.br/algumas-verdades-que-precisam-ser-lidas/ 
O art.1º da referida Lei veio corrigir a infeliz decisão dos Comandantes Militares e mostrar a verdade nos seguintes termos: 
“O cidadão Pedro Aleixo, Vice-Presidente da República, impedido de exercer a Presidência, em 1969, em desrespeito à Constituição Federal então em vigor, figurará na galeria dos que foram ungidos pela Nação Brasileira para a Suprema Magistratura para todos os efeitos legais.” 
 
Na entrada da Academia Marianense de Letras, pode-se ver outra placa com os seguintes dizeres:
 
 Comemorando seu 49º Aniversário, 
a Academia Marianense de Letras 
homenageia a memória do marianense 
PROFESSOR PEDRO ALEIXO, 
um dos seus fundadores, hoje reconhecido, 
com justiça, pela Lei Federal 12.486, de 12 de setembro de 2011, 
como Presidente da República, 
função que lhe foi usurpada em 1969. 
Mariana, 28 de outubro de 2011 
 
Data de 2012 a criação do Inventário do Fundo Pedro Aleixo pelo Arquivo Público Mineiro, órgão da Secretaria de Estado de Cultura do Governo de MG, abrangendo sua vida pessoal, profissional e pública, através de documentos, recortes de jornais, fotos (acervo iconográfico), obras publicadas e acervo audiovisual e sonoro. Deve-se a documentação aos filhos Maurício e Pe. José Carlos Brandi Aleixo. 
 
É criada a Fundação Instituto Pedro Aleixo (FIPA), no bairro Floresta, em Belo Horizonte. 
 
Há alguns anos atrás, a Família Aleixo adquiriu, em Bandeirantes, distrito de Mariana, a casa em que nasceu, restaurando-a para sediar o "Memorial Pedro Aleixo", um centro comunitário de cultura que guarda sua história em fotos, documentos e mobiliário. 
 
No município de Mariana, a Lei nº 3.170, de 5 de outubro de 2017, instituiu a Medalha do Mérito Jurídico Presidente Pedro Aleixo. 
 
Em 12/12/2018 descerrou-se o retrato de Pedro Aleixo na galeria dos presidentes da República do Palácio do Planalto em Brasília, na presença do Pe. José Carlos Brandi Aleixo e de Maurício Aleixo. 
 
O braço da OAB-MG, conhecida como Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais (CAA/MG), criada em 1942 para atender o advogado carente, por meio de assistência social e de saúde, em 14/04/2021 ampliou o Espaço Meu Escritório na Av. Afonso Pena com o Centro de Excelência Jurídica Dr. Pedro Aleixo, porque a CAA/MG quis fazer uma importante e merecida homenagem ao advogado, jornalista e político, que exerceu a profissão como um dom e fez história na advocacia mineira. 
 
A Câmara Municipal de Mariana instituiu a Medalha do Mérito Jurídico Presidente Aleixo através da Lei 3.170/2017, que visa divulgar os valores éticos, morais e cívicos de Pedro Aleixo, jurista, homem público marianense e defensor das liberdades democráticas no País. Desde 2017, as edições de entrega da medalha têm sido anuais, aqui em Mariana. 
 
Em 12/08/2019 o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) e a comarca de Contagem prestaram homenagem ao ex-Presidente Pedro Aleixo, dando-lhe o nome ao fórum local. À solenidade compareceu o desembargador Pedro Aleixo Neto e outros membros do TJMG.
 
O cineasta belorizontino Jesus Chediak que faleceu de Covid, em 08/05/2020, no Rio, homenageou a memória de Roque Camêllo em célebre testemunho intitulado "Roque Camêllo-garimpeiro histórico das Minas Gerais" in [GUERRA (org.): Roque Camêllo que eu conheci, 2019, 128-9], um livro de doces recordações de Roque Camêllo por seus amigos: 
(...) Conheci Roque Camêllo, quando realizava o meu documentário de longa-metragem sobre Pedro Aleixo. Ele e sua mulher, Merania de Oliveira, nos receberam e nos hospedaram em Mariana com a proverbial cortesia com que os mineiros tradicionalmente recebem os visitantes indicados por amigos. Eu fora recomendado pelo Padre José Carlos (Brandi) Aleixo, filho de Pedro Aleixo, que apoiava incondicionalmente o filme, inclusive, subsidiou o roteiro, participou da produção e atuou decisivamente para se conseguir patrocínio. Havia um forte laço de amizade entre as famílias Camêllo e Aleixo. 
Entre as entrevistas programadas em Mariana para subsidiar o filme, estava a do próprio Roque que, além de ser prefeito e presidente da Academia Marianense de Letras, era um intelectual respeitado em todo o Estado e uma pessoa sumamente amada na cidade, e, o mais importante, fora aluno e amigo de Pedro Aleixo. (...)" 
Pe. José Carlos Brandi Aleixo, ocupante da cadeira nº 19 da Academia Mineira de Letras patroneada pelo Pe. Corrêa de Almeida (1820-1905), confirma a amizade existente entre as famílias Aleixo e Camêllo em seu texto intitulado "O benemérito Roque Camêllo" in [GUERRA (org.): Roque Camêllo que eu conheci, 2019, 136-7]: 
Houve entre nossos pais (Pedro Aleixo e Torquato Camêllo) profunda amizade, que incluía apoio eleitoral deste àquele. Em 2016 Roque Camêllo lançou o valioso livro Mariana: Assim nasceram as Minas Gerais. Foi-me gratificante ver estampadas as seguintes palavras minhas, que, a seu pedido, redigi sobre meu pai: 
Filho do distrito de Bandeirantes, em Mariana, Pedro Aleixo serviu devotadamente ao Brasil sem servir-se dele. Com a advocacia, poderia ter, legitimamente, acumulado fortuna. Preferiu consagrar seus talentos e tempo à promoção do Bem Comum. Foram proverbiais sua integridade e o desprendimento. Como Vice-Presidente, não pleiteou residência oficial, continuando em singelo apartamento adquirido a prestações. Sua segurança era a de um sentinela junto à portaria do prédio. Destinava seus proventos a obras filantrópicas como a Fundação São José, criada por ele, em 1941. Presidiu-a até seu óbito, em 1975. Centenas de crianças se educaram por esta Fundação. Sua Bíblia era a companheira de viagem e livro de cabeceira. É privilégio e grande responsabilidade para mim ser seu filho." 
Por isso mesmo, nunca será um exagero dar ao ilustre criminalista marianense o célebre epíteto varão de Plutarco". 
 
E ainda o filho de Pedro Aleixo fez um testemunho memorável sobre Roque Camêllo: 
Iniciativa comovente do Roque Camêllo foi a da criação, em Mariana, da Associação dos Amigos do Memorial Pedro Aleixo (AAMPA), em 1º de agosto de 2015."
De fato, na ocasião, a solenidade, coordenada pelo ex-prefeito e professor Roque Camêllo, relembrou os princípios éticos e cívicos que marcaram a trajetória daquele político e professor catedrático da UFMG. Dela participaram diversas autoridades, além de seus filhos, Padre José Carlos e Maurício Brandi Aleixo. 
 
Conforme visto aqui, muitas honrarias e homenagens a Pedro Aleixo foram em vida, e continuam postumamente à pessoa desse grande marianense. 
 
Para finalizar esse discurso, há um fato marcante na vida de Pedro Aleixo que merece ser lembrado aqui. Quando Juscelino Kubitschek foi eleito para a Academia Mineira de Letras, em 1974, ele escolheu Pedro Aleixo para fazer-lhe o discurso de saudação. Acontece que o ilustre marianense já estava doente e faleceu antes de concluir o discurso. O que fez o presidente da Academia Mineira de Letras de então? Convocou Juscelino para fazer o elogio fúnebre em nome da Academia. Então, Juscelino fez um discurso de duas páginas. Destaco um trecho desse famoso discurso no velório do notável criminalista marianense: 
Militamos em campos opostos no plano da vida política, mas a nossa inspiração era a mesma: a de dedicação ao nosso povo, à nossa terra e à nossa pátria. Por isso, embora fôssemos adversários, sempre afetuosamente nos abraçamos. Acima das divergências e dissensões de ordem política, prevalece em nós o sentimento de estima fraterna", 
que seria talvez a mais bela confissão no seu discurso. 
 
Muito obrigado! 



Rute Pardini Braga e o convidado para saudar Pedro Aleixo na memorável data de 1º de agosto de 2021





II. BIBLIOGRAFIA

 

ALEIXO, Pedro: "O peculato no Direito Penal Brasileiro". Tese apresentada em concurso à Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais para a cadeira de Direito Penal, Belo Horizonte: Gráfica Belo Horizonte, 1956. 
 
                               — Imunidades Parlamentares - Biblioteca do Senado (baixar PDF) 
 
ALEIXO, Maurício Brandi & NÓSSEIS, Vítor Jorge Abdala: Pedro Aleixo, Sua Obra Política, 2 volumes. Editora Ibeppa, 1982, 
 
ALEIXO, José Carlos Brandi: Palestra "Presidente Pedro Aleixo: vida e obra", por Pe. José Carlos Brandi Aleixo 
 
                          — Pedro Aleixo Retratado pelo Estado de Minas com prefácio do ex-ministro Carlos Velloso do STF, Editora Fundação Assis Chateaubriand (uma coletânea das referências e participações do ex-vice-presidente da República nas páginas do jornal, lançada aos 70 anos na primeira vez que o advogado mineiro assumiu a presidência da Câmara dos Deputados.) 
 
                                — Pedro Aleixo: Itinerário de um Liberal 
 
                               — Palestra aos 70 anos da Câmara Municipal de João Pessoa no dia 24/11/2017 
 
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO: Inventário do Fundo Pedro Aleixo, 2012, 44 p.
Link: https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=Invent%C3%A1rio+do+Fundo+Pedro+Aleixo  
 
CÂMARA DOS DEPUTADOS: Perfis Parlamentares 30 - Pedro Aleixo Discursos Parlamentares, Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal
 
CHEDIAK, Jesus: Parto para a Liberdade - Uma breve história de Pedro Aleixo (2015), um documentário de longa-metragem sobre os bastidores da promulgação do AI-5, em 13/12/1968. O filme é dirigido por Jesus Chediak sobre roteiro de Pe. José Carlos Brandi Aleixo e do próprio Jesus Chediak. O documentário reúne dezenas de depoimentos, entre os quais são destacados os de políticos, jornalistas, Célio Borja, ex-ministro da Justiça e do STF, parentes de Pedro Aleixo e Dr. Roque Camêllo. 

CPDOC/FGV: "A Era Vargas: dos anos 20 a 1945"
Link: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/pedro_aleixo

ESTADO DE MINAS: Pedro Aleixo Jornalista, Belo Horizonte: O Estado de Minas, 1997
 
GUERRA, Mário de Lima (org.): O Roque Camêllo que conheci, Belo Horizonte: Gráfica O Lutador, 2019, 292 p.

LOBÃO, Edison: Pedro Aleixo: o Perfil de um Democrata, Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal

N.B. Áudio de alguns discursos na comemoração do 120º aniversário do Presidente da República Pedro Aleixo no local onde nasceu em 1º de agosto de 1901 (distrito de Bandeirantes, município de Mariana/MG) pode ser acessado in https://m.facebook.com/RoqueCamello/posts/911701005630094