terça-feira, 18 de abril de 2017

RECUPERE O SEU LATIM >> PARTE 1


Francisco José dos Santos Braga
Tradutor e autor dos comentários



I. Excerto do Cap. XV do De Amicitia (Diálogo sobre Amizade) de Marco Túlio Cícero


A VIDA DOS TIRANOS




(...) Tal, sem dúvida, é a vida dos tiranos, na qual não pode existir nenhuma lealdade, nenhum afeto, nenhuma confiança na continuidade de uma cortesia: (para eles) tudo é suspeito e inquietante, sem espaço para a amizade. 

Com efeito, quem ama alguém do qual tem medo; ou alguém, pelo qual julga inspirar terror? Entretanto, (os tiranos) são cortejados, mas hipocritamente e por pouco tempo. Se, por acaso, "caírem do cavalo", o que acontece quase sempre, então se verifica quão pobres eram de amigos.

Contam que Tarquínio, no exílio, tinha dito:  "Então eu distingui  os  fiéis dos falsos amigos, quando já não podia dar o retorno merecido nem a uns nem a outros." (...)

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"(...) Haec enim est Tyrannorum vita nimirum: in qua nulla fides, nulla caritas, nulla stabilis benevolentiæ potest esse fiducia: omnia semper suspecta atque sollicita; nullus locus amicitiæ.  
Quis enim aut eum diligat, quem metuat; aut eum, a quo se metui putet? Coluntur tamen simulatione dumtaxat ad tempus. Quod si forte, ut plerumque fit, ceciderunt, tum intelligitur, quam inopes fuerint amicorum. 
Hoc est quod Tarquinium dixisse ferunt exsulantem: "Tum intellexi, quos fidos amicos habuissem, quos infidos, cum iam neutris gratiam referre poteram." 




II.  Plínio o Velho: Nat. Hist. Lib. XV, 18, 20


COMO UM FIGO VIROU PRETEXTO 
PARA CARTAGO SER DESTRUÍDA


Um dia Catão trouxe ao Senado um figo maduro vindo de Cartago e enquanto o mostrava aos Senadores, disse: "Pergunto-lhes quando pensais que este figo foi colhido da árvore." Como todos dissessem que era fresco, disse: "E no entanto, sabei que foi colhido em Cartago há três dias atrás. Tão perto de nossas muralhas temos o inimigo! Precavei-vos então do perigo, defendei a pátria! Não confieis no poderio de Roma! Abandonai a autoconfiança que é exagerada em vós! Não acrediteis que alguém velará pelos interesses da pátria, se vós próprios não cuidardes dela. Lembrai-vos de que um dia a república se encontrou em extremo perigo!" E imediatamente os Romanos começaram a terceira guerra púnica, durante a qual Cartago foi destruída.

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Cato attulit quodam die in curiam ficum præcocem ex Carthagine ostendensque patribus: "Interrogo vos" inquit "quando hanc ficum decerptam esse putetis ex arbore." Cum omnes recentem esse dixissent, "Atqui ante tertium diem" inquit "scitote decerptam esse Carthagine. Tam prope a muris habemus hostem! Itaque cavete periculum, tutamini patriam. Opibus urbis nolite confidere. Fiduciam, quæ nimia vobis est, deponite. Neminem crederitis patriæ consulturum esse, nisi vos ipsi patriæ consulueritis. Mementote rem publicam in extremo discrimine quondam fuisse!" Statimque sumptum esse Punicum bellum tertium, quo Carthago deleta est.

Obs. O cônsul e censor Catão, o Velho, cujo nome em latim era Marcus Porcius Cato (234-149 a.C.), lutou com fanatismo pela causa que defendia: que seus compatriotas se encarregassem da 3ª guerra contra Cartago, que terminou com a destruição da cidade em 146 a.C.. Tal era a sua ideia fixa que todos os seus discursos políticos, independentemente de seus assuntos, tinham sempre a mesma conclusão: "Ceterum censeo Carthaginem delendam esse." (De resto declaro de forma solene e categórica que Cartago deve ser destruída), costumeiramente abreviada para "Delenda Carthago".
Também característico é o fato de que quem preservou o registro acima foi o naturalista Plínio, o Velho (23-79 d.C.), que sucumbiu na grande erupção do Vesúvio, em Pompeia.




III. BODE, Georg Heinrich: Scriptores rerum mythicarum latini tres Romae nuper reperti, Mythographus Primus, Liber III, p. 69, 1834.



COMO PISAURUM ¹ RECEBEU SEU NOME


Enquanto Breno ² comandava, os Gauleses, ao desbaratarem as legiões dos Romanos perto do rio Állia ³, destruíram completamente a cidade de Roma, com exceção do Capitólio, pelo qual tomaram em troca um imenso montante de dinheiro. Então, Camilo , que tinha sido exilado por muito tempo perto de Árdea , por causa do saque pelos Veientanos , o qual não tinha sido dividido de forma rigorosamente justa, foi eleito ditador, embora ausente; ele perseguiu os Gauleses, enquanto já se retiravam; quando os exterminou, conseguiu reaver todo o ouro. Porque o ouro foi pesado ali, deu-lhe nome disso à cidade, pois se chama Pisaurum, já que ali foi pesado o ouro. Após esse feito, Camilo retornou ao exílio, donde porém retornou, tendo em vista que solicitaram seu concurso.


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Brenno duce Galli, apud Alliam flumen deletis legionibus Romanorum, everterunt urbem Romam praeter Capitolium, pro quo immensam pecuniam acceperunt. Tum Camillus, qui diu apud Ardeam in exilio fuerat propter Veientanam prædam non æquo iure divisam, absens dictator est factus; is Gallos iam abeuntes secutus est: quibus interemptis aurum omne recepit. Quod illic appensum civitati nomen dedit: nam Pisaurum dicitur, quod illic aurum pensatum est. Post hoc factum rediit in exilium, unde tamen rogatus reversus est. 



NOTAS  EXPLICATIVAS

 



¹  Pisaurum, hoje Pésaro, porto que se localiza na foz do rio Foglia na costa do mar Adriático. Na antiguidade, os seus habitantes, Picentes do norte, eram um povo que vivia na costa nordeste durante a Idade do Ferro. Foram invadidos pelos Etruscos e, depois, no século IV a.C. pelos Gauleses da tribo celta dos Sênones, de modo que, quando os Romanos chegaram, encontraram uma miscigenação étnica. Essa cidade foi fundada como colônia romana no território dos Picentes, em 184 a.C. A predominância aí era de Gauleses, que os romanos separaram e expulsaram da região. Sob a administração romana, Pésaro, um eixo ao longo da Via Flamínia, tornou-se importante centro de negócios e de artesanato. Depois da queda do Império Romano do Ocidente, Pésaro foi ocupada pelos Ostrogodos e destruída por Vitigis (536 d.C.) no curso da Guerra Gótica. Foi rapidamente reconstruída poucos anos mais tarde depois da reconquista bizantina pelo general bizantino Belisário, e formou assim a chamada Pentápolis sob o Exarcado de Ravena. Depois das conquistas da cidade pelos Lombardos e Francos, Pésaro tornou-se parte dos Estados Papais. Durante a Renascença esteve sob o domínio das casas de Malatesta (1285-1445), Sforza (1445-1512) e Della Rovere (1513-1631). Em 11 de setembro de 1860, tropas piemontesas, leais ao Risorgimento unificacionista italiano, entraram na cidade que defendia a permanência dos Estados Papais; subsequentemente, Pésaro foi anexada ao novo Reino da Itália.
Orgulho para os habitantes de Pésaro é serem conterrâneos de Gioachino Antonio Rossini (1792-1868). Seu nome é encontrado em Pésaro, principalmente em ruas, no seu principal teatro, em seu conservatório, em famoso festival de música lírica (Rossini Opera Festival, realizado anualmente nos meses de agosto desde 1980), mantendo "viva", como museu, a casa do seu mais ilustre filho compositor.
Atual Pésaro (antigo Pisaurum)

²  Breno em língua celta significava "chefe" ou "líder". Desta forma, Breno pode ter sido tão somente o título, e não o nome desse personagem histórico.
Alguns historiadores sustentam que Breno estava aliado a Dionísio I de Siracusa, que buscava controlar toda a Sicília. Roma era aliada de Messina, uma pequena cidade do norte da Sicília, que Dionísio queria conquistar. Enquanto o exército romano estava ocupado lutando contra o exército de Breno, Dionísio liderou uma campanha para conquistar Messina, porém não obteve sucesso. 
Os Romanos concordaram em pagar um resgate para libertar a cidade de Roma que caiu em poder de Breno saqueada em 390 a.C. De acordo com a lenda, houve uma intensa discussão entre Romanos e Gauleses sobre o peso do ouro usado no resgate, tendo os primeiros reclamado que os Gauleses manipularam os pesos a próprio favor. Diante da queixa, Breno tomou sua pesada espada de ferro e a atirou sobre os pesos, tendo pronunciado a célebre frase "Vae victis", que significa "Ai dos vencidos". Consequentemente, os Romanos precisaram trazer mais ouro para compensar a pesada espada também.
 
³  Rio dos Sabinos, junto ao qual os Romanos foram derrotados pelos Gauleses, hoje Rio di Misso ou San Giovanni della Torre.

   Marco Fúrio Camilo.

  Capital dos Rútulos, antigo povo do Lácio que descendia dos Úmbrios e dos Pelasgos. 

  Habitantes de Veios. De acordo com Horácio, nessa localidade havia famoso vinho (veientano). 

 

domingo, 16 de abril de 2017

COSTUME GREGO DE FESTEJAR SUA PÁSCOA


Por Nina Kokkalídou-Nachmia
Traduzido por Francisco José dos Santos Braga




I.  Quando os sinos da igreja tocam (p. 102-5)


A pomba branca descansou no campanário da nossa igreja e emitiu primeiro a mensagem: Cristo ressuscitou! ¹ Que todo o mundo saiba.

É Sábado Santo. Esperamos os sinos tocarem. Estamos prontos. Estamos vestidos com nossas melhores roupas. Seguramos nossas velas decoradas com fitas. Vovó dá uma olhada na "magirítsa" ² . Que fragrância! Jejuamos toda a semana de modo a celebrarmos a Páscoa comendo o "cordeiro sacrificial". É o que diz vovô, que sabe tudo sobre o cordeiro pascal. Por isso mesmo levamos nossos ovos vermelhos conosco para batê-los uns contra os outros e comê-los imediatamente. Quanto à "magirítsa", perguntem à vovó para lhes dizer quão saborosa é. Tomamos essa sopa somente uma vez por ano, na noite da Páscoa.
Magirítsa

A mesa está posta. Os sinos estão tocando. Partimos imediatamente para a igreja. "Fiquemos num canto separado", diz mamãe, que teme foguetes e bombas. Este é um costume que eu absolutamente não gosto. Assim que é ouvido "Cristo ressuscitou", dão tiros de espingarda, soltam diversos petardos... Por toda a parte ouvem-se estrondos, e nós ficamos assustados. Elytis, o poeta grego que foi agraciado com o Prêmio Nobel e a Grécia foi homenageada:

Lá loureiros e ramos de palmeira,
Incensório e incenso,
Abençoando as lutas e os mosquetões.
No solo coberto com folhas de parreira,
Cordeiros chamuscados, ovos de Páscoa se chocando,
E "Cristo ressuscitou"
Com as primeiras salvas dos Gregos.


Parece que Elytis está falando da época da Revolução de 1821, quando os Gregos celebravam a liberdade da pátria com o "Cristo ressuscitou", e ficou desde então o costume de disparar fogos de artifício. Felizmente, a polícia os proibiu aqui nas cidades e por toda a parte, porque tem havido acidentes. Mas de vez em quando se ouve um estrondo... por causa do costume.

Entretanto, as luzes da igreja se apagam. Chegou a hora de acendermos nossas velas. O padre, que canta em cima de um estrado no adro da igreja, agora segura na mão uma vela acesa e diz com voz forte e alegre o "Vinde, recebei luz!" ³   Quantos se acham perto do padre acendem as suas velas na dele, e dão luz ao resto do povo. Agora todas as velas estão acesas. Chegou o grande momento. A pomba no campanário toca o badalo do sino, que repica alegremente. Nós nos abraçamos e nos beijamos. Cristo ressuscitou! Batemos os nossos ovos uns contra os outros. Não podemos esperar mais: comemos nossos ovos e com as velas acesas vamos para casa. Papai faz o sinal da cruz, no alto da porta, com a fumaça da vela. Sentamo-nos à mesa e vovó nos serve magirítsa quente. De novo batemos nossos ovos uns contra os outros. Cristo ressuscitou! Assim diz nosso poeta nacional Solomós:

Cristo ressuscitou! Jovens, velhos e moças também,
Todos, crianças e adultos, preparem-se...
Beijem-se docemente nos lábios,
Digam "Cristo ressuscitou!" tanto a inimigos quanto a amigos.
 

A Páscoa na roça (p. 106-9)



Roça. No meio das flores. As papoulas e anêmonas vermelho-vivo, tais como nossos ovos rubros. Brilha a natureza. Bate o coração da primavera. O cordeiro no espeto está assando devagar. Exalam um odor suave as flores e cheira bem o nosso cordeiro. As crianças em fila, uma a uma, giram o espeto. Os jovens cantam e dançam. O vinho é servido nas mesinhas ou na grama. Assim também os nossos poetas escrevem, como o nosso grande poeta Kostís Palamás no seu poema "Páscoa":

Vamos estender uma toalha de mesa na grama
E o nosso cordeiro é assado lentamente
E com a alegria da Ressurreição 
Tragam os ovos de Páscoa para batermos.

Os que não podem ir à roça assam seu cordeiro em casa. Até mesmo em algum pátio ou no terraço. Vejam: o cordeiro no espeto é um costume que todos apreciam, especialmente as crianças que gostam de girar o espeto, mas também de beliscar as pelezinhas torradas e cheirosas do cordeiro. Aliás, vovô diz que a mesa pascal é brilhante onde quer que esteja posta, porque possui as cores da vida e da esperança. "Tenham esperança e fé, crianças, e tudo dará certo", diz enquanto estala o ovo de Ariadne. Ela tinha escolhido, a esperta, um ovo de pato e pintado ela mesma secretamente para poder rachar nossos ovos com o choque e tomá-los de nós... Mas vovô, que percebeu a manobra, pegou o ovo vermelho de madeira, que vovó possui para remendar as meias dele, e bam-bam: quebrou a casca do ovo de Ariadne, e os nossos em seguida... Soltamos gargalhadas quando descobrimos o ovo de madeira do vovô.

Esqueci-me de dizer-lhes que na Páscoa fazemos visita às casas vizinhas para dizer "Cristo ressuscitou!" e ganhar ovos, rosca doce de Páscoa (tsouréki) e pãezinhos com formato de argola (kouloúria). Visitaremos também nossa madrinha para presenteá-la com uma cesta com ovos e rosca de Páscoa que mamãe prepara especialmente para o padrinho e a madrinha.
Tsouréki
Então, aqui na roça, vejam o que acontece... Aí no gramado aguardam também alguns outros amigos que não podem quebrar o seu ovo vermelho. Observam-nos dançar e cantar, mas muito mais observam o cordeiro no espeto... Sempre lambem seus beiços. Eles são nosso cão e, um pouco além, o gato de uma casa de campo vizinha cujos moradores partiram para festejar a Páscoa no exterior. Que pena! Onde encontrarão cordeiro no espeto, com magirítsa e ovos vermelhos e procissão de Sexta-feira Santa e "Cristo ressuscitou!"? Porém, seu gatinho, ficou fiel em casa, e tristonho nos olha. Mexe os seus bigodes... E nós lhe damos o melhor aperitivo (mezés), e um monte de ossos ao nosso cão, de modo que nossos animais, os nossos bons amigos, possam desfrutar a sua Páscoa também... Comem, lambem seus beiços. E nós lambemos os nossos lábios... Agora é sua vez, criançada, de cantar "Cristo ressuscitou".




II.  NOTAS EXPLICATIVAS




¹   À saudação "Χριστός ἀνέστη!" (em português, Cristo ressuscitou, pron. Christós anésti)  costuma-se responder com "Ἀληθῶς ἀνέστη!" (em português, Verdadeiramente ressuscitou!, pron. Alithós anésti).
A liturgia católica celebra a ressurreição de Cristo na noite do Sábado Santo durante a Vigília Pascal. Durante a Missa noturna, lê-se: "Surrexit Dominus vere, alleluia", em latim, ou em português, "O Senhor ressuscitou verdadeiramente. Aleluia."


³   Na nossa liturgia: "Lumen Christi" (em português, Eis a luz de Cristo), cantado pelo padre. A que todos respondem "Deo gratias" (em português, Demos graças a Deus).

Veja como fazer um tsouréki in http://www.docesregionais.com/tsoureki-pao-doce-de-pascoa-grecia/



III.  AGRADECIMENTO



Agradeço ao Prof. Aléxandros Orfanídis, residente em Atenas, o envio de um link referente ao canto de louvor "Christós anésti" na língua grega inicialmente; depois nas línguas árabe, inglesa, francesa e russa. Sugeriu-me ele que disponibilizasse a todos os leitores para também se deleitarem com a beleza das canções do vídeo em questão. Eis, portanto, o link enviado:
https://youtu.be/jwWsvA3AOLI

Letra da canção grega:
Χριστός ανέστη εκ νεκρών,
θανάτω θάνατον πατήσας,
και τοις εν τοις μνήμασι,
ζωὴν χαρισάμενος!

Pronúncia: 
Christós anésti ek nekrón, 
thanáto thánato patísas,
ke tis en tis mnímasi 

zoín harisámenos! 

Tradução:
Cristo ressuscitou dos mortos,
pisoteando a morte com a morte,
e concedendo vida
àqueles nos túmulos.
 


IV.  BIBLIOGRAFIA




KOKKALÍDOU-NACHMÍA, Nina: "Quando os Gregos festejam: Alexandra conta a suas crianças amigas sobre os feriados do ano" (em grego), Salônica: Instituto de Estudos Gregos Modernos da Universidade Aristotélica de Salônica, 1995, 159 p.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

VIAGEM À GRÉCIA EM COMPANHIA DE MINHA ESPOSA


Por Francisco José dos Santos Braga


Este artigo é dedicado a Elias Labrópoulos, nosso amigo inseparável, autêntico e leal, quando de nossa viagem à Grécia.
Elias Labrópoulos



I.  INTRODUÇÃO


Tínhamos eu e minha esposa 32 dias livres em outubro e novembro de 2013, quando decidi presenteá-la com uma viagem à Grécia, cujas maravilhas ela sonhara antes de conhecer e das quais me ouvira sempre falar devido a minhas viagens anteriores àquele País. Tinha mencionado muitas vezes sobre a hospitalidade grega, mas isso soou muito abstrato para ela. 

Chegamos ao Aeroporto Internacional Elefthérios Venizélos de Atenas em 20/10/2013 de tardinha, passamos pela Polícia Federal grega e conduzimos nossa bagagem para o local de desembarque. Muito perto de onde estávamos, enxergamos um senhor de meia idade, a quem me dirigi pedindo informações sobre a direção que devíamos tomar no metrô. Ele disse chamar-se Elias Labrópoulos e estar ali porque trouxera um filho que acabara de embarcar para a Alemanha. Embora não soubesse falar inglês, Elias falava grego pausadamente de forma que eu pudesse compreender tudo o que comunicava. Comentou ainda que possuía uma carteira de funcionário aposentado do metrô, que lhe permitia utilizar metrô sem pagar e então ofereceu-se para nos acompanhar até a estação central Syntagma. Imediatamente tomou duas de nossas malas de rodinhas e entrou no primeiro comboio. Nós o acompanhamos surpresos com aquele encontro fortuito. 

À medida que conversávamos Elias e eu, sentimos que cresceu nossa simpatia por ele. Quando chegamos à estação central, ele decidiu acompanhar-nos até nosso destino. Tínhamos uma reserva no Novotel Athènes que ficava a uns 800 metros da estação Larissa. Ao chegarmos do lado de fora, Elias dispôs-se a acompanhar-nos até a recepção do hotel, puxando duas de nossas malas pela rua, para nos prestar alguma assistência, se necessário. Após fazermos check-in na recepção do hotel, ficamos novamente surpresos com seu interesse de ser nosso guia e facilitador de nossa viagem por Atenas. Combinamos um horário conveniente para nós para nosso reencontro no dia seguinte e despedimo-nos. Minha esposa, diante de tanta solicitude e hospitalidade, começou a desconfiar do novo amigo grego que acabávamos de conquistar, chegando a suspeitar de suas boas intenções para conosco. De nada adiantou falar da proverbial hospitalidade grega (φιλοξενία), que era uma característica distintiva do povo grego desde a antiguidade, que Elias procurava demonstrar-nos as boas vindas com a maior amabilidade e que ele estava agindo daquela forma por ser costume do seu povo. Devo fazer uma confissão desagradável: estávamos sendo mal educados com nosso amigo. Tal foi o pânico de minha esposa na primeira noite que decidimos, na manhã seguinte, antes do horário combinado com Elias, procurar outro hotel, temendo a presença zelosa do grego. Tentei convencê-la de que não havia nada parecido com a hospitalidade grega no Brasil e, por isso, a sua atitude era natural porém desproporcional em relação ao bondoso Elias. Mas quanto mais eu falava, maior era a sua desconfiança dos bons propósitos do bom amigo grego. Resultado: todos os hotéis que procuramos não tiveram sua aprovação no quesito custo x benefício, o que nos obrigou a voltar ao nosso hotel e dar uma segunda chance ao amigo grego. Isso para dizer que Elias se impôs pela solidariedade desinteressada, pois logo percebemos que ele possuía um veículo BMW fabricado na Alemanha e que ele tinha sido o melhor técnico em rodas de comboios e vagões, tendo sido convidado a trabalhar não só no metrô de Atenas, mas também na Alemanha. No segundo encontro, ao dirigirmo-nos à recepção, ele já nos anunciou que havia uma brasileira numa loja de lembranças do hotel e nos levou até Cleonice Ribeiro Gomes para apresentação. Esses dois personagens e meu professor de grego em Brasília, Alexandre Orfanídis, que antes residira em Brasília e se mudara recentemente para Atenas, acabaram sendo o nosso principal apoio em Atenas. Aos poucos, Elias fez-nos algumas confidências: por exemplo, que sua aposentadoria de 6.000 euros, com a crise grega, ficara reduzida a 1.500 euros. Logo, minha esposa sentiu grande empatia pelo grego, depois que ele nos mostrou o retrato de sua bondosa mãe Spirdoúla, e o incluímos em todos os nossos programas em Atenas, aceitando-o como conselheiro em nossas excursões fora de Atenas, encargo que assumiu com alegria e fornecendo-nos um cartão para permanente contato conosco durante a excursão e para uma eventual emergência em nossas ausências de Atenas. No dia do nosso embarque para o Brasil, 20 de novembro de 2013,  na recepção do hotel nos esperava o nosso amigo Elias pronto para nos conduzir ao aeroporto internacional de Atenas numa van ampla que tinha encomendado para transporte de nossas inúmeras malas, apesar da inconveniência do horário: 4 horas da manhã. Não admitiu que tomássemos um táxi na saída, estando a sua hospitalidade à  nossa disposição do começo ao fim de nossa viagem. Embora lisonjeados com o mimo, sabíamos da grande inconveniência que estávamos trazendo ao amigo. Na hora da despedida, fomos testemunhas das lágrimas que rolaram por seu rosto amigo.



II.  PLANO GERAL DA VIAGEM 


20 a 23/10: permanência em Atenas
24 a 28/10: primeira excursão às Cíclades
29/10 a 3/11: permanência em Atenas e excursão aos arredores
4 a 11/11: segunda excursão à Tessália
12 a 20/11: permanência em Atenas e excursão aos arredores



III.  ATENAS 


Quando, ainda no Brasil, finalizava os preparativos para a viagem à Grécia, decidi, quando lá chegasse, encontrar um grego, Triantáfyllos F. Karábalis, no exercício de escritor na atualidade, o qual não tive a oportunidade de conhecer em nosso país, mas, ao ler um livro que escrevera em grego, soube que tinha vivido algum tempo em várias cidades brasileiras e ultimamente em Divinópolis na condição de imigrante e comerciante. Nessa última cidade, fiz contato com D. Maria Almeida Pantélis, cujo marido tinha privado da amizade do Sr. Karábalis, para obter uma cópia do referido livro. Ela falou muito bem do grego e me tratou com muita gentileza, mas não pôde comentar sobre o livro, porque não dominava a língua grega.

Ao instalar-me num confortável apartamento do Novotel Athènes, contei com a ajuda de um recepcionista português, que colaborou na localização do telefone do Sr. Karábalis. Telefonei-lhe. Falamos rapidamente. Foi simpático. Eu quis saber onde ele estava residindo e me indicou a localidade de Maroúsi, em Atenas, mas informou-me de imediato que pretendia sair em breve em direção à cidade de Lefkáda. Fiquei de encontrá-lo naquela ilha, dentro de dez dias, porque tínhamos outro plano para os próximos dias: viagem a três ilhas no Mar Egeu. 

Minha única referência do Sr. Karábalis era seu livro "Οδοιπορικό ενός μετανάστη στη Βραζιλία" (Roteiro de um imigrante no Brasil), publicado em grego em maio de 1999 pela Έκδοση Πρώτη, com 269 p., e com a seguinte mensagem na contracapa: 
"A história deste livro é autêntica. O escritor, traumatizado pelas experiências da guerra e da Ocupação, decide emigrar. Com a idade de apenas 18 anos, encontra-se no longínquo Brasil. Enfrenta a vida com coragem em todas as suas fases. Repatria-se, pois não se compatibiliza com o "status quo". Já está aposentado, vive na Grécia e dedica-se à escrita. "

O autor se estende um pouco mais no Prólogo (p. 11), esclarecendo alguns pontos que apareceram de forma assaz resumida na contracapa: 
"Assim, o jovem emigrante, nascido numa aldeiazinha de Lefkáda, Kalamítsi, traumatizado psíquica e corporalmente pelas privações da guerra e da Ocupação, decide deixar a aldeia. Ao exilar-se, quer ir o mais longe possível, seja onde for. Não possui o luxo da escolha. Quer emigrar para qualquer país que o acolher.
Está decidido. Parte inicialmente para a cidade de Lefkáda, com apenas 14 anos, tendo por únicas provisões uma bandagem listrada nas costas e no ombro um alforje carregado com um pãozão redondo e uma garrafa de azeite.
Trabalha durante um período na oficina de carpintaria que reedificava a cidade, que tinha sido destruída pelo terremoto de 1947.
Depois trabalhou numa marcenaria, a fim de aprender a arte da marcenaria. Anos difíceis.
Depois de dois anos de indignação, abandona-a e parte para Atenas.
A situação também lá era quase a mesma. Trabalhou por um tempo em uma marcenaria, mas o salário era exíguo. Dava exatamente para duas refeições por dia e para pagar a quota-parte do aluguel de um quarto onde morava, na região de Mets. ¹
Muda também de profissões. Precisa ir embora ainda para além dali. Não se compatibiliza com a privação, tem sonhos, quer fazer grandes feitos.
Parte para o longínquo Brasil, o único país que o aceita.
Kalamítsi agora já está distante. Não quer nem mesmo pensar nisso.
Com duros esforços cria, sobe na vida econômica e socialmente. É pai de família. Seus filhos estudam nas melhores escolas particulares. Criou todas as condições para uma boa vida.
Já tem trinta anos. No seu subconsciente, parece, é incubada a síndrome da saudade, da repatriação: "Que tal, indaga, se eu voltar à Grécia, a Kalamítsi? Não, nunca." Entretanto pensa: "Quem sabe estou errado? Quem sabe é preciso regressarmos, para junto dos nossos? À aldeia, ao limpo Mar Jônico, aos pomares com os lindos figos?"
Dez anos completos repete as mesmas coisas. E na primeira oportunidade começa a elogiar as belezas do lugar onde nasceu.
Chegam os quarenta anos. Sente que tem tudo. Tenta convencer também os outros de que tem razão.
Porém fez um grande erro, que na maioria dos casos cometem os imigrantes. Não consultou o grande mestre, o Tempo, o que transforma tudo.
Repatria-se, chega com ansiedade à aldeia. É meio dia. Não fala, não diz palavra. Fica encucado. A aldeia mostra estar abandonada. A maioria das casas está desabitada. Muitas delas estão quase desmanteladas. O tempo as corroeu.
Quando partiu, em 1952, a aldeia tinha 1.000 habitantes. Agora é muito provável que tenha 280, e a maioria com idade de 80-85 anos.
Não obstante, insiste. "Descerei para colher figos do pomar".
Infelizmente não colhi, porque as figueiras se secaram. Os pomares também inexistentes. Viraram mato.
Vai aos cafés achar os amigos de infância. Queria sentar-se para bater um papo e lembrar-se dos tempos infantis.
Nos cafés estão sentados por volta de 20 pessoas. A maioria joga cartas. Deseja-lhes boa tarde. Alguns corresponderam ao cumprimento. São da sua própria idade. A maioria partiu para a Austrália.
O comportamento também desses para com ele é de indiferença. Existem também uns malvados. "Que pensas? Foste para o Brasil, roubaste os negros e vieste dar uma de rico para cima de nós?" Ou "Não te preocupes: as mortalhas não têm bolsos. Dois metros de terra te esperam."
"Mas esperem, não compreendo vocês. Rico? Mas não lhes disse que sou rico. Eu vim até vocês, para vê-los, para saudá-los. Sentemo-nos para bater um papo sobre a nossa época infantil."
"Não, não, essas coisas não nos interessam", respondem.
"Sim, jovem imigrante e agora com 40 anos. Tu tens muita culpa. A mim, o Sr. Tempo, perguntaste antes de decidires repatriar-te? Não. Então esquece!"
Completamente decepcionado, volta a Atenas. "Não importa, ali será melhor. Vocês verão!"
Observa que os moradores do edifício, quando se encontram nos corredores ou na portaria, não se cumprimentam.
Quando entram no elevador, todos ficam mudos olhando para o teto. O que será que pensam?
Começa a ficar encucado, quer retornar ao Brasil com os belos churrascos, as belas mulatas, os famosos carnavais.
O Tempo retoma a palavra: "De novo as mesmas (queixas)? A mim indagaste? Estás com 65 anos e em breve chegarás aos 70. Tudo isso passou. A única coisa que aconselho é: adapta-te, concilia-te, se conseguires..."
Mais ou menos assim se sente cada imigrante, que viveu muitos anos em algum país. Radicou-se neste país e, de repente, decide repatriar-se.
Observação: No período que estou vivendo no Brasil, tomo o nome do meu pai, "Filipe", porque é difícil pronunciar o "Triandáfyllos" em português. 
Tivemos a sorte de ficar inicialmente hospedados num apartamento do Novotel Athènes que dava vista para a Acrópole, o rochedo sagrado que domina a capital, e o Párthenon, templo que coroa a Acrópole, dedicado à deusa Atena, datado do século V a.C. Na antiguidade, acreditava-se que a deusa Atena era a protetora da capital Atenas. Numa palavra, um visual único, belo, deslumbrante, se tentar descrever o panorama. 

Esse hotel foi muito conveniente para nós durante a nossa permanência de mais de um mês na Grécia. Quando estávamos em Atenas, ali pernoitávamos normalmente, pagando as diárias correspondentes. Entretanto, quando nos ausentávamos de Atenas, deixávamos quase toda a nossa bagagem na recepção que se responsabilizava pela custódia das malas em sala própria, sem ônus para nós.

Atenas se localiza na região da Ática, que se impõe como o berço da civilização ocidental: inúmeras figuras históricas ali nasceram, cresceram e morreram, expandindo com suas contribuições o conhecimento humano sobre si mesmo. Ali se desenvolveram a filosofia, a política, as artes e as letras. Por essas razões, em 1985 Atenas foi eleita a primeira Capital Cultural da Europa. A iniciativa da então Ministra da Cultura Grega, Sra. Melina Mércouri, converteu-se numa instituição cultural preeminente para a Europa e até 1997 foram homenageadas outras doze cidades europeias, quando, então, foi agraciada uma segunda cidade grega: Thessaloníki (em português, Salônica ou Tessalônica).

Párthenon, templo que coroa a Acrópole, dedicado
 à deusa Atena, datado do século V a.C.


Nesta primeira ambientação, frequentamos muitos cafés e tavernas com muitas opções de "mezédes" (aperitivos, petiscos ou pratos de entrada).

Enquanto permanecíamos em Atenas, ou nos intervalos entre as excursões, visitávamos as principais atrações turísticas da capital grega e de seus arredores.

É uma das visitas obrigatórias em Atenas a ida a seu maior porto, Piréus e a seus excelentes restaurantes adjacentes.

No cabo Soúnion, antigo sítio de culto e posto de observação mítico, ficavam o templo de Poseidon e de Atena. Hoje ainda existem ruínas do famoso templo de Poseidon, donde podemos contemplar a vista espetacular sobre o golfo sarônico. Não muito longe do porto Piréus ficam as ilhas do golfo sarônico, tais como Égina, Hydra e Poros, podendo ser alcançadas por um ferry-boat. Tão deslumbrantes são essas ilhas que meu amigo e escritor cearense Geraldo Ananias Pinheiro, um "filélinas" convicto, ambientou seu último romance "Difícil Regresso" (Thesaurus Editora, 2016, 280 pp.) no golfo sarônico. Tivemos o prazer de comparecer ao lançamento do referido livro em Brasília no ano passado, ocorrido em abril com enorme sucesso e muita pompa.

Também nos arredores de Piréus, pudemos visitar dois pequenos portos, muito próximos um do outro: Mikrolimano e Pasalimani. 

Entre as mais antigas vias da capital Atenas, destaca-se a Ermou, exclusivamente para pedestres, que se estende da praça Syntagma aos bairros de Monastiraki e Thíssion. A meio caminho dessa importante artéria comercial se ergue a pitoresca igreja ortodoxa de Kapnikarea, uma jóia da arquitetura bizantina, erigida no século XI d.C. e dedicada à apresentação da Virgem Maria ao templo. 
Minha esposa Rute Pardini, Elias Labrópoulos e eu com o templo de Kapnikarea ao fundo
Nosso hábito diário, após um lauto café da manhã, consistia em tomar um taxi na porta do hotel em direção à praça Monastiráki. Ali ficava o ponto preferido de Elias que gostava de tomar um "kafedáki" (cafezinho) num dos cafés da redondeza.

Minha esposa em frente de uma banca de frutas postada diante da Estação Monastiráki


Uma das opções a partir da praça Monastiráki, é visitar o Flea Market de Atenas. Nas redondezas há também um complexo de lojas de antiquários. Algumas antiguidades ficam expostas ao ar livre. 

Ali, bem próximo, em pleno centro histórico de Atenas, as imponentes colunas do templo de Zeus Olympiéion (Olímpico) continuam a resistir à passagem do tempo, enquanto que o Arco de Hadriano fascina por seu admirável estado de conservação. O templo dedicado a Zeus Olympiéion é considerado o maior da Grécia Antiga construído em Atenas: 200m de comprimento e 130m de largura abrigam hoje as ruínas de um dos mais famosos espaços da cidade em seu apogeu. 
Templo de Zeus Olímpico em Atenas
Templo de Zeus Olímpico, com a Acrópole ao fundo

Próximo ao Olympiéion está o Arco de Hadriano, portão com 18m de altura, construído com mármore do monte Pentélico em homenagem ao grande benfeitor da cidade.
Arco de Hadriano em Atenas
A Biblioteca de Hadriano é uma atração à parte. Construída por volta de 131-2 d.C. como parte do plano de reconstrução da cidade, foi descrita por Pausanias, no século II d.C., como "o edifício com 100 colunas de mármore frígio, provido de salões com tetos, paredes de alabastro, pintadas, e nichos com estátuas, em que os livros foram mantidos." A maior biblioteca de Atenas foi construída como um repositório para o Estado guardar arquivos de documentos jurídicos e administrativos, sob a forma de rolos de papiro. Várias escolas importantes, inclusive as de filosofia, ocuparam também o edifício. Bibliotecas na antiguidade eram também um lugar para ouvir palestras e discutir assuntos intelectuais na tranquilidade do jardim da biblioteca. A Biblioteca de Hadriano deu ao povo ateniense uma nova, multifuncional praça pública e centro cultural que continha um jardim, obras de arte, uma biblioteca e salas de conferências. Durante a invasão pelos Hérulos em 267 d.C., a biblioteca sofreu danos notáveis, e em 277 d.C., quando a cidade conseguiu proteger-se melhor, a biblioteca tornou-se parte de um muro de fortificação. A biblioteca foi renovada por Herculius (407-12 d.C.), quando foi erguida uma estátua na entrada do edifício. É possível que, ao mesmo tempo, uma igreja cristã primitiva tenha sido construída no espaço do jardim central e, depois que Atenas foi destruída no século VI d.C., aquele templo tenha sido substituído por uma grande basílica de três corredores. A basílica do século VII d.C. foi destruída pelo fogo no século XI, sendo substituída por uma menor, com apenas um único corredor. Elementos arquitetônicos de várias igrejas construídas no pátio central ainda são visíveis, incluindo porções de seu revestimento de mosaico. Hoje, com as restaurações, a fachada de entrada sobrevive de forma a dar uma ideia da escala do edifício. 
Biblioteca de Hadriano em Atenas
A intrigante e bem conservada Torre dos Ventos se localiza no sítio da Ágora romana, sendo bússola, catavento, relógio de sol e relógio d'água, este último impulsionado por uma corrente de uma das fontes da Acrópole. Portanto, quatro funções num só monumento. Sua estrutura octogonal graciosa foi projetada antes do Fórum no século I a.C. por Andronikos de Kyrrhos, um astrônomo sírio. Cada face da torre está adornada com um relevo de uma figura flutuante pelo ar, personificando os oito ventos. Sob cada uma delas é ainda possível imaginar as marcas de oito relógios de sol.
Torre dos Ventos, em Atenas
Detalhe superior da Torre, mostrando 3 Ventos

Na Acrópole, o Eréchtheion (em grego Έρέχθειον) é um templo grego antigo construído entre 421 e 406 a.C. na Idade do Ouro da cidade de forma a abrigar a antiga estátua de madeira da deusa Atena e glorificar a grande cidade na altura de seu poder e influência. Enquanto o Párthenon era o templo mais marcante da Acrópole, outro edifício, o Eréchtheion, foi construído para acomodar os rituais religiosos que o velho templo abrigou. A sua construção se iniciou enquanto a guerra do Peloponeso foi interrompida pela Paz de Niquéias e continuou durante a campanha ateniense em guerra fora da Grécia: os Atenienses sofreram uma derrota devastadora em Siracusa. Dentro da Grécia, os Atenienses viram seu império desfazer-se através de revoltas consecutivas, tiveram sua apreciada democracia substituída por uma breve oligarquia e amargaram uma derrota importante, quando em 403 a.C. Esparta impôs-lhes uma derrota fragorosa. Apesar disso, nenhum desses dramáticos eventos que marcaram a queda de Atenas está presente nas elegantes linhas jônicas do Eréchtheion. Esse templo sofreu uma história turbulenta de abuso e negligência, mas, devido à sua posição prominente sobre a cidade e pórtico de seis Karyátides, muito apreciadas pelos turistas, ocupa um lugar todo especial e continua sendo um dos mais distintivos edifícios da antiguidade.
Templo conhecido por Eréchtheion na Acrópole
As 6 Karyátides, preservadas na "varanda" do Templo Eréchtheion
Não muito distante dali, visíveis da Acróple, encontram-se as ruínas da Ágora antiga e da Ágora romana. Os vestígios da Ágora antiga continuam a testemunhar a idade de ouro de Atenas. A Ágora romana, construída pelo imperador Augusto, este antigo lugar público, é um testemunho da fascinação dos poderosos romanos e um preito de sua gratidão à cultura grega que tão bem souberam assimilar. Não longe daí, ergue-se a Stoá de Attale, restaurada em todo o seu esplendor original.

Próximo à Acrópole, visitamos o famoso Odeon de Herodes Ático, palco do Festival de Atenas, com uma preferência dos frequentadores cada vez mais pronunciada pela música clássica, ópera e balé. Inúmeros são os artistas de fama internacional que ali vêm apresentar-se sob o manto das estrelas, afagados por uma doce brisa de verão. 

Gostávamos também de nos dirigirmos ao Mercado Central de Atenas (em grego, Δημοτική Αγορά Αθηνών), localizado a 15 minutos de caminhada da praça Monastiráki, pela Avenida Athinás, por seu vasto sortimento de frutas secas (figos, tâmaras, passas de uva, etc.) e frutos (amêndoas, nozes, pignollis, pistaches, amendoins frescos, avelãs, pistaches, azeitonas de todos os tipos), enorme variedade de carnes, doces, conservas, verduras e especialmente porque, no seu interior, havia um restaurante de iguarias típicas da culinária cretense, o qual só descobrimos nos últimos dias da viagem, como será visto na ocasião oportuna. 
Mercado Central de Atenas
Não muito longe dali, localiza-se na rua Oktovríou o Museu Arqueológico Nacional, um dos mais importantes museus da antiguidade no mundo, que abriga uma das mais vastas coleções de artefatos antigos, cobrindo vários milênios, da era neolítica ao final da Grécia romana. Ali se encontram a célebre máscara funerária em ouro atribuída ao rei Agamemnon e a famosa máquina ou mecanismo de Anticítera (89 a.C.).
Museu Arqueológico Nacional de Atenas
Também algumas vezes nos dirigimos, no carro de Elias, ao Peloponeso, separado do continente por um istmo. Antes de chegarmos ao istmo, ficamos conhecendo Lutráki, famoso balneário, com as suas famosas fontes de água mineral. Após o istmo, costumávamos visitar uma cidade litorânea que parecia ser um refúgio para atenienses estafados pelo dia a dia. Ali pudemos degustar uns saborosos peixes de cor avermelhada que, mais tarde, encontramos também num restaurante da ilha Lefkáda. Excelente "mezés"!

Depois do istmo e do canal de Corinto, nossa principal meta era atingir Náfplio, a primeira capital do livre estado grego, terra natal do meu professor de grego, Alexandre Orfanídis, que residiu muitos anos em Brasília e hoje se estabeleceu em Atenas, donde leciona a língua grega para brasileiros através do Skype. Antes de atingir Náfplio, primeiro passamos por Argos, cidade poderosa no mundo antigo, mas que atualmente perdeu sua aura de glória e de maior interesse. Ao entrarmos em Náfplio, verificamos quão aprazível e bem fortificada é aquela cidade, guarnecida pelas fortalezas de Palamídi e Burtzi. 

Relativamente próximo se encontrava Epidauro (Ἐπίδαυρος em grego antigo), uma pequena "cidade médica" na Grécia antiga, localizada no golfo Sarônico, imperdível por possuir o anfiateatro mais conservado e famoso por sua perfeita acústica. 

Ida a Epidauro ou Epídavros (como dizem os Gregos). Visita ao Teatro de Epidauro (163 degraus e 12.600 lugares). O famoso anfiteatro fica ao lado do santuário dedicado ao deus Asclépio (Asclepiéion) e à deusa Ártemis. Tudo isso não fica muito longe de Náfplio no Peloponeso. Sobre o anfiteatro: trata-se de um dos mais fantásticos anfiteatros do mundo, no formato do ouvido humano, com perfeita e imbatível acústica.
Passando por áreas cobertas de pinheiros até atingirmos o antigo anfiteatro e que fica próximo ao templo dedicado a Asclépio (Esculápio na mitologia romana), onde atualmente funciona um museu bem equipado.  
Asclépio com o cajado e a serpente
O mito de Asclépio é descrito no século V a.C. por Píndaro: segundo [BRANDÃO, 1991, vol. I, 127],
"(...) Asclépio era filho do deus Apolo e da mortal Corónis, filha de Flégias, rei dos Lápitas. Temendo que o deus, eternamente jovem, por ser imortal, a abandonasse na velhice, uniu-se, embora grávida, a Ísquis, que foi morto por Apolo. Corónis foi liquidada a flechadas por Ártemis, a pedido do irmão. Mas, como acontecera a Dioniso, o rebento, certamente através de uma cesariana umbilical, foi extraído do seio de Corónis e recebeu o nome de Asclépio. Educado pelo Centauro Quirão, fez tais progressos na medicina... (...)
Possuía, em princípio, apenas dois filhos, os médicos Podalírio e Macáon, que já se encontram na Ilíada (II, 732-733, XI, 833...). Em variantes posteriores de seu casamento com Epíone nasceram ao menos quatro filhas, Áceso (a que cuida de), Iaso (a cura), Panaceia (a que socorre a todos) e Higia (a saúde).
Asclépio é um herói-deus muito antigo e deve ter "vivido" na Hélade bem antes do séc. XIII a.C. e, portanto, anterior a Apolo, que não é atestado na época micênica. Herói médico originário de Trica, na Tessália, Asclépio acabou por fixar-se em Epidauro. 'O bom, o simples, o filantropíssimo', como lhe chamavam os Gregos, o filho de Apolo desenvolveu naquele recanto tranquilo da Hélade uma verdadeira escola de Medicina, cujos métodos, de início, eram sobretudo mágicos, mas cujo desenvolvimento (em alguns ângulos, como se verá, espantoso para a época) preparou o caminho para uma medicina bem mais científica nas mãos dos chamados Asclepíades ou descendentes de Asclépio, cuja figura máxima foi o grande Hipócrates. (...)
É precisamente esse culto secreto ao herói Asclépio, que era 'escondido' pelo Thólos (edifício abobadado, rotunda) de Epidauro, famoso por sua luxuriosa ornamentação e seu misterioso Labirinto. Neste, provavelmente, era 'guardada' a serpente, réptil que tinha para os antigos o dom da adivinhação, por ser ctônia, e que simbolizava a vida que renasce e se renova ininterruptamente, pois, como é sabido, a serpente enrolada num bastão era o atributo do deus da medicina. Assim os dois monumentos mais famosos de Epidauro se encontravam lado a lado: o Templo para o deus e o Thólos para o herói. Historicamente, Asclépio 'residiu' em Epidauro, dos fins do século VI a.C. até os fins do século V d.C. Onze séculos de glórias e de curas incríveis! 
À entrada do recinto sagrado do antigo Hierón do deus da 'nooterapia', isto é, da cura pela mente, sobre a arquitrave de majestosos Propileus, que formavam como um arco de triunfo, com duas fileiras de colunas de mármore, estava gravada a mensagem que sintetizava o grande segredo das 'curas incríveis' e incrivelmente modernas da medicina de Asclépio:
'Puro deve ser aquele que entra no Templo perfumado. 
E pureza significa ter pensamentos sadios.'
A conclusão é simples: certamente em épocas mais recuadas só havia cura total do corpo em Epidauro, quando primeiro se curava a mente. Em outros termos, só existia cura, quando havia metánoia, ou seja, transformação de sentimentos. Será que os Sacerdotes de Epidauro julgavam que as hamartíai (as faltas, os erros, as 'démesures') provocavam problemas que levavam ao encucamento e este agente mórbido, esta incubação 'detonava' as doenças? De qualquer forma, a missão de Asclépio era um Centro espiritual e cultural. Dado que as causas das doenças eram principalmente mentais, o método terapêutico era essencialmente espiritual, daí a importância atribuída à nooterapia, que purifica e reforma psíquica e fisicamente o homem inteiro. Procurava-se, a todo custo, através do gnôthi s'autón (conhece-te a ti mesmo) que o homem 'acordasse' para sua identidade real. (...)"
 

IV.  1ª  EXCURSÃO


Fechamos um pacote de ida e volta a 3 ilhas cicládicas: Mykonos, Naxos e Santoríni, que incluía transporte até a ilha (na ida utilizando ferry-boat e na volta, "seajet"), hospedagem em hotel e translado ("transfer") feito por "cab service".

Os ferry-boats gregos das principais linhas transportam milhares de passageiros, bem como muitos carros e caminhões. Preferimos os ferry-boats ou "seajets" a aviões por serem mais econômicos e divertidos. Também não alugamos carro em Atenas nesta primeira excursão às Cíclades. Nas ilhas visitadas, ou utilizamos o serviço de taxi ou alugamos um carro por poucos dias, como ocorreu em Santorini por querermos percorrê-la em toda a sua extensão.

Quando um ferry-boat para em determinada ilha, a caminho do destino final, costuma-se permitir que vendedores ambulantes possam vender seus produtos artesanais e rurais aos passageiros. Numa dessas paradas a caminho de Mykonos, a primeira ilha de nossa predileção, subiu até o nosso piso uma senhora vendendo chás típicos e biscoitos artesanais, e um homem com um cesto de queijos artesanais. 

Em Mykonos ficamos dois dias: 24 e 25 de outubro. No caso de Mykonos utilizamos o serviço de taxi, porque decidimos não percorrer toda a ilha, mas ficar na principal cidade da ilha: Chora ou Hora. Ficamos hospedados em um hotel não muito distante do porto de Chora.

Mykonos, apelidada de "ilha dos ventos", é uma pequena ilha de 82 km quadrados de extensão, está situada ao sul do mar Egeu e integra o arquipélago das Cíclades (ilhas dispostas em círculo ao redor da ilha sagrada de Delos, local onde, segundo a mitologia grega, nasceram Apolo e Artêmis).

A cidade propriamente dita de Mykonos, que por sua vez dá nome à ilha, é um emaranhado de ruas estreitas, pavimentadas por mosaicos, ladeadas por casas de no máximo dois andares (em formato quadrado semelhante a cubos), pintadas de branco com janelas e portas coloridas. O pelicano mascote de Mykonos é chamado de Pétros, que pode ser visto diariamente em busca de peixes no cais do porto.
Pelicano mascote de Mykonos
No ponto mais alto da ilha estão dispostos em linha reta 5 moinhos de vento do século XVI, conhecidos por Kato Mili (atualmente desativados).

Kato Mili, em Mykonos
Outra parte da ilha, extremamente pitoresca, é constituída pelas "Pequena Veneza", uma fileira de casas coladas umas nas outras, com janelas em cores vivas, altos balcões multicoloridos praticamente dentro do mar. Hoje as casas integram o bairro dos artistas.
De Kato Mili tem-se uma bela vista das casas que formam a Pequena Veneza
No dia 25 de outubro assistimos a uma festa nacional na ilha de Mykonos, celebrando sua vitoriosa heroína Mantó Mavroguénous, uma bem educada aristocrata que sacrificou sua família e dinheiro pela causa grega. Seu busto encontra-se próximo ao porto. Tivemos a sorte de poder comparecer a essa cerimônia dirigida pela Igreja Ortodoxa da ilha, com participação de alunos de uma escola primária, que declamaram poemas e cantaram lindas canções do folclore local em honra de sua heroína.
Em Mykonos, busto de Mantó Mavroguénous
Tomamos o ferry-boat no dia 26, que rumou para a ilha de Naxos. Lá chegando, por causa de ondas elevadas durante a viagem ² e forte náusea e grave indisposição de minha esposa, esta demorou-se um pouco a sair do navio no porto de Naxos. A tripulação não foi complacente e autorizou o fechamento das portas antes de nosso desembarque. Imediatamente, a embarcação zarpou em direção a Santorini, ilha formada pela erupção do vulcão em 1600 a.C., a terceira parte de nossa excursão, que desta forma ficou resumida a duas ilhas cicládicas. Verifiquei em seguida que nem sempre os acontecimentos, considerados de mau agouro, no final se revelam desfavoráveis. 

Foi desta forma que chegamos com antecipação de um dia a Santorini, o que pode ser considerado sorte grande. Nosso "seajet" aportou no pequeno porto de Mésa Yalos, situado na base da cratera. Firá, a principal cidade da ilha, construída no centro da borda da cratera, fica a cerca de 300 metros acima do nível do mar. O acesso à cidade de Firá pode ser feito de três formas: do jeito tradicional, no lombo de burros ou mulas até o centro da cidade; o outro modo de acesso é servindo-se de moderno teleférico com cadeiras sustentadas por cabos, permitindo uma confortável subida, mas que não oferece o mesmo charme ao primeiro contato do turista com o único ambiente da cratera e da ilha em geral; finalmente, a última modalidade de acesso a Firá é contratando o serviço de uma van que deixa o visitante à porta do seu hotel com todo o conforto. 
Santorini, avistada do "seajet"

Durante os poucos dias que estivemos na ilha de Santorini, tivemos a sorte de presenciar duas comemorações: no dia 26/10 uma festa religiosa e, no dia 28, uma festa nacional.

26 de outubro é festa litúrgica comemorando Dia de São Demétrio de Tessalônica (270-306 d.C.), que se tornou, durante a Idade Média, um dos mais importantes santos militares ortodoxos, aparecendo, comumente ao lado de São Jorge (montado no seu cavalo branco matando um dragão), como patrono das Cruzadas. É representado vestindo armadura de um soldado romano, geralmente com uma lança, por vezes montado num cavalo vermelho matando Lykaeos. Os hagiógrafos retratam Demétrio como um jovem oriundo de uma família senatorial que foi martirizado com lanças em 306 d.C. em Tessalônica durante a perseguição de Diocleciano ou de Galério.

28 de outubro, festa nacional da Grécia, Επέτειος του «'Οχι» ("Dia do Não"),  quando é celebrada pela Grécia, Chipre e pelas comunidades gregas ao redor do mundo, a recusa dos Gregos em aceitarem o domínio fascista italiano. Os italianos invadiram a Grécia em 28 de outubro de 1940, mas perderam a guerra (primeira vitória grega sobre o Eixo), que só depois foi vencida com o apoio nazi, ou seja, a vitória grega sobre o Eixo obrigou Hitler a apoiar Mussolini no ataque à Grécia. O Dia do Não é uma data muito importante para o povo grego. Praticamente todas as escolas gregas colocam seus alunos para desfilar nas principais ruas dos bairros. Nós brasileiros ficamos profundamente emocionados pelo civismo dos adolescentes gregos nesta comemoração, devido a duas manifestações patrióticas:
1. respeito à Bandeira Nacional, com destaque para as cores azul e branca
2. danças folclóricas típicas (moços do liceu trajando gravatas azuis, camisa branca e calça preta, enquanto as meninas usavam lenço azul no pescoço, camisa branca e mini-saia preta).

Num de nossos passeios pelas ruas de Firá, tivemos a oportunidade de encontrar um monumento dedicado ao "Genocídio Grego", do qual certamente poucos ouviram falar. Antes da criação da palavra "genocídio", a destruição dos Gregos Otomanos Cristãos ficou conhecida entre os Gregos como "o Massacre" (η Σφαγή), "a Grande Catástrofe" (η Μεγάλη Καταστροφή) ou "a Grande Tragédia" (η Μεγάλη Τραγωδία). O monumento, que fora erigido para relembrar essa grande tragédia para a Grécia, foi esculpido em mármore branco, rememorando a data de 19 de maio como do Genocídio dos Gregos Pônticos, termo usado para se referir aos eventos (perseguições, massacres, deportações forçadas, expulsões sumárias, execução arbitrária, destruição de monumentos culturais, históricos e religiosos e marchas da morte contra a nativa população cristã otomana grega, retirando-a de sua histórica região da Anatólia) antes e durante a Primeira Guerra Mundial. Segundo inúmeras fontes, foram exterminados 300.000 gregos durante esse período. O historiador Constantine G. Hatzidimitriou escreve que "a perda de vida entre os Gregos da Anatólia antes e durante a Primeira Guerra Mundial foi aproximadamente 735.370." De acordo com George K. Valavanis, "a perda de vida humana entre os Gregos Pônticos, desde a Primeira Guerra Mundial até março de 1924, pode ser estimada em 353.000, como resultado de assassinatos, enforcamentos e advinda de castigo, doença e outras dificuldades." A maioria dos refugiados e sobreviventes fugiram para a Grécia. Alguns, especialmente os que se achavam nas províncias do Leste, buscaram refúgio no vizinho Império Russo. Consequentemente, no fim da Guerra Greco-Turca de 1919-22  ³, a maioria dos Gregos da Ásia Menor tinham ou fugido ou sido trucidada. Em setembro de 1922, a cidade pujante cosmopolita de Esmirna foi capturada e incendiada pelas forças turcas, numa guerra que culminou com a transformação do Império Otomano no moderno estado turco. A destruição de bairros gregos de classe média e armênios de Esmirna, e a chacina ou expulsão de seus habitantes, representaram a chancela final do domínio turco. De acordo com diferentes estimativas, entre 10.000 e 100.000 Gregos e Armênios foram assassinados no Incêndio de Esmirna e massacres subsequentes. A expulsão forçada de cristãos da Anatólia ocidental, especialmente da população de Gregos Otomanos, possui muitas semelhanças com a política de sistemática depuração étnica em relação aos Armênios, conforme foi observado pelo embaixador norte-americano Henry Morgenthau e pelo historiador Arnold Toynbee. Os Gregos remanescentes foram transferidos à Grécia sob os termos do Tratado de Lausanne de 1923 que admitiu a troca de população entre a Grécia e a Turquia. O que lemos numa placa deste monumento foi o seguinte: 
19 de maio: Monumento do Genocídio dos (Gregos) Pônticos
"Ergueu-se este monumento em memória do Massacre da População Cristã Grega de Pontus (norte da Anatólia, hoje norte da Turquia). Entre os anos 1914-1922 um número estimado de 353.000 Gregos foram aniquilados pelo assim chamado Movimento Nacional Turco (liderado por Mustafa Kemal Ataturk) com saque de propriedades, o assassinato de milhares de Gregos Pônticos, o estupro de moças inocentes e tantas outras atrocidades que deixam a humanidade sem palavras. Todo o incidente é caracterizado como "Genocídio Grego" e exige-se seu reconhecimento mundial." 
Região histórica do Pontus
Áreas com a presença de Gregos da Anatólia em 1910: Gregos falantes do demótico (amarelo); Gregos Pônticos (alaranjado); Gregos da Capadócia (verde)
Não basta estar em Santorini, para contemplar o "por do sol perfeito". Há que estar no vilarejo de Oía (pronuncia-se Ia). Dali não há nada mesmo além do mar Egeu entre você e o sol. A vista é monumental, indescritível. 

Um pouco antes de chegar a nosso destino para assistir ao espetáculo do mais lindo por do sol do planeta, encontramos a venda do Manólis, o cretense. Compramos uma boa porção de seu excelente amendoim e ele nos ofereceu como brinde uma bebida cretense muito forte e incolor, extraída da uva, denominada ρακί (rakí, com r lingual) ou (tchikoudiá) τσικουδιά, transparente como a nossa cachaça.

A caminho de Oía, um grupo de uns vinte estudantes brasileiros, moças e moços em inúmeros triciclos, ultrapassou o nosso carro. Eram facilmente identificáveis porque traziam a bandeira brasileira sobre cada triciclo. Faziam enorme algazarra. Paramos para cumprimentá-los. Eles nos disseram que eram estudantes do "Ciência sem Fronteiras" e deleitavam-se em Santorini após obterem licença de suas universidades em Barcelona. Sentimo-nos como ET's, muito distantes do seu mundo de prazer e luxo, ao qual não pertencíamos, porque todos os nossos cursos tínhamos feito no Brasil sem facilidades, incentivos e prêmios e tudo quanto tínhamos conquistado tinha sido com muito esforço, perseverança e luta. Saímos daquele encontro fortuito perguntando-nos até quando iria perdurar aquele desperdício de recursos públicos e se algum dia haveria uma efetiva avaliação daquele programa governamental.

Resumindo até aqui: Já estamos na Grécia há quase 10 dias. Fizemos um excursão de seis dias às ilhas de Mykonos e Santorini, de ferry-boat e seajet. Minha esposa odiou as ondas e, por consequência, a viagem marítima, porque teve enjoo. Devido a isso, talvez abandonemos nosso plano inicial de ir a Creta por 10 dias. Vamos pensar em outra opção em conjunto com Elias, talvez um grande passeio à Grécia continental. 

No dia 28, fomos conhecer em detalhe o porto de Atenas (Piréus) e seus arredores até Súnio, onde há um templo dedicado ao deus Posêidon. No dia 29 passamos o dia na companhia de Elias, que nos levou ao Peloponeso (Corinto com seu lindo canal, Lutráki, Árgos e Náfplio).


V.  2ª  EXCURSÃO


Como visto anteriormente, do dia 4 a 11 de novembro partimos com direção ao Epiro e à Tessália. Alugamos um belo carro de uma locadora sugerida por Elias e tomamos uma decisão inadequada na hora do pagamento da caução (900 euros, lembro-me bem), com a promessa de que seria restituída na hora do retorno do veículo. Ao invés de usarmos dinheiro vivo, oferecemos nosso cartão de débito. Houve o saque do valor na nossa conta, pois conferimos o registro da transação. Quando da devolução do carro, a locadora, ao invés de nos restituir o valor da caução, depositou a importância no cartão de débito, porém o depósito não apareceu no saldo do cartão. Apenas quando de regresso ao Brasil, certificamo-nos no Banco do Brasil que a importância tinha sido efetivamente depositada, mas, como foi em cartão de débito, seria necessária uma confirmação do agente bancário brasileiro, para cair na minha conta. Até então, a importância ficara "floating" (flutuante). Tivemos apoio, assessoramento e colaboração preciosa de Alexandre Orfanídis em Atenas e de Rafael de Oliveira, funcionário da agência do Banco do Brasil em São João del-Rei, para solução definitiva do "imbroglio".

Nossa viagem ao Epiro e à Tessália, sob a supervisão de Elias que, para tal, comprara um chip (cartão telefônico) para mantermo-nos sempre em contato quando chegássemos a qualquer localidade, tomaria a direção da costa do Mar Jônico, passaria por Missolonghi, depois pela ilha de Lefkáda, até, finalmente, atingir Igoumenitsa. Aí tomaríamos um ferry-boat até a ilha de Corfú. De volta ao continente, seguiríamos na direção de Ioánnina (terra natal da mãe de Elias, D. Spirdoúla), para então subirmos até Métsovo. A seguir, rumaríamos até Salônica, onde permaceríamos uns três dias. Recomendava-nos ainda Elias uma curta visita a Kalabáka e Metéora, após o que desceríamos até Vólos, não perdendo a oportunidade única de conhecer, coroando essa segunda excursão, a montanha de Pílio na parte sudeste da Tessália.

Partimos, portanto, de Atenas com destino a Patras na Acaia deixando Corinto para trás. Perto da importante cidade de Patras, ficamos maravilhados com um túnel por baixo do mar. Quando vimos de novo o céu, estávamos perto de Missolonghi. Eu fazia questão absoluta de reverenciar ali o encontro de Lord Byron com a Morte, no dia 19 de abril de 1824, cuja causa pode ter sido uremia, complicada por febre reumática. Convencido a participar da luta pela Independência da Grécia, o poeta inglês deixou em 1823 a Itália para lutar ao lado dos revoltosos gregos em Cefalônia (em grego Κεφαλληνία). Sua presença ali foi importante para a Grécia conseguir financiamento para a guerra. No início de 1824 foi para Missolonghi, acompanhado de um adolescente grego, Loukas, a quem dedicou seus últimos poemas. 

[PROKOSCH, 1995] registra, na contracapa do pretenso manuscrito de Byron, sua percepção do desfecho da existência de um dos maiores e mais sensíveis artistas de todos os tempos:
"(...) Genial, excêntrico e perdulário, com uma vida amorosa conturbada, Byron vivia de aparências entre os aristocratas ingleses. Alvo de intrigas em seu país, autoexila-se na Itália e, anos mais tarde, parte para Missolonghi, na Grécia. Seu objetivo grandioso: lutar contra os Turcos pela independência daquele país.
Em Missolonghi, enfermo, pressentindo a morte iminente, decide registrar num diário seu cotidiano, mesclando-o com as lembranças do passado, refletindo sobre os 'recessos' mais profundos de seu ser, até que os dois momentos se encontram no final do livro. (...)"
Em Missolonghi, Byron escreveu, pela última vez, um poema no dia 22 de janeiro de 1822, quando completava 36 anos de idade, no qual falava de si e da Grécia.

Dirigimo-nos, a seguir, à ilha de Lefkáda, onde combinei encontrar-me com o escritor Karábalis, imigrante grego que tinha vivido entre nós brasileiros. Quando lá estive, era possível chegar à ilha através de uma ponte. Isso evitava que tomássemos um ferry-boat, coisa que deve ter sido comum no passado. Conforme narrado acima, quando ainda em Atenas telefonei ao Sr. Karábalis e ficamos de nos encontrar na ilha de Lefkáda. Fiz todos os esforços para contactá-lo, até o último momento de minha partida da ilha, mas debalde. Chovia muito. Fomos a um restaurante próximo a um grande hotel onde nos hospedamos e degustamos uma iguaria fantástica: peixes avermelhados que já tínhamos saboreado nas praias do Peloponeso. 

Consta que a aldeia de Exanthia na ilha grega de Lefkáda é uma das localidades mais visitadas da ilha, apresentando uma vista privilegiada para o mar Jônico, no horizonte em direção à Itália. Está situada a uma distância aproximada de 20 km da cidade de Lefkáda, no lado montanhoso oeste da ilha. Lamentavelmente não pudemos desfrutar dessa rara oportunidade por falta de tempo na nossa programação.

No dia seguinte à nossa chegada à ilha de Lefkáda, partimos com destino a Igoumenitsa, a capital do condado de Thesprotía. Naquela cidade, dirigimo-nos ao porto para adquirir tickets com destino à ilha de Corfú (Κέρκυρα, em grego), servida por intenso tráfico marítimo interno. Fomos informados na bilheteria de que naquele dia fora deflagrada uma greve de marinheiros, estivadores e funcionários portuários na ilha, não havendo previsão de sua volta ao trabalho. 

Como não deu certo nossa ida a Corfú, tive a ideia de seguirmos até Dodóni, no Noroeste do continente grego, local muito conhecido por produzir um queijo feta saborosíssimo. Ali existem monumentos admiráveis, antigas construções e importantes museus. Dentro do perímetro do município de Dodóni, há inúmeras aldeias, especialmente pitorescas, construídas de acordo com a arquitetura epirótica. Dodóni é um município localizado próximo à antiga cidade de Dodona, sítio do mais antigo oráculo da Grécia, anterior ao de Delphos. Dodona é ainda uma região histórica conhecida por seu antigo teatro. 
Teatro antigo de Dodona, visto de cima
Teatro antigo de Dodona, visto do solo
O sítio arqueológico de Dodona acha-se a 22 km a sudoeste de Ioánnina e é o orgulho do Epiro, pois é tida como o berço da civilização, não apenas de acordo com os Gregos, mas também com os scholars do mundo civilizado. 
Santuário de Dodóna
No Epiro ficavam dois dos mais famosos oráculos gregos: o de Zeus, em Dodona, e o dos mortos (Nekromanteíon) do rio Aqueronte ou Achéron, em Éfira. Lamentavelmente, não houve tempo suficiente para visitarmos o Nekromanteíon com o seu Templo de Hades, o que será feito numa próxima viagem. 

Quanto ao santuário de Dodona, sabe-se que Píndaro fez referência poética às Peleiades (Πελειάδες) como um floco de pombas, mulheres sagradas de Zeus e da Deusa Mãe, Dione. O elemento mítico de uma pomba negra que iniciou o oráculo de Dodona foi relatado por Heródoto no século V a.C.. Pausânias, quando descreve as várias sibilas, cita as Peleiades de Dodona e Fênis, filha de um rei dos Caônios, como oráculos inspirados por deuses. Informa o geógrafo que as primeiras nasceram antes de Fênis, sendo esta da época em que Antígono Gónatas estava estabelecendo o seu reino (281-280 a.C.). (Pausânias, Descrição da Grécia, 10.12.10) 

[VANDENBERG, 1994, 40-46], no capítulo 2 intitulado "As vozes artificiais de Dodona", em minha tradução, apresenta as razões para a decadência do santuário e muitas outras informações sobre o mais antigo oráculo dos Gregos:
"O isolamento do local, muito distante de qualquer grande cidade, também foi responsável pela progressiva decadência do oráculo na era clássica. Até Homero considerava Dodona "muito distante", e Hesíodo a tinha como "nos confins do mundo grego". "A razão pela qual  este oráculo tenha se tornado cada vez menos importante", escreve Thassilo von Scheffer (1873-1951), famoso por suas interpretações sobre o pensamento do mundo antigo, "embora sem ficar relegado ao olvido absoluto, se deve unicamente ao fato de que o centro da política e da cultura gregas  se tenha deslocado cada vez mais para o Sul. O que em tempos da migração dórica ainda podia ser considerado como a pátria grega, deixou de sê-lo para converter-se em uma região desolada, agreste e semi- bárbara, sem cultura nem evolução própria, uma zona anacrônica, montanhosa e de difícil acesso, que então já era conhecida quase somente pelo seu nome ou que era visitada principalmente por tais motivos religiosos. (...)"
Este deus da guerra não era outro senão o grande Zeus, que nestas montanhas usufruía de um culto desconhecido por toda parte no interior do país e que, provavelmente por esse motivo, resultava impressionante: segundo contavam os habitantes de Dodona, Zeus sentava em um enome carvalho sagrado, bem no meio de seu santuário. Sem dúvida, a origem deste culto residiu nos frequentes raios que atingiam essa árvore, visto que é sabido que os carvalhos atraem os raios. E um velho provérbio diz: 'Fuja de baixo do carvalho quando houver tempestade'.
O culto da árvore desempenha um papel muito importante na cultura minóica, porém, apesar disso, não se pode estabelecer relações entre Creta e Dodona. O professor Parke descobriu uma relação muito mais interessante. Diz que "o carvalho de Dodona não está tão associado com outros cultos da Grécia como com alguns da Itália e, mais ainda, com os de partes tão distantes da Europa do Norte, como os da Germânia pagã, onde o deus indo-europeu do céu era venerado em alguns localidades num carvalho santo."
De fato, existem pontos surpreendentes de semelhança, sobretudo entre os lendários Selli (Σελλοί), aqueles sacerdotes excessivamente austeros de Dodona que viviam nas montanhas, aos quais era proibido lavar os pés e deviam dormir no chão, e os sacerdotes germânicos, que dormiam no chão durante três dias antes de  ficarem face a face com seu deus. Na época da guerra de Tróia, é provável que os sacerdotes Selli estivessem ainda em ação, pois na Ilíada se encontra a seguinte passagem:
'Ó Zeus soberano, dodônio, pelásgico, que vives longe e governas a hibernal Dodona, cercado pelos teus profetas e Selli, que deixam seus pés sem lavar e se deitam no chão. Escutaste-me quando te supliquei antes, e mostraste-me tua consideração por mim golpeando terrivelmente o exército dos Aqueus. Atende-me ainda outro voto.' (Homero, Ilíada, XVI, 233-238)
Ainda hoje, os Selli mencionados por Homero seguem intrigando os historiadores. O mistério cerca a origem de seu nome e também seus costumes. O fato de que andavam descalços não é especialmente surpreendente, porque Dodona, àquela época, só era habitada no verão. A sua atividade divinatória é bem conhecida: os Selli ouviam o sussurro do carvalho sagrado e acreditavam que podiam ouvir vozes. Uma pergunta formulada com voz forte ao vento encontrava resposta nos suspiros, nos sussurros e nos murmúrios das folhas do carvalho. Ainda hoje tudo isso é compreensível para qualquer visitante de Dodóna. Uma aragem fria sopra quase permanentemente sobre o calmo vale montanhês.
Contudo, além dos Selli havia também as profetizas que trabalhavam na antiga Dodona. Heródoto, Píndaro e outros escritores da antiguidade contam que havia sempre três delas. Parece que quaisquer semelhanças com as práticas germânicas e indus sejam claramente casuais. "Os paralelismos das práticas de Dodona com as vigentes na Itália, Europa do Norte e Índia", acredita Herbert W. Parke, "não estão especialmente associados de maneira nenhuma à profecia, mas antes ao culto geral de um deus masculino. As semelhanças podem ser explicadas pela suposição de que eles são basicamente primitivos no caráter e brotam de raízes que são compartilhadas pelos cultos rudimentares dessas diferentes regiões, pelas quais os povos indoeuropeus se difundiram.
Heródoto oferece outra versão da origem do oráculo, que considera o mais antigo da Grécia. Há muito a ser dito para sustentar esta afirmação. Na época de Heródoto, as sacerdotizas de Dodona Promeneia, Timarete e Nicandra costumavam contar uma história de duas pombas negras que fugiram da Tebas egípcia. Depois de voarem durante dias pousaram na Líbia e Grécia. Cada uma delas falou com voz humana. A que foi para a Líbia falava sobre a construção de um oráculo de Amon, e assim foi feito. A pomba que veio à Grécia foi pousar no carvalho sempre verdejante de Dodona e disse: 'Neste exato local deveria haver um oráculo de Zeus.' (2.55)
As duas pombas  soltas da Tebas egípcia (ponto central geodésico) seguiram respectivamente para Dodona (passando pela ilha de Delos e pelo oráculo de Delfos) na Grécia,  e para o Monte Ararat na Líbia, uma referência direta aos cálculos matemáticos feitos pelos sacerdotes egípcios que visavam estabelecer que seu lugar no mundo era o centro absoluto. As duas localidades estavam de acordo com um sistema de deliberada colocação geodésica de sítios oraculares, segundo Stecchini.
Este é um exemplo interessante de como se cria um mito de  fatos históricos, quando estes não são mais evidentes. Seja como for, Heródoto em seguida nos assegura que os oráculos e a artes da profecia foram transportadas do Egito para a Grécia, porque foi no templo de Amon em Tebas que Heródoto ouviu a seguinte história "verdadeira".  Os Fenícios sequestraram duas sacerdotizas do oráculo de Tebas e as venderam como escravas, uma à Líbia e a outra à Grécia. As duas profetizas chamaram a atenção de seus novos senhores para suas habilidades e assim cada uma fundou um santuário oracular. Heródoto diz literalmente:
"Se na realidade os Fenícios raptaram as mulheres do templo e as venderam, uma na Líbia e a outra na Grécia (ou Pelásgia como então era chamada), a que deve ter sido vendida aos Tesprotos, posteriormente, enquanto estava trabalhando como escrava naquela parte do país,  fundou, debaixo de um carvalho que aconteceu estar crescendo ali, um santuário em honra de Zeus; pois ela se lembraria naturalmente, em seu exílio, do deus que havia servido em sua nativa Tebas. Em seguida, quando aprendeu a falar a língua grega, fundou um oráculo ali e, além disso, mencionava que uma irmã sua havia sido vendida na Líbia pelos mesmos Fenícios que  igualmente a haviam vendido. A história que os habitantes de Dodona contam sobre as pombas, eu diria que provém do fato de que as mulheres eram estrangeiras, cuja língua lhes soava como gorjeio de pássaros... Quanto ao fato de que a ave era negra, é simplesmente uma confirmação do fato de que a mulher era uma egípcia." (2.56-57)
É incerto se Heródoto, com sua predileção pela cultura e religião egípcias, realmente tenha preservado para a posteridade a verdadeira origem do santuário em Dodona. A tese defendida por Sotíris Dákaris é certamente menos fantástica, porém corresponde muito mais estreitamente com as conclusões alcançadas pelo estudo comparado das religiões no caso de cultos semelhantes.
Dákaris, o escavador de Dodona, baseando-se em achados de cerâmicas pré-históricas, data o início do culto, de fins do período proto-heládico ao início do período meso-heládico, isto é, por volta de 2.000 anos a.C.. Ainda destaca a estreita correlação da pomba com a religião cretense-micênica, onde a pomba era venerada como símbolo divino e como animal sagrado. Zeus estabeleceu-se em Dodona no século XIII a.C. Filologicamente, o carvalho, que em grego antigo significa drys, tem uma raiz indoeuropeia, e presume-se que o culto do carvalho foi trazido do Norte pelos imigrantes Tesprotos.
Dákaris estabeleceu que em Dodona existiram três diferentes camadas de cultos. No princípio, venerava-se o carvalho sagrado, seguido pelo culto à deusa ctônica Gea, e finalmente, no século XIII a.C., o culto ao carvalho sagrado estava combinado com o culto a Zeus. Contudo, essa sequência é contraditada pelo dublinês historiador da antiguidade, e rechaça esta teoria quando diz: "Não precisamos supor, como alguns sábios fizeram, que a prática aponta para a existência prévia de um culto à Mãe Terra em Dodona. Não há evidência, exceto esses tabus a sugerirem que Zeus foi precedido por uma divindade feminina, como provavelmente foi verdadeiro  em Olímpia. Na era clássica, Zeus tinha uma companheira no Epiro, Dione, porém tudo indica que ela nunca tinha existido independentemente dele."
Já houve controvérsia na época de Heródoto sobre a origem e os nomes dos deuses de Dodona. Ele conta que no princípio as divindades cultuadas em Dodona nem mesmo tinham nome, e que era de fato necessário perguntar ao oráculo o nome das divindades presentes, e que eram deuses provenientes do Egito. Heródoto escreve o seguinte: "Os Pelasgos enviaram ao oráculo em Dodona (o mais antigo e, naquela época, o único oráculo na Grécia) pedindo informação sobre a propriedade de adotar nomes que tinham imigrado ao país provenientes do exterior. O oráculo respondeu que eles estariam certos em usá-los" (2, 52). Heródoto diz que as sacerdotizas de Dodona também o informaram de que Homero e Hesíodo foram os primeiros a dar nomes gregos aos deuses.
A divergência relativamente a este culto dos deuses constitui, por si só, uma prova da sua origem pré-histórica, que não deixou nenhuma fonte filológica. E como Dákaris observa: "Investigação no oráculo de Dodona é de tal particular interesse porque alguém se descobre sendo levado lá à raiz do que era originalmente grego, antes de ser influenciado pela civilização do Sul." Pode ser que não possa ser provado aquele culto da deusa ctônica Gea em Dodona, assim como o supõe Dákaris, e que um arcaico santuário-árvore foi ocupado, em um período posterior, por uma divindade superior; contudo, este é um processo que tem inúmeros paralelos na história das religiões. O  que aconteceu em Dodona no período mais arcaico é único, contudo em todo o mundo da antiguidade por outra razão: em nenhum outro oráculo os ouvidos desempenharam um papel tão importante. (...) "
Em 219 a.C., os Etólios, sob o comando do General Adorimachus, invadiram e queimaram o templo. Durante o III século a.C., o rei Filipe V da Macedônia (juntamente com os Epirotas) reconstruiu todos os edifícios em Dodona. Em 167 a.C., Dodona foi destruída pelos Romanos, comandados por Emílio Paulo, mas foi reconstruída mais tarde pelo Imperador Augusto em 31 a.C. Na época que o viajante Pausânias visitou Dodona no II século d.C., o bosque sagrado tinha sido reduzido a um simples carvalho. Em 241 d.C., um sacerdote chamado Poplius Memmius Leon organizou o festival Naia de Dodona. Em 362 d.C., o Imperador Juliano consultou o oráculo antes de suas campanhas militares contra os Persas. Os peregrinos ainda consultavam o oráculo antes de 391-392 d.C., quando o Imperador Teodósio fechou todos os templos pagãos, baniu todas as atividades religiosas pagãs, e mandou cortar o antigo carvalho no santuário de Zeus. Embora a cidade sobrevivente fosse insignificante, o sítio pagão há muito consagrado deve ter conservado seu prestígio para os cristãos, uma vez que um bispo Teodoro de Dodona compareceu ao Primeiro Concílio de Éfeso em 431 d.C. 

De Dodóni seguimos para Ioánnina, terra natal da mãe de Elias, Sra. Spirdoúla, fundada às margens do lago Pamvótis (em grego Λίμνη Παμβότιδα), a maior cidade do Epiro com mais de 100.000 habitantes, que exibe séculos de história. Ali se assiste a uma perfeita combinação entre inúmeros monumentos históricos bem como museus e incrível beleza natural.

Uma das atrações turísticas no lago Pamvotis é visitar, em barco motorizado, a pequena ilha de Ioánnina (Nísos Ioannínon),  que possui criatórios de enguias vivas, que, temperadas e cozidas, constituem conhecido prato apreciado pelos Gregos. Minha esposa não consentiu que eu experimentasse a iguaria. 
Lago Pamvótis, em Ioánnina
Kástro de Ioánnina, dentro de uma de suas galerias internas
Kástro de Ioánnina, do lado de fora 

Visitamos também a fortaleza medieval da cidade, cuja entrada está bem conservada, e na velha parte fortificada da cidade, conhecida por Kastro, visitamos a Velha Sinagoga, na rua Justiniano, restaurada duas vezes, em 1881 e 1987. Ela sobreviveu à ocupação nazista devido aos esforços de Demétrios Vlachides, prefeito de Ioánnina na época. Ele persuadiu os Alemães com o argumento de que usaria o edifício como biblioteca e que os rolos da Torá e outros materiais sagrados seriam colocados no museu municipal. Tudo foi devolvido aos sobreviventes depois da guerra.

















De acordo com um estudioso local, Panayiotis Aravantinos, uma sinagoga destruída no século XVIII trazia uma inscrição, datando sua fundação do século IX d.C. Em abril de 1941, a comunidade judaica era constituída de 1950 membros; desses, 1870 foram deportados pelos nazistas a campos de concentração em 25/03/1944, durante os meses finais da ocupação alemã e apenas 112 sobreviveram a Auschwitz-Birkenau.
Outra atração turística muito visitada é o Castelo de Ioánnina, construído em 528 d.C., o mais antigo castelo bizantino, que foi o maior centro administrativo de toda a Grécia durante a época de Ali Pasha de Ioánnina. Imperdível é também uma visita ao Museu Arqueológico de Ioannina, onde se pode ver mostra de importantes descobertas dos sítios arqueológicos de Dodóni e do Nekromanteíon (Oráculo dos Mortos) do (rio) Aqueronte ou Achéron, em Éfira.
Castelo de Ioánnina

Nossa viagem continuou no dia 6 e 7 de novembro, agora percorrendo a província grega conhecida por Tessália. Seguimos então para uma espécie de aldeia, Métsovo, localizada numa vertente da cadeia montanhosa denominada Pindos, a 1.100 metros de altura, contando com cerca de 3.500 residentes. A vista de Pindos da altitude de 1.500 metros é magnífica. 

Por toda a Grécia os restaurantes e tavernas costumam servir souvláki (churrasco) e gyro grego. Mas, nessa aldeia, tivemos a oportunidade de provar um famoso prato conhecido por kontossoúvli, uma espécie de churrasco, só que de grandes pedaços de carne de porco previamente salgados e temperados com determinadas ervas especiais. Ou ainda kokorétsi, linguiça com miúdos de cabrito, também assados em espeto. Se essa culinária nos encantou, imaginem  como nos impressionou a visita que fizemos, primeiro, ao Museu Tossizza (onde a arte tradicional do Epiro, ícones bizantinos e moedas gregas são mostrados; depois, à Galeria Averoff, com pinturas e esculturas de artistas gregos; e, por fim, ao templo da Aghia Paraskeví. Inesquecível ainda foi nossa ida ao Mosteiro de São Nicolau, situado na garganta logo abaixo de Métsovo.

Minha esposa se encantou com uma reunião noturna de senhores idosos num parque, ali sentados e protegidos por uma pequena construção de madeira. Os que ali se achavam ficaram maravilhados com nossa presença ali, vindos de tão distante, naquela noite gélida e foram muito simpáticos conosco.

Parte do dia 7 e todo o dia 8 passamos em Thessaloníki (Tessalônica ou Salônica), a capital da velha Macedônia de 2.300 anos, que testemunhou uma história riquíssima remontando às eras romana e bizantina, tendo sido porto muito frequentado ao longo de séculos por navios de quase toda a orla mediterrânea. Foi a segunda cidade do Império Bizantino, depois de Bizâncio naturalmente (hoje Istambul) por sua posição estratégica aproximando a Europa da Ásia, bem como servida por rotas históricas, como a Via Egnatia, a "via militaris" de Cícero. Por essas razões, assumiu o papel de agente dinamizador do "processo cultural balcânico" e tornou-se ponto de encontro de culturas e povos diversos, tendo abrigado, ao longo da história, comunidades de judeus e armênios. Em 1997, doze anos depois de Atenas ter sido eleita a primeira Capital Cultural da Europa (1985), a instituição voltou a ser grega, mediante a eleição de uma segunda cidade grega, Salônica, para sediar a Capital Cultural da Europa.

Quando lá estivemos, as obras para a construção da primeira linha de metrô encontravam-se paralisadas em razão de achados arqueológicos durante as escavações. 

No coração da cidade, constituída pela área da praça Aristotélous, da Torre Branca e boa parte da região beira-mar, tomamos excelentes refeições em grandes hotéis. Quando aí estivemos, conhecemos algumas construções bem antigas, não destruídas pelo grande incêndio de 1917. Aí está também a maioria das atrações turísticas, que vão desde os mercados de frutas, peixes e flores até os grandes hotéis com seus excelentes restaurantes.
Praça Aristotélous, no coração de Salônica
A Áno Póli fica no alto de um morro, repleta de ruas estreitas, casas pequenas e ruínas do antigo Kástro ou Acrópole de Salônica. Como essa área não foi atingida pelo incêndio de 1917, conserva ainda a maioria das construções do período bizantino e otomano. É indescritível a vista panorâmica que se tem do alto da colina.

                                Muralhas bizantinas de Salônica

Em meio às antigas ruínas do Kástro de Salônica e localizado no seu interior, visitamos o Heptapyrgion, uma "cidadela das sete torres" construída pelos Bizantinos no século XIV que, por sua vez, foi erguida sobre uma cidadela mais antiga possivelmente datada do século IX. Os turcos a chamavam de Yedi Kule. Foi usada como guarnição para a guarda militar da cidade e um refúgio seguro para a população autóctone em caso de sítio ou invasão. Possuindo um caráter defensivo distinto, o complexo consiste de um castelo principal avistando a área total, enquanto protegido por muralhas fortes e torres defensivas em vários pontos. De acordo com as fontes, o nome proveio das sete torres no lado norte do castelo da acrópole.

Em 1890, a cidadela bizantina passou a ser usada como prisão, havendo uma modificação na configuração do antigo monumento com o acréscimo de vários edifícios. Em 1989-90 o complexo foi transferido do Ministério da Justiça para o da Cultura. Desde então foi parcialmente restaurado, embora haja planos para uma reconstrução mais ampla que incluirá toda a área. Hoje ele abriga vários eventos artísticos e culturais de toda a Grécia.
Heptapyrgion ou cidadela das 7 torres

Algumas funcionárias da Cultura que se encontravam nas instalações do complexo nos recepcionaram muito bem, levando-nos a uma das celas de determinado prisioneiro que escreveu nas paredes da prisão palavras de despedida a seus colegas de prisão, diante de sua soltura prevista para o dia seguinte. Em sinal de gratidão, minha esposa cantou para elas a cappella "As Pombas", canção de Chiquinha Gonzaga sobre letra do poeta Raimundo Correia.

Na tarde do dia 8 de novembro partimos de Salônica, com destino a Kalabáka, no sopé de Metéora. Seguindo por dentro de florestas, ravinas e aldeias pitorescas, eis que brotam Metéora (plural), que é um dos maiores e mais importantes complexos de mosteiros do Cristianismo oriental, superado apenas pelo Monte Athos, também na Grécia. Está localizada na região noroeste da planície da Tessália, próximo ao rio Peneu e às montanhas Pindo, na Grécia central. Por mais de 600 anos, 24 mosteiros bizantinos foram construídos (mas hoje existem apenas 6 para visitação) em cima de cinzentos e abruptos rochedos provocando um espetáculo único no mundo e convidando peregrinos e visitantes de todas as partes a esse centro da cristandade. Os monges eremitas, que desde o século XI habitavam cavernas, procurando um abrigo seguro devido às invasões turcas principalmente no século XIII, ergueram monastérios no topo dos rochedos inacessíveis de Metéora, cujos acessos só eles conheciam e, quase sempre, representavam uma árdua escalada.
Em 1988, Metéora foi classificado como Patrimônio Mundial pela Unesco

Um rígido código de vestuário é imposto aos que quiserem entrar nas dependências de qualquer dos 6 mosteiros: todos os ombros devem estar cobertos, sendo ainda obrigatório que os homens usem calças e as mulheres usem saias longas.


Chegamos à cidade de Vólos, nosso próximo destino na Tessália, no dia 9 de novembro. Os principais atrativos de Vólos são: um calçadão que fica à beira-mar; o museu arqueológico, que possui peças fantásticas da era helenística; o porto para as balsas que saem em direção às ilhas Spórades (Skíathos, Skópelos, Alónnisos e Skyros)

Vólos e as ilhas Spórades são locais ideais para o turista conhecer a melhor ouzeria da Grécia, onde se pode encontrar as melhores tavernas servindo "tchípouro" (τσίπουρο, bebida incolor mais forte do que o popular "oúzo", mais ou menos assemelhada com a "grappa" italiana), acompanhado dos mais diversos "mezédes".

Num passeio longe da praia, encontramos numa loja um casaco quadriculado de preto e branco, com o qual minha esposa se encantou. Ainda não foi desta vez que ela conseguiu realizar o seu sonho! Era curto demais...

Acredita-se que a localização do antigo Iolkós esteja no atual distrito de Dimini, onde recentemente foi descoberta uma colonização micênica a 5 km de Vólos. Numa colina foi escavado um sítio arqueológico, constituído de um velho palácio, lojas, depósitos, estaleiro para navio de guerra e estradas ligando Iolkós ao porto do Golfo Pagasético.

Segundo a mitologia, Iolkós foi a localidade, de onde partiram Jasão e os Argonautas em busca do Tosão ou Velo de Ouro tripulando a nau Argo. Reza a lenda que, antes de partir com os Argonautas em busca do Tosão de Ouro, Jasão visitou o oráculo de Dodona. O mastro da nau foi produzido a partir da madeira de um carvalho "animado" ou vivo de Dodona, razão por que tinha o dom da profecia quando consultado pela tripulação.  
Jasão entrega a Pélia o Tosão de Ouro - Apulie, c. 340 a.C., no Museu do Louvre


O último destino de nossa 2ª excursão foi a montanha do Pílio (em inglês Pelion, no grego moderno Πήλιο, no grego antigo: Πήλιον), na parte sudeste da Tessália na Grécia central, formando uma península anzolada entre o Golfo Pagasético e o mar Egeu. O seu mais alto pico está a 1610 metros.
Vista de satélite da península anzolada formada pelo Monte Pílio
Na mitologia grega, o Monte Pílio (que tomou seu nome do rei mítico Peleu, pai de Aquiles) era a região de Quirão ou Quíron (Χείρων em grego, Chiron em inglês), o Centauro, metade homem metade cavalo, tutor de muitos heróis gregos antigos, tais como Asclépio, Peleu, Jasão, Aquiles, Teseu e Hércules, dentre muitos outros. 
Quíron, "o mais justo dos Centauros", preceptor dos grandes heróis míticos

"Vivia numa gruta do monte Pílio em companhia da mãe, que muito o ajudou na difícil tarefa de educar os grandes heróis. Pacífico, prudente e sábio, transmitia a seus discípulos conhecimentos relativos à música, à arte da guerra e da caça, à ética e à medicina", conforme ensina [BRANDÃO, 1991, vol. II, 355-356]. Foi no Monte Pílio, próximo à caverna de Quirão, que se realizou o casamento de Thétis, a mais bela das nereidas, e Peleu. 


Noutro lugar,  [BRANDÃO, 1989, vol. III, p. 26 e ss.] esclarece que  
"vários foram os mestres dos heróis, como Lino, Eumolpo, Fênix, Forbas, Cônidas..., mas o educador-modelo foi o pacífico Quirão, o mais justo dos Centauros, na expressão de Homero, Ilíada, XI, 832. Muitos heróis passaram por suas mãos sábias, na célebre gruta em que residia no monte Pélion: Peleu, Aquiles, Asclépio, Jasão, Actéon, Nestor, Céfalo... lista que é enriquecida por Xenofonte... Quirão era antes do mais um médico famoso, donde sua arte primeira era a Iátrica, mas seu saber enciclopédico, como aparece nos monumentos figurados e literários, fazia do educador de Aquiles um mestre na arte das disputas atléticas, Agonística, e talvez praticasse e ensinasse ainda a arte divinatória, Mântica. Não para aí, todavia, a versatilidade de Quirão: ministrava igualmente a seus discípulos conhecimentos relativos à caça, Cinegética; à equitação, Hípica, bem como lhes ensinava a tanger a lira e o arremesso de dardo... Mais que tudo, no entanto, o fato de ser Quirão, um médico ferido, um xamã, e residir numa gruta evocam, de pronto, sua função mais nobre e indispensável aos jovens "históricos", mas sobretudo aos heróis míticos, a saber, a ação de fazê-los passar por ritos iniciáticos, que outorgavam aos primeiros o direito à participação na vida política, social e religiosa da pólis, e aos segundos, a imprescindível indumentária espiritual, para que pudessem enfrentar a todos e quaisquer monstros... Diga-se, de passagem, que os Efebos eram iniciados por mestres igualmente históricos, que, em Atenas, se chamavam (Sophronistaí), os Sofronistas, isto é, os preceptores, os monitores e, em Esparta, (Eirénes), os Írenos. (...)" 
A montanha é densamente arborizada, principalmente de árvore do gênero Fagus (beech), carvalho (oak), bordo (maple) e castanheiro (chestnut tree), com bosques de plátanos (plane trees) margeando sítios com água. As elevações mais altas da montanha recebem bastante precipitação de neve de modo a acolher infraestruturas para prática do esqui operando do Natal até a Páscoa.

Na época em que lá estivemos, havia edifícios imensos com até 300 anos de história com esquisitas características visuais que combinavam elementos do Pílio daquele tempo passado. Muitas dessas grandes mansões foram transformadas em hotéis e hospedarias.

As Torres do Pílio: edifícios históricos e pontos de referência para os nativos

O topo do Pílio oferece um amplo panorama do vale: as montanhas da Magnésia ocidental, Monte Olimpo, planície da Tessália e suas montanhas próximas (Mavrovoúni, Eubeia, Grécia Central e ilhas Spórades do norte). É possível chegar próximo ao cume do Pílio de carro.

Quando de nossa passagem pelo Pílio, presenciamos uma curiosa caçada de raposas. Fomos informados pelos envolvidos naquele esporte que as raposas eram um perigo constante para sua criação de pequenos animais.

No dia 11, cedo, deixamos a montanha do Pílio, encerrando nossa 2ª excursão à Grécia central. A volta para Atenas foi relativamente tranquila, já que estávamos de carro. A viagem durou cerca de duas horas em autoestrada. Chegamos ao hotel na tarde do dia 11.

No dia 12 de novembro, bem cedo, saímos com a intenção de passar um dia na Acrópole em companhia de Elias. Começamos por visitar o Museu Paulo e Alexandra Canellopoúlou (Μουσείο Παύλου και Αλεξάνδρας Κανελλοπούλου) que se localiza bem embaixo da Acrópole e no topo de Pláka. Ele tem a particularidade de ser basicamente um edifício privado com um tesouro de objetos e obras de arte desde a época pré-histórica a épocas mais recentes. Embora não haja aqui algo que não se possa ver exemplares nos maiores museus, a coleção do Museu Kanellopoúlou, exibida na casa mais elevada sob a Acrópole, merece uma visita. Destaca-se, nos pisos inferiores, a grande quantidade de vistosos ícones dourados bizantinos e pós-bizantinos, mas há também joalheria bizantina, lamparinas e cruzes de bronze e ornamentos funerários romanos.
Museu Kanellopoúlou, bem no sopé da Acrópole
Crédito pela imagem: Elias Lamprópoulos
Ao sairmos desse museu, seguimos a via em direção à Acrópole. Minha esposa indagou sobre a data daquele dia. Ao responder "dia 12 de novembro", lembrei-me de que naquela exata data em São João del-Rei se comemorava a data do nascimento do herói Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Tal data, embora não estivesse ainda oficializada, para nós são-joanenses já era o Dia Nacional da Liberdade. Em honra ao Tiradentes, minha esposa cantou a cappella a "Canção do Herói", música de Marcos Viana e letra de Ivanise Junqueira Ferraz. Foi um momento de encantamento no sopé da Acrópole. Elias, não percebendo o que comemorávamos com tanta veemência, chamou-nos à realidade exclamando: "Ζήτω Αθήνα!" (Viva a cidade de Atenas!).

Ao subirmos em direção ao teto de Atenas, tivemos uma visão panorâmica dos grandes monumentos históricos até nossa vista se perder no horizonte, alcançando o observatório astronômico nacional de Atenas (Εθνικό Αστεροσκοπείο Αθηνών). O link abaixo exibe os principais monumentos que pudemos observar daquele ponto elevado, tais como o Mercado Antigo, o Mercado Romano, a colina Lykavitós, o Areopágus, a igreja dos Santos Apóstolos, etc., bem como, logo abaixo na página acessada, o mapa de Atenas com tais monumentos captados pelo satélite, o que facilita a noção de direção.
http://www.greece.com/photos/destinations/Attica/Athens/Location/Arios_Pagos/athens6/234240

Também é muito útil o seguinte e-book com a descrição detalhada de cada um desses monumentos, a toponímia (os nomes de ruas e bairros atenienses), mas muito mais sobre as atrações turísticas oferecidas pela capital grega. É preciso ter paciência para carregar todo o texto em inglês. 
https://www.scribd.com/document/283668729/Rough-Guide-Directions-Athens-2nd-Edition-pdf 

No dia 13 de novembro, como Elias se sentia indisposto, ficou acamado; eu e minha esposa decidimos visitar o mercado central de Atenas. Ela decidiu dar uma "canja" para os vendedores e clientes, cantando a cappella Puccini e Verdi e naturalmente encantando.
Para nossa surpresa e alegria havia dentro do mercado um restaurante especializado em grelhados (ψητοπωλείο) chamado "Oι φίλοι" (Os amigos), que servia pratos saborosos e típicos de Creta.

No dia 14 de novembro visitamos o bairro chique de Atenas, Kifissiá, tomando o trem na Estação Monastiráki até a estação terminal.  Foi um dos primeiros subúrbios de Atenas e sempre foi a realização de um sonho da elite grega. Aí se encontram muitas mansões, villas e apartamentos caros. Hoje em dia, assim como Kolonáki, Kifissiá tornou-se um distrito de consumo conspícuo. Também há muitos cafés e hotéis de luxo, especialmente na parte superior do distrito de Kifissiá, Kefalári. Guardo boas recordações de Kfissiá quando, na virada do milênio, tive a sorte de poder ir à Grécia, pela primeira vez, e frequentar, em janeiro de 2000, um centro para ensino de língua grega e manifestações culturais gregas, chamado "Greek House-Elliniki Estía", que tinha sido fundado em setembro de 1999 e estava localizado na rua Georganta, nº 11, no bairro chique de Kifissiá, em Atenas. Através de atividades – cursos, seminários, palestras e, às vezes, exibições artísticas oferecidas pelo Greek House, pude como estrangeiro ter um primeiro contato com a língua, história, cultura e moderno modo de viver na Grécia através de um corpo docente experiente e constituído de profissionais nativos, com formação especializada em Linguística e/ou Filologia, que realmente amavam seu trabalho e os estudantes. Esse primeiro contato foi determinante para a minha crescente admiração e amor pelo povo grego, sua história, cultura e tradições.

Encontrei seu "home site" na Internet e reproduzo aqui para algum leitor que queira também recorrer a essa Instituição de ensino, quando eventualmente for à Grécia: http://www.greekhouse.gr/greek/index.php?option=com_content&view=article&id=4:about-us&catid=3:content&Itemid=9

No dia 17 de novembro, presenciamos enorme quantidade de manifestações na capital grega, mas também observamos a presença maciça de forças policiais e de repressão preventiva. Desde a manhã as pessoas iam à Escola Politécnica de Atenas para comemorar os 35 alunos mortos da Revolta estudantil em 1973. Os manifestantes estavam proibidos de circularem pela Praça Syntagma durante a manhã e a tarde, e apenas às 17 horas tiveram essa proibição revogada. Até a hora da passeata autorizada, às 17h, todas as lojas ficaram fechadas.

No dia 18 de novembro fomos recepcionados com um lauto almoço na residência da Sra. Spirdoúla, mãe de Elias. Minha esposa Rute Pardini ficou muito interessada em aprender sobre a culinária grega e ajudou "mamá" a preparar os pratos conforme o uso grego (abobrinha recheada, arroz à grega de forno, baklavás e charuto de folha de uva). Apreciamos tanto a lauta refeição e o amável encontro que lá permanecemos até a noite, tendo se juntado a nós algumas amigas de Sra. Spirdoúla e o filho de Elias, Nick, acompanhado de seu primo. 




NOTAS  EXPLICATIVAS


¹  Mets é uma microrregião de Atenas. Está localizado entre a Colina Ardettos, o primeiro Cemitério de Atenas e o templo de Zeus Olympiéion. Mets deve seu nome a uma cervejaria, chamada Mets que foi aberta no século XIX pelo famoso fabricante de cerveja, de origem grega com bávara, chamado Karolos Fix.

²  Os Gregos costumam utilizar uma escala para o tamanho das ondas e intensidade do vento, indo de 1 a 12. A palavra que usam para essa medida náutica é bofúr (μποφούρ). Quando o mar está calmo, os Gregos dizem:  O mar está azeite (Η θάλασσα είναι λάδι), ou seja, está praticamente parado, sem ondas. Se as condições marítimas de navegação estiverem péssimas, o bofúr pode atingir graus superiores que podem chegar ao 12.


³  [CONSTANTINIDOU, 2009, 283], no seu resumo intitulado "História da Grécia", tece os seguintes comentários a respeito da Catástrofe de Esmirna (hoje Izmir, Turquia): 
"1919 - O exército grego, apoiado pelos Grandes Poderes, inicia sua campanha expansionista na Ásia Menor, invade Esmirna, toma a cidade, com o propósito de defender a população grega e avança em direção à capital, Ancara.
1920 - O Partido Liberal perde as eleições. Entretanto, apesar de suas promessas de campanha, os anti-Venizelistas reconduzem o Rei Constantino ao trono, desagradando muito aos Grandes Poderes.
1922 - Insatisfeitos com o governo, os Grandes Poderes retiram suas tropas da Ásia Menor, deixando o exército grego sozinho e em número absolutamente insuficiente. Como seria previsível, após uma fragorosa derrota, as tropas gregas também se retiram da região. A "revanche" turca foi especialmente violenta - todos os gregos que viviam na região tiveram de sair às pressas para não morrer. Os bairros cristãos de Esmirna, onde viviam 300.000 gregos, foram incendiados. Muitos morreram. Os que fugiram, deixaram para trás tudo o que possuíam. Saíram com a roupa do corpo. A campanha grega na Ásia Menor é chamada "A Grande Catástrofe". Enquanto durou, mais de 1.400.000 pessoas morreram, nas batalhas, de fome ou em prisões. O número de refugiados é estimado em 1.000.000 de pessoas que se deslocaram para os países vizinhos, principalmente a Grécia, causando óbvio impacto social. Tamanho desastre causou a queda do governo. O Rei Constantino foi novamente forçado a sai do país e morreu logo depois.
1923 - Eleftherios Venizelos assina o Tratado de Lausanne, no qual a Grécia e a Turquia concordam em "trocar" suas populações minoritárias. Os turcos que viviam em território grego tiveram de deixar suas casas e partir. A ideia era aproveitar as casas vazias dos turcos para abrigar o contingente de desabrigados que a Grécia esforçava-se para assimilar, mas na prática não funcionou exatamente assim. O sofrimento dos refugiados gregos, acomodados como era possível, gerou grande desconforto social, o país teve de empreender um esforço enorme para reorganizar sua economia face ao aumento abrupto de população e durante décadas, os descendentes daquelas famílias ainda eram tratados como refugiados. Apesar disso, o influxo de mão de obra ajudou a reerguer a economia grega."
Obs. Os Grandes Poderes ou Grandes Potências, no contexto da Primeira Guerra Mundial, eram o Reino Unido, a França e a Rússia, que formavam a Tríplice Entente, contra as Potências Centrais, representadas pela Alemanha, Império Austro-Húngaro, Império Otomano e Bulgária. As forças russas saíram da Guerra em outubro de 1917, após a Revolução Bolchevique. Os Estados Unidos, que sempre tinham estado presentes, desde o início da Guerra, ao lado da Tríplice Entente, fornecendo armamento, artigos industrializados, alimentos e vestimentas, com a saída da Rússia, entraram na Guerra a favor do Aliados em 1917, procurando salvar seus investimentos em risco. Da mesma forma entraram Portugal, Grécia e Brasil a favor do Aliados, também em 1917.
 
  January 22nd, missolonghi *
On this Day I Complete my Thirty-Sixth Year
BY LORD BYRON
'Tis time this heart should be unmoved,
       Since others it hath ceased to move:
Yet though I cannot be beloved,
                                    Still let me love!

   My days are in the yellow leaf;
       The flowers and fruits of Love are gone;
The worm—the canker, and the grief
                                    Are mine alone!

   The fire that on my bosom preys
       Is lone as some Volcanic Isle;
No torch is kindled at its blaze
                                    A funeral pile.

   The hope, the fear, the jealous care,
       The exalted portion of the pain
And power of Love I cannot share,
                                    But wear the chain.

   But 'tis not thus—and 'tis not here
       Such thoughts should shake my Soul, nor now,
Where Glory decks the hero's bier,
                                    Or binds his brow.

   The Sword, the Banner, and the Field,
       Glory and Greece around us see!
The Spartan borne upon his shield
                                    Was not more free.

   Awake (not Greece—she is awake!)
       Awake, my Spirit! Think through whom
Thy life-blood tracks its parent lake
                                    And then strike home!

   Tread those reviving passions down
       Unworthy Manhood—unto thee
Indifferent should the smile or frown
                                    Of beauty be.

   If thou regret'st thy Youth, why live?
       The land of honourable Death
Is here:—up to the Field, and give
                                    Away thy breath!

   Seek out—less often sought than found—
       A Soldier's Grave, for thee the best;
Then look around, and choose thy Ground,
                                    And take thy rest. 

* "Esta manhã Lord Byron veio de seu quarto de dormir ao apartamento onde Cel Stanhope e alguns amigos estavam reunidos e disse com um sorriso: "Vocês estiveram lamentando, outro dia, que agora eu nunca escrevo poesia: este é meu aniversário, e eu acabei algo, que, eu penso, é melhor do que aquilo que normalmente escrevo." Então apresentou esses nobres e sensíveis versos, que foram mais tarde encontrados nos seus diários, com apenas a seguinte introdução: "Jan. 22; on this day I complete my 36th year.
Fonte: A Narrative of Lord Byron's Last Journey to Greece, 1825, p. 125, by Count Gamba.
Link: http://novelonlinefree.com/chapter/the_works_of_lord_byron/chapter_725 

⁵   [VANDENBERG, 1994, 23-4] escreveu ainda no capítulo 2, em minha tradução: 
"Quando a Cristandade substituiu os deuses 'pagãos' da Grécia, os primeiros cristãos usaram materiais das velhas edificações de Dodona para erguer imediatamente uma basílica cristã com três alas em frente ao antigo templo de Dione, e parcialmente sobre o templo de Hércules.
Essas ruínas cristãs foram as mais bem preservadas no todo de Dodona, e não é surpreendente que o estadista grego Konstantínos Karapános começou a escavar aqui em 1875. E imediatamente fez descobertas: na parte noroeste das fundações da basílica ele deparou com um entulho contendo objetos preciosos da antiguidade. 'Objetos pagãos', tais como ofertas votivas dos que buscavam o oráculo, tinham sido enterrados lá pelos sacerdotes cristãos. O local da descoberta e a óbvia antiguidade dos blocos de pedra usados para as fundações da igreja induziram Karapános a erro quando assumiu que a basílica tinha sido construída sobre o antigo oráculo de Zeus. Ele não se apercebeu, talvez porque ele não cavou suficientemente fundo, de que as paredes que tinha descoberto apenas a alguns pés de distância eram parte do templo de Zeus. Hoje os arqueólogos são gratos pelo fato de que as escavações foram de um diletante e limitadas. Karapános descobriu somente uma parte da cela (a habitação do deus ou da sua imagem) do templo; o traçado, a varanda circundante apoiada em colunas tinham escapado a ele." 

  Vide "Classical Greece" in https://en.wikipedia.org/wiki/Dodona




BIBLIOGRAFIA




BRANDÃO, Junito: Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia Grega, Petrópolis: Ed. Vozes Ltda., 2 volumes, 2ª edição, 1991, 701 e 559 p.
                        — Mitologia Grega, Petrópolis: Ed. Vozes Ltda., 3 volumes, 2ª edição, 1989, Ed. Vozes, 404, 323 e 407 p.

CARTWRIGHT, Mark: "Erechtheion", Ancient History Encyclopedia, última modificação em 03/12/2012, in http://www.ancient.eu/Erechtheion/

CONSTANTINIDOU, Vassiliki Thomas: Os Guardiões das Lembranças, São Paulo: Ed. Gráfica Vida & Consciência, 2009, 299 p.

HATZIDIMITRIOU, Constantine G.: American Accounts Documenting the Destruction of Smyrna by the Kemalist Turkish Forces, September 1922, New Rochelle, NY: publicado por Aristide D. Caratzas, 2005, 181 p.
                     — "The Genocide of Anatolian Christians and the Destruction of Smyrna: Scholarship and the Evidence, Ninety Years Later" (paper contendo 16 pp.), Chicago, 15/09/2012 in http://hellenicresearchcenter.org/wp-content/uploads/2016/04/2012-09-15-Genocide_of_Anatolian_Christians_by_Dr _Constantine_Hatzidimitriou.pdf

MUSEU ARQUEOLÓGICO DE IOÁNNINA: Exposição intitulada "Sotíris Dákaris: o arqueólogo do Epiro", http://www.academia.edu/5886651/Exhibition_entitled_Sotiris_Dakaris_the_archaeologist_of_Epirus_

PINHEIRO, Geraldo Ananias: Difícil Regresso, Brasília: Thesaurus Editora, 2016, 280 p.

PROKOSCH, Frederic: O Manuscrito de Missolonghi, São Paulo: Ed. Siciliano, 1995, 294 p.

STECCHINI, Lívio Catullo: "Notes on the Relation of Ancient Measures to the Great Pyramid" in Appendix of Peter Tomkins, Secrets of the Great Pyramid (New York: Harper & Row Publishers, 1978)

VANDENBERG, Philipp: The Mystery of the Oracles: the last Secrets of Antiquity, New York: Tauris Parke Paperbacks, 2007, 295 p. com base na [edição alemã Munique: C. Bertelsmann Verlag Gmbh, 1979]