segunda-feira, 30 de maio de 2016

FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA, DANÇA E TEATRO, DE 1975 EM SÃO PAULO


Por Francisco José dos Santos Braga


I.  INTRODUÇÃO



Em 1975, quando o Estadão  esse prestigioso órgão da imprensa paulista  comemorava seu primeiro centenário (1875-1975), eis que um novo desafio surgiu na figura de um Festival Internacional de Música, Dança e Teatro, a ser coberto no mês de julho, uma promoção da Secretaria Municipal de Cultura em colaboração com a Secretaria de Cultura, Ciência  e Tecnologia do Governo do Estado. Além disso, de acordo com a programação oficial ¹, os promotores do Festival tinham decidido, durante o Festival Internacional, dar ampla divulgação à música francesa (sob a denominação de Festival de Música Francesa) e, em especial, à de Maurice Ravel, cujo centenário era comemorado em todo o mundo ocidental naquele ano. 

Inicialmente, cabe lembrar que nas segundas-feiras (portanto, nos dias 7, 14, 21 e 28 de julho) o Estadão não circulou. Normalmente o Estadão tinha o costume de anunciar a apresentação e, um ou dois dias depois, comentá-la ou criticá-la de acordo com os critérios rígidos do jornal. Eventualmente fugiu a essa regra a divulgação de um ou outro evento; por exemplo, foi o que ocorreu com o do dia 21 de julho de 1975, no qual o Estadão não circulou nem descobri a sua divulgação da atividade artística daquela data no dia anterior nem nos dias posteriores, razão por que a atividade que estava prevista para aquela data não foi apreciada nesta pesquisa, a saber: 

Música de Câmara
Conjunto Instrumental e Vocal
Festival Ravel
Soprano: Edmar Ferretti
Violinista: Cussy de Almeida
Pianista: Jacques Klein
QUARTETO DE CORDAS MUNICIPAL
____________________________________
SONATA PARA VIOLINO E PIANO
Scheherazade: Soprano - Quarteto


Igualmente constava da programação oficial a apresentação da peça teatral "Réveillon" nos dias 14 e 15 de julho, conforme também foi confirmado na matéria intitulada "No Festival, uma noite do Stagium" (edição de 12 de julho) . No dia 14 o jornal não circulou e, nem no dia 15 nem nos dias posteriores, encontrei alguma matéria tratando da referida atividade. Abaixo apresento o programa que estava previsto para o dia 14:

TEATRO
Regina Duarte
em
REVEILLON
de Flávio Márcio

A programação para o dia 15 era de reapresentação da peça teatral, como segue:

TEATRO
Yara Amaral, Sérgio Lamberti, Ênia Gonçalves, Mário Prata
Cenografia e Figurinos: Flávio Império
Direção: Paulo José
REVEILLON

Além disso, verificou-se uma inserção notável na programação oficial (a da apresentação do Duo Ughi-Isador no Teatro Municipal), tanto no sábado, dia 5 de julho, quanto na terça-feira, dia 8, esta provavelmente às 19 horas, o que deve ter ocorrido antes da apresentação do conjunto de câmara "Capella Coloniensis" (que se apresentou às 21 horas).

Finalmente, ocorreu uma última inserção, na programação oficial, de uma noite inteiramente dedicada à dança: a apresentação do Balé Stagium no sábado, dia 12, às 21 horas, no Teatro Municipal.



II.  MATÉRIAS QUE SAÍRAM NO ESTADÃO COBRINDO O FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA, DANÇA E TEATRO, DE 1975 EM SÃO PAULO


Peças de Beethoven abrem hoje o Festival  

"Com a apresentação do concerto nº 1 para piano e orquestra e a 9ª Sinfonia de Beethoven — uma das mais significativas obras da História da Música Ocidental  começará hoje, no Teatro Municipal, a partir das 21 horas, com a previsão de um mês de duração, o Festival Internacional de Música, Dança e Teatro, promoção da Secretaria Municipal de Cultura em colaboração com a Secretaria de Cultura, Ciência  e Tecnologia do Governo do Estado. 
O espetáculo contará com a participação de solistas internacionais e será regido pelo maestro Eleazar de Carvalho, que terá sob sua direção, além da Sinfônica Estadual, o Coral Lírico Municipal e o pianista Jacques Klein, intérprete da primeira parte do programa. 
Considerada um dos ápices da música do Ocidente, a última sinfonia de Beethoven tem um sentido especial na História da Música: além de ser a derradeira e uma das mais perfeitas sinfonias do compositor, arrola-se entre as obras que Beethoven escreveu completamente surdo. O fato, segundo os especialistas, tornou extremamente difícil sua execução. Impossibilitado de ouvir o que escrevera, Beethoven extrapolou algumas convenções sobre o uso da voz humana na época. Isso tudo, aliado ao recurso da voz humana numa sinfonia  procedimento até então inédito já que a voz não era considerada um "instrumento" sinfônico  contribuiu ainda mais para tornar a obra conhecida e admirada pela posteridade.
A trajetória desta sinfonia, porém, segundo ainda os musicólogos, não se exauriu no sucesso que se seguiu à sua estréia em 1824: pelas imensas possibilidades que se abriam com a riqueza dramática da obra, que se vale de uma poesia de Schiller, "Ode à Alegria", para a parte vocal, no último movimento ela se tornaria o paradigma dos compositores responsáveis pela grande revolução musical em fins do século passado, casos de Richard Wagner, Gustav Mahler e outros. Na execução de hoje da 9ª Sinfonia, atuarão como solistas o soprano Irma Urrila, da Noruega, o mezzo-soprano Carole Rosen, da Inglaterra e o baixo Kim Borg, da Finlândia. O nome do tenor não foi divulgado."
Fonte: O Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.755, edição de 1º de julho de 1975, p. 13.


Apresentação digna da abertura de um Festival 

Por Caldeira Filho 
FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA, DANÇA E TEATRO  Programa: Beethoven: Concerto op. 15, para piano e orquestra, solista Jacques Klein, e Nona Sinfonia, Orquestra Sinfônica Estadual, Coral Municipal (Maestros preparadores Marcello Mechetti e Zwinglio Faustini), soprano Ruth Falcon, meio-soprano Carole Rosen, tenor Aldo Baldin, baixo Kim Berg. Regente Maestro Eleazar de Carvalho. Dia 1-7-75, no Municipal. 
"Jacques Klein reafirmou plenamente as características que o tornam um dos mais apreciados pianistas da atualidade. A fineza da execução aliada a uma expressividade em tudo afim ao espírito da obra, o soberbo domínio do "toucher" e uma concepção bastante espiritualizada daquela peça, aparentemente tão fácil, levaram-no a uma interpretação concordante com a juvenilidade da obra e do autor. O Concerto nº 1 (realmente o segundo, em ordem de composição), esteticamente situado no século 18, composto em 1799 e publicado em 1801, pode ser considerado como pertencendo ao primeiro período da produção beethoveniana. Klein o reviveu com inegável autenticidade. 
Ao fim da primeira audição da Nona Sinfonia, em Viena, a 7 de maio de 1824, o público entregou-se a uma ovação delirante. O êxito foi imenso, entusiástico. Agora, 151 anos depois, ao final do concerto ora comentado, o público que superlotava o Municipal expandiu-se também mediante uma aclamação interminável, a exceder todos os limites da admiração. Já fora do teatro, ouviam-se de longe os "bravos", as palmas, e sentia-se mesmo o calor da atmosfera que então se criara. 
Nona Sinfonia tornou-se, efetivamente, um patrimônio da humanidade. Passam as gerações, mudam-se as estéticas, sucedem-se profundas mudanças sociais e políticas, e a sua mensagem parece inesgotável em significação, como se dotada de um poder encantatório que nenhuma outra obra musical despertou até nossos dias. A juventude de hoje aceita e procura essa música como sua, como atual, paradoxalmente clara no seu mistério e gigantesca como poder criador de um velho doente, surdo e miserável. E ele contava então 54 anos... 
Pouco há a comentar quanto à obra. Beethoven é objeto talvez (Wagner não pode ser esquecido desse ponto de vista) da mais vasta literatura consagrada a um músico. E nela, é considerável a parte consagrada à sua obra máxima. Parece não ser possível uma qualidade de execução que lhe seja correspondente em grandeza. Por isso, uma boa execução já é muito. Inegavelmente, a esse nível chegaram Eleazar de Carvalho e seus comandados. Seria imperdoável esquecer a propriedade do colorido e as gradações dinâmicas, elementos exteriorizadores da expressividade da obra. Dirigiu-se com serena segurança, quer quanto aos meios de realização, orquestra e vozes, quer quanto à sua própria concepção, à vivência subjetiva que dela tem. 
Não inferiores mostraram-se os solistas, soprano Ruth Falcon (Estados Unidos), largamente premiada em importantes concursos; Carole Rosen, meio-soprano (Londres), experiente em numerosos desempenhos operísticos; tenor Aldo Baldin (Brasil), premiado no País e no exterior, e baixo Kim Borg (Finlândia), também compositor e professor, cuja carreira vem-se desenvolvendo em apresentações nos principais teatros da Europa. Os momentos solistas desses cantores mostraram-lhes suficientemente o valor. 
A parte vocal, a cargo do Coral Municipal, embora digna de elogios, não pôde escapar a algumas imperfeições. Deve-se, porém, levar em conta a dificuldade enorme da partitura, o que, se não justifica, pelo menos explica a observação acima. 
A Orquestra Sinfônica Estadual deu cabal desempenho à sua parte, tendo concorrido eficazmente para o êxito da execução. 
Estas apreciações parciais devem, todavia, ser consideradas em referência ao todo, à atuação da complexa aparelhagem sonora integrada em um critério único de interpretação. Todos participaram dos aplausos do público que realmente sentiu a Sinfonia em sua ampla e universal significação. 
Com este concerto inaugurou-se o Festival Internacional de Música, Dança e Teatro, a ser desenvolvido durante o corrente mês. Dois reparos, porém, devem ser consignados. Em primeiro lugar, a Nona Sinfonia deveria ser peça única sempre que fosse apresentada, em vista da sua densidade expressiva e significação artística. Ainda assim, o Concerto para piano, que a antecedeu, permitiu a comparação entre o início e o ápice da carreira de Beethoven, ou seja, entre o fim do classicismo e o despontar, desde logo gigantesco, do romantismo musical. Em segundo lugar, o público dispensaria perfeitamente ser recebido no Teatro ao som de marchas e dobrados executados por uma banda de música colocada no saguão. Para os ouvintes, tal ambientação preparatória não podia ter sido pior."  

Fonte: O Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.757, edição de 3 de julho de 1975, p. 16.



Roberto Szidon dá seqüência ao Festival 

"O pianista Roberto Szidon apresenta-se hoje, às 21 horas, no Teatro Municipal, em programa que dá prosseguimento ao Festival Internacional de Música, Dança e Teatro, iniciado ontem com promoção da Secretaria de Cultura da Prefeitura. No recital serão executadas composições de cinco autores: a "Sonata 576", de Mozart; as "Variações sobre Weinen, Klagen, Sorgen e Zagen de Bach", de Liszt; a "Suíte Floral opus 97", de Villa-Lobos; os "Cinco Prelúdios opus 16", de Scriabin, e "Quadros de uma exposição", de Mussorgski. 
Desde 1969 radicado na Alemanha, Roberto Szidon é, ao lado de Nelson Freire, o pianista brasileiro mais aceito internacionalmente. Essa aceitação se evidencia nas apreciações favoráveis de austeros críticos musicais, nas freqüentes apresentações e nas suas inúmeras gravações, que logo se transformam em êxito. Em 10 anos de vida profissional, Szidon gravou 34 discos e no período de 1973 a 1974 vendeu, na Europa, mais de 41 mil LPs, um número só igualado por Von Karajan. Entre os discos mais procurados do pianista estão os seus registros das sonatas de Prokofief, Rachmaninof e Scriabin e das rapsódias de Liszt. 
Um "fenômeno pianístico", como o chamou o jornal alemão "Frankfurter Neue Presse", Roberto Szidon nasceu em Porto Alegre. Sua carreira internacional teve início em 1966, quando recebeu um convite do Departamento de Estado para passar um ano nos Estados Unidos, onde estudou com Claudio Arrau e freqüentou a Julliard School."  

Fonte: O Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.756, edição de 2 de julho de 1975, p. 9.



Audições de Szidon e da Camerata Benda 

Por Caldeira Filho 
PIANISTA ROBERTO SZIDON  Programa: Mozart, Sonata em ré  maior; Liszt, Variações sobre Weinen, Klagen, Sorgen e Zagen de Bach; Villa-Lobos, Suíte Florestal, op. 97; Scriabin, Cinco Prelúdios, op. 16 e Mussorgsky, Quadros de uma exposição. 2-7-75 no Municipal.   
"É um prazer, realmente, ouvir o pianista Roberto Szidon, cuja carreira, nos vários setores de apresentação  solista, com orquestra, recitais e gravações   continua em plena ascensão. Seu toque é suave e chega a agradáveis "pianíssimos". Nos "fortes", jamais é áspero, pois procura na dinâmica os resultados estéticos e não meramente físicos. 
A execução de todo o programa resultou em ampla e valiosa exposição de muitas facetas que constituem a sua arte pianística. O fraseado é claro, a interpretação sempre animada por real intenção criadora. É exato que sua virtuosidade amplamente desenvolvida leva-o a "correr" um pouco em certos trechos de agilidade. Com alguma contenção no andamento, ele chegaria com facilidade ao toque chamado "perlé" (ou "aperolado", como já foi proposto), que seria realmente encantador em artista de tal nível, que ocupa posição de evidência entre os pianistas internacionais da atualidade." 

CAMERATA BENDA  Programa:  Dvorak, Quinteto para piano, 2 violinos, viola e violoncelo; Mozart, Quinteto K.V. 581, para clarineta, 2 violinos, viola e violoncelo; Poulenc, Sexteto para flauta, oboé, clarineta, fagote, trompa e piano. Componentes: Lola Benda e Ariano Pfister-Benda, violinos; Perez Dworecki, viola; Calixto Corazza, violoncelo; Grace Lorraine Busch, flauta; Salvador Ilson Masano, oboé; Leonardo Righi, clarineta; Alain Lacour, fagote; Daniel Havens, trompa; e Sebastian Benda, piano. Dia 3-7-75, no Municipal.

"A Camerata Benda vem contribuindo positivamente para o movimento musical paulistano. Sua composição permite-lhe variadas disposições de conjunto e, consequentemente, variedade de repertório e aperfeiçoamento da execução. Os valorosos professores pertencentes à Camerata realizaram com inegável musicalidade os fatores expressivos da música. 
A sonoridade mostrou-se clara, os contrastes expressivos soaram de modo proporcionado ao contexto e a elocução do discurso musical atendeu à velha exigência de "unidade na variedade". Com isso, a mensagem estética pode ser imediatamente apreendida e tornar completo o prazer de ouvir música. Algum aperfeiçoamento é porém possível, evitando-se, nos momentos em que o piano está presente, a tendência para o comportamento orquestral, para uma dimensão sonora inadequada ao quadro camerístico. Nem por isso lhe fica diminuído o mérito, objeto de calorosos aplausos do público.

Fonte: O ESTADO DE S. PAULO, Ano 96, nº 30.759, edição de 5 de julho de 1975, p. 9.



Magda Tagliaferro retorna ao Municipal 

"Magdalena Tagliaferro volta hoje ² ao palco do Teatro Municipal, sem se lembrar quantas vezes já se apresentou nele. "70? 80?"  pergunta a uma amigo, que lhe responde  terem sido muito mais. O número, porém, não tem importância, diz ela, porque o que vale é estar em São Paulo, a cidade onde foi criada, "e não a cidade em que nasci". 
A pianista faz questão de esclarecer que seu nascimento foi em Petrópolis, para evitar confusões, como a que fazia um antigo presidente da República, que jurava que ela tinha nascido no Rio Grande do Sul. "Ela é gaúcha, vi-a criança por lá", imita a voz do presidente com um toque de humor e melancolia. 
Mas a melancolia passa apenas de leve na expressão da pianista, que logo readquire sua habitual vivacidade para falar da sua vida de hoje. Chegou anteontem de Paris, onde mora, e já ontem ensaiou durante três horas com orquestra o "Concerto nº 5", de Saint-Saëns, que tocará hoje e na repetição do concerto, depois de amanhã. Sua apresentação faz parte do quarto programa do Festival Internacional de Música, Dança e Teatro, atualmente realizando-se em São Paulo, em promoção da Secretaria Municipal de Cultura. As outras peças do programa são o terceiro (sic) "Concert en Sextuor", de Jean Philippe Rameau, compositor do século XVIII (barroco) e a "Sinfonia Fantástica", de Hector Berlioz, do século XIX e, como Saint-Saens, pertencente ao período romântico. As peças serão executadas pela Orquestra Sinfônica Municipal, sob regência do maestro Eleazar de Carvalho. 
Parte da vida 
Magdalena Tagliaferro não se lembra igualmente quantas vezes já executou o concerto de Saint-Saëns e diz que a peça já faz parte da sua vida. "É como se eu mesma a tivesse composto", acrescenta, para ilustrar a grande familiaridade que já tem com a música. Sem se preocupar com datas, informa que a peça foi escrita no Egito, daí ser chamada também de concerto oriental. "A segunda parte é muito típica e muito colorida, justamente por causa dessa cor local. Toda ela dura uma meia hora e é muito difícil, tanto do ponto de vista técnico quanto de interpretação".
Há muitos anos também não se lembra quantos não era dirigida por Eleazar de Carvalho e isso era uma das suas mágoas. Foi ela possivelmente a primeira a tocar com ele, isso muitos anos antes do maestro ter viajado para os Estados Unidos. A propósito, observa, "é um absurdo quererem acabar com a Orquestra Sinfônica Estadual. Um Estado como São Paulo não ter a sua própria orquestra é um absurdo inconcebível." 
Com "bem mais de 80 anos", segundo pessoas de suas relações, Magda Tagliaferro dá a impressão de ser intemporal, tão ágil e tão disposta se mostra. Totalmente refeita de um acidente que sofreu há dois anos em Brasília, no qual quebrou a perna, trabalha com o entusiasmo de jovem. E não trabalha pouco. 
Terça-feira próxima embarca para Caracas, na Venezuela, onde ficará um mês dando concerto e cursos públicos de alta interpretação pianística. De lá volta para São Paulo para dois concertos, nos dias 22 e 24 de agosto, com a Orquestra Sinfônica Estadual. Volta a Paris e em setembro estará de novo em São Paulo para três recitais no MASP, patrocinados pela Prefeitura. Em outubro se apresenta em Monte Carlo, executando o concerto de Schumann sob regência do maestro Paul Parray. 
Afora essa maratona de concertos, a artista encontra tempo para dar aulas na Académie Internationale Magda Tagliaferro, e no Conservatório de Música de Paris, do qual é catedrática de Aperfeiçoamento e Virtuosidade desde 1937. Encontra tempo também para supervisionar a Escola Magda Tagliaferro de São Paulo (com filial no Rio) e para ainda as suas já famosas "master classes" e "cursos públicos", o último dos quais, em Paris, reuniu na "Salle Cortot" pianistas representantes de 16 países. Embora não goste de gravações,  "o disco não transmite a verdadeira emoção do artista" — gravou apenas nos dois últimos anos um álbum com músicas de Chopin, outro com os 12 prelúdios de Debussy, um de música espanhola, um de música francesa e um todo dedicado a Villa-Lobos. 
Por ser uma pessoa que não fixa números, Magdalena Tagliaferro também não se lembra do número de condecorações que já recebeu. Recorda as principais: é "commandeur" da Legião de Honra e "officier" das Artes e Letras de Paris. Em janeiro deste ano foi condecorada no palácio dos Campos Elísios pelo presidente Giscard D'Estaing e ao som de uma música de Granados, tocada por ela mesma, com a "Grand Croix de l'Ordre National du Mérite". "A França", diz, "sempre me foi reconhecida."  ³

Fonte: O Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.758, edição de 4 de julho de 1975, p. 10.




Violino e piano no Festival de Música 

"Com um programa dedicado quase inteiramente à música romântica, realiza-se hoje às 21 horas, no Municipal, um recital com o duo Uto Ughi (violino) e Michael Isador (piano). A apresentação dos dois artistas faz parte do Festival Internacional de Música, Dança e Teatro que se realiza atualmente no teatro numa promoção da Secretaria Municipal da Cultura em colaboração com a Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado. 
O duo, formado por Ughi, natural da Itália, e Michael Isador, norte-americano, executará a obra de um contemporâneo (Prokofieff) e outras de três autores do século passado. 
Na primeira parte será tocada a sonata nº 1 em ré maior, opus 12, de Beethoven, e a Sonata em lá maior, opus 100, de Brahms. Na segunda, a sonata em ré maior, opus 94 (Bis), de Prokofieff e, encerrando o programa, dois "Caprichos" para violino e piano (versão de Szymanowski) de Paganini."
FonteO ESTADO DE S. PAULO, Ano 96, nº 30.759, edição de 5 de julho de 1975, p. 9.


Festival encerra a primeira semana com música francesa 
"Com a reapresentação do Festival de Música Francesa, às 10 horas no Teatro Municipal, encerra-se hoje a primeira semana do Festival Internacional de Música, Dança e Teatro, promoção da Secretaria de Cultura do Município em convênio com a Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado. Amanhã, na abertura da nova série de espetáculos que se prolongarão ainda por todo o mês de julho, o Municipal de São Paulo, a partir das 21 horas, receberá a Orquestra Armorial do Recife. 
Liderada pelo violinista pernambucano, Cussy de Almeida, a Orquestra Armorial executará um concerto dedicado exclusivamente aos compositores barrocos e clássicos. Na primeira parte, o conjunto nordestino executará o "Divertimento nº 1", de Mozart, concerto para cordas de Karl Stamitz (1746-1801) e a "Pequena Serenata", de Mozart. A seguir, a Orquestra Armorial tocará uma peça de Pieter Hellendaal (1721-1799), o concerto nº 1 para violino e, por fim, o "Concerto Duplo", para dois violinos, de Bach, pela violinista Brigitta Fassi Fihri. Como vem fazendo já há anos, Cussy de Almeida executará as peças do programa com seu "Stradivarius", único instrumento desta marca existente no Brasil.  
Na repetição de hoje do programa de sexta-feira, será executado o concerto em Sextuor de Rameau, o concerto nº 5, de Saint-Saëns para piano, com Magda Tagliaferro como solista e a "Sinfonia Fantástica", de Berlioz. (...)"
Fonte: O ESTADO DE S. PAULO, Ano 96, nº 30.760, edição de 6 de julho de  1975, p. 24.


Tagliaferro expressa a essência da música

Por Caldeira Filho 
FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA, DANÇA E TEATRO. Programa consagrado à música francesa: Rameau, "La Poule", do VI Concerto em Sextuor; Saint-Saëns, Concerto nº 5, em fá maior, op. 103, para piano e orquestra, com a solista Magda Tagliaferro; Berlioz, "Sinfonia Fantástica", op. 14.    
"Magda Tagliaferro é um paradigma de arte pianística contemporânea. Para tanto, concorre um talento virtuosístico realmente incomum, aliado a uma musicalidade cuja dimensão parece ilimitada — a cada apresentação ela se ultrapassa — e ao fato de ser-lhe exigência vital o ato de tocar piano. Por isso, o instrumento é um prolongamento de seu ser. Ela insufla nele a vida e o faz parte da sua personalidade. Reciprocamente, o piano lhe transmite a magia da sua mecânica, que transforma vibrações físicas em insuperáveis obras de arte.  
A vida de Magda Tagliaferro, seus atos, sua movimentação, sua energia, que ela mesma chama "energia tagliaferresca", todo esse comportamento lembra um piano em contínua execução, uma música sempre cantante e inspirada, uma incontida e intensa atualização de potencialidades criadoras. E isso porque Magda, música e piano são uma só coisa. Logo ao entrar no palco, o público sentiu a presença daquelas virtualidades e ovacionou a artista com o entusiasmo que em geral se verifica ao final dos concertos.  
A interpretação do belo Concerto chamado "Oriental", de Saint-Saëns, justificou o que foi dito acima. As conotações de lugar, tempo, ambientação e outras foram excedidas pela magia da presença da música em si mesma, liberta de quaisquer associações. No segundo movimento, Andante, ela provocou, com uma sonoridade toda especial, indizível sensação de distância, de alheamento quanto ao momento atual. Mas não era ao Oriente que ela nos levava, e sim à essência mesma da música, à sua altíssima espiritualidade. E ao voltarmos a nós mesmos, sentíamo-nos purificados pela participação num rito em que ela fora a suprema e incomparável sacerdotisa. O regresso não foi, porém, o fim de um encantamento, mas o início de uma libertação que nos fazia experimentar uma vivência inteiramente nova. Por isso, ao final do êxtase, o público explodiu, realmente em aplausos, tal a intensidade da estesia em que o mantivera a artista. Ovação interminável e a concessão de uma peça extraprograma, um maravilhoso Noturno de Chopin, prolongaram o encanto de uma realização para todos inesquecível. 
Magda Tagliaferro observou o interesse do programa. Não se deve porém esquecer a interessante peça de Rameau e muito menos a grande "Sinfonia Fantástica" de Berlioz, talvez o único francês participante da primeira fase do romantismo. Ambas as execuções agradaram plenamente graças à atuação da Orquestra e do maestro Eleazar de Carvalho, que souberam, também, manter linha de inteira concordância estética com a solista no concerto mencionado."
FonteO ESTADO DE S. PAULO, Ano 96, nº 30.761, 8 de julho de 1975, p. 12.



O "Capella Coloniensis" dá seqüência ao Festival 

"O 'Capella Coloniensis', orquestra barroca da Rádio Alemanha Ocidental, um dos conjuntos mais famosos no gênero, apresenta-se hoje às 21 horas no Municipal em prosseguimento ao Festival Internacional de Música, Dança e Teatro. O conjunto, que é regido por Guenter Wich, tocará o concerto grosso em ré maior opus 6, nº 5, de Haendel; concerto para "viola d'amore", cordas e baixo contínuo em lá maior, de Vivaldi; a abertura e suíte do balé "Les Fêtes d'Hebé", de Rameau, e a sinfonia em dó maior K. 425 ("Linz"), de Mozart.  
Criado à imagem e semelhança das grandes "capellas" da corte do século XVIII (conjuntos que preenchiam as mesmas funções das sinfônicas atuais), o "Capella Coloniensis" busca em tudo a recriação do período barroco. Seus instrumentos ou são da época ou foram fabricados conforme os modelos do século XVIII. Isso explica não só a sonoridade, como as peculiaridades do grupo, que usa instrumentos de cordas feitas de tripas, oboés, fagotes e flautas barrocas — fabricados sem os recursos das chaves introduzidas só no século XIX — e principalmente os instrumentos de metais.  
As trompas do "Coloniensis" não são cromáticas e seus trompetes são de difícil execução: como cópias exatas de seus congêneres do século XVIII, só recentemente os trompetes, na sua forma tradicional, puderam ser introduzidos no conjunto.
OS ÊXITOS 
Apesar de sua fidelidade ao Século XVIII, inclusive na afinação — está mais ou menos provado que os conjuntos do período afinavam meio tom abaixo dos atuais  o "Capella Coloniensis" vem tendo um êxito sem par. Desde sua fundação em 1953, o grupo já atuou em todos os países da Europa e da União Soviética, tendo excursionando sempre com êxito pelo Japão e outros países asiáticos, América Latina, Estados Unidos e Canadá. No programa de hoje, o "Coloniensis" fará uma amostra de seu repertório constituído de obras dos mestres do barroco italiano, francês, alemão e inglês, incluindo peças do período pré-clássico  daí a introdução de certas obras de Haydn, Mozart e outros.  
Parte do trabalho do "Coloniensis" se deve a seu regente — 
Guenter Wich , um especialista no gênero. Tendo estudado na academia de Freiburg, Wich obteve vários prêmios como flautista antes de se dedicar à regência do "Capella Coloniensis", que hoje, graças a sua ação conta com vários solistas internacionais, como Dieter Vorholz (violino), Wolfgang Neiniger (violino), Ulrich Joch (viola d'amore) e Zoltan Racz (violoncelo). Como nos dias anteriores, o concerto de hoje terá preços que variam de 2 a 15 cruzeiros." 

Fonte: O ESTADO DE S. PAULO, Ano 96, nº 30.761, 8 de julho de 1975, p. 12.



No Festival, peças de 3 compositores 

"Com obras de Gustav Mahler, Villa-Lobos e Beethoven, a Orquestra Sinfônica Estadual, sob a regência do maestro Diogo Pacheco, realizará hoje, a partir das 21 horas, no Municipal, mais um concerto do Festival Internacional de Música, Dança e Teatro, promoção da Secretaria de Cultura do Município em colaboração com a Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado. No programa o "Adagietto" da Quinta Sinfonia de Gustav Mahler, o poema sinfônico "Uirapuru", de Villa-Lobos, e a Quinta Sinfonia de Beethoven. 
Das peças programadas, duas se destacam de modo especial como amostra significativa da obra de seus compositores: "Adagietto", do movimento da Quinta Sinfonia do austríaco Gustav Mahler, e "Uirapuru", de Villa-Lobos. Mahler, um dos mais controvertidos músicos do fim do século passado, só há pouco começou a ser reabilitado pela crítica que sempre o considerou um dos maiores regentes da história mas um compositor até certo ponto discutível.  
É que o regente emérito de Brahms, Beethoven e Mozart, ao contrário de alguns dos últimos românticos, nunca abandonou a tonalidade: pelo contrário, como grande instrumentista, explorou-a sob aspectos até certo ponto convencionais, preferindo o colorido orquestral às incursões pelas inovações harmônicas. Isso não o impediu de apoiar compositores que mais tarde viriam destruir o sistema tonal, caso de seu conterrâneo Arnold Schoenberg  criador do Dodecafonismo  a escola atonal mais coerente do século XX. Ao lado de Mahler, o poema sinfônico "Uirapuru", de Villa-Lobos, é quase o oposto: o brasileiro foi a antítese dos músicos preocupados com a forma  uma característica que se manteve mesmo entre os últimos românticos alemães. Com base na lenda indígena do uirapuru, a peça reflete nítida influência do impressionismo francês, fato comum em Villa-Lobos que, apesar de manter sempre um estilo personalíssimo, voltado para a música nacional, foi marcado por compositores de várias épocas." 

FonteO ESTADO DE S. PAULO, Ano 96, nº 30.762, 9 de julho de 1975, p. 10.




No Festival, recital de piano de Malcuzynsky 
"Depois de dez concertos, o Festival Internacional de Música, Dança e Teatro que se realiza atualmente no Municipal, prossegue hoje, às 21 horas, com o primeiro da série de seis recitais de piano anunciados para toda a promoção. Trata-se da apresentação do pianista Witold Malcuzynsky que executará um programa dedicado quase que inteiramente a Chopin, compositor do qual é considerado um dos maiores intérpretes. Na primeira parte, Malcuzynsky tocará a Polonaise em dó menor opus 40, nº 2, um Noturno, quatro Mazurcas e o Scherzo nº 3, em dó sustenido menor, de Chopin. A seguir, o pianista executará a Sonata em mi menor e o "Vale de Obermann", da série "Anos de Peregrinação", de Liszt. 
A consagração de Malcuzynsky, como intérprete de Chopin e dos românticos em geral, data da época de suas apresentações após seu contato com outro grande pianista também polonês, Paderewsky, que lhe foi apresentado por seu professor ainda na Polônia. O jovem intérprete entusiasmou tanto o consagrado mestre que Paderewsky não só acedeu em se tornar seu professor, como o convidou para residir em sua casa. Daí em diante, abandonando os cursos de Filosofia e Direito na Universidade de Varsóvia, Malcuzynsky começou sua carreira como pianista, primeiro em seu próprio país, pátria de Chopin, mais tarde  quando da invasão da Polônia pelo nazismo  no resto do mundo. Nas diversas vezes em que esteve no Brasil  a partir de sua primeira excursão em 1940 — Malcuzynsky apenas confirmou a fama que o precedia como pianista de uma geração hoje quase extinta que se dedicou exclusivamente aos músicos do passado romântico — época áurea do piano." 


Duo atua com técnica e lirismo

Por Caldeira Filho 
FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA  Violinista Uto Ughi. Ao piano, Michael Isador. Programa: Beethoven, Sonata nº 1, op. 12 nº 1; Brahms, Sonata nº 2, op. 100; Tartini, Sonata del Trillo del diavolo; Prokofieff, Sonata em ré maior, op. 94. 8/7/1975, no Municipal. 
   
"Uto Ughi, informa o programa, tem o privilégio de tocar no violino Stradivarius "Van Houten-Kreutzer", que já pertenceu ao violinista Rudolf Kreutzer, amigo de Beethoven, considerado um dos grandes intérpretes da atualidade.  
Suas interpretações de peças diferentes em caráter têm um denominador comum: o lirismo. Efetivamente, ele procura, antes de tudo, fazer o instrumento cantar a música. Atribui, para isso, à linha melódica, ricos matizes cromáticos e dinâmicos, fraseológicos e rítmicos. Ouve-se então uma música realmente viva, em que a emoção, na sua imensa variedade de aspectos, está sempre presente. Mostrou-se idílico em Beethoven, comedido nas exuberâncias não raro marcantes da bela temática de Brahms, imprimiu leveza à virtuosidade exigida por Tartini e tratou adequadamente a dualidade estética de Prokofieff, ora intensa e expressiva, ora simples, exterior e alegre. Mostrou-se artista completo segundo seu temperamento. 
Ao piano, Michael Isador, nascido e educado nos Estados Unidos, onde foi aluno de Rosina Lhévinne. Estudou também na Europa, onde obteve, em 1960, o Primeiro Prêmio do Conservatório de Paris, e alia o magistério às apresentações como concertista. Sua atuação não foi a de um acompanhador, mas a de um participante, pois dividiu com o violinista, nas Sonatas, a responsabilidade da interpretação. E o fez em igualdade de nível técnico e artístico com aquele, pelo que a manifestação não foi um recital, mas sim um concerto do duo Ughi-Isador. 
FonteO ESTADO DE S. PAULO, Ano 96, nº 30.763, 10 de julho de 1975, p. 15.



Audição do Conjunto Armorial do Recife 

Por Caldeira Filho  
FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA, DANÇA E TEATRO  Orquestra Armorial do Recife. Componentes: 1.os violinos, Cussy de Almeida, Birgitta Fassi Fihri, Ricardo Cussy Lessa; 2.os violinos, Luis Soler, Benny Wolkoff, Samuel Gegna, Rafael Garcia; Violas, Juan Carlos Sarudiansky, Emilio Sobel; Violoncelos, Marisa Johnson, José Carrien; Contrabaixo, Silvio Coelho. Programa: Mozart, Divertimento nº 1; Stamitz, Quarteto para orquestra de cordas; Mozart, Eine Kleine Nachtmusik; Hallendaal, Concerto nº 1; Bach, Concerto em dó menor para dois violinos e orquestra. 7-7-75, no Municipal.  
  
"O Conjunto Armorial de Camara, fundado por Cussy de Almeida, tem em vista a difusão da musica barroca universal e particularmente a redescoberta do barroco musical nordestino. Suas apresentações anteriores, mormente aquela realizada no MASP com o concurso de Ariano Suassuna, despertaram enorme interesse. Agora, a qualidade do grupo, em termos de musica de camara erudita, chegou a nível muito alto.  
A perfeita fusão dos componentes evidenciou-se em todas as direções expressivas — sonoridade, andamento, colorido, dinamica  no Divertimento de Mozart, e reafirmou-se no Quarteto de Stamitz. De novo, Mozart veio mostrar que a Orquestra Armorial procura, ao lado da beleza da musica, o encanto da realização, que se mostrou requintada, aristocrática, como se exigia para a musica palaciana da época.    
Após o Concerto de Hallendaal, ouviu-se o soberbo Concerto Duplo de Bach, do qual foram solistas Cussy de Almeida e Birgitta Fassi Fihri. No universo musical desse autor, os executantes entraram profundamente, assinalaram-lhe, pela qualidade da execução, os mais belos momentos, aqueles em que musica e sonoridade se fundem, mostrando mais uma vez a verdade da afirmação de Debussy: 'Tout rythme dépend de la bouche qui le prononce'. "
Com 2 compositores, prossegue o festival 
"Com um programa que incluirá a participação especial de Witold Malcuzynsky, que ontem deu um recital em São Paulo, a Sinfônica da Prefeitura, sob a regência de Eleazar de Carvalho, apresentará hoje, às 21 horas, no Municipal, mais um espetáculo da série que se prolongará até o fim de julho como parte do Festival Internacional de Música, Dança e Teatro. Serão executados a Sinfonia Concertante e um concerto para violino e orquestra de Mozart, além do Concerto nº 1 para piano e orquestra de Tchaikowsky.  
Afora Malcuzynsky, que atuará com a orquestra executando o concerto de Tchaikowsky, uma das peças mais divulgadas do repertório tradicional, o espetáculo de hoje mostrará ainda mais cinco solistas: na execução da Sinfonia Concertante atuarão solistas da própria orquestra e no concerto para violino, de Mozart, o concertista será o violinista pernambucano Cussy de Almeida. 
Da série de mais de 700 obras de Mozart, as composições para instrumentos solistas ocupam uma posição importante. Além de 27 concertos para piano, Mozart escreveu para quase todos os instrumentos da orquestra clássica. É isso que dá um interesse especial à Sinfonia Concertante. A peça foi escrita para oboé, clarinete, trompa e fagote, que serão executados respectivamente por Benito Sanches, Leonardo Righi, Enzo Pedini e Fernando Tancredi. "
FonteO Estado de S. PauloAno 96, nº 30.764, edição de 11 de julho de 1975, p. 10.



Concerto reafirma talento do pianista 

Por Caldeira Filho 
FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA, DANÇA E TEATRO  Orquestra Sinfônica Estadual. Programa: Mahler, Adagietto para cordas (da 5ª Sinfonia); Villa-Lobos, Uirapuru, poema sinfônico; Beethoven, Concerto nº 5 para piano e orquestra. Solista, Antônio Guedes Barbosa. Regente, Maestro Diogo Pacheco. 8-7-75, no Municipal. 
"Antônio Guedes Barbosa tocou com total desembaraço o Concerto nº 5 de Beethoven, chamado "Imperador". Sua execução é a de um pianista consumado. Possui amplo domínio da técnica do instrumento, o que justifica o seu reconhecimento como um artista do teclado, e não dos menores, segundo as críticas que tem recebido e os êxitos que lhe coroam as apresentações no País e no exterior e as suas numerosas gravações. 
Assim, a bela peça de Beethoven soou segundo uma interpretação de caráter brilhante, que levou o público a aplaudi-lo com entusiasmo. Pareceu-me, porém, ter-lhe escapado o espírito real da obra. Ela é grandiosa, verdadeiramente majestática, mas não é um trecho de "bravura", em que a velocidade é fator de muito efeito. E foi a velocidade que mudou a feição expressiva característica da peça. Conseqüentemente, houve prejuízo para a solenidade da introdução, a nobreza que envolve o tema inicial e, para dar mais um exemplo, a aparência aristocrática, nada popular, do Rondó final. Reconhece-se porém que, segundo a sua maneira de compreender e sentir a peça, Guedes Barbosa atuou com brilho e propriedade, mostrando-se realmente lírico no Adagio central. 
Diogo Pacheco levou a Orquestra a igual interpretação de sua parte no Concerto, pelo que os méritos e as restrições (inclusive quanto à aspereza de certos "fortes") lhe são também cabíveis. Interpretação mais adequada foi dada às peças de Mahler e de Villa-Lobos, a primeira um suave noturno, e a segunda uma esplêndida fantasia tropical." 
 
Fonte: O Estado de S. PauloAno 96, nº 30.765, edição de 12 de julho de 1975, p. 8.


No Festival, uma noite do Stagium 
"O Festival Internacional, que até agora tem sido apenas de música, terá hoje uma noite dedicada exclusivamente à dança. Às 21 horas, o Balé Stagium apresenta-se no Teatro Municipal, com o mesmo programa com que excursionou recentemente por cidades norte-americanas, inclusive Nova York. Amanhã, às 10 horas, será reapresentado no Festival o programa de ontem  um Festival Mozart-Tchaikovsky, com o pianista Witold Malcuzynski  e no começo da semana, segunda e terça, a promoção será inteiramente teatral, com a peça "Réveillon", de Flávio Márcio. (grifo nosso)
O Balé Stagium, tido hoje como o melhor grupo particular de dança do Brasil, iniciará seu espetáculo com "Dessincronias", uma coreografia de Décio Otero sobre música de Lukas Foss. O segundo número será "Diadorim" inspirado no romance "Grande Sertão-Veredas", de Guimarães Rosa, com coreografia também de Décio Otero em cima de uma colagem musical. O terceiro e último número é também  uma criação desse coreógrafo, com direção artística de Ademar Guerra. Intitula-se "Dona Maria Primeira, a rainha louca"e foi inspirado no "Romanceiro da Inconfidência", de Cecília Meireles. 
Marika Gidali, que ao lado de Otero fundou o Stagium em 1971, é a diretora e a principal bailarina do grupo. Além deles, integram o balé os bailarinos Geralda Bezerra, Mônica Mion, Julia Ziviani, Nadia Luz, Beth Oliveira, Graciela Rodriguez, Ricardo Ordoñez, Milton Oliveira, Ricardo Gomes, Sebastião Freitas, Miguel Trezza e Ademar Dornelles." 
 
Fonte: O Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.765, edição de 12 de julho de 1975, p. 8. 


Malcuzynski, um intérprete dramático 

Por Caldeira Filho  
FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA, DANÇA E TEATRO  Programa: Mozart, Sinfonia Concertante, para oboé, clarineta, trompa e fagote, e Concerto em sol maior, KV 216, para violino e orquestra, solista Cussy de Almeida; Tchaikovski, Concerto nº 1 para piano e orquestra, solista Witold Malcuzynski. Orquestra Sinfônica Municipal. Regente, Eleazar de Carvalho, 11-7-75, no Municipal.     
"Um aspecto, entre muitos, merece destaque na arte de Malcuzynski. Tocando musica romântica, põe em evidencia o caráter expressivo dos temas, transformando cada um em uma personagem no contexto, dando-lhes "personalidade" e existência psicologicamente humana, e os apresentando sob uma roupagem adequada, como se os vestisse e caracterizasse segundo o papel que devem representar.  
Daí o fato de ser a sua musica sempre dramática, em sentido lato, isto é, algo em ação, quer quando traduza expansões líricas, ou quando a veemência da situação exija uma elocução densa, energica, apaixonada. Os exemplos foram numerosos na apresentação anterior, mormente na interpretação da grandiosa Sonata em si menor de Liszt, vasto painel em que o pianista se transformou em pintor sonoro e produziu uma obra de alta relevância estetica e artística. Daí a vida que insufla em tudo quanto toca. 
De modo idêntico comportou-se o ilustre pianista ao interpretar o Concerto de Tchaikovski. As belezas nele contidas manifestaram-se amplamente graças aos fatores mencionados e ainda à propriedade dos andamentos que atribui a cada trecho a ênfase que mais fielmente lhes traduza a essência expressiva, com o mérito adicional de manter clara e transparente a execução de trechos rápidos. Ele sabe até onde pode levar a velocidade. De resto, sabem-no todos quantos tocam não só com os dedos, mas com o intelecto e a emoção. Parece mesmo que na sonoridade e o andamento reside a essência da execução musical. Por isso aquela pagina de Tchaikovsky, por ele restaurada na sua feição autentica, foi também restaurada perante a apreciação dos ouvintes. Consideram-na alguns uma obra muito "batida". A versão de Malcuzynski mostrou que, na verdade, ela tem sido muito mal tocada." 
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"Cussy de Almeida deu-nos um Mozart limpido, espiritualizado, expressivo e dotado de penetrante comunicabilidade. É uma musica que realmente encanta, quando quem a executa é verdadeiramente artista, além de ser completo virtuose. Executar ou interpretar é um modo de "dizer" a poesia da musica. Não poucos talentos jovens poderiam aproveitar a lição dada por Cussy de Almeida. Muito bem lhes faria ainda basearem-se na atuação de bons declamadores e atores. Compreenderão assim o valor da dinâmica e do andamento, condição de autenticidade e valor artístico dos diferentes tipos do discurso musical. 
Orquestra e solistas  Benito Sanchez, oboé, Leonardo Righi, clarineta, Enzo Pedini, trompa, e Fernando Tancredi, fagote — desempenharam excelentemente as respectivas partes. A maciez da sonoridade e a expressividade geral faziam pensar que Eleazar de Carvalho estava regendo com uma batuta de seda, se for permitida tal comparação. A execução de Mozart decorreu como que levada pela própria musica e não por um comandante, envolvendo o ouvinte em uma atmosfera de repousante e tranquila alegria. Poder-se-ia desejar mais?"
  
FonteO Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.767, edição de 15 de julho de 1975, p. 10.




Stella Schic toca hoje no Municipal

"A pianista Anna Stella Schic apresenta hoje às 21 horas no Teatro Municipal, dentro da programação do Festival Internacional de Musica, Dança e Teatro, a "Composition nº 2" de Michel Philippot, que será executada pela primeira vez fora da França. O programa do concerto, que contará com a participação da Orquestra Sinfonica Estadual regida pelo japonês Setsuo Tsukahara, terá ainda a Sinfonia nº 40 de Mozart, a Composição nº 1 de Makoto Moroi e a Sinfonia nº 1 do próprio regente do espetáculo." 

FonteO Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.768, edição de 16 de julho de 1975, p. 8.


                     Nelson Freire toca hoje no Municipal
"No terceiro recital para piano programado para o Festival Internacional de Música, Dança e Teatro que se realiza atualmente em São Paulo, numa promoção da Secretaria Municipal de Cultura, apresenta-se hoje às 21 horas, no Municipal, o pianista brasileiro Nelson Freire. Considerado um dos maiores virtuoses de sua geração, Nelson Freire executará várias peças dos compositores que o consagraram: Prelúdio para órgão, em sol menor, de Bach-Siloti; Sonata em Lá Maior K. 331, de Mozart; Intermezzo, opus 117, nº 2 e Capricho, opus 119, nº 4, de Brahms, além de "Dança Negra" do compositor brasileiro Camargo Guarnieri; "Collines d'Anacapri" e "Minstrels" de Debussy e, por último, a "Fantasia", opus 49, de Chopin.  
Segundo a crítica internacional, Nelson Freire, mineiro de 31 anos, é o caso raro do instrumentista perfeito. Seu amplo domínio sobre o instrumento nem chega a constituir um aspecto notável, uma vez que há 10 anos atrás tinha já se distinguido como notável intérprete e herdeiro dos grandes pianistas da primeira metade do século. Isso, aliás, segundo ainda os especialistas, sempre o distinguiu dentre os intérpretes do repertório tradicional. Sua enorme facilidade e sua familiaridade principalmente com os compositores do período romântico fizeram dele uma atração não só no Brasil mas também no exterior. O fato é notável nas seguidas apresentações de Nelson Freire em São Paulo, que quase sempre redundaram na lotação imediata do Teatro Municipal. 
O repertório

No concerto de hoje, além das peças de Chopin, Debussy e Bach, Nelson Freire executará, entre outros, três obras de Brahms, um dos compositores que mais o atraem, segundo ele próprio confessa. Já no ano passado, em breve contato com a imprensa, Nelson Freire confessava-se não apenas um irredutível apreciador dos compositores românticos, mas um instrumentista pouco afeto ao repertório contemporâneo. Isso ficara evidente numa entrevista em que confessava preferir "um bom sambinha a uma composição contemporânea, em que o intérprete faz tudo, menos tocar piano."  
Era uma posição apenas na aparência radical, pois na mesma ocasião em que dizia isso, o pianista anunciava que tocaria em primeira audição uma peça do jovem compositor Marlos Nobre, obra intitulada "Homenagem a Rubinstein" e que acabou, de fato, apresentando em primeira audição no Rio de Janeiro. A título de explicação, Nelson Freire explicaria na mesma época: "... por favor, não generalize: gosto da música erudita contemporânea séria, que trabalha o piano de maneira inteligente, que explora seus valores."  
Independentemente de suas posições, Nelson Freire não se nega a interpretar certas obras contemporâneas que hoje participam do repertório tradicional quase como peças clássicas, caso específico dos músicos de inspiração nacional já consagrados como o compositor Camargo Guarnieri. É o que explica a inclusão da obra do compositor paulista em seu programa de hoje à noite — "Dança Negra", peça composta em 1948 e que se conta entre as mais executadas de Camargo Guarnieri (foi gravada por Arthur Rubinstein)." 

FonteO Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.769, edição de 17 de julho de 1975, p. 16.


Festival apresenta quatro períodos da música brasileira 

"Em sua segunda semana de apresentação ininterrupta no Municipal, o Festival Internacional de Música, Dança e Teatro prossegue hoje com um programa que abrangerá quatro períodos da história da música brasileira. Na primeira parte serão executadas "Ulisséia", do compositor fluminense padre José Maurício (1767-1830), e a Sinfonia em Sol menor do cearense Alberto Nepomuceno. A seguir, a Sinfônica do Municipal tocará "Choros" nº 10 de Villa-Lobos e "Exoflora", do paulista José Antônio de Almeida Prado.
A ordem da execução das obras, que serão regidas por três maestros, obedece também a um critério cronológico. É o que explica a escolha de "Ulisséia" para a abertura do programa. Escrita em 1806, "Ulisséia" nunca chegou a ser ouvida por seu autor que, inspirando-se num texto épico de Joaquim Fausto da Gama Coutinho, procurou comemorar, com sua música, um fato que nunca aconteceu: a vitória dos portugueses sobre as tropas de Napoleão. Apesar de esquecida, "Ulisséia" é uma obra importante na história da música brasileira: além de ser a única composição profana de José Maurício, é também uma das melhores de seu extenso acervo, que inclui missas, motetos e oratórios. Na interpretação de "Ulisséia", juntamente com a orquestra, que será regida por Olivier Toni, atuarão dois solistas: o soprano Victoria Gerbauld e o clarinetista Leonardo Righi.
A segunda peça será a Sinfonia em Sol menor de Alberto Nepomuceno, compositor romântico cuja obra, apesar de profundamente vinculada ao romantismo europeu, apresenta já uma temática tipicamente nacional. Regida por Henrique Morelembaum, a Sinfonia em Sol menor encerrará a primeira parte do programa que será complementado com duas obras contemporâneas: "Choros" nº 10 de Heitor Villa-Lobos, uma das melhores obras da escola de inspiração nacional e "Exoflora", peça do compositor paulista contemporâneo Almeida Prado. Tanto o "Choros" nº 10, escrito para coro e orquestra, como "Exoflora", que terá Isis Moreira como solista, serão regidos por Eleazar de Carvalho."
Fonte: O Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.770, edição de 18 de julho de 1975, p. 7.



No concerto, muito engenho e pouca arte 


Por Caldeira Filho  

FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA, DANÇA E TEATRO. Programa: Mozart, Sinfonia nº 40 em sol menor; Michel P. Philippot, Composition n. 2, para piano, orquestra de cordas e harpa; H. J. Koellreutter, Mutações (1953) e Setsuo Tsukahara, Sinfonia nº 1. Orquestra Sinfônica Estadual. Regente, Setsuo Tsukahara (Japão), 16-7-75, no Municipal.  

"A Sinfonia em Sol Menor de Mozart foi dada como se fosse uma leitura preparatória, antecessora de um aprimoramento técnico e expressivo que viria depois. Mas este não veio. A execução decorreu exata quanto às notas, mas descolorida, sem tratamento artístico da sonoridade, dura nos contrastes e nos matizes. Para citar um exemplo: a expressão dada ao Minueto foi menos do que banal. Desceu ao nível do vulgar, sem requinte, nem fineza e elegância. De uma peça palaciana passou a uma dança de aldeões, rudemente marcada no ritmo. 

Michel P. Philippot, nascido em 1925, é hoje conselheiro geral do Instituto Audiovisual do Ministério de Cultura da França e professor em vários importantes institutos musicais. Sobre sua Composition n. 2, com Anna Stella Schic ao piano, informa o programa: "... é uma obra finamente cinzelada pelo caminho constante de uma mesma idéia: procedendo de um pensamento musical ontogênico, ela se exprime numa escritura inteligente, sentida, não sistemática, de cujo rigor nasce um profundo lirismo. Na sua estrutura como em substância, é o fruto do não-acaso sobre o gratuito, da reflexão sobre a devassidão (sic) sonora, da unidade composicional sobre o anedótico... do espírito de criação sobre o de 'laboratorismo'. 

Ora, o que se ouviu foi justamente o contrário. O "laboratorismo mental" trabalhou muito ali, deixando pouco lugar para o lirismo, para algo expressivo, cuja escassa presença, apenas sugerida, revela a luta entre o cientista e o artista, personagens do drama da música contemporânea, que não sabe como exprimir o homem total, que só é tal quando levado na criação por todas as conotações inerentes à sua humanidade e à obra de arte musical. Aí o desempenho de Anna Stella Schic, tão brilhante em programas de outro gênero, mostrou-se somente correto, exato, claro. E que mais poderia ela fazer? 

Mutações (1953), de Koellreutter, é mais uma peça dodecafônica entre as muitas que apareceram quando do lançamento dessa estética no Brasil, feita justamente pelo autor. Impera a obediência ao sistema, coisa então muito em moda nestas plagas. Na obra em apreço, os sons procedem aos pulinhos e saltinhos, como avezinhas inquietas aprisionadas na gaiola estreita do "processo". Enfim, muito engenho e pouca arte. A pianista Ana Lúcia Altino não pôde fazer mais do que tocar as notas que lhe foram prescritas.    

Afinal, a Sinfonia n. 1, de autoria do regente, que, diplomado pelo Curso de Composição da Universidade de Tóquio, foi aluno de Aaron Copland e é detentor de vários prêmios internacionais. Comenta o programa: "As obras de Tsukahara não pertencem ao movimento de vanguarda como são representadas pela notação musical gráfica ou aleatória. A viva corrente onde instabilidade e beleza caminham juntas, digladiando-se mutuamente, poderia ser o próprio espírito do compositor." Entendido? 
A peça é longa, dividida em duas partes, a julgar pela pausa que se verificou na execução. A primeira corresponde aproximadamente ao espírito de um primeiro tempo de sonata; na segunda desponta maior expressividade ou lirismo. A temática é heterogênea, tradicional a linguagem. A seqüência dos episódios é brusca, os contrastes, muito violentos e o todo realizado de maneira rude, combativa para não dizer agressiva, pouco musical, enfim. A peça representa talvez uma experiência de aproximação entre a criatividade oriental e a estética do Ocidente. O resultado, porém, não convenceu, o que não impediu que o teatro quase viesse abaixo, de tanto aplauso. 

O programa representava, no Festival Internacional, o momento da música contemporânea, que não podia faltar em manifestação dessa natureza, cuja tendência é abranger a totalidade da criação musical no tempo e no espaço. 
Quanto à execução: a regência de Tsukahara levou a Orquestra Sinfônica Estadual (não Municipal, como constava do programa) a uma atuação de mediano valor, destoante de quanto tem sido apresentado até agora.


Quarteto Guanabara hoje no Municipal 

O Festival Internacional de Música, Dança e Teatro, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura, terá seqüência hoje às 21 horas, no Teatro Municipal, com uma audição do Quarteto Guanabara, conjunto de música de câmara que apresentará um programa com peças de Schumann (Opus 17 em mi bemol menor), Gnatali (Opus 2) e Gabriel Fauré (Opus 15 em dó menor). 

Amanhã, às 10 horas, será reapresentado o programa de ontem, que constou de quatro momentos da história da música erudita brasileira. Foram executados "Ulisséia", do pré-romântico padre José Maurício; Sinfonia em sol menor, de Alberto Nepomuceno; "Choro nº 10", de Villa-Lobos, e "Exoflora", de Almeida Prado. Depois de amanhã, será apresentado um Festival Ravel, em comemoração ao centenário deste compositor francês." 
Fonte: O Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.771, edição de 19 de julho de 1975, p. 8. 



Camargo Guarnieri rege no Municipal

"Sob a direção do compositor Camargo Guarnieri, a Orquestra Sinfônica Estadual atuará hoje, às 21 horas, no 23º concerto da série que vem sendo realizada no Teatro Municipal como parte do Festival Internacional de Música, Dança e Teatro. No programa, serão executadas músicas de Brahms ("Abertura Trágica" opus 81), de Mozart (Concerto para violino e orquestra K. 219) e do próprio Camargo Guarnieri, que regerá duas de suas composições: "Dois Improvisos" para orquestra de cordas e o Concerto nº 4 para piano e orquestra.  
O concerto de hoje representa três momentos bem distintos da história da música ocidental. Na primeira parte será executada uma obra do romântico Johannes Brahms (1833-1897), peça de sua fase madura e a que o próprio Brahms intitulou "Abertura Trágica", em contraposição a outra famosa obra conhecida como "Abertura Acadêmica", realizada para ser executada durante as homenagens que lhe foram prestadas por uma Universidade européia. 
A seguir, será executado o concerto para violino de um dos compositores mais tocados neste festival — Wolfgang Amadeus Mozart, nascido em 1756 em Salzburgo e morto em 1791. Considerado um dos clássicos da música do Ocidente, a composição de Mozart será executada com a participação do primeiro solista da noite, o violinista Nathan Schwartzman, músico fluminense considerado um dos grandes solistas de seu instrumento no Brasil. Depois, então, será executada a parte propriamente contemporânea do programa de hoje, com as duas obras do próprio Camargo Guarnieri: "Dois Improvisos", para orquestra e o seu quarto concerto para piano, peça que será executada em primeira audição em São Paulo. Trata-se, segundo a crítica, de uma das composições mais importantes de Camargo Guarnieri, que regeu a obra em primeira audição em Porto Alegre, tendo Roberto Szidon como solista. Para essa primeira audição em São Paulo atuará a pianista Laís Souza Brasil, uma das principais intérpretes de Guarnieri. 
FonteO Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.773, edição de 22 de julho de 1975, p. 14. 



Concerto reafirma talento de Guarnieri

Por Caldeira Filho  
FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA, DANÇA E TEATRO —  Programa: Brahms, Abertura Trágica, op. 81; Mozart, Concerto para violino e orquestra KV 219, solista, Natan Schwartzman; Camargo Guarnieri, Improviso nº 3, para cordas (1971) , Improviso nº 6, para orquestra de câmara, 1ª audição (1973) e Concerto nº 4 (1968), 1ª audição local, solista, Laís de Souza Brasil. Orquestra Sinfônica Estadual. Regente Camargo Guarnieri. Dia 22-7-75, no Municipal.    
"Já desde os primeiros compassos da Abertura Trágica sentia-se na execução o pulso de um verdadeiro regente. Sonoridade homogênea e clara, nitidez nos contornos dos desenhos temáticos, artística ordenação da dinâmica em função superiormente expressiva, foram os fatores desde logo postos em evidência.  
Natan Schwartzman deu ao Concerto de Mozart expressão muito delicada, mediante uma execução bem conduzida no todo e finamente proporcionada nos pormenores. Admirou-se ainda o equilíbrio mantido entre orquestra e solista, aquela nunca excedendo, mas nunca se omitindo, e este mantendo seu papel numa linha elegante, a procurar menos a projeção solista do que a cooperação com o conjunto. Ambos tiveram em vista a significação estética do todo como obra de arte musical. 
Os dois Improvisos de Guarnieri — o de nº 6 em primeira audição absoluta  mostraram o autor em um momento de confidência pianística, "traiçoeiramente" gravada em casa de amigos onde ele improvisava ao piano, e depois elaborada para orquestra. Cativantes as transformações expressivas a que submete o tema tão simples do de nº 3, a receber diferentes significações ou cargas expressivas, cuja distribuição e variedade de intensidade emotiva constituem, afinal, a composição. O outro trecho parte de um tema bem mais extenso, de caráter menos linear, e prossegue seu curso em curvas caprichosas, animadas por um jogo de tensões de sentimento do qual deriva, a meu ver, e fundamentalmente, o procedimento composicional, quer quanto à forma, quer quanto ao conteúdo. 
Encerrou-se o programa com a primeira audição em S. Paulo do Concerto nº 4, para piano e orquestra, composto em 1968 e apresentado pela primeira vez em Porto Alegre, em 1972, pelo pianista Roberto Szidon, a quem é dedicado.  
Seus três movimentos  Resoluto, Profundamente triste (com inserção de uma parte central em andamento rápido, correspondente ao habitual Scherzo), e Rápido  são dados sem interrupção. Guarnieri reafirma a originalidade que o distingue. Para começar, dispensa os violinos, utilizando nas cordas somente violas, violoncelos e contrabaixos. A primeira impressão que se tem é a de ser o autor um mestre na instrumentação (escrita individual para os instrumentos) e na orquestração, que tem em vista a orquestra como um todo. Daí o aparecimento de efeitos muito interessantes em sonoridade e em associação de instrumentos e naipes, o que provoca a criação de envolvente atmosfera. De resto, toda música de Guarnieri soa sempre como se fora ambientada por uma aura sonora integrante do contexto expressivo. Não estaria ele exemplificando  com muita oportunidade em nossos dias  a diferença entre som e música?  
A parte pianística do Concerto é muito rica em cor e em achados instrumentais. O piano soa por momentos com extrema delicadeza, em contraste com outros, em que se transforma em turbilhão sonoro beirando os limites da amplitude orquestral. Nota-se ainda eficiente exploração da região aguda. Assim  um exemplo  se dá no início do 2º tempo. A dialogação suave entre piano e harpa é um verdadeiro encanto. Alarga-se depois a elocução sonora que leva quase toda a orquestra, gradativamente, a esplêndida manifestação do poder estético dos timbres e do domínio, pelo autor, de uma técnica composicional que já é a "sua" técnica, e o caracteriza como personalidade criadora.  
A impressão geral que se tem é a de estar Guarnieri reafirmando notável poder de autocrítica, a qual lhe ilumina o caminho e, não obstante numerosas e não raro confusas sugestões do ambiente contemporâneo, mantém o artista na linha básica do seu comportamento criador; é retilíneo, vertical, ascensional, não por força da vontade mas por imperativos de uma musicalidade criativamente pessoal, pela facilidade da imaginação e pela fatalidade do seu temperamento.  
Laís de Souza Brasil foi a intérprete magnífica dessa obra notável. Tal se deve a um talento pianístico de grandes possibilidades de atuação, a uma reação sempre lúcida, inteligente e emotiva aos estímulos sonoro-musicais, e a verdadeira mestria na execução com orquestra. Sua maneira de tocar é segura e firme, repleta de sensibilidade e força expressiva, baseada em fecundo conhecimento do piano e de suas possibilidades expressivas." 
FonteO Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.775, edição de 24 de julho de 1975, p. 14. 



A edição de 25 de julho de 1975 do Estadão trouxe a crítica abalizada de Caldeira Filho para o concerto do dia 23 e a homenagem que o Festival prestaria ao Centenário de Ravel na noite do dia 25, com repetição no dia 27.



Unidade e variedade na música de câmara

Por Caldeira Filho  
FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA, DANÇA E TEATRO Concerto de música de câmara. Programa: Bach, Adagio e Fuga (transcrição para quarteto de cordas de A. Schaffmann); Brahms, Quarteto em dó menor, op. 51 nº 1, pelo Quarteto de Cordas Municipal (Alfonsi, Schaffmann, Olsner e Cerazza); Hindemith, Sonata para fagote e piano (Noel Devos, fagote, e Sonia Muniz, piano); Stravinsky, Septeto, com Leonardo Righi (clarinete), Noel Devos (fagote), Charles Cornisch (trompa), Eugene Altschuler (violino), Perez Dworecki (viola), Waldemar de Almeida (violoncelo) e Sonia Muniz (piano). Dia 23-7-75, no Municipal.    
"O programa, como se depreende de sua organização, visava à apresentação em ordem cronológica do repertório para conjuntos de câmara, ao que se associava a exemplificação de algumas entre as numerosas possibilidades de agrupamento de instrumentos no gênero.  
As peças e os autores então ouvidos passaram de há muito pelo crivo da apreciação do público e julgamento da crítica. Todavia, deve ser assinalada a persistência de Alexandre Schaffmann  na obra meritória de transcrever para quarteto de cordas Prelúdios e fugas de J. S. Bach. Nesta data, ele deve ter já constituído todo um repertório a respeito. Além do valor artístico, as transcrições têm a utilidade didática de mostrar ao ouvinte a independência das linhas melódicas da polifonia. Esta, na maioria dos casos, tem sido dada ao piano, o que exemplifica com bem pouco acerto a polifonia a mais de duas vozes. Ouvi de Wanda Landowska, a cravista e restauradora do interesse pelo cravo, a declaração de ser impossível tocar ao piano mais do que três vozes, e recusava-se a fazê-lo. Efetivamente, dez dedos e um só teclado, e ausência de registros, são insuficientes para executar uma fuga a quatro ou cinco vozes. Por outro lado, a escrita para piano, reduzida a duas pautas, emaranha de tal modo o texto que, para o ouvinte, resulta em intransponível dificuldade discernir com clareza o discurso polifônico. E bem poucos professores de piano exigem dos seus alunos a cópia em quatro pautas de uma fuga a quatro vozes.    
O valor principal da manifestação foi a perfeita integração dos executantes. É bem sabido que obras para grupos instrumentais constituem um organismo unificado e cada um dos intérpretes tem uma função específica e bem determinada a desempenhar. Os artistas mencionados entenderam bem que a diversidade de função não impede a unidade, antes a reforça pela colaboração, pela afinidade que os une quanto à significação das obras. Em consequência, não cabe aqui a exaltação deste ou daquele. Aí o "estrelato" empalidece em proporção inversa à da acentuação da unidade. 
 FonteO Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.776, edição de 25 de julho de 1975, p. 8.


Música de câmara hoje no Municipal  
Em prosseguimento ao Festival Internacional de Música, Dança e Teatro, promoção da Secretaria de Cultura do Município, apresentam-se hoje no Municipal, a partir das 21 horas, vários conjuntos de câmara formados por instrumentistas de São Paulo. Na primeira parte, abrindo o programa, o Quarteto de Cordas Municipal executará Adagio e Fuga de Bach e o quarteto nº 2, opus 51 de Brahms. A seguir, será executada a sonata para fagote e piano de Paul Hindemith e o septeto para vários instrumentos de Igor Stravinsky.  
O programa de hoje apresenta três fases distintas da música camerística. Das duas obras executadas na abertura pelo Quarteto Municipal — conjunto camerístico mais antigo do País, com mais de 30 anos de atuação  os dois movimentos de Bach caracterizam o período barroco, época em que o quarteto, como formação instrumental típica, ainda não se tinha formado.    
A seguir, pelo mesmo conjunto, será executada uma peça típica para o repertório e a formação do quarteto clássico: o quarteto opus 51, nº 1, de Brahms, artista romântico, comumente considerado o último grande cultor das formas musicais clássicas. Só então, a partir da segunda parte, é que serão apresentados dois representantes típicos do gênero camerístico contemporâneo. Iniciando o programa, a pianista Sônia Muniz e o fagotista Noel Devos apresentam uma peça relativamente insólita no repertório camerístico — uma sonata para fagote e piano do compositor alemão neo-clássico Paul Hindemith. Como típico músico da primeira metade do século, Hindemith se distingue por uma obra uniforme onde a crítica identifica sempre um grande apuro artesanal. É o que caracteriza essa sua sonata que se soma a uma série de obras para instrumentos os mais diversos.  
Encerrando o programa, será executado o Septeto para diversos instrumentos de Igor Stravinsky, considerado ao lado de Arnold Schoenberg, o grande iniciador da música contemporânea. Nesta última obra atuarão o violinista norte-americano E. Altschuler, o violista Perez Dvorecki, o celista Valdemar de Almeida Jr., o clarinetista Leonardo Righi, o trompista Charles Cornish e a pianista Sônia Muniz. 
FonteO Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.774, edição de 23 de julho de 1975, p. 8. 



Música romântica no Festival 
"O Festival Internacional de Música, Dança e Teatro, em realização atualmente no Teatro Municipal, apresenta hoje a partir das 21 horas um recital de viola e piano dedicado quase inteiramente a compositores românticos. Na primeira parte, o duo formado pelo violista Luigi Bianchi, da Itália, e L. Wright, do Equador, executarão a Sonata em mi bemol maior de J. N. Hummel e a sonata em dó menor de Felix Mendelssohn; no final, serão executadas "Quatre Visages" do contemporâneo francês Darius Milhaud e a Sonata em mi bemol maior, opus 120,  nº 2, de Brahms.    
Como das outras vezes, serão cobrados ingressos a preços populares que vão de 1 a 15 cruzeiros."
FonteO Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.775, edição de 24 de julho de 1975, p. 14. 




Festival dedica noite a Ravel

(O programa é dedicado ao centenário do compositor)



Com início marcado para as 21 horas, realiza-se hoje um dos mais importantes concertos do Festival Internacional de Música, Dança e Teatro. Trata-se do concerto comemorativo do centenário de nascimento do compositor francês Maurice Ravel, que morreu em 1937 e cuja obra é uma das mais importantes na história da música ocidental.



O programa, que inclui a participação de coros, a Orquestra Sinfônica do Municipal e vários solistas, todos regidos pelo maestro francês Gérard Devos, será constituído de algumas das melhores obras orquestrais de Ravel: a suíte "Ma Mère l'Oye", seguindo-se a suíte coreográfica "Daphnis e Chloé" e a ópera "L'enfant et les sortilèges", que será interpretada em forma de concerto.



A primeira parte do programa será constituída pela versão orquestral da "Suite pour piano" que, ainda em comemoração ao centenário de Ravel, deverá ser tocada na próxima terça-feira pelo pianista Gilberto Tinetti. Composta em 1908, "Ma Mère l'Oye", que é como ficou sendo conhecida a orquestração da suíte, está dividida em seis quadros: "Danse du rouet", "Pavane de la belle au bois dormant", "Les entretiens de la belle et la bête", "Petit poucet", "Laideronnette, imperatrice des pagodes" e "Le jardin féerique".



A seguir, orquestra e coro executarão a segunda suíte orquestral, "Daphnis et Chloé", composta em 1909 para os balés russos de Serguei Diaghilev. Essa segunda peça coreográfica divide-se em três partes: "Lever du jour", "Pantomime" e "Danse générale".



Encerrando o programa será executada a ópera "L'Enfant et les sortilèges", que terá a participação especial dos corais infantis "Eco" preparado pelo maestro Teruo Yoshida, da Igreja Presbiteriana Unida Coreana, e do Coral Paulistano, um dos corpos estáveis do Municipal e que foi ensaiado por Zuinglio Faustini e Dalila Alcântara Fernandes. Como solistas, atuarão Gloria Queiroz, Niza de Castro Tank, Eliane Sampaio, Mariangela Réa, Corina Carneiro, Wilson Marques, Carlos Augusto Vial e Zuinglio Faustini.

Para o concerto desta noite os ingressos custam de 2 a 15 cruzeiros. No domingo será repetido o mesmo programa de hoje com os preços únicos de 2 cruzeiros."

FonteO Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.776, edição de 25 de julho de 1975, p. 8. 

Embora o artigo do Estadão não se refira explicitamente ao Festival, é provável que a apresentação do Corpo de Baile Municipal fizesse parte de sua programação, conforme estampado na edição de 26/07/1975:


Corpo de Baile dança hoje no "Paulo Eiró" 
"Cinco balés, dois dos quais inéditos, serão apresentados pelo Corpo de Baile Municipal hoje às 21 horas e amanhã às 16 horas no Teatro Paulo Eiró, avenida Adolfo Pinheiro 765, iniciando a segunda temporada de espetáculos promovida este ano,em bairros de São Paulo, pela Secretaria Municipal de Cultura.  
"Cenas", um dos inéditos, tem coreografia e figurinos de Marilena Ansaldi e se inspira em "Cenas de um Casamento", de Ingmar Bergman. Será dançado por Lea Havas, Sidney Astolffi, Sônia Mota e Lalo Freitas. O outro inédito  "Danças Sacras e Profanas"   tem coreografia de Victor Navarro e música de Claude Debussy. Foi criado em 1973 para o Ballet de Flandres, Bélgica, e será apresentado hoje por Sônia Mota e Alphonse Poulin, este ex-solista do Boston Ballet, contratado recentemente pela Prefeitura para o Corpo de Baile Municipal.  
Completam o programa os balés "Sem Título", coreografia de Antônio Carlos Cardoso com percussão e música de Herbie Mann, Beatles e Miles Davis; "Uma das Quatro", coreografia de Victor Navarro com música de Debussy, e "Soledad", com coreografia de Antônio Carlos Cardoso e música de Astor Piazzolla."

 Na mesma página do Estadão há ainda o seguinte anúncio:


Jacques Klein no Municipal 
"O Festival Internacional de Música, Dança e Teatro, realizado atualmente no Teatro Municipal em promoção da Secretaria de Cultura do Município, prossegue hoje com uma apresentação do pianista Jacques Klein. Em seu recital, Klein executará as sonatas opus 110  em dó menor e opus 110 em lá bemol maior de Beethoven e a sonata nº 3, opus 5, em fá menor, de Brahms." 
 Fonte: O Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.777, edição de 26 de julho de 1975, p. 8.


Bom nível na apresentação do Festival Ravel

Por Caldeira Filho 
FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA, DANÇA E TEATRO. Programa Ravel: Ma more l'ode (Pavane, Petit Poucet, L'aideronette, La Belle et la bête e Le jardim féerique); Daphnis et Chloé (2ª suíte de orquestra extraída do balé) e L'enfant et eles sortilèges, para orquestra, coros e solistas vocais. Orquestra Sinfônica Municipal. Regente, Maestro Gérard Devos, 25-7-75, no Municipal. 

Esse concerto despertou inusitado interesse. Faz apelo a numerosas conotações e associações por parte do ouvinte. Tem por base uma narrativa, um argumento rico em sugestões plásticas, em criatividade subjetiva. A percepção resulta em criação de algo mentalmente novo, de novas entidades estéticas. Foi favorecida, no caso, pela associação música, palavra e subjacente parte plástico-coreográfica (não realizada por terem sido as peças apresentadas como "concerto", excluída a parte cênica) e,  ainda por ter sido oferecido ao público o texto da última peça, em tradução de Zuinglio Faustini. 
"Ma Mère l'Oye" é uma espécie de História da Carochinha. Consta de uma série de pequenas peças para piano a quatro mãos, posteriormente orquestradas para bailado, sobre argumento do próprio Ravel. A unidade da ação foi obtida fazendo os episódios decorrerem como se fossem sonhos da Bela Adormecida. 
Do bailado "Daphnis et Chloé" fizeram-se duas suítes para concerto. Foi dada a segunda delas, correspondente ao seu terceiro quadro e compreendendo "Lever du jour", "Pantomime" e "Danse générale". O argumento recorda, sob os nomes do título, os amores de Pan e Syrinx. 
Até aqui a atuação foi unicamente orquestral. Executantes e regente mostraram, ao lado do domínio da peça, a apreensão do espírito das obras em si e o do papel que lendas, mitos e contos representam na história da humanidade. 
A fantasia lírica "L'enfant et les sortilèges", sobre poema de Colette, não foge a essa dupla funcionalidade. É a história de um menino que, repreendido, revolta-se contra tudo e contra todos  pessoas, animais, plantas e objetos  numa irresistível fúria destruidora que provocou não menor resposta das suas vítimas. Depois de muitas maldades e "reinações", pratica um ato de bondade ao socorrer um animal ferido. Os animais se acalmam, comovidos por aquele comportamento. O garoto volta afinal a si mesmo, redimido das culpas, para terminar lançando o apelo irresistível: "Mamãe!", inegavelmente simbólico. 
A execução decorreu em nível igual ao das anteriores, não obstante a falta de clareza no canto em francês. Os solistas foram Gloria Queiroz, Niza de Castro Tank, Eliana Sampaio, Mariangela Réa, Corina Carneiro, Wilson Marques, Carlos Augusto Vial (este, como gato, miou muito bem), Zuinglio Faustini, tradutor do texto, Dayse Assunção dos Santos e Maria Tereza Lima Zion. 
Associaram-se à orquestra o Coral Paulistano (maestros preparadores Zuinglio Faustini e Dalila Alcântara Fernandes); Coral Infantil da Igreja Presbiteriana Unida Coreana (maestrina preparadora Seon Geun Kim). 
O maestro Gérard Devos, professor do Conservatório de Paris que lhe concedeu vários primeiros prêmios, e presidente-chefe permanente da Associação de Concertos Pasdeloup, levou, graças ao seu talento, a bom termo o espetáculo bastante complexo que dirigiu, vencendo com segurança as numerosas dificuldades de preparação e apresentação.  
O público, muito numeroso, explodiu realmente em aplausos e ovações intermináveis. Êxito completo para um concerto que está a exigir a sua complementação cênica, na versão original daquilo que Ravel escreveu para o teatro. 

Um recital a quatro mãos amanhã no Municipal

Com um recital a quatro mãos, até agora inédito, prossegue amanhã, às 21 horas, a série de espetáculos que vêm sendo realizados diariamente no Teatro Municipal como parte do Festival Internacional de Música, Dança e Teatro. O concerto, que ficará a cargo dos pianistas Gilberto Tinetti e Giuliano Montini, apresentará um programa com obras de três compositores românticos Brahms, Schubert e Rachmaninoff  e um impressionista, Maurice Ravel, cujo centenário de nascimento é comemorado este ano. 
Na primeira parte, Gilberto Tinetti e Giuliano Montini executarão "Variações sobre um tema de Haydn", obra que serviu como fundamento da partitura orquestral do mesmo nome, composta por Brahms. A seguir, pela primeira vez no festival, será executada uma obra de Franz Schubert  Fantasia opus 103, em fá menor. Na segunda parte, como homenagem ao centenário de nascimento de Ravel, será executado "Ma Mère l'Oye", cuja versão orquestral foi executada ontem, no Municipal. É a obra mais moderna do programa que encerrará com a Suíte opus 17 nº 2 de Rachmaninoff, um dos epígonos do romantismo musical. Como das outras vezes, serão cobrados ingressos a preços populares, de 2 a 15 cruzeiros.
RAVEL
Como parte ainda da programação do Festival Internacional de Música será repetido hoje, às 10 horas no Municipal, o espetáculo de sexta-feira, que foi dedicado inteiramente a Ravel. O concerto,  que conta com a participação da Sinfônica do Municipal, do Coral Paulistano, Coral Infantil Eco e com os cantores Gloria Queiroz, Niza de Castro Tank, Mariangela Réa, Corina Carneiro, Wilson Marques, Carlos Augusto Vial, Zuinglio Faustini, Dayse Assumpção dos Santos e Maria Tereza Lima Zion, será regido pelo maestro francês Gérard Devos. No programa as suítes "Ma Mère l'Oye" e "Daphnis e Chloé", a fantasia lírica "L'Enfant etles Sortilèges", que será executada em forma de concerto. 
FonteO Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.778, edição de 27 de julho de 1975, p. 15. 


Rico e sugestivo o recital a 4 mãos 

Por Caldeira Filho 
FESTIVAL INTERNACIONAL DE MÚSICA, DANÇA E TEATRO. Recital a dois pianos e piano a quatro mãos. Brahms, Variações sobre um tema de Haydn (Coral Santo Antônio) para dois pianos; Schubert, Fantasia op. 103 para quatro mãos; Ravel, Ma mère l' oye (Pavane de la Belle au Bois dormant, Petit Poucet, Laideronnette, Impératrice des Pagodes, Les entretiens de la Belle et de la Bête e Le jardin féerique), para dois pianos; e Rachmaninoff, Suíte op. 17 nº 2 (Introdução, Valsa, Romance, Tarantela) para dois pianos. Pianistas Gilberto Tinetti e Giuliano Montini. 28-7-75. 
"No tipo de música para dois pianos ou piano a quatro mãos, os executantes devem estar completamente unificados. Não se trata de renunciar às próprias personalidades, mas de aproveitá-las em função da unidade de um todo de ordem superior. Daí surgirá uma terceira personalidade  o "duo"  que vai atuar como um só instrumento, em nível que transcende ao individual. É o que os intérpretes Tinetti e Montini conseguiram realizar, de modo geral, na apresentação do programa.
Nas Variações de Brahms, a enunciação da belíssima melodia temática ganharia, porém, em ser tratada com mais lirismo, mais minúcia no fraseado e no colorido, porque do seu conteúdo vão derivar as características de cada variação obviamente distintas, mas constituintes de uma composição unificada, embora complexa, pois cada variação é um quadro estético e autônomo.
O mesmo se pode dizer da longa e nem sempre interessante Fantasia de Schubert. É justo reconhecer que seus diferentes episódios foram considerados pelos executantes de um ponto de vista estilisticamente exato, e o todo manteve-se fiel à estética do autor: versatilidade e muita espontaneidade no aproveitamento composicional dos contrastes. 
A Suíte Ma mère l' oye, desde que foi orquestrada para balé, adquiriu uma objetividade, uma correspondência plástico-visual que empanou um pouco as suas bases unicamente pianísticas. Daí derivaram necessariamente algumas limitações à apreciação. Tinetti e Montini apresentaram a versão original, que inevitavelmente pareceu, não por culpa deles, diminuída na emotividade e na correspondência com os títulos, embora deva esta ser, não objetiva, mas espiritual ou estética.
A brilhante Suíte de Rachmaninoff foi o número final. A riqueza da escrita, a variedade da concepção para cada trecho, as possibilidades quase orquestrais do instrumento, foram efetivamente aproveitadas. Além de compositor original, Rachmaninoff foi pianista quase sem rival no gênero brilhante, expansivo, festivo. Dentro desses caracteres, Tinetti e Montini chegaram a uma realização muito vistosa, mais pianística do que interpretativa devido à natureza da obra, mas inegavelmente entusiástica e comunicativa."  

Fonte: O Estado de S. Paulo, Ano 96, nº 30.780, edição de 30 de julho de 1975, p. 9.




A Sinfonia nº 2 de Gustav Mahler encerra o festival 

Com um concerto que mobilizará aproximadamente 300 executantes, será concluído hoje, às 21 horas, o Festival Internacional de Musica, Dança e Teatro, que teve a duração de um mês e se encerra como uma das grandes promoções musicais deste ano. Durante os 30 dias de duração do festival, o Municipal abrigou algumas centenas de artistas que mantiveram o teatro praticamente lotado durante todas as 30 récitas da promoção. Para a apresentação de hoje, com repetição prevista para domingo, será executada a Sinfonia nº 2 de Gustav Mahler, atuando as sinfônicas Municipal e Estadual e as cantoras Maria Kareska (soprano) e Glória Queiroz (meio-soprano), além do Coral Municipal, todos sob a regência de Eleazar de Carvalho.  
Gustav Mahler (1860-1911), autor do programa de hoje, teve uma vida de altos e baixos que marcaram tanto sua atividade de regente (sempre em constantes disputas com músicos e detentores do poder artístico) como de compositor sempre discutido, apesar de seus inegáveis méritos. É que Mahler foi um dos primeiros compositores que teve de se sustentar tocando quase exclusivamente a musica de outros criadores, pois já em sua época o publico de concertos consumia um tipo especial de musica, dividindo-se entre as obras clássicas antigas e as mais modernas que tentavam conquistar um lugar no repertório dos grandes intérpretes europeus. 
Isso prejudicou as atividades meramente criadoras de Mahler, que só podia compor nas raras férias que se concedia. Como trabalhador incansável, porém, Mahler foi musico prolífico e extremamente complexo. Assim, embora amigo e incentivador de Schoenberg, um dos criadores da musica contemporanea, Gustav Mahler distinguiu-se mais como um pós-romântico cujo maior mérito, do ponto de vista da evolução da musica, foi o de ter alargado ao máximo as possibilidades da orquestra tradicional. É o que explica o volume de intérpretes que emprega em suas 10 sinfonias e o uso sistemático de cantores como parte integrante de suas partituras, como poderá ser verificado hoje durante a execução da Sinfonia nº 2, também conhecida como "Ressurreição" e que levou sete anos para ser composta (de 1887 a 1894).
Fonte: O ESTADO DE S. PAULO, Ano 96, nº 30.781, edição de 31 de julho de 1975, p. 14.




III.  NOTAS EXPLICATIVAS


¹  O Festival Internacional de Música, Dança e Teatro, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura, com a colaboração da Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia do Governo do Estado, programou atividades para todos os dias do mês de julho de 1975, com exceção dos sábados (dias 5, 12, 19 e 26 de julho), como se pode observar na programação oficial abaixo. Constata-se que houve leves alterações no programa, especialmente nesses sábados (para os quais inicialmente não estava prevista nenhuma atividade artística), como fica evidente nos dias 5 e 12 de julho, em que foi posteriormente acrescida alguma atividade artística:





(programação das atividades do Festival, disponível in http://www2.camara.sp.gov.br/projetos/1975/00/00/09/91/00000991L.PDF) (acesso em 02/05/2016)

0l/07:  Noite dedicada a Beethoven
02/07: Recital do pianista Roberto Szidon
03/07: Concerto de câmara: Camerata Benda
04/07: Concerto sinfônico: Festival de música francesa
05/07: Duo Ughi-Isador
06/07: Concerto sinfônico: Festival de música francesa
07/07: Orquestra Armorial do Recife
08/07: Duo Ughi-Isador / Concerto de câmara: Capella Coloniensis 
09/07: Concerto sinfônico com pianista Antônio Guedes Barbosa
10/07: Recital do pianista polonês Witold Malcuzynsky
11/07: Festival Mozart/Tchaikowsky
12/07: Balé Stagium
13/07: Concerto sinfônico: Festival Mozart/Tchaikowsky
14/07: Teatro: Regina Duarte em Réveillon, de Flávio Márcio
15/07: Teatro: Réveillon
16/07: Concerto sinfônico sob a regência de Setsuo Tsukahara
17/07: Recital do pianista Nelson Freire
18/07: Concerto sinfônico: Um encontro com os 4 períodos da música brasileira
20/07: Idem
21/07: Festival Ravel (em comemoração ao centenário de seu nascimento)
22/07: Concerto sinfônico: Brahms, Mozart e Guarnieri
23/07: Música de câmara: Stravinsky, Strauss e Hindemith
24/07: Recital: viola e piano
25/07: Ópera em versão de Oratório: Festival Ravel
27/07: Idem
28/07: Recital de piano a 4 mãos
29/07: Concerto coral: Musican American Chorale
30/07: Espetáculo de bailado
31/07: Concerto sinfônico: Rachmaninoff e Mahler 


²  Com a denominação de Concerto Sinfônico - Festival de Música Francesa, a Orquestra Municipal, sob a regência de Eleazar de Carvalho, fez duas récitas: no dia 4 de julho (sexta-feira), às 21 horas, e, repetindo o mesmo programa, no dia 6 de julho (domingo), em matinée, às 10 horas da manhã. A pianista Magdalena Tagliaferro se apresentou como solista no Concerto nº 5 para piano e orquestra, de Saint-Saens.


³  Por iniciativa do Projeto de Decreto Legislativo nº 9 de 04/08/1975, de autoria do Vereador Carlos Eduardo Sampaio Dória,  então presidente da Câmara Municipal de São Paulo, foi aprovado o Decreto Legislativo nº 10 de 05/09/1975 autorizando a Mesa da Câmara a mandar confeccionar uma medalha com a inscrição "Honra ao Mérito - Homenagem da Câmara Municipal de São Paulo a Magdalena Tagliaferro - Pianista Emérita", conferida e entregue à homenageada em Sessão especial convocada pela Presidência da Câmara.
Cf. in http://www2.camara.sp.gov.br/projetos/1975/00/00/09/91/00000991L.PDF (acesso em 28/05/2016)


  Recomendo a leitura do link abaixo, por fornecer biografia abreviada do renomado violinista ucraniano Alexandre Schaffmann, cuja participação no Quarteto Haydn, criado por Mário de Andrade, posteriormente denominado Quarteto de Cordas Municipal, foi marcante.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre_Schaffman (acesso em 28/05/2016)


  É provável que se trate efetivamente do opus 111, Sonata nº 32 em dó menor, a última da coletânea de 32 sonatas de Beethoven. 


IV.  ACERVO DO ESTADÃO CONSULTADO


O ESTADO DE S. PAULO, Ano 96, nº 30.755, edição de 01/07/1975; nº 30.756, de 02/07/1975; nº 30.757, de 03/07/1975; nº 30.758, de 04/07/1975; nº 30.759, de 05/07/1975; nº 30.760, de 06/07/1975; nº 30.761, de 08/07/1975; nº 30.762, de 09/07/1975; nº 30.763, de 10/07/1975; nº 30.764, de 11/07/1975; nº 30.765, de 12/07/1975; nº 30.767, de 15/07/1975; nº 30.768, de 16/07/1975; nº 30.769, de 17/07/1975; nº 30.770, de 18/07/1975; nº 30.771, de 19/07/1975; nº 30.773, de 22/07/1975; nº 30.774, de 23/07/1975; nº 30.775, de 24/07/1975; nº 30.776, de 25/07/1975; nº 30.777, de 26/07/1975; nº 30.778, de 27/07/1975; nº 30.780, de 30/07/1975; nº 30.781, 31/07/1975.