segunda-feira, 15 de setembro de 2014

CARLOS GOMES, crônica de OLAVO BILAC de 02/07/1905


Por Francisco José dos Santos Braga 



I.  INTRODUÇÃO


No dia 16 de setembro de 2014 vamos comemorar o 118º aniversário da morte de Antônio Carlos Gomes, compositor e Maestro, "O MAIOR OPERISTA DAS AMÉRICAS". A forma encontrada por mim para juntar-me às homenagens que serão prestadas ao Maestro e aos festejos que acontecerão — primeiro, em Campinas, sua cidade natal; depois, em Belém do Pará, cidade que o acolheu no seu momento de maior desespero; e, por fim, no Rio de Janeiro, cidade que o engrandeceu, reverenciando e aplaudindo suas óperas —, foi escolher um texto que sintetizasse as várias facetas da personalidade do Maestro, na forma de uma crônica, e que fosse fidedigna o suficiente a fim de corroborar as principais reflexões que fiz no meu artigo "Carlos Gomes em Milão (de 1864 a 1896)", publicado neste mesmo blog  ¹.

Achei-o inopinadamente na Internet ², quando fazia a pesquisa bibliográfica sobre textos especializados para produzir meu artigo supracitado. Trata-se de importante registro histórico de uma crônica de Olavo Bilac, o grande poeta parnasiano brasileiro, intitulada "Carlos Gomes", escrita para sua coluna na Gazeta de Notícias, em 02/07/1905.

Achei por bem aguardar a comemoração do 118º ano da morte do Maestro, para condignamente contribuir — mesmo à distância, eis que me acho em viagem à Itália — para o merecido preito de nossa gratidão ao Maestro que honrou por toda a vida a Pátria que o viu nascer.


II.  Crônica de Olavo Bilac: CARLOS GOMES

Monumento-túmulo de Carlos Gomes, em Campinas


"Inaugura-se hoje, em Campinas, a estátua de Carlos Gomes. ³ Haverá, decerto, muitas flores, muita música, muitos discursos. De todos os pontos do Brasil, chegarão telegramas, em que palpitará o entusiasmo nacional. Os noticiaristas rebuscarão, para descrever a festa, os seus mais belos adjetivos; os poetas, com as tiorbas engrinaldadas de rosas e de laços de fitas, cantarão os seus hinos mais arden­tes; e, no meio desse transbordar de louvores e desse ferver de elogios, não haverá talvez quem pense no que foi a vida desse homem, que, depois de morto, tanto carinho, tanta admiração, e tanta homenagem merece…

Não podendo ir a Campinas, e querendo associar-me à glorificação do artista — preferi escrever alguma cousa sobre o que ele sofreu enquanto vivo. Projetei narrar alguns episódios da sua existência, e relembrar algumas das con­versas que com ele tive nas ruas, nos teatros, ou em casas amigas, entre paredes discretas… Mas o Acaso quis que um homem (que foi o maior, o mais dedicado, o mais cons­tante amigo de Carlos Gomes) me confiasse por algumas horas todas as cartas que recebera do autor do Guarani. Passei uma noite a folhear essas cartas — e reconheci que a exumação de todas as minhas recordações pessoais não valeria, como comentário digno da festa de hoje, um sim­ples resumo desta documentação fiel, espontânea, sincera, com que o próprio maestro comentou a sua vida, e que o seu amigo conserva como uma relíquia preciosa e sagrada.

O proprietário das cartas é o sr. Manuel Guimarães .

Uma amizade inalterável ligou em vida estes dois homens. O amigo, que ficou, não fala do amigo morto, sem que uma nuvem de saudade lhe tolde o olhar.

Todas as cartas são inéditas — e todas são interessan­tíssimas. Mas aproveitarei somente um volume da correspondência: e desse volume extrairei algumas das lágrimas de desespero, de dor, e de desengano, que Carlos Gomes chorou no seio do seu melhor confidente.

São doze anos de correspondência íntima e afetuosa; e são justamente os doze anos mais agitados, mais tumultuosos, mais torturados, mais vividos da vida do maestro.

A primeira carta é de Lecco (Lombardia), e tem a data de 26 de abril de 1884; a última é de Milão, e foi escrita em 18 de março de 1896 — quando Carlos Gomes, já com a boca devorada pelo carcinoma que o matou, se dispunha a partir para o Pará, onde vinha tomar posse do cargo de diretor do conservatório de música.

O que dá valor a estas cartas é o seu tom de absoluta sinceridade. Quem conheceu Carlos Gomes, sabe que nun­ca houve no mundo um homem mais simples, mais ingê­nuo, mais inocente. Ele próprio dizia: "Haverá alguém que possa odiar este pobre caboclo de Campinas?…".

Artistas há que, ainda quando estão escrevendo a ami­gos íntimos, têm a "preocupação da posteridade", e esco­lhem as suas frases, e velam os seus pensamentos, com a mira no "efeito"; já alguém disse que alguns homens céle­bres, até quando dormem, têm a atitude de quem está diante da máquina de um fotógrafo… Carlos Gomes não conhecia essas atitudes estudadas. Quando falava, em público ou na intimidade, falava como um caipira, com o coração à flor dos lábios; e, quando escrevia, escrevia tão naturalmente, que alguns trechos da sua correspondência não podem ser publicados, ou pelo desalinho e incorreção da frase, ou pela crueza da expressão…

Que vida agoniada, inquieta, sobressaltada, foi a deste glorificado de hoje — numa perpétua luta com os editores, com os empresários, com os cantores, e com os credores!

Já a primeira carta (1884) é um grito de angústia: "Não repare se lhe escrevo às carreiras, e, ainda mais, com demo­ra. Tenho sofrido ultimamente contínuos desgostos, e de tal natureza que me paralisam os sentidos. Por minha parte, nada espero do futuro, porque sou muito caipira, e não posso ser adulador…". E daí por diante, não cessa o caiporismo…

Dizia-se que Carlos Gomes esbanjava o dinheiro — e até que jogava. Todos os seus amigos sabem que o pobre nunca pôs a mão num baralho de cartas… E, quanto ao esbanjamento do dinheiro — como pode esbanjá-lo quem somente o ganha em porções mirradas e contadas? E não teria o direito de ganhar muito dinheiro e de gastar muito dinheiro, o homem que, pelo seu talento e pelo seu trabalho, tanto honrou e elevou o nome do Brasil?… Mas, não! pela leitura da sua correspondência, vê-se bem que as quan­tias que lhe passavam pelas mãos, mal lhe bastavam para viver com decência, e para educar os filhos. Em 1889, o maestro veio com uma companhia lírica ao Brasil, levou-a por sua conta a São Paulo — e voltou de lá endividado. Em 1890 (carta de 19 de outubro), depois de um ano de negociações, vendeu, a uma certa casa editora daqui, a pro­priedade de onze peças de música, por 350$000! A carta é dolorosa: "Aceito, enfim, a proposta da casa X porque a força maior a isso me obriga… Eles todos, desde O Guarani até O Escravo, ganham dinheiro, e riem do pobre autor… É inútil repetir-te que fico aqui esperando a quantia em fran­cos o mais breve possível, pois sabes que vivo no inferno das necessidades, e sustentando a aparência de indepen­dente. Oh! que luta, que luta, meu amigo!". Mas não have­ria aqui espaço bastante, para conter a narração dessas explorações de editores…

Em 1891 (carta de 3 de abril) Carlos Gomes vem de novo ao Brasil, com o empresário D, que deve montar algumas das suas óperas: "A patifaria de D chegou ao ponto de ter partido daqui (Milão) sem me garantir a passagem no vapor Europa a 14 do corrente. Não me chegando o adiantamento que ele me fez, tive de pôr no prego a lira com que presenteaste a Ítala. E, assim mesmo, não sei se poderei partir!…". Voltando à Europa, nesse mesmo ano — depois de ver fracassado o plano de direção de um teatro, com que o embalaram e enganaram — o maestro deixara aqui, com o seu amigo, algumas jóias. Mandou buscá-las depois, e, assim que as recebeu, empenhou-as: "Não sei como te agradeça [carta de 12 de junho de 1892] o cuidado que tiveste em remeter as jóias, que já estão depositadas no Mont de Pieté, pela quantia de 810 francos. As despesas extraordinárias, o resgate, do Condor, o seguro dos meninos, a copiatum do Colombo, me obrigaram a isso. Coragem, Gomes! Tenho certa esperança de obter qualquer cousa em Chicago!…".

Oh! esta famosa viagem a Chicago!… mais de um ano de pedidos, de promessas, de desculpas, de demoras de pa­gamento — e, depois da má vontade da comissão, de exigência dos comissários, de impossibilidade de organizar bons concertos — e, finalmente, de deficits, de calúnias, e desgostos…

Em 1895, já não é somente a falta de dinheiro o que atormenta o espírito do infeliz. Dois novos sofrimentos o torturam: a moléstia do filho (Carletto, que veio a morrer  tuberculoso) — e a moléstia própria, o início da medonha enfermidade que o matou.

A carta de 2 de fevereiro de 1895 (Milão) é um largo brado de desespero: "É triste! É doloroso! É caiporismo do teu compadre! É até cômico: gastar o último vintém, dis­parar o último cartucho, para, no fim, ficar prisioneiro da feroz inimiga: a Miséria! Mas ainda não disparei o último cartucho — o crédito de que ainda gozo nesta terra es­trangeira. Ando aumentando dívidas, mas, seja como for, hei de defender o meu filho, custe o que custar!… Carletto não apresenta melhoras… Não conto mais as consultas dos médicos desde o ano passado, nem as contas da botica… Imagina, compadre, como vou eu para o Pará!".

Nessa carta, há ainda esta linha terrível, em que aparece a idéia do suicídio: "Mancinelli (o maestro que se suicidou no Rio) era em vida um ‘joão-fera’, um bicho-brabo intra­tável — mas, por fim, deu um exemplo imitável...".

Carletto ficou em San Remo, cada vez pior, Ítala ficou em Milão — e Carlos Gomes veio ao Pará (primeira viagem): já então, o cancro progride: "A minha saúde [carta de 12 de julho de 1895, escrita a bordo] tem sorrido muito ultimamente. A antiga moléstia da boca piorou… A infla­mação da garganta também se tem agravado — e isso quer dizer que o clima do Pará não é para mim. Mas que fazer? No Rio, não me querem, nem para porteiro do conserva­tório! Em Campinas, e em São Paulo, idem! No Pará, po­rém, querem-me de braços abertos… Não me querem no Sul? morrerei no Norte: tudo é terra brasileira… Amém!".

De todas as calúnias de que foi vítima em vida o grande artista, cuja estátua se inaugura hoje, a que sempre mais lhe doeu foi a que se levantou sobre a sua falta de patriotismo.

Dizia-se comumente, sempre que se queria magoá-lo, que Carlos Gomes se havia naturalizado italiano, e que impusera aos filhos a nacionalidade italiana; e até se apre­sentava como uma demonstração do seu antibrasileirismo a escolha dos nomes que ele dera às duas crianças: Carletto e Ítala…

A correspondência esclarece esse ponto, e destrói triun­falmente a calúnia.

Em 1º de dezembro de 1891, escrevia o maestro, de Milão, ao seu amigo: 
"Fui derrotado em Pesaro, onde me apresentei candidato ao lugar de diretor do conservatório. 
O motivo da minha derrota é simples e natural: não sou italiano. Se fosse ao menos naturalizado!… Eis aqui, compadre; sem que eu a procurasse propositalmente, posso hoje dar a melhor e mais eloqüente resposta a todo e qualquer brasileiro (de Manaus a Uruguaiana) sobre as calúnias que me levantavam de ter renegado a minha pátria… Se a imprensa de todo o Brasil quisesse registrar este fato, não faria mais do que um dever de justiça; mas será inútil: a calúnia sempre deixa a catinga. 
Outras derrotas posso também registrar, começando pelo Rio de Janeiro, onde nem lugar de porteiro do conser­vatório posso obter, e pela indiferença de São Paulo, Per­nambuco, Pará, Barbacena, e até Campinas, que não res­ponderam às minhas propostas e oferecimentos a respeito da fundação de conservatórios de música!" 
Mas há ainda melhor: é o trecho da longa carta, escrita em 12 de setembro de 1895, de bordo do vapor Brasil, entre Pará e Pernambuco:  
"[...] Devo agora falar-te de uma nova desgraça a respeito do meu Carletto. A questão é séria e grave, tratando-se do recrutamento militar. Logo que nasceu o Carletto (29 de janeiro de 1873), registrei-o no consulado-geral em Gênova declarando-o brasileiro. Aos vinte anos, recebi aviso do Ministério da Guerra italiano, decla­rando que meu filho estava na lista da soldadesca [sic] para 1895, por ter nascido em Milão, ainda que de pai estran­geiro. Protestei, e houve troca de ofícios entre mim e o Mi­nistério da Guerra em Roma. Afinal, o ministério italiano mandou-me um ultimatum, dizendo que competia ao meu rapaz, aos 21, declarar qual a nacionalidade que então entendesse adotar. 
Antes de deixar a Itália, este ano, tratei do assunto na Repartição do Recrutamento, em Milão (visto a ausência de Carletto, por motivo de grave moléstia). Responderam que tudo ficaria em regra logo que o recruta se apresentasse... Parti, portanto, da Itália, tranqüilo a respeito do melindroso assunto, certo de que o Carletto, voltando a Milão, chegaria a tempo… Não, senhor! O Carletto, voltando a Milão,  teve o aviso do chefe do recrutamento, declarando-o soldado de primeira categoria, isto é, obrigado por três anos, visto não ter feito em tempo a declaração da nacionalidade estrangeira, à qual tinha direito por ser filho de pai brasileiro." 
Felizmente, tudo se arranjou, não sem dificuldade. E, em outra carta de Milão (15 de outubro de 1895), há estas nobres e comovedoras palavras:  
"És o primeiro a quem escrevo a este respeito… Carletto acaba de receber do governo italiano a declaração formal de ficar livre do serviço militar, por ser considerado estrangeiro. Estrangeiro por quê, pergunto eu? Por ser filho do maestro Carlos Gomes, o qual foi, é, e há de ser sempre estrangeiro na Itália. Este fato é mais uma resposta aos meus inimigos do Brasil, resposta a todos quantos até hoje duvidam da minha leal­dade como brasileiro legítimo e patriota! Carletto está enfim livre da farda italiana; quem o livrou foi o governo do Brasil, ou foi a legalidade?… Se eu fosse naturalizado italiano haveria governo no mundo capaz de salvar o meu filho? Compadre, a mentira tem pernas curtas; por mais que possa correr, acaba por ser alcançada pelas investi­gações da verdade… Carletto está agradecido a Carlos de Carvalho, ao nosso ministro em Roma, aos deputados que o recomendaram ao nosso governo; Carletto agradece tam­bém a ti e ao compadre Castelões, pelas visitas feitas ao ministro das Relações Estrangeiras no Rio; mas Carletto agradece ao mesmo tempo a seu pai, por ser brasileiro, fiel à sua pátria…". 
Agora, a última carta da coleção.

Carlos Gomes vai de novo partir de Milão:  
"A 1º de abril [carta de 18 de março de 1896] conto embarcar em Lisboa para o Pará, onde fui positivamente nomeado dire­tor do conservatório da capital. O meu emprego poderá durar de dous a três anos… Tudo é possível! É possível tam­bém que eu não continue por muitos meses ainda neste mundo… Não imaginas o estado gravíssimo da minha boca: a garganta e glândulas sempre inflamadas; no centro da língua uma ferida enorme… Há muitos meses que perdi o paladar; o meu alimento normal é leite e miolo de pão, nada mais. Qual é o homem que, neste estado, pode ver o futuro cor-de-rosa? Ninguém imagina o heroísmo com que eu suporto a minha situação. Acrescenta a este estado físi­co insuportável a agitação moral… Depois do Colombo, não consegui terminar trabalho algum principiado". 
E, mais adiante:  
"[...] Bastava-me um emprego, o qual finalmente acabo de obter no Pará. Este fato me consola bastante. Pará é terra brasileira… Eu sempre desejei finalizar a luta na minha terra!". 
E agora, o epílogo, o último passo doloroso da longa vida de torturas… E uma carta, já não do maestro, mas de um amigo de sempre: 
"Pará, 26 de maio de 1896. Meu caro… Desde o dia 14, o Pará hospeda com fidalguia Car­los Gomes, havendo da parte do governador Lauro Sodré toda a solicitude. Infelizmente, a junta médica, chefiada pelo dr. Pais de Carvalho, julga-o inteiramente perdido. É horrível o sofrimento do nosso maestro: a língua, inteira­mente tomada, dificulta a fala, e só lhe permite alimentar-se com leite e caldo. Como ele é teu compadre e amigo, prepara-te para tudo quanto possa haver de mais desagra­dável…". 
De fato, poucos meses depois, a 11 de julho de 1896, o grande artista morria. O emprego, tão ardentemente am­bicionado, chegara tarde; o pão, tantas vezes pedido, já não achara boca com que o pudesse comer…

Não nos revoltemos contra essa dura fatalidade, que pesa sobre o destino dos homens de gênio — desconheci­dos e desprezados em vida, e glorificados depois da morte. Na terra, sempre existiram cigarras e formigas. A cigarra nasceu para cantar, e a formiga nasceu para enriquecer: como se há de evitar que cada uma delas cumpra a sua mis­são, sujeitando-se às desvantagens ou gozando as vantagens que nessa missão estão compreendidas?

A formiga tem mais dinheiro, mas a cigarra tem mais glória. Infelizmente, a glória não é cousa que os prestamistas e os agiotas aceitem como penhor de qualquer emprés­timo…

O. B.


Gazeta de Notícias, 02/07/1905"



III.  COMENTÁRIOS DE FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA




²  Cf. in http://www.consciencia.org/carlos-gomes-cronica-de-olavo-bilac

³  O compositor e maestro Antônio Carlos Gomes faleceu em Belém do Pará, a 16 de setembro de 1896. Seu corpo foi trazido a Campinas e enterrado no Cemitério da Saudade, ficando enterrado no mausoléu da família Ferreira Penteado. Em 18 de setembro de 1903, o inventor do avião, Alberto Santos Dumont, lançou a pedra fundamental do monumento a Carlos Gomes, onde os restos mortais deste seriam definitivamente sepultados. Em 2 de julho de 1905, finalmente foi inaugurado o monumento-túmulo à memória do Maestro na Praça Antônio Pompeo, vizinha à Praça Bento Quirino,  considerado o "marco zero" e berço da cidade de Campinas. O monumento-túmulo de Carlos Gomes (que tem cópia no Rio de Janeiro, em frente ao Teatro Municipal) é obra do escultor Rodolpho Bernardelli (1852-1931), artista mexicano naturalizado brasileiro, tendo sido feita de granito, ostentando em corpo inteiro a estátua em bronze de Carlos Gomes, regendo; na base, uma figura de mulher, também em bronze, representa a cidade de Campinas.

  Manuel (José de Souza) Guimarães, apelidado Manduca, também campineiro, foi o grande amigo e confidente das dores, dos desenganos e dos desgostos que atormentaram os últimos anos d' "o maior operista das Américas".

⁵  Para maiores detalhes sobre a "cantata" Colombo de Carlos Gomes, três artigos de Gaspare Nello Vetro, na tradução de Carla Bronberg, dão inúmeros detalhes sobres as idas e vindas para a apresentação dessa que constituiu a penúltima esperança do Maestro, se considerarmos que a sua última foi a de curar-se do carcinoma em sua língua, que finalmente o vitimou.
Reproduzo abaixo o trecho do primeiro artigo, mais relevante para os nossos fins, do biógrafo italiano de Carlos Gomes, no que se refere mais especificamente a essa "cantata", no seu artigo intitulado "Colombo - Gênese e Êxito da Cantata": 
"(...) Continuando a pensar nas comemorações do descobrimento da América, mesmo no Brasil para os preparativos da estréia do Condor, Gomes havia pedido ao amigo Aníbal de Mesquita Falcão que preparasse um esboço de obra a ser musicada para a ocasião e que seria apresentada no Rio de Janeiro, na tentativa de obter alguma ajuda do governo. Retornando a Milão, sua residência fixa, Gomes tomou conhecimento, via notícias de jornais, que haveria uma exposição em Chicago. Ofereciam 25 mil francos de prêmio para a melhor cantata composta para a cerimônia de abertura. Esperando poder emparelhar a execução de Colombo tanto no Rio de Janeiro quanto em Chicago, escreve a Salvador de Mendonça, influente político brasileiro, para que o ajude no contato com a Exposição de Chicago.  
O amigo responde prontamente, porém, acreditando no caráter superficial da notícia do jornal, convence-o de que seria mais proveitoso se participasse da delegação brasileira que iria a Chicago. Talvez assim conseguisse exibir sua cantata e até, quem sabe, uma ópera.   
Tentando ainda por outras vias difundir sua obra e angariar mais fundos, Gomes também se oferece para compor a cantata que inauguraria as Celebrações Colombianas em Gênova.   
Em 14 de junho, Gomes comunicava ao amigo baiano, Teodoro Teixeira Gomes, que havia sido nomeado o presidente da comissão brasileira de Chicago, como lhe havia oferecido o amigo Salvador de Mendonça. Estava esperançoso com a oportunidade nos Estados Unidos e levava consigo 500 cópias da redução para canto e piano do Colombo, pensando em vendê-las, apesar de se preocupar com a legislação americana de direitos autorais.   
Mais uma vez, a esperança de ver Colombo executada não se concretizou. A World's Colombian Exposition abriu em 19 de outubro de 1892 (para o público em 1º de maio de 1893), com a cantata "Márcia Colombiana", de John Knowles Paine. Nem mesmo quando chegou a Chicago, com a delegação brasileira, Gomes conseguiu ver Colombo executada. No Brasil, para as comemorações do 71º aniversário da Independência, que aconteceriam em 7 de setembro de 1893, não haviam escolhido nenhuma obra nova. Seriam executadas algumas árias de suas óperas, com entrada gratuita.   
Falha também, apesar de todo o esforço empreendido pelo amigo Teodoro Teixeira Gomes, a execução de Colombo na Bahia. A única apresentação da cantata no ano de 1892 se deu em 12 de outubro, no Teatro Lírico do Rio de Janeiro, com a companhia lírica sob direção de Marino Mancinelli (irmão de Luigi, que havia regido o Cristoforo Colombo de Franchetti em Gênova) e encenação da empresa de Luigi Ducci e Cesare Ciacchi. Esta execução causou duplo desgosto a Gomes. Primeiro, porque não lhe rendeu financeiramente nada, ao contrário, quase foi obrigado a cedê-la gratuitamente aos empresários para vê-la encenada. Segundo, ainda pior, porque precisou submeter-se a uma enorme humilhação, pois havia sido a primeira vez que um trabalho seu fora impiedosamente vaiado, por um público já tendencioso.   
A cantata não foi mais apresentada até 1936, quando Heitor Villa-Lobos transformou-a em ópera para a Comemoração do Centenário de Nascimento de Carlos Gomes." 
(Cf. in http://www.centrodememoria.unicamp.br/sarao/revista44/sarao_ol_texto2_emais1.htm)

Do segundo artigo do mesmo biógrafo italiano de Carlos Gomes, Colombo - Um Olhar sobre a Cantata, reproduzo aqui trechos que interessam a esta pesquisa: 
"Mesmo chegando na Europa mais de um século depois de sua criação, este poema sinfônico contém algumas páginas das obras mais inspiradas de Gomes e merece atenção. (...)  
Na velocidade de conclusão desta obra, não se encontra simplesmente um desejo, mas uma vontade louca de desforra pela humilhação que havia sofrido. O governo brasileiro negava-lhe, após trinta anos de atividade, uma pensão, mesmo que mínima, embora fosse profissional em pleno conhecimento de sua arte, composição orquestral, vocal, teatral e coral.  
Sob esta base de profunda familiaridade com a técnica de composição, o trabalho apresenta grande equilíbrio de expressão lírica, complexo sinfônico, conjugando a riqueza da gama instrumental com a intensidade dramática. (...)"

(Cf. in http://www.centrodememoria.unicamp.br/sarao/revista44/sarao_ol_texto2_emais3.htm)

Finalmente, de um terceiro artigo do mesmo biógrafo italiano de Carlos Gomes, intitulado Colombo - Os Autores, extraio um trecho muito curioso e elucidativo: 
"O Colombo  é a última obra de Carlos Gomes a nascer em Milão. O libretista foi Albino Falanca e G. Loscar assina a Redução para Canto e Piano.  
Somos aqui confrontados por dois enigmas. Quem eram Albino Falanca e G. Loscar? Seria Falanca um poeta desconhecido? Um principiante italiano? E Loscar? Mais um desconhecido? Um pianista? Um compositor? 
Encontramos rapidamente a solução. Albino Falanca era o anagrama de um amigo brasileiro, o deputado Annibal Falcão, autor do rascunho do libreto. Este tipo de uso de anagrama lembra o de Arrigo Boito, cujo codinome era Tobia Gorrio, o autor do libretto da Gioconda de Ponchielli, ópera cuja peça mais popular, "A Dança das Horas", dizem alguns, teria sido criada por Gomes.  
E G. Loscar? A letra G. está para a abreviação de Gomes e Loscar é a inversão de Carlos.  
Podemos então concluir que o próprio Gomes era o autor da Redução para Canto e Piano. (...)"
(Cf. in http://www.centrodememoria.unicamp.br/sarao/revista44/sarao_ol_texto2_emais2.html)


IV.  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BILAC, O.: Carlos Gomes (crônica)

VETRO, G. N.: Colombo - Gênese e Êxito da Cantata, trad. Carla Bronberg
Colombo - Um Olhar sobre a Cantata, trad. Carla Bronberg
Colombo - Os Autores, trad. Carla Bronberg



sábado, 6 de setembro de 2014

CARLOS GOMES EM MILÃO (DE 1864 A 1896)


Por Francisco José dos Santos Braga


"Questo giovane comincia dove finisco io."
Este jovem começa de onde eu termino.
(frase dita por Giuseppe Verdi a 19 de março de 1870, no final da estreia de Il Guarany no Teatro alla Scala de Milão)

"Escrevi
Il Guarany para os brasileiros, Salvator Rosa para os italianos e a Fosca para os entendidos."
(frase atribuída a Carlos Gomes)
Busto de Carlos Gomes, na entrada do Museu do Scala de Milão, entre os retratos de Maria Callas e de Puccini (foto de 1990) e que agora fica numa sala destinada aos grandes compositores

I.  INTRODUÇÃO


Durante a minha viagem de 40 dias à Itália (de 11 de agosto a 20 de setembro), planejava passar alguns dias entre Gênova e Milão, depois de desfrutar uma semana em Roma e Florença. Em Gênova, consegui ficar apenas umas duas horas e, em Milão, não mais que um dia. Explico-me. Gênova é muito pouco acolhedora, não dispondo de estrutura turística como outras cidades italianas, e o povo de Milão se parece muito com o berlinense à primeira vista, colocando-se em defesa contra o coitado do turista que visita aquela cidade, descontraidamente. Coloquei-me na mesma hora na condição de nosso patrício Carlos Gomes, "um não-europeu, caipira do interior paulista, apreciador de virado e paçoca, filho de um músico pobre e medíocre", como se expressou um de seus estudiosos consultados por mim, e me perguntei: Como deve ter acolhido o milanês nosso conterrâneo genial? Não deve ter sido muito diferente a forma como me recebeu: fria, distante, arrogante. Não espanta que o articulista do jornal Corriere della Sera tenha considerado Carlos Gomes um usurpador a ocupar o lugar de compositores italianos e tenha conclamado que, pela honra da música dramática italiana, compositores como Alberto Giovannini, César Dominiceti e Franco Faccio (hoje totalmente esquecidos) é que deveriam estar ocupando o palco do Teatro alla Scala. Logo me coloquei algumas questões: Como deve ter sofrido nosso patrício em solo tão inóspito? De que forças fez uso para, se não superar, pelo menos enfrentar as adversidades a que foi lançado por sua necessidade de se fazer ouvir e de projetar o Brasil no exterior? Naquela noite, quase não conciliei o sono e, de madrugada, senti um frêmito e logo passei a lançar traços desconexos sobre "O MAIOR OPERISTA DAS AMÉRICAS", na feliz expressão do etnomusicólogo José Claver Filho, de cuja companhia tive a honra de privar nos seus últimos anos de vida na EMB-Escola de Música de Brasília. Partindo dele aquela avaliação virtuosa sobre Carlos Gomes, merece no mínimo nosso respeito, por ter ele acumulado experiência no campo musical, tendo granjeado pelo menos os seguintes louros durante sua vida: locutor da rádio MEC; membro fundador do "Coral de Brasília", sob a regência do maestro Reginaldo Carvalho (1962); autor de "Valdemar Henrique: o canto da Amazônia", publicado pela Funarte (1978) e jornalista responsável pelo tablóide "Arquivo Musical" que circulou no ano de 1991 na EMB.

Escrever sobre Carlos Gomes é assunto para especialistas. Aventuro-me, neste trabalho de pesquisa, a produzir algo compreensivo sobre o que alguns especialistas estudaram durante muitos anos de árdua pesquisa e escreveram. Nesta minha pesquisa bibliográfica, serão examinadas as diferentes contribuições científicas disponíveis sobre o tema em questão, tanto no Brasil quanto na Itália.


II.  NOSSO OPERISTA EM MILÃO


Antônio Carlos Gomes chegou à Itália em fevereiro de 1864, num momento de tensão interna na Itália que estava num processo de unificação.

Na segunda metade do século XIX, a Península Itálica estava dividida em vários reinos, que eram Estados independentes. Alguns destes reinos eram, inclusive, governados de forma autoritária por famílias reais da Áustria e da França. A Igreja Católica também tinha grande poder político em algumas regiões. A região norte, principalmente o reino de Piemonte-Sardenha, era muito mais desenvolvida do que o centro e o sul, interessando à burguesia industrial que ocorresse a unificação. Em abril de 1859, com o apoio de movimentos populares, liderados por Giuseppe Garibaldi, e de tropas francesas, os piemonteses, liderados por seu rei Vítor Emanuel II, entraram em guerra contra o Império Austro-Húngaro. Vencedores, os piemonteses conquistaram o reino da Lombardia, cuja capital era Milão. Foi o primeiro passo em direção à unificação. No ano seguinte, seguiu-se a anexação dos reinos papais de Parma, Módena, Romagna e Toscana. Ainda em 1860, foi incorporado o reino das Duas Sicílias. Faltava ainda anexar o reino de Veneza que até então era governado pelos Austríacos, o que só veio a ocorrer em 1866. E, finalmente, graças à guerra franco-prussiana, as tropas francesas aquarteladas em Roma foram convocadas para a guerra, o que possibilitou que os italianos conquistassem esse último reduto, transformando Roma na capital da Itália, que teve assim sua unificação concluída. Isso se deu em 1870, ano em que se finalizou o período heróico do Risorgimento.

Em Milão, Gomes ingressou como aluno na classe do diretor daquela entidade, maestro e compositor operístico, Lauro Rossi (1812-1885). Este, encantado com o talento do seu jovem aluno protégé, passou a recomendá-lo aos amigos. Em 1866, Gomes recebia o diploma de mestre e compositor e os maiores elogios de todos os críticos e professores, depois de prestar exames finais com a obra "La Fanciulla delle Asturie". Escreveu a música da revista Se sa minga (trad. "Nada se sabe", em dialeto milanês), com versos de Antonio Scalvini, estreada em 1º de janeiro de 1867, no Teatro Fossetti, atrai o público lombardo, bem como reconhecimento por parte de seus professores e colegas do Conservatório. Um ano depois, surgia a revista Nella Luna (canzonetta), com música de Carlos Gomes sobre versos de E. Torelli Viollier, levada à cena no Teatro Carcano.  

Antonio Carlos Gomes jovem

presença de Gomes na Itália não se restringiu à sua formação musical, mas tinha um caráter político e diplomático. Segundo a filha de Gomes, Ítala Gomes Vaz de Carvalho, apud RABELO [2013, 82], 
"(...) a vida de Gomes na Europa era constantemente subsidiada por uma frente que o apoiava e o incentivava financeiramente através do projeto cultural do Segundo Reinado. (...) Essa rede de apoiadores era ainda suficientemente ampla e influente, e serviu como mola mestra para a protagonização do compositor no projeto cultural do Segundo Reinado. O gatilho dessa condição de protagonista foi, portanto, Il Guarany (...)."
RABELO [2013, 98-99] continua, na mesma linha de reflexão, a detalhar em que consistia esse projeto cultural do Segundo Império de cunho primordialmente nacionalista: 
"Carlos Gomes esteve inserido neste contexto e o público que de longe o observava, o via como principal comunicador de uma ainda disforme entidade brasileira. É verdade que o público que de fato acompanhava a trajetória do campineiro era bastante restrito em vista da centralização perpetuada pelo governo do Segundo Reinado no que tange à execução do projeto cultural; mas, bestializado ou não, o público depositou em Carlos Gomes o título de porta-voz de uma música nacional, ou melhor, de celebridade capaz de realizar exitosamente a travessia da periferia para a metrópole, do rudimento para a sofisticação, do arcaico para o civilizado. Era esse o movimento pregado por D. Pedro II e seu programa de invenção da nação: lançar, além-mar, uma imagem de um Brasil cosmopolita e ocidentalizado e politicamente forte em detrimento das vizinhas e vulneráveis repúblicas sul-americanas."
Não é de estranhar que KIEFER [1970, pp. 83-84] tenha concluído haver razões psicológicas e sociológicas que predominavam na exaltação da figura de Carlos Gomes, dando origem a um verdadeiro mito. "Não podiam faltar em contrapartida, os iconoclastas, dispostos a derrubar de seu pedestal a figura mítica. Encontramos, de um lado, um Carlos Gomes, gênio indiscutível; de outro lado, 'um Carlos Gomes horrível' (Oswald de Andrade)."

Conta-se que, certa tarde de 1867, passeava pela Praça do Duomo, em Milão, quando ouviu um garoto apregoando: "Il Guarany! Il Guarany! Storia interessante dei selvaggi del Brasile!" Tratava-se de péssima tradução do romance de José de Alencar, mas interessou de súbito o maestro que o comprou e procurou logo Scalvini, que também ficou impressionado pela originalidade da história. E assim surgiu a sua ópera Il Guarany, que apesar de não ser a sua maior nem a melhor obra, foi aquela que o imortalizou. A noite de estreia da nova ópera foi 19 de março de 1870. No auditório se encontrava Giuseppe Verdi que teria dito aquelas palavras de incentivo ao jovem compositor, inscritas na abertura deste artigo. Consta que, no intervalo da récita, vendeu todos os direitos da ópera para o editor Francisco Lucca por 3.000 liras, que passou a lucrar com a ópera mais do que o próprio maestro. Com a ajuda de seu amigo André Rebouças, que ficara conhecendo por ocasião da comemoração do aniversário do imperador Dom Pedro II (2 de dezembro de 1870 e nos dias seguintes), sua ópera Il Guarany é apresentada  no circuito dos grandes teatros: La Pergola (Florença), Carlo Felice (Gênova), Covent Garden (Londres), Teatro Municipal de Ferrara, Teatro Municipal de Bolonha, Teatro Eretenio (Vicenza) e Teatro Social de Treviso. Além disso, a Abertura da Exposição Industrial de Milão é feita com Il Guarany e Gomes é convidado para preparar a apresentação de Il Guarany no Teatro Apollo em Roma.

Comentando acerca da ópera Il Guarany, estreada com estrondoso sucesso no Teatro alla Scala de Milão,  RABELO [2013, 84-85] diz que, "a despeito de sua inferioridade estética comparada ao restante da ampla obra gomesiana, a ópera composta especificamente para o povo brasileiro possui grande, quiçá a maior, relevância na trajetória de Carlos Gomes. Foi essa obra que cunhou sua carreira e o determinou como artista para o Brasil e, sobretudo, para a Europa."

MAMMÌ [2001, 51] também endossa claramente essa visão ao salientar que
"Il Guarany é importante não tanto pela influência que exerceu sobre o teatro lírico europeu — que houve mas foi marginal — quanto por ter sido a primeira tentativa de síntese abrangente a partir do material heterogêneo que constituía, e em parte ainda constitui, a base da sensibilidade musical brasileira. Se o Segundo Reinado se caracteriza justamente pela tentativa de construir um perfil cultural nacional, cimentando traços locais com uma linguagem internacional mais ou menos atualizada, pode-se dizer que Il Guarany é seu produto artístico mais bem sucedido."
No mesmo ano de 1870,  o rei Vítor Emanuel II nomeia Gomes Cavaleiro da Coroa da Itália.

Em dezembro de 1871, Gomes casou-se com Adelina del Conte Peri, de família bolonhesa, que ele conhecera como professora de piano no Conservatório de Milão e com quem teve cinco filhos: Carlotta Maria, Mário e Manuel José (que morreram ainda crianças); Carlo Giuseppe Andrea Gomes morreu em 1898 aos 25 anos, na Itália, estando sepultado em Milão. Por fim, Ítala Gomes Vaz de Carvalho morreu aos 60 anos, estando sepultada no Rio de Janeiro. ¹

Sua ópera Fosca, que subiu à cena em 16 de fevereiro de 1873, trouxe grandes inovações para o gênero operístico, mas, por estar alinhada aos ideais wagnerianos, não teve a receptividade esperada e constituiu uma afronta para o público italiano da época. Aguentou apenas sete récitas, depois saiu de cartaz. Mal recebida pela crítica, mais tarde viria a ser considerada a mais importante de suas obras. Sobre o ineditismo dessa obra, CASOY assim se expressa: 
"A linguagem musical que Carlos Gomes emprega na Fosca é ousada, e absolutamente nova. Hoje, musicólogos internacionalmente respeitados, entre os quais cito o inglês Julien Budden, são unânimes em reconhecer que a partitura da Fosca representa o real elemento de ligação entre Verdi e a nova escola verista que, a partir de 1890, com sua forte lufada renovadora, varreria a estagnação em que a ópera italiana mergulhara na última década. Não é a Gioconda, como afirmaram teimosamente os italianos por tantos anos — seja por bairrismo ou por desconhecimento —, a ponte de transição da ópera italiana para a modernidade. Uma análise fria nos mostra que esse papel coube à Fosca, três anos mais velha que Gioconda, pois já continha todos os elementos que tornaram a ópera de Ponchielli merecidamente famosa. 
Em seu livro Carlos Gomes, a Força Indômita, fonte inestimável e bem-documentada da maioria das informações alinhavadas neste artigo, o musicólogo Marcus Góes, o maior especialista mundial em Carlos Gomes, inseriu todo um capítulo chamado "A Fosca e La Gioconda", onde além de comparar passo a passo as duas partituras evidenciando as semelhanças, demonstra detalhadamente como Ponchielli se inspirou a fundo em Carlos Gomes. Hoje, sabemos até que Carlos Gomes auxiliou Ponchielli na revisão da partitura da Gioconda." 
CASOY ainda se refere à principal característica de Fosca, a unicidade musical da obra, nos seguintes termos, citando Carlos Gomes, a Força Indômita, de Marcus Góes: 
"(...) não será nos Leitmotive e na propriedade e beleza das frases melódicas que irá residir toda a importância da esplêndida obra musical. A Fosca é um todo harmônico e uniforme, quer estilisticamente, quer quanto à escritura em si. Não se trata de uma colcha de retalhos. Os compositores da época, Verdi à frente, procuravam uma 'tinta geral' que se jogasse por cima da obra e que lhe desse organicidade e uniformidade. (...) CG fez da Fosca uma obra de notável integridade. Quem vê essa ópera no palco e escuta, atentamente, toda a sua partitura, nota, claramente, um fio psicológico conduzindo e ligando todas as cenas. Foi o que levou Mário de Andrade, entusiasmado, a ver nela 'música sobre fundo de água, como deveria ser um drama entre corsários e vênetos'. Esse delírio aquático do poeta não ajuda muito, no entanto, a que se compreenda bem que a organicidade da Fosca está antes de mais nada na unidade estilística que nela se apresenta. CG usa, nos momentos certos, um vasto arsenal de recursos composicionais [citados acima] que irão garantir à obra aquela 'tinta geral'."  
Sobre os motivos dessa morna recepção pelo público milanês, CASOY sentencia no mesmo artigo: "Na verdade, tem sido entendimento comum dos estudiosos que o público milanês não recebeu a Fosca como merecia, simplesmente porque a obra estreou no lugar errado na hora errada."

Com essas visões abalizadas se pode comprovar o pioneirismo de Gomes, o qual utilizara procedimentos composicionais que o verismo de Mascagni e Puccini iria consagrar anos mais tarde.

Sua ópera seguinte, Salvator Rosa (1874), estreada em Gênova, foi um retumbante sucesso, apesar de ser considerada pelo próprio compositor um retrocesso estético. Esta última ópera rendeu-lhe tanto dinheiro que pôde se dar ao luxo de adquirir uma villa paradisíaca em Maggianico de Lecco, próximo a Milão, na região dos Alpes, às margens do lago de Como, na mesma região onde nascera o poeta Antonio Ghislanzoni, libretista da sua ópera Fosca. Consta que essa casa, chamada por ele de Villa Brasilia, ainda existe e é sede de uma escola de música mantida pela municipalidade de Lecco.

Villa Brasilia, em Lecco, onde residiu Carlos Gomes

O investimento de tal envergadura mostrou-se inviável em pouco tempo, obrigando-o incialmente a hipotecar a casa e por fim levando-o a abrir mão dela, por insolvência. Sem recursos, instalou-se em um modesto apartamento em Milão, com janelas para dentro da Galleria Vittorio Emanuele II.

Galleria Vittorio Emanuele II

Apartamento onde morou Carlos Gomes, dentro da Galleria e próximo ao Teatro Scala

Sua ópera Maria Tudor (1879), estreada no Teatro alla Scala de Milão, não agradou à crítica musical italiana, tendo sido considerada wagneriana. Apud VETRO, NOGUEIRA [2004, 37-46] cita duas personalidades italianas mais recentes para contrapor-se às críticas injustas que essa ópera recebeu na Itália daquela época. A primeira visão é de um musicólogo italiano, Marcello Conati, que, em texto da década de 1970, mostra que foi evidentemente subvalorizada, dada a perícia técnica com que o compositor fez uma perfeita união da eficácia dramática com os meios musicais. A outra visão é do regente italiano Gino Marinuzzi, que afirmou em 1933 que a obra 
"não somente é a expressão da grande sensibilidade artística de Carlos Gomes, como também de um conhecimento profundo das exigências teatrais e de um vasto saber musical; é dotada de uma técnica operística tão perfeita, reveladora de uma fecunda e fervorosa genialidade de inspiração, que tem o direito de ser considerada, mesmo hoje, não obstante os anos passados, como uma manifestação de arte superior e imperecível." 
A autora, no mesmo trabalho, considera que também outro fator contribuiu para aumentar o desinteresse pelas obras de Gomes na Itália: os conflitos com as duas principais casas editoras italianas, inicialmente trocando a Lucca pela Ricordi e, mais tarde, desligando-se da Casa Ricordi, quando então tentaria sem sucesso editar as suas obras por conta própria.

Em 1885, a sua situação financeira se deteriorara devido aos seguintes fatores, além daquele investimento fracassado numa villa nos Alpes: divórcio da esposa que demandou extenso processo litigioso, precedido pelo abalo permanente desde a morte prematura tanto do filho Mário em 1879 quanto do sobrinho Paulino em 1883, filho de seu irmão Pedro Sant'Anna Gomes, que sofria de tuberculose e morreu em sua companhia, deixando-o arrasado. Esses problemas financeiros e pessoais foram agravados pelo fracasso de Maria Tudor. Para completar a sua amargura, em 1887 morreu Adelina Péri e sua filha Ítala veio morar com ele.

Cabe lembrar que durante o período de uma década, vários libretos foram avaliados por Carlos Gomes, mas nenhuma ópera foi finalizada, como se verá abaixo. Em compensação, boa parte desse tempo foi ocupada pela revisão de Fosca, que acabou proporcionando outras duas versões: a que estreou em Milão, em 1878, e outra, que pode ser considerada contemporânea de Lo Schiavo, levada à cena em 1889 no Teatro Municipale de Módena e, em 1890, no Teatro dal Verme, em Milão. ²

Lo Schiavo estreou no Rio de Janeiro, "não sem inúmeros percalços e alguma pressão do Imperador Pedro II", devido ao incômodo assunto da ópera. GÓES [2013], em esclarecedor artigo citado na bibliografia, deixou claro que, contrariamente a uma crença generalizada, no Brasil houve sim escravização do indígena. Com argumento do historiador brasileiro Alfredo d'Escragnolle Taunay (que adaptou o enredo do poema épico "A Confederação dos Tamoios", de Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882) com a peça teatral "Les Danicheff", de Alexandre Dumas Filho) e libreto do poeta italiano Rodolfo Paravicini, Carlos Gomes produziu a ópera Lo Schiavo. Segundo Góes, 
"no longo poema, o herói é o chefe tamoio Aimbira ou Aimberê, o qual, inserido por Taunay em Les Danicheff, se torna um escravo. 
Não foi portanto Carlos Gomes que inventou a figura do índio escravo, nem isso não existira. E, a julgar pela música de Lo Schiavo, tinha sido justamente a insistente existência do Vale do Paraíba nos escritos de Taunay o que mais o emocionou como sensível ser humano e como artista da música. Essa emoção só seria aproveitável se o enredo da ópera se ligasse ao vale, o que não seria possível se esse enredo começasse com um escravo negro, natural de Quilôa ou Mombaça... 
O escravo índio caiu como uma luva naquela profusão de fontes. Não haveria o céu do Paraíba, nem Iberê, nem Ilara, nem a belíssima música da ópera erguida em torno deles sem o índio tamoio e sua condição de escravo obrigado a casar-se com a índia designada por seus senhores. 
Além de tudo, a história de Lo Schiavo se passa na época da fundação da cidade do Rio de Janeiro, quando era abundantíssima a escravização dos índios tamoios pelos portugueses. E, mais, Carlos Gomes não deu a menor atenção a pretensos empresários europeus que o teriam influenciado a repetir o sucesso de Il Guarany, fazendo de um índio o herói de Lo Schiavo. Foi mesmo Taunay, sempre grande amigo e protetor de Carlos Gomes, a conduzir tudo. E Taunay, misturando A Confederação dos Tamoios e Les Danicheff, fornecera a seu amigo e protegido um índio escravo cuja mulher lamentava com amargura a ausência do vale do Paraíba. Como tanto lamentava o próprio Carlos Gomes em sua exilada vida: O ciel de Parahyba, dove sognai d' amor..."

Em fevereiro de 1891, Gomes teve ainda sua última ópera, Condor, apresentada na temporada 1890-1891 do Teatro alla Scala com grande êxito. Condor é exótica, baseada numa temática oriental, e representa um significativo avanço na produção de Carlos Gomes, com uma nova proposta de estruturação melódica e coesão temática, um novo roteiro estético no qual se anunciava que a nova música requeria novos parâmetros artísticos, a exemplo das modificações introduzidas por Gomes obedecendo à forma mais moderna do recitativo.  Esta ópera em 3 atos foi composta sob encomenda da Casa Musicale Sonzogno, a única nesta condição em sua carreira. Lembre-se que as grandes editoras de música, em Milão (Ricordi e Sonzogno) estavam em ferrenha disputa. A ópera não teve sucesso duradouro, em parte devido ao libreto do desconhecido Mario Canti, considerado de baixa qualidade, tanto em relação ao desenvolvimento dramático quanto ao enredo (MURICY, 1936). COELHO [2003] entra em outras considerações acerca da ópera Condor:
"Como na Fosca, percebe-se no Condor um esforço consciente de renovação formal. Há soluções harmônicas e empregos vocais que mostram o quanto Gomes acompanhava as modificações introduzidas pelos veristas no idioma do melodrama italiano — e que, na verdade, ele antecipara nas páginas mais inovadoras da Fosca ou da Maria Tudor. Haja vista a tessitura ousada do "Vampe folgori, rivolte!", na entrada de Odalea no início do ato II, seguida da declamação entrecortada de "Febre fatal, sogno crudel d'ebra follìa", marcada andante cantabile con grande passione. (...) Há também, lado a lado do reconhecível estilo melódico do compositor — aqui tão inspirado quando no Schiavo — um refinamento de expressão que mostra Gomes em dia com a ópera francesa, de que Condor retém o modelo: a elegância da música faz pensar em Gounod, Saint-Saëns, Massenet. 
Um dos sinais da atenção à escola francesa, é o grande cuidado de Gomes — traço também presente na nova escola — em caracterizar musicalmente os ambientes (isso, de resto, já fora anunciado pela "Alvorada" do Schiavo). O ambientismo do Condor está presente nos temas de sabor oriental que ele utiliza (embora em trechos como a "Marcha Tártara", do ato II, eles soem ingênuos e um tanto postiços). Mas a escrita orquestral é muito bem trabalhada, não só no Prelúdio, no Noturno que introduz o ato III, ou no balé — em que uma das entradas, de caráter camerístico, tem melodia particularmente bonita — mas também no acompanhamento instrumental, muito elaborado, e de alto grau de autonomia em relação à linha vocal. 
O melodismo de Gomes está lá, sim, mas com movimentos mais flexíveis. O corte dos temas é menos tradicional do que no Guarany; menos popularesco do que no Salvator Rosa. Levam um passo à frente a madura expressão da Maria Tudor e do Schiavo. Há em Condor, em suma, a busca visível de um novo roteiro estético; ou, como diz Andrade Muricy, 'não um canto de cisne, mas uma indistinta, tateante aurora'. 
Condor/Odalea tem divisão em números muito tênue. Tende para a estrutura em blocos contínuos que Verdi consolidara no Otello; e, nesse sentido, confirma uma tendência já perceptível no autor desde o Guarany. Além da predominância, já observada, do tipo de vocalidade que faz a voz ascender subitamente do registro central para a região aguda — técnica que vai proliferar no Verismo —, é característica no Condor a preocupação com um tipo de declamação que valorize a clara pronúncia das palavras. E esse é outro ponto em que está intimamente associada à nova escola."
Mesmo assim, Condor teve dez récitas e foi a segunda mais assistida no Teatro Scalla em 1891. Gomes a apresentou no mesmo ano no Rio de Janeiro, mas sua imagem, ligada ao imperador Dom Pedro II, deposto pouco antes, levou público e crítica cariocas a considerá-lo um profissional antiquado, tachando-o mais por sua postura política do que pela sua música.


Independente dos ataques modernistas que tentaram de-mitizar Carlos Gomes, o musicólogo LANGE [2003, 403] é pontual em reconhecer que
"A estética desse tempo era outra; a universalidade da ópera, cobrindo o mundo civilizado, era uma só, aceita por todos; e Carlos Gomes, estabelecido na Meca operística do Ocidente, já nutrido no Brasil, desde o estudo da partitura de O Trovador, até suas experiências práticas com a ópera italiana no Rio, e posteriormente com as representações que viveu e assimilou avidamente em Milão, não podia, nem pretendia fugir delas, ou modificá-las segundo concepções que não nasceram em sua cabeça. Existia uma só meta: integrar-se no movimento presidido soberanamente por Verdi, vencer e ganhar consideração pública." 
NOGUEIRA [2005] confirma que  
"pesquisas publicadas por Marcus Góes no excelente livro "A força indômita", comprovam que, na década de 1870, Carlos Gomes foi o segundo compositor que mais apresentou obras no Teatro alla Scala de Milão, só perdendo para Giuseppe Verdi, deixando para trás nomes como Rossini, Bellini, Donizetti. Mas para reforçar os baixos padrões de estima do povo brasileiro, que sempre enfatiza a incapacidade de um brasileiro de ombrear-se a um similar europeu, como poderia um caipira do interior paulista, apreciador de virado e paçoca, filho de um músico pobre e medíocre ter sido um grande compositor, chegando mesmo a influenciar a ópera italiana? Mas as pesquisas, inclusive de musicólogos italianos como Marcelo Conatti, Giampiero Tintori e Gaspare Nello Vetro, vêm demonstrando que a realidade é essa."
GÓES [1996, 293] informa que, entre 1870 e 1879, foram apresentadas 62 récitas de óperas da autoria de Gomes no Teatro alla Scala de Milão. Com essa marca, nosso Carlos Gomes só esteve atrás de Giuseppe Verdi, que, no mesmo período, conseguiu colocar 166 récitas naquele teatro. O terceiro lugar coube a Gaetano Donizetti (54) e em quarto lugar aparece Vincenzo Bellini (36).

Antonio Carlos Gomes, compositor e maestro, "o maior operista das Américas" (1836-1896)


Em 1892 compôs ainda em Milão "Colombo", um poema vocal-sinfônico para atender às normas do concurso para o qual foi escrito. Gomes o compôs para as comemorações do IV Centenário do Descobrimento da América com o objetivo de vê-lo executado durante a "Exposição Universal de Chicago, nos Estados Unidos; entretanto, Gomes acabou não o enviando, embora tenha mantido na partitura a dedicatória "To the American People". Como alternativa, ofereceu-o ao comitê organizador das Festas Colombianas da cidade de Gênova, que, por sua vez, o preteriu por uma peça de Alberto Franchetti.

Sua última grande e monumental obra, Colombo, foi escrita para solistas (7 personagens), coro e orquestra. Além desses personagens, há a presença de dois conjuntos corais em contraponto com predominância nas vozes masculinas, e quando encenada requer um corpo de baile presente nas seguintes danças: Danza Indígena, Festa Spagnola, Pavesa, La Piazza e La Chiesa. Esta última pede ainda o acréscimo de uma banda interna e de um coro.

Em carta a Escragnole Dória, datada de 6 de junho de 1892, Gomes fala de seu novo trabalho: "Já sabes que não era possível deixar passar este centenário colombiano sem dar sinal de vida. O tal 'nhô-Colombo' andou em 1492 agarrando macacos pelo mato e metendo medo na gente. Eu, porém, que sou meio 'home', meio 'macaco velho', acabo de me vingar dele, pois agarrei no tal 'nhô-Colombo' e botei-o em música, desde o Dó mais grave até a nota mais aguda da rua da amargura. Estou vingado, arre diabo...!".

A estreia de Colombo ocorreu  em 12 de outubro de 1892, no Teatro Lírico do Rio de Janeiro, e foi recebida com frieza. Incompreendido pelo grande público, o seu grande poema vocal-sinfônico não obteve êxito. Deve-se a segunda audição da obra a Villa-Lobos, que, atento às características dramáticas da obra, encenou-a como ópera, com cenários, figurinos e coreografia, em 1936, no Theatro Lyrico do Rio de Janeiro. A partir dessa experiência, Colombo, que apresenta a estrutura e as características de uma ópera, tem sido montada como do gênero operístico. Em 1980, o Teatro Municipal de São Paulo também montou Colombo dessa forma, com relativo sucesso. A dificuldade encontrada é que os "quadros" (ao invés de "atos" previstos pelo compositor), sendo de pouca duração, obrigam a uma troca constante de cenas, além da presença de um narrador para a necessário desenvolvimento da ação cênica.

O libreto original é em italiano. O musicólogo Luiz Heitor Corrêa de Azevedo atribui o libreto de Colombo a Angelo Zanardini, que já havia coloborado com o compositor. Também há a hipótese de o autor do libreto ser Albino Falanca, pseudônimo de Aníbal Falcão (1859-1900), escritor e político, a quem Gomes supostamente teria encomendado o argumento da obra. Por fim, há a possibilidade de a autoria ser do próprio Gomes.

Vejamos o que escreveu sobre Colombo o maestro italiano Salvatore Ruberti, especialista em Carlos Gomes, sobre o qual escreveu quatro livros e uma infinidade de artigos na sua coluna "Música" no extinto Diário da Noite, cujo nome esteve ligado a temporadas líricas memoráveis no Rio de Janeiro e que viveu muitos anos no Brasil (de 1918 a 1974), tendo sido 17 anos diretor artístico do Teatro Municipal bem como o primeiro diretor artístico da Rádio Jornal do Brasil: 
"O poema symphonico-vocal Colombo, de Carlos Gomes, é, a meu ver, a criação mais perfeita que o genial artista brasileiro tenha dado ao mundo musical.  
Perfeita pelo equilíbio em todas as partes, pela correspondência exacta entre a expressão lyrica e o complexo symphonico, pela riqueza da paleta instrumental, pela intensidade dramática, pelo ímpeto e arremesso emotivos." ³
Consta ainda que Carlos Gomes solicitou ao governo ajuda financeira para representar o Brasil na Exposição Universal Colombiana de Chicago. Depois de aguardar a ajuda prometida que não chegou, viajou para Chicago com seus próprios recursos, tentou encenar Il Guarany, mas não conseguiu, tendo sido obrigado a encenar apenas trechos de suas óperas, uma vez que as subvenções do governo brasileiro não cobriam o custo das apresentações. Retornou a Milão desanimado, encontrando lá o filho Carlo Giuseppe enfermo, com tuberculose, o qual veio a falecer dois anos após o pai. A respeito da vida artística norte-americana, escreveu o próprio Gomes o seguinte: 
"A apresentação de O Guarani em Chicago foi por água abaixo, pois o governo brasileiro não deu a subvenção esperada. No dia 7 houve apenas um concerto para convidados do mundo oficial daqui. Portanto, entrada grátis. Esperava fazer aqui um mundo de negócios, mas depois percebi a triste realidade! Neste país a arte é um mito. Os americanos não se interessam por nada que não seja uma novidade da vida prática, ou seja, o meio mais fácil de ganhar dólares!" (carta de Carlos Gomes, escrita nos Estados Unidos, ao seu amigo Eugenio Tornaghi, secretário de Tito Ricordi)
Carlos Gomes deixou pelo menos as seguintes óperas incompletas: Os Mosqueteiros (1871), Ninon de Lenclos e Palma (1879), Emma de Catania e Leona (1882), Os Ciganos e Oldrada (1884), Morena (1887), Kaila e Il Cantico degli Cantici (1894).

Em abril de 1895, com sua saúde muito abalada, partiu da Itália enfermo com um câncer na língua e garganta. Dirigindo-se a Lisboa, foi submetido a uma intervenção cirúrgica sem resultados animadores.

No dia 14 de maio de 1896, Belém do Pará o acolheu em seu retorno à terra natal, a convite do governador Lauro Sodré, que o nomeou diretor do Conservatório de Música de Belém, cargo que ocupou por apenas três meses, vindo a falecer no dia 16 de setembro de 1896.

Na Wikipedia, consta uma curiosidade a respeito do monumento da praça Ramos de Azevedo em São Paulo, dedicado ao maestro e compositor Carlos Gomes. Durante uma das visitas a São Paulo, Pietro Mascagni, que era amigo de Gomes, ficou intrigado com o monumento que acabara de ser inaugurado. "Admirei o conjunto, mas não reconheci a fisionomia do maestro esculpida no bronze", contou. "Soube depois que se tratava do busto do general José Gomes Pinheiro Machado. Não me contive e fui procurar o Sr. Washington Luís, que a princípio se mostrou incrédulo, só se convencendo com provas. O governo mandou retirar o busto e substituí-lo pelo verdadeiro." E a Wikipedia finaliza assim sua curiosidade: Graças a Mascagni, a estátua que vemos junto ao Theatro Municipal hoje tem a cabeça certa (de Carlos Gomes).



III.  NOTAS  DO  AUTOR



¹   Informações acerca da família de Carlos Gomes e do monumento-túmulo do maestro que o município campineiro construiu em sua homenagem são fornecidas in http://historiadacidade.wordpress.com/2010/06/28/carlos-gomes-3/

²  Cf. NOGUEIRA, M.P.: Muito Além do Melodrama: Os Prelúdios e Sinfonias das Óperas de Carlos Gomes, São Paulo: Editora UNESP, 2006, p. 251.

³  Apud MARICATO, D.: Um pouco de Carlos Gomes 1, in http://maestrocarlosgomes.blogspot.it/2012/09/um-pouco-de-carlos-gomes-1.html


IV.  REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS



CASOY, S.:  Fosca, a ópera dos entendidos, 2010, in http://www.sergiocasoyopera.com.br/wp-content/themes/default/pdf.php?ID=1353

COELHO, L.M.:  A Ópera Italiana Após 1870, São Paulo: Editora Perspectiva, 2002

GÓES, M.: Carlos Gomes, a Força Indômita, Belém do Pará: Secult, 1996,

Lo Schiavo - Um Índio Escravo, sim Senhor!, in http://operaeballet.blogspot.it/2013/11/lo-schiavo-um-indio-escravo-sim-senhor.html, de 2013.

KIEFER, B.: História da música brasileira, dos primórdios ao início do século XX. Porto Alegre: Movimento, 1976.

LANGE, F.C.: A música erudita na Regência e no Império. In: HOLANDA (org.): História geral da civilização brasileira, v. 3, São Paulo: Editora Record, 2003.

MAMMÌ, L.: Carlos Gomes, São Paulo: Publifolha, 2001.

MARICATO, D.: "Lo Schiavo" - sétima ópera de Carlos Gomes, in http://maestrocarlosgomes.blogspot.it/2009/10/lo-schiavo-setima-opera-de-carlos-gomes.html

NOGUEIRA, L.W.M.: O "Progresso" e a produção musical de Carlos Gomes entre 1879 e 1885, Revista OPUS nº 10, dezembro de 2004, pp. 37-46, disponível na Internet in http://www.anppom.com.br/opus/data/issues/archive/10/files/OPUS_10_Nogueira.pdf
Obs.: "Progresso" é como ficou conhecida a peça para solistas, coro, orquestra e fanfarra intitulada "Coro Triunfal ao Povo Campineiro" (1885). NOGUEIRA registra um fato digno de destaque para os fins deste artigo: depois de citar que a primeira audição do hino se deu em 25 de dezembro de 1885, às 13 horas, no palacete onde foi instalada uma exposição agro-industrial no centro de Campinas, ela continua a comentar sobre o que veio a seguir: "Terminados os discursos das autoridades — ministro da Agricultura Conselheiro Antonio da Silva Prado, presidente da Província de São Paulo, Alfredo Correia de Oliveira, e membros do Centro de Lavoura e Comércio do Rio de Janeiro —, a peça foi repetida, seguida pelo Hino da Sociedade Artística Beneficente de autoria do músico de São João d'el Rey, Presciliano Silva, que morava em Campinas. Entre as solistas estava a cantora Maria Monteiro, que pouco tempo depois embarcaria para a Itália onde teve meteórica carreira, ceifada pela morte precoce aos 27 anos. (...)" (grifo meu)

                             
Música e política: o caso de Carlos Gomes, in http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2005/sessao4/lenita_nogueira.pdf

NOGUEIRA, M.P.: Muito Além do Melodrama: Os Prelúdios e Sinfonias das Óperas de Carlos Gomes, São Paulo: Editora UNESP, 2006, 323 pp.

PENALVA
, J.: Carlos Gomes, o compositor, Campinas: Papyrus, 1986, 151 p.
Obs.: À página 12 do seu livro, PENALVA trata do acesso que Gomes teve ao repertório de partituras que seu pai Manuel José Gomes utilizava: 
"A maior fonte de inspiração, entretanto, encontrou-a no repertório que os conjuntos de seu pai executava. Surpreende verificar no arquivo do Museu Carlos Gomes de Campinas a presença de um acervo preciosíssimo que remonta àqueles tempos, com partituras de Boccherini, Stradella, Giodani, Haydn, Weber, Rossini, Bellini, Donizetti, Verdi, Mercadante e Strauss; autores do chamado Barroco Mineiro como Manuel Dias, João de Deus e Presciliano da Silva, compositores de São Paulo e do Rui, Elias Lobo, Jesuíno do Monte Carmelo, André da Silva Gomes, José Maurício, Sigismundo e Fortunato Mazziotti. Além da música ligeira, há quartetos, quintetos, sinfonias, aberturas, semanas santas, ofícios, novenas, paixões, Te Deum, credos, missas para coro a 4, 5 e 8 vozes mistas, com orquestra de câmera ou sinfônica. Muitas dessas obras foram copiadas pelo próprio pai de Carlos Gomes em viagens que empreendeu à capital do Imperio. As do Barroco Mineiro poderiam ter provindo, segundo hipótese não improvável, da primeira esposa de Manuel José, Maria Inocência do Céu, originária de São João del Rey, Minas Gerais." (grifo meu) 
Obs.: Parece que, de seus vários casamentos, Manuel José teve 26 filhos. Antonio Carlos Gomes é fruto do casamento de Manuel José Gomes com Fabiana Maria Jaguary Cardoso.

RABELO, A.C.: O lugar de Carlos Gomes na formação social da música brasileira, 2013, in http://www.humanas.unifesp.br/ciencias_sociais/dissertacoes-defendidas-versao-final/alberto-coutinho-rabelo

VETRO, G.N. (org.): Antonio Carlos Gomes: carteggi italiani raccolti e commentati. Milão: Nuove Edizioni, 3 volumes, s.d.b
Obs.: Para maiores informações sobre o que trata a coletânea de cartas do compositor Carlos Gomes, resgatadas nos três livros de Gaspare Nello Vestro, queira acessar a seguinte resenha de Carla Bromberg: http://www.centrodememoria.unicamp.br/sarao/revista03/sarao_re_resenha.htm