terça-feira, 26 de março de 2024

MEU DISCURSO A FAVOR DA “RUA CELINA DOS SANTOS BRAGA”


Por FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA
 
Celina dos Santos Braga (✰ São João del-Rei, 23/01/1928 - ✞ 29/05/2014)

 
Exmo. Sr. Sargento Machado, Presidente da Câmara Municipal de São João del-Rei, 
Exmo. Sr. Professor Leonardo, proponente do Projeto de Lei nº 7.984, em nome de quem saúdo todos os outros representantes eleitos do povo são-joanense, 
Saúdo igualmente todas e todos os convidados que comparecem a esta cerimônia de valorização de uma mulher (minha mãe) que dedicou o melhor do seu tempo a causas sociais sem qualquer remuneração e pela simples recompensa de ter agido conforme a sua consciência, 
 
Inicialmente, quero agradecer de coração à Câmara Municipal de SJDR, carinhosamente chamada pelos são-joanenses de "Casa do Povo" e, em particular, ao Presidente Sargento Machado por conceder cinco minutos para este membro da Academia de Letras de São João del-Rei falar de sua gratidão nesta oportunidade. Todos aqui têm em mãos um texto de Dª Celina dos Santos Braga, minha mãe, intitulado "Reminiscências do Dr. Tancredo de Almeida Neves em 1944", escrito para uma edição comemorativa da Academia em 2010, ano em que se celebrava o centenário do são-joanense e também ex-presidente desta Casa Legislativa, Dr. Tancredo de Almeida Neves. (Obrigado, Dr. Tancredo! Receba todo o respeito e gratidão da nossa Academia de Letras!) Em especial, quero agradecer ao Vereador Professor Leonardo por ter indicado, no seu Projeto de Lei 7.984, o nome de minha mãe para denominação de via pública no Condomínio Novo Horizonte e que está sendo examinado nesta pauta da reunião ordinária deste dia de 26 de março de 2024. 
 
A iniciativa dessa homenagem cívica partiu de Átila Franco, vizinho de minha mãe e filho do taxista e político conhecido carinhosamente por "Patativa", o qual solicitou que a denominação da rua reverenciasse a memória de Dª Celina dos Santos Braga, alegando que podia atestar a veracidade do extremo cuidado e consideração dela para com as crianças da vizinhança, como foi o seu caso. Junto ao Professor Leonardo mencionou que, quando criança, muitas vezes pedia "mandados" à minha mãe para obter "pratinhas" e, assim, satisfazer seus desejos infantis por guloseimas e brinquedos. Mais meritória ainda foi a iniciativa de Átila, tendo em vista que partiu de um vizinho querido, e não de alguém da família, o qual, antes de tudo e por primeiro, enalteceu publicamente com louvor as qualidades de minha mãe, catequista na Rua do Ouro, razão pela qual eu e meus irmãos queremos abraçá-lo pelas referências elogiosas feitas juntamente com o pedido da homenagem à memória dela, que o Professor Leonardo guardou em seu coração e prontamente atendeu, e só depois este me comunicou ter feito esta indicação do nome dela para aquela rua, a pedido de seu amigo Átila. 
 
Prezado Professor Leonardo: considero valioso mimo a sua iniciativa de homenagear nossa mãe com a denominação de uma via pública são-joanense e a maior prova de amizade que V. Exª poderia presentear nossa família, aqui representada por mim, dois irmãos e uma irmã, além de Dinéa, nossa tia e irmã muito querida de nossa mãe, e sua leal secretária, Fota, todos aqui presentes. Os outros quatro irmãos justificaram sua ausência por compromissos assumidos anteriormente em função de suas atividades profissionais. 
 
Nossa mãe repetia a seus filhos que tinha um sonho: o de ter um dos seus filhos pianista e outro, padre. Pois bem, atendendo seu pedido, dois filhos se encaminharam para o piano (eu próprio e minha irmã, Luzia Rachel, que é formada pelo Conservatório são-joanense e que se deslocou de Florianópolis para prestigiar esta cerimônia), além de outro filho (Luís), ter optado pelo violino, tocando-o com tal esmero que veio a pertencer à Orquestra Ribeiro Bastos, sob a competente regência de José Maria Neves. Quanto ao filho padre, lamento dizer que minha mãe se frustrou, porque nenhum dos cinco filhos sentiram o chamado da vocação para o ministério sacerdotal. Em compensação, uma filha (Celina Maria Braga Campos), hoje viúva, seguiu os passos de nossa mãe, tendo também se encaminhado para o ministério de catequista  sim, ministério de catequista , que o papa Francisco chama de "antiquum ministerium", o mais antigo ministério desde os primórdios da Igreja. O Bispo de Roma fez questão de instituí-lo oficialmente em 10 de maio de 2021, para preencher uma lacuna e diante da necessidade urgente de evangelização no mundo contemporâneo. Para isso, assinou naquela data uma carta apostólica sob forma de "motu proprio", estabelecendo, desta forma, o ministério de catequista. 
 
Nossa mãe cumpriu a missão de catequista da Paróquia Nossa Senhora do Pilar sob a competente direção do Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva durante 30 anos, atuando especialmente em comunidades com vulnerabilidade social, tais como o Alto das Mercês e a Rua do Ouro e, neste caso, como diretora de catequese, segundo Dª Conceição Ferreira, coordenadora da catequese paroquial. Onde tardava ou faltava o serviço público, nossa mãe assumia o encargo de prestar assistência às pessoas carentes com seus próprios recursos. Mesmo diante dos problemas físicos de locomoção, perseverou na missão de catequista, e, com autorização de Monsenhor Paiva, precisou utilizar um carro da Paróquia e motorista para sua condução até os seus alunos. Enquanto pôde, ensinava catecismo até mesmo dentro de sua própria residência. Muito do que fez em prol dos necessitados, além da catequese, só ficamos sabendo aos poucos, depois de sua morte. O testemunho de algumas moças foi de que ela as incentivava a ingressar no coro da Orquestra Ribeiro Bastos — conselho que seguiram , de outros foi o de que se tornaram ávidos leitores de livros por sua influência e através da doação do acervo dela para formação de seu caráter.
 
Nossa irmã Elizabeth relembra, num texto denominado "Homenagem à minha mãe", que 
Há ainda uma coisa importantíssima: o amor. Mamãe tinha um coração de ouro. Era caridosa e acolhedora. Nossa casa foi sempre referência na Rua das Flores, referência de solidariedade aos necessitados. Amava as pessoas e amava a Deus, lembrando sempre que Ele estava em primeiro lugar.
 
Vou evocar alguns dados biográficos de nossa mãe. Nascida em 23 de janeiro de 1928 em São João del-Rei, era filha do acordeonista e eletricista, funcionário da Distribuidora são-joanense, Francisco Nestor dos Santos (nome de praça no Pau d'Angá) e Brasilina Sebastiana dos Santos, cozinheira do Colégio Nossa Senhora das Dores antes do casamento. Em 1944, Celina formou-se normalista no Colégio Nossa Senhora das Dores e, nos anos de 1945 e 1946, trabalhou como professora rural numa edificação da Estação ferroviária de César de Pina, próxima ao balneário das Águas Santas, proporcionando às crianças daquela comunidade rural o letramento e o acesso aos rudimentos das ciências, letras e artes. Em 15 de fevereiro de 1947, nossa mãe Celina casou-se com Roque da Fonseca Braga (1918-1984), com quem viveu durante 37 anos. Esposa e mãe exemplar, abandonou o emprego para dedicar-se ao cuidado do lar, ao marido e à educação de sua prole (constituída de 8 filhos), o que fez com muito carinho, sensibilidade e conhecimento de causa como educadora. Educou-nos com muita dedicação, tendo todos nós, seus filhos, conquistado pelo menos o grau de bacharel nas mais diversas áreas do conhecimento. Quando ainda éramos crianças, ajudava-nos nos deveres de casa e tarefas escolares, supervisionava nossos boletins escolares e estimulava a leitura, presenteando-nos com livros. Vestia-nos com roupas asseadas e engomadas e incentivava-nos a participar de atividades extra-classe, ocasião em que nos apresentávamos trajando fantasias para teatrinhos infantis e compondo, como pajens e damas de honra, o séquito de autoridades civis e eclesiásticas. 
 
Com seus oito filhos já crescidos, nossa mãe passou a frequentar novamente as carteiras da escola, matriculando-se como aluna no Conservatório de Música Pe. José Maria Xavier, dando continuidade à época de sua juventude em que integrou o coro orfeônico do Maestro Ten. João Cavalcante, professor do Colégio Nossa Senhora das Dores, em cujo coro participara como soprano. Na época em que o Diretor do Conservatório era o Prof. Abgar Campos Tirado (de 1971 a 1976), retomou os estudos de música e teve início sua participação no Coral Opus 78, sob a direção do Prof. André Luís Dias Pires, e do Coral de Ex-alunas do Colégio Nossa Senhora das Dores. Também, retomou as lições de piano com o saudoso Prof. Euclides José Correia (canto e piano). Nos últimos anos foi aluna particular da professora são-joanense Maria Amélia Viegas. 
 
Conforme se lê no projeto de lei do Vereador Professor Leonardo: 
“A Câmara Municipal de São João del-Rei aprova (e eu, Prefeito Municipal, sanciono a seguinte Lei): 
Art. 1º - Passa a denominar-se "Rua Celina dos Santos Braga", a rua conhecida como Órion, no loteamento Novo Horizonte, município de São João del-Rei, conforme croqui em anexo. 
Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 
Sala das Reuniões, 05 de janeiro de 2024.”
 
Croqui do loteamento Novo Horizonte - Crédito pela foto: Professor Leonardo

 
Devo aqui mencionar um fato digno de consideração por parte dos legisladores. É muito difícil elucidar certas coincidências que acontecem na vida da gente, mas é possível constatá-las e reconhecer o mistério da sua ocorrência. 
 
Antes e durante a referida enfermidade, mamãe possuía um cão chamado Órion, que, como um anjo, alegrava sua vida decadente com o seu latido e sua alegria, tornando as suas agruras menos dolorosas. Pois bem: após a morte dela em 29 de maio de 2014, esse cão nunca mais latiu, num luto solitário percebido por todos. 
 
Observem agora a feliz coincidência e o mistério inerente a essa denominação da "Rua Celina dos Santos Braga". No croqui, o loteamento homenageava constelações e Órion foi a denominação provisória desta via pública. Ora, Órion deve ser uma das constelações mais populares no mundo todo. Sua posição privilegiada em relação à Linha do Equador permite que seja vista tanto no Hemisfério Norte quanto no Hemisfério Sul da Terra. Além disso, Órion era o nome do cão que alegrava a vida de mamãe antes e durante o último quadrante de sua vida. Relembro essas coisas, reafirmando a existência de estranhas coincidências nessa homenagem prestada pela Casa do Povo. Certamente, a alma dela deve estar muito comovida nos páramos celestiais, por ter seu nome substituindo seu amado cão em vida, juntando ambos na pós-morte. 
 
Nossa mãe, durante a sua enfermidade que infelizmente veio a vitimá-la em 2014, era assistida por todos os oito filhos; pôde contar especialmente com a companhia constante de meu irmão Rafael e sua esposa Lourdes, que moravam na cidade, secundados por Carlos Fernando e sua esposa Maria do Carmo e por mim e minha esposa Rute, que tivemos a coragem de mudar-nos para São João del-Rei, vindos respectivamente de Belo Horizonte e Brasília, ficando assim mais próximos neste momento delicado de sua vida,  dando-lhe conforto e confiança até seu último dia.
 
Para finalizar, revisito o texto "Homenagem à minha mãe" de nossa irmã Elizabeth, em que fala também do amor de nossa mãe à música: 
Gostava de música e ensinou a todos nós o amor por essa arte maravilhosa. Incentivou-nos no aprendizado de instrumentos, inclusive com seu exemplo, iniciando as aulas de piano já adulta e com oito filhos. Gostava de cantar, desde os tempos do canto orfeônico do Colégio Nossa Senhora das Dores, e foi sua voz afinada que moldou nossos bons ouvidos. O conservatório, o coral, a música clássica, o barroco mineiro... nossa Mãe amava a música e até seus últimos dias pediu aos filhos que tocassem para ela o velho piano.
 
À nossa mãe está reservada a coroa dos justos e simples de coração, tementes a Deus. Com São Paulo, na 2ª carta a Timóteo capítulo 4 e versículos 7-8, nossa mãe certamente está dizendo nas regiões celestiais: 
"Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me entregará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda." 
 
Muito obrigado pelo carinho de todos.
 
 
Orador: Francisco Braga - Crédito pela foto: Professor Leonardo


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rute Pardini e Francisco Braga

 
Composição da Mesa: Sargento Machado (no centro) e Professor Leonardo (à direita) - Crédito pela foto: Professor Leonardo

Auditório lotado com familiares e convidados - Crédito pela foto: Professor Leonardo




REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
 
 
BRAGA, Celina dos Santos: Reminiscências de Dr. Tancredo de Almeida Neves em 1944, publicado na Revista da Academia de Letras de São João del-Rei, Ano IV, nº 04, 2010 (número especial dedicado às comemorações de centenário de nascimento do Dr. Tancredo de Almeida Neves), pp. 143-144; também transcrito no Blog de São João del-Rei, publicado em 28/12/2010

BRAGA, Elizabeth dos Santos: Homenagem à minha mãe Celina dos Santos Braga (1928-2014), publicado no Blog de São João del-Rei em 08/07/2014

BRAGA, Francisco José dos Santos Braga: Colaboradora: Celina dos Santos Braga, publicado no Blog de São João del-Rei, 28/12/2010.

sexta-feira, 15 de março de 2024

RECUPERE SEU LATIM > > PARTE 19: CÍCERO: DISCURSO PARA ARCHIAS POETA

Introdução, tradução do latim, comentários e bibliografia por Francisco José dos Santos Braga

Archias foi um poeta grego de Antioquia. Adquiriu a cidadania romana com o nome Aulus Licinius Archias, mas Gratius contestou a decisão por motivos técnicos – essencialmente políticos. O poeta foi defendido com sucesso por Cícero em 62 a.C. Seu discurso é um dos elogios mais brilhantes da literatura escrita na antiguidade. Na passagem que se segue, a perspectiva do orador é principalmente romana: os textos literários preservam o comportamento exemplar ("exempla") dos grandes homens para os mais jovens imitarem. 

Marco Túlio Cícero (✰ 106 a.C., Arpino ✞ 43 a.C., Fórmias)
 

I. INTRODUÇÃO

 

Em sua fala em defesa da poesia em geral e do poeta grego Archias em particular um panegírico muito elaborado do valor moral da poesia na fronteira entre a retórica epidítica e a retórica forense  Cícero se apresenta como uma espécie educada de homo novus ¹ compensando sua falta de modelos (imagines) aristocráticos com a imitação de exemplos (exempla) literários. 

Inicio minha digressão sobre o discurso de Cícero em 62 a.C. com o paratexto ao título Pro Archia Poeta Oratio, pág. 85 do livro "LATIUM: Antologia Latina, comentada e anotada por A. da Silva D'Azevedo:  

GRATIUS contestara o direito de cidadão romano, que o literato Archias obtivera em Heracléa, por intermédio de Lúculo. Defendendo o velho mestre e poeta, Marco Túlio presta primeiramente uma homenagem às belas-letras; ora, Archias (que tomara o nome de Licínio, que era o de Lúculo, seu amigo), a elas se dedicara desde a puerícia, e por isso, granjeara-lhe naturalmente a estima e o respeito de todos, de forma que os heracleenses tinham apenas feito um ato de justiça, concedendo ao poeta exímio, o direito de cidadania. Era absurdo exigirem-se os livros ou folhas de registro, visto ser do conhecimento de todos que um incêndio havia destruído os arquivos. Restava o testemunho de Lúculo e outros. Além disso, se Archias não fosse cidadão romano, convinha que lhe concedessem esse direito, visto como, a só qualidade de cultor das letras era tão nobre que generais e homens do governo timbravam em se dedicar à literatura, ou ambicionavam perpetuar nos livros o eco das suas façanhas e triunfos. Esta oração pode considerar-se uma tese em prol das Letras e da Cultura Humanística, em geral.

 

II. TRADUÇÃO


TEXTO LATINO: Discurso para Archias Poeta, por Cícero (capítulo VI, seção 14)

VI. (14) Nam nisi multorum praeceptis multisque litteris mihi ab adulescentia suasissem, nihil esse in vita magno opere expetendum nisi laudem atque honestatem, in ea autem persequenda omnis cruciatus corporis, omnia pericula mortis atque exsilii parvi esse ducenda, numquam me pro salute vestra in tot ac tantas dimicationes atque in hos profligatorum hominum cotidianos impetus obiecissem. Sed pleni omnes sunt libri, plenae sapientium voces, plena exemplorum vetustas: quae iacerent in tenebris omnia, nisi litterarum lumen accederet. Quam multas nobis imaginesnon solum ad intuendum, verum etiam ad imitandum  fortissimorum virorum expressas scriptores et Graeci et Latini reliquerunt? Quas ego mihi semper in administranda re publica proponens, animum et mentem meam ipsa cognitatione hominum excellentium conformabam.

MINHA TRADUÇÃO 

VI. (14) Pois, se não me tivesse persuadido desde a adolescência em diante, pelos preceitos de muitos (mestres), e por muitas leituras, de que nada na vida  deve ser particularmente desejado senão a glória, mas também a honra; porém, buscando obter tais coisas, todos os sofrimentos físicos, todos os perigos de morte e de exílio ² devem ser considerados de pouca importância: nunca me teria atirado pelo vosso bem-estar a tantos e tamanhos conflitos e a estes ataques cotidianos de pessoas desprezíveis. Contudo, todos os livros estão cheios, as palavras dos sábios abundantes, a antiguidade plena de exemplos, tudo isso ficaria enterrado nas trevas, caso não se tivesse aproximado a luz das letras. Quantos modelos dos homens mais corajosos nos deixaram retratados os escritores tanto gregos quanto latinos, não só para contemplarmos, mas também para os imitarmos! ³ Eu, pondo diante de mim esses modelos sempre , para minha própria conduta pública, moldava minha mente e inteligência com o próprio pensamento desses homens excelentes.
 
 
III. NOTAS EXPLICATIVAS


¹ Homem novo: termo utilizado na Roma antiga para um homem que fosse o primeiro em sua família a ocupar o cargo de Senador. Neste caso, o termo "homo novus" tem um elemento negativo: o de um outsider. Tentativamente, podemos, como fez [DUGAN, 2005, 01], definir "homo novus" como um outsider político, alguém que não possui uma família com um passado prestigioso, isto é, um homem livre com nenhum parente que ocupou altos cargos. De acordo com essa definição, tanto Cícero quanto Horácio preencheram esses requisitos para serem considerados "homines novi". Ambos os autores utilizam os termos em suas próprias obras, porém em ambos os casos, o "homo novus" é visto como uma figura positiva: sua condição é algo a ser louvado e destacado, considerando que ambos construíram para si como que uma nova entidade dentro da vida cultural romana: a de um líder que baseou sua autoridade em realizações intelectuais, oratórias e literárias em vez dos tradicionais acessos para o prestígio, tais como um pedigree de família distinta ou feitos políticos ou militares.

² Tendo em vista que o "Pro Archia" foi proferido em 62 a.C., as referências de Cícero a perigos de morte e exílio devem ser lidos à luz de sua luta contra a conspiração de Catilina (novembro-dezembro de 63 a.C.).

³ Pelo bem do aperfeiçoamento moral, é de fundamental importância mover-se além do nível da simples observação (intueri) e abraçar a prática da imitação consciente (imitari), que está baseada no ato mental de manter os exemplos (exempla) diante dos olhos (sibi proponere).

  O uso de modelos mnemônicos e mentais para fins criativos é uma técnica bem conhecida da retórica greco-latina, discutida tanto por Cícero quanto por Quintiliano, entre outros. O perfil duplo de Cícero como um estadista e escritor no "Pro Archia" lembra-nos que semelhantes práticas intelectuais poderiam ser sincreticamente assimiladas pelos romanos a seus costumes ancestrais. Cidadãos romanos como Cícero, que não cresceram em berço de ouro, podem absorver da literatura os mesmos ideais da educação tradicional  a paixão abnegada por glória e honra que leva alguém a arriscar a vida e a derrotar inimigos públicos como Catilina.

 
IV. BIBLIOGRAFIA
 

BRAGA, Francisco José dos Santos: CONSPIRAÇÃO CONTRA A REPÚBLICA ROMANA (65-63 a.C.), texto publicado no Blog do Braga em 11/04/2016.

D'AZEVEDO, A. da Silva: LATIUM: Antologia Latina, São Paulo: Livraria Acadêmica Saraiva & Cia, 1933, 383 p.
 
DUGAN, John. Making a New Man: Ciceronian Self-Fashioning in the Rhetorical Works. Oxford: Oxford University Inc., 2005, 388 p.

SILVA, Camilla F.P. & LEITE, Leni R.: Reinventing the concept of homo novus in Rome: Cicero as Horace's  role model, Rio de Janeiro: Topoi (Rio J.), v. 21, nº 45, pp. 602-619, set/dez 2020.

terça-feira, 12 de março de 2024

DO PASSADO AO PRESENTE COLONIAL


Por PAIVA COUCEIRO *
 
Dedico este artigo ao Acadêmico António Valdemar que mo cedeu de seu arquivo particular para desfrute do leitor deste Blog.
Henrique Paiva Couceiro, busto de Delfim Maia, pertencente ao Museu de Angola - Crédito pela foto: https://pt.wikipedia.org/wiki/Henrique_Mitchell_de_Paiva_Cabral_Couceiro  👈


 
A estreiteza das nossas fronteiras continentais conduziu-nos o espírito, em tempos idos, para os ideais da expansão marítima e ultramarina. Apertados dentro de casa, procurávamos logicamente a grandeza fora dela. E cometendo o duvidoso mar num lenho leve,  como canta o nosso poeta nacional,  rompemos as fronteiras do Mundo antigo, e fomos, por vias nunca usadas, conquistar entre remotas gentes novos domínios para a nossa Soberania, forte, progressiva e humana. 
 
Esses mesmos naturais motivos, que outrora nos levaram para as contingências do Mar Tenebroso, ainda subsistem com fôrça igual no momento que passa. E se, ontem, descobrimos, conquistamos e demos princípio à obra civilizadora,  continuá-la é dever de hoje, e necessidade que se impõe. A missão tradicional não sofre interrupções nem paragens. Os portugueses, colonizadores catedráticos e construtores profissionais de Países novos, prosseguem na mesma carreira, com o "Talent de bien faire", que sempre lhe dedicaram. Perpetuando por esses nobres caminhos, o nosso nome através do espaço e do tempo, e criando, desde logo, elementos colaboradores de fôrça moral, e de potência económica e militar, garantias da prosperidade e da dignidade nacional. 
 
Magna obra, que envolve o Poder Naval. E, na base dêste, o aumento em grande escala da produção económica, aquém e além-mar, e o aumento correspondente da marinha mercante, e frotas de pesca, os quais aumentos do Comércio, e da Navegação Comercial, não só representam alicerce necessário para o desenvolvimento da Marinha de Guerra, mas são elo, ao mesmo tempo, de sumo valor, para a ligação entre a Metrópole e o Domínio Ultramarino, constituídos como um todo económico, solidário e interdependente. Eis o que pretendemos. E o Atlântico, lago português, como era, aliás, aspiração de D. João IV. 
 
Não nos faltam, para isto, elementos geográficos. No Atlântico-Norte, a própria Metrópole com a sua abundância de portos, nomeadamente Lisboa, e Lagos à bôca do Mediterrâneo. No Atlântico-Sul, Angola, onde a nossa colonização se implanta com fortes raízes, frente a frente com o Brasil, sangue do nosso sangue, belo e frondoso ramo do nosso tronco criador. E, regularmente distribuídos sôbre a vastidão Oceânica, entre Europa, África e América, o rosário das nossas Ilhas Atlânticas,  Madeira, Açôres e Cabo Verde, escalas comerciais e estratégicas, servindo e comandando as grandes estradas do Mar. E comandando-as de tal maneira que, sem o seu apoio intermédio, difícil será a qualquer Potência Naval exercer, em tempo de guerra, a polícia e a defesa directa do tráfego marítimo. A questão está em sabermos aproveitar o valor natural dessas posições, preparando-as como pontos de apoio ou bases navais, com as instalações e meios de defesa marítima, fixa e móvel, e de defesa aérea e anti-aérea, para desempenharem o seu papel, em conexão com o problema estratégico geral da posse do Atlântico. Esta posse só pode ressalvar-se inteiramente com a manutenção de esquadras do alto mar, que não se encontram, pelo menos na sua totalidade, dentro do nosso actual alcance financeiro. Mas os pontos de apoio devidamente organizados, representam a valiosa contribuição, com que pagaremos a cota parte de Senhores do Atlântico. 
 
Assim garantida contra eventuais emergências a liberdade desse Mar, e a segurança das nossas comunicações Ultramarinas, poderá levar-se à prática sem receios, em Portugal e seus Domínios, o grande sistema de Agricultura, Indústria, Comércio e Navegação, cujo vasto desenvolvimento é nosso objectivo nacional. 
 
Evidentemente, as relações e conhecimentos pessoais e locais, dos portugueses, estabelecidos, em vários pontos do Globo, constituem, desde logo, portas abertas e oficiosas agências, que muito podem facilitar a nossa expansão mundial. Verdadeiros pontos de apoio de uma obra de paz, eminentemente apropriados para fundar, encaminhar, e sustentar, as correntes comerciais e marítimas. 
 
E, já por virtude de modernas emigrações, em busca da fortuna,  já como resultado da nossa aventurosa vida anterior, de descobridores e conquistadores,  muita alma de ascendência portuguesa se encontra plantadas por todos os hemisférios, fora do território português pròpriamente dito: quer na margem ocidental do Atlântico,  Brasil, Guiana Inglesa, e Estados-Unidos da América do Norte,  quer no Pacífico,  Califórnia e Ilhas do Hawaí ou Sandwich,  quer no Extremo Oriente,  Changai e Hong-Kong, Bombaim, Calcutá e Malaca,  etc., etc. 
 
Verifica-se, pois, que temos auxiliares naturais em todas as partes do mundo, prontos muitos dêles,  estamos seguros disso,  a demonstrar praticamente o seu amor por esta pequena orla do Atlântico-Norte, cume da cabeça da Europa tôda, de onde saíram os seus avós, próximos ou remotos, e estão de pé, ainda, os templos, os monumentos, e os arquivos, que consagram as origens ilustres da sua própria genealogia. 
 
À sombra desses bons entendimentos, torna-se possível, evidentemente insinuar e irradiar, em largas proporções, o trato mercantil, e a influência económica, e dar vida, por conseguinte, a uma grande navegação que os sirva. 
 
Por outro lado, o todo económico do Império Português, no seu conjunto, é susceptível de importantes acréscimos demográficos e produtores, e, implicitamente, bancários, mercantis, e marítimos. Senhores da Navegação e do Comércio, da Ethiópia, Arábia, Pérsia e China,  com carta e patentes de antigas eras,  por que é que não havemos de actualizar título tão soberbo, em harmonia com as circunstâncias do presente,  convencidos demais, como todos estamos, Aquém e Além-Mar, de que a grandeza e o prestígio, da nossa Pátria Comum, se fundam, agora como no passado, e pelas mesmas razões na expansão marítima e Ultramarina em ligação com a economia da Metrópole?
 
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Estas perspectivas que, muito ao correr da pena, estivemos aqui desenrolando, podem, talvez figurar-se a atavismos sebastianistas, ou devaneios de imperialismo sonhador, mais do que objectivos susceptíveis de realização efectiva. 
 
Mas convém, no entretanto, recordar-nos de que muito maior razão teriam os nossos antepassados se, no alvorecer do século XV, supusessem conto fantasioso das mil e uma noites, o dobramento do Cabo da Bôa Esperança, a dominação da Índia, Socotorá, Ormuz, Gôa e Malaca,  e mais avante, China e Japão, Sumatra, Java, e Molucas,  tributos e vitórias,  Impérios e Cristandades  especiaria ardente, e jóias finas,  pérolas e ouro, rubis e diamantes. E, contudo, o sonho tornou-se realidade indiscutível, cuja fama retumbante impôs, o Portugal dessa época, ao respeito, e à admiração do mundo inteiro. 
 
Bem sabemos que tudo isto implica, e requere, novos conceitos de vida, particular e pública,  do prosseguimento dos quais conceitos poderiam acaso duvidar aqueles que, ainda há poucos anos, conheceram e viram os portugueses digladiando-se, e consumindo o tempo e as energias, na pugna estéril e inglória, do Politiquismo sectário e truculento. 
 
É, todavia, facto constatado pela experiência, na História portuguesa, que, em cada vicissitude crítica, em cada iminência de naufrágio, quando parece que a Nacionalidade vai a pique, nas vagas do temporal desfeito,  desperta a consciência nacional, e o patriotismo e o valor dos seus filhos, salva a nau, prestes a submergir-se. Assim sucedeu, por exemplo, em 1383, em 1640, e em 1807. 
 
E a história repete-se, governada desde 1834 por oligarquias partidárias, monárquicas ou republicanas, sob o ambiente desmoralizador de eleições corrompidas, e de favoritismos a benefício de interesses particulares,  a Pátria Portuguesa decaiu. 
 
E a massa popular, vendo ao alto os gôzos egoístas duma sociedade burguesa, sem a chama viva dos ardores patrióticos, sem o poder comunicativo dos civismos entusiásticos,  perdeu a crença em tudo, e tornou-se apática, fatalista e indiferente. 
 
Longe ficavam, sem dúvida, os tempos de Aviz. Esses tempos em que,  por haver ideais positivos,  fé e ciência a guiá-los,  mando consciente, e virtudes fortes, a servi-los,  os Portugueses venceram ondas e perigos, dominaram terras e mares, difundiram leis e ensinamentos, e edificaram, enfim, cidades e fortalezas, civilizações e Impérios, como a Índia e o Brasil. 
 
Esses tempos em que Portugal, numa palavra, tinha assento nos conselhos do Velho Mundo como Potência de 1ª ordem. 
 
Duro contraste com o Presente, que, todavia, bem se explica: Gases deletérios, de filosofia abstracta e mistificadora, invadiram, nomeadamente desde o século XIX, o nosso riquíssimo patrimônio de conquistas morais e materiais, e penetrando as instituições, as ideias, e os costumes, conduziram o País, por degraus sucessivos, até as condições de perdição, e dissolvência social e política.

Colaborador: Henrique Mitchell de PAIVA Cabral COUCEIRO

Por Francisco José dos Santos Braga 

 

Última foto de Paiva Couceiro
PAIVA COUCEIRO foi um militar português, nascido em Lisboa em 1861, onde também faleceu em 1944. 
 
Foi oficial do Exército, participando em campanhas na África. Ficou célebre, nomeadamente, na luta contra as forças de Gungunhana na campanha de Moçambique. Pelos seus feitos militares, foi alvo de diversas condecorações e homenagens. 
Foi proclamado Benemérito da Pátria em 1896. 
 
Anos mais tarde, em 1907, foi nomeado por D. Carlos Governador Geral interino de Angola. Comandou pessoalmente as campanhas militares de pacificação das regiões de Cuamato e dos Dembos, expondo-se, como de costume, aos inerentes riscos. 
 
Em 1910, por ocasião da instauração da República, contava-se entre os defensores da causa monárquica. 
 
Em 1919, após o assassinato de Sidónio Pais, Paiva Couceiro vê a sua grande oportunidade de lutar pela restauração do regime em que acreditava. Assim, proclama a monarquia no Porto, tornando-se presidente da respectiva Junta Governativa. Porém, a situação não consegue perdurar e o regime republicano é novamente instaurado.
 
A partir dessa altura, Paiva Couceiro retira-se da vida política, partindo exilado para as Canárias. 
 
Alguns anos mais tarde, Oliveira Salazar permite o seu regresso a Portugal onde acaba por viver os últimos anos da sua vida. 
 
Dedicou-se à escrita, tendo publicado uma extensa obra dedicada essencialmente às questões coloniais e à temática do ressurgimento nacional, com um cunho nacionalista que o aproxima do integralismo lusitano.
 

segunda-feira, 11 de março de 2024

11-M: Vinte anos do atentado que mudou a luta contra o terrorismo na Europa


Por Jaime Velazquez * 
Traduzido do espanhol por Francisco José dos Santos Braga
 
Os sangrentos ataques de 2004 contra os trens na estação ferroviária de Atocha, em Madri, marcaram o despertar da Europa para uma das suas principais ameaças: o terrorismo jihadista. Vinte anos depois, as cicatrizes permanecem vivas na memória das vítimas e de toda a sociedade espanhola.

 

Os ataques do 11-M em Madri, em 2004, foram o primeiro grande golpe do terrorismo islâmico em solo europeu. 
 
Em 11 de março de 2004, uma série de explosões sacudiu trens suburbanos quando estes entravam na estação de Atocha, em Madri, deixando 192 mortos e 1.800 feridos, naquele que ainda é o maior ataque jihadista perpetrado em solo europeu. 
 
É um dia que nunca se apagará da minha memória. Pude contar minuto a minuto o que aconteceu naquele dia. E o resumo final é que meu irmão foi assassinado no trem Santa Eugênia”, diz Alejandro Benito. “Ouvi a notícia pelo rádio. Imediatamente a família se mobilizou porque a notícia se espalhou muito rápido e porque foi um acontecimento de grande magnitude; a partir daí começamos a nos mobilizar em torno da família; telefonar para hospitais, ir ao Ifema  recinto de feiras de Madri onde foi instalado o necrotério  e assim sucessivamente até ao reconhecimento final do corpo de Rodolfo, disse Alejandro Benito à Euronews no início de um evento organizado pela Fundação Rodolfo Benito em Alcalá de Henares. “Decidimos criar a Fundação porque achávamos que a vida do Rodolfo não poderia ser interrompida de forma tão brutal, tão rapidamente, porque ele era uma pessoa muito jovem, era uma pessoa muito vital, tinha muitos projetos de vida para desenvolver. Quisemos dar à sociedade o que pensamos que Rodolfo lhe teria dado se tivesse preservada a sua vida, acrescentou Benito, que preside a fundação em memória do seu irmão e de todas as vítimas do terrorismo. 
 
O despertar da Europa para a ameaça jihadista 
 
Os atentados do 11-M em Madri serviram de alerta e provocaram uma mudança significativa nos esforços antiterroristas na Espanha e na Europa. Desde então, foram canalizados recursos para as agências de aplicação da lei e de inteligência para fazer face ao cenário de ameaças em evolução, que atingiu o continente inúmeras vezes nas últimas duas décadas. 
 
Os ataques do 11-M foram uma operação terrorista sem precedentes em Espanha devido à sua gravidade, ao modus operandi e ao impacto social e político que tiveram. Foi o primeiro ataque jihadista grave levado a cabo num país da Europa Ocidental”, explicou à Euronews Luis de la Corte Ibáñez, professor da Universidade Autônoma de Madri (UAM) e investigador em questões de segurança nacional e internacional. 
 
Segundo De la Corte, apesar dos ataques de 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque contra as Torres Gêmeas, houve um atraso no reconhecimento da gravidade da ameaça jihadista na Europa. Embora a comunidade internacional tenha tomado consciência do problema, acrescentou, ainda se pensava que a ameaça era fundamentalmente contra os Estados Unidos
 
A União Europeia não adotou nenhuma estratégia comum de luta contra o terrorismo até 2005, respondendo diretamente aos ataques de Madrid e aos ataques subsequentes em Londres em 2005. Até então não havia nenhuma estratégia para enfrentar o terrorismo jihadista internacional. Este é um indicador de que nem as elites políticas, nem as opiniões públicas europeias deram à ameaça jihadista a relevância e a seriedade que ela tinha, disse o professor da UAM. 
 
Nas últimas décadas, a resposta europeia conjunta permitiu-nos realizar investigações e operações policiais contra redes e conspirações terroristas de inspiração jihadista em toda a Europa, muitas delas com filiais em diferentes países do continente e, por sua vez, ligadas a fontes de atividade jihadista fora do território da Europa. 
 
Espanha, ETA e a guerra do Iraque 
 
No contexto da luta histórica da Espanha contra o terrorismo separatista basco da ETA, o súbito surgimento da violência jihadista apanhou o país e as forças de segurança de surpresa, disse De la Corte. 
 
A prioridade era o terrorismo da ETA e a maior parte dos recursos antiterroristas e da experiência antiterrorista estavam relacionados com a ameaça representada pela ETA, não com a do jihadismo”.
 
No entanto, o jihadismo não era estranho às forças de segurança espanholas. A Al-Qaeda já tinha estabelecido a sua própria célula no país na década de 90 e em novembro de 2001 a maior operação policial da Europa contra o Islamismo até então foi realizada na Espanha. 
 
Mas mesmo os responsáveis ​​por toda aquela atividade, por toda aquela investigação policial, subestimaram a ameaça. Acreditavam que o interesse na Espanha era principalmente o interesse de um país para usar como base logística, como campo de recrutamento, como retaguarda da atividade jihadista que seria realizada em outras partes do mundo, disse De la Corte.
 
Os ataques destruíram a percepção prevalecente de que a Espanha era imune a tais ameaças, embora muitos os atribuíssem exclusivamente a um ato de retaliação pela participação de Espanha na invasão do Iraque pelos EUA em 2003. 
 
Os ataques de 11 de março de 2004 foram interpretados de uma forma um tanto simplificada como um incidente circunstancial ligado exclusivamente à participação da Espanha na guerra do Iraque. A experiência mostrou posteriormente que o terrorismo jihadista não precisa da desculpa de qualquer conflito para continuar a atuar na Europa,  ele acrescentou. 
 
Vinte anos de ameaça jihadista 
 
Desde os ataques do 11-M em Madri, a ameaça jihadista evoluiu devido à atividade de divulgação de propaganda através da Internet e à influência de organizações jihadistas que surgiram posteriormente, especialmente após a declaração de um Estado Islâmico na Síria e no Iraque em 2014. 
 
Isto acabou por gerar, entre outras novas dinâmicas, um ciclo de mobilização jihadista em direção à Síria e ao Iraque. Dos países árabes, mas também dos países europeus, o que representou um enorme desafio para as Autoridades, que tiveram de identificar os cidadãos europeus que tentavam juntar-se ao Estado Islâmico para detê-los, antes que pudessem regressar à Europa, talvez com a intenção de atacar, explicou De la Corte à Euronews
 
O terrorismo islâmico assistiu também à emergência do fenômeno dos «lobos solitários», indivíduos que agem por conta própria, com os seus próprios critérios e sem o apoio de uma estrutura organizacional por trás deles, mas que chegaram ao ponto de cometer ataques letais em Paris, Berlim ou Barcelona. 
 
Atualmente, o jihadismo global tem uma prioridade clara fora do Ocidente, concentrando-se nos países do mundo árabe muçulmano, explicou o especialista em segurança. 
 
Embora a situação na Europa esteja menos complicada do que nos anos anteriores, De la Corte alertou para a possibilidade de uma nova onda de atividade jihadista: “Cada vez que uma grande organização jihadista consegue enraizar-se num país, alargar o seu poder territorial, é uma questão de tempo até que tente projetar o terrorismo para os países europeus, ou em termos mais gerais, para o Ocidente”, concluiu. 
 
* Correspondente estrangeiro na Espanha para EURONEWS.

 
II. BIBLIOGRAFIA
 
 
EURONEWS: 11-M: Veinte años del atentado que cambió la lucha antiterrorista en Europa, por Jaime Velazquez

IBÁÑEZ, Luis de la Corte: LA YIHAD DE EUROPA: desarrollo e impacto del terrorismo yihadista en los países de la Unión Europea (1994-2017), Informe del Centro Memorial de las Víctimas del Terrorismo, nº 4, febrero 2018 

quinta-feira, 7 de março de 2024

RESENHA DE “PENSARES” DE JOSÉ CARLOS GENTILI


Por Francisco José dos Santos Braga


Na contracapa, uma homenagem a JK

 
Tenho em mãos um exemplar de "PENSARES", uma coletânea de poemas de JOSÉ CARLOS GENTILI, que me foi gentilmente enviada por este seu autor, que da altura de seus 83 anos de idade, produz filigranas poéticas de fino lavor para enlevo de nossa alma tão esmorecida pelas agruras do tempo presente. 
 
Gentili é pioneiro da Capital da Esperança, autor de quase 50 obras literárias, Presidente de Honra Perpétuo da Academia de Letras de Brasília, fundador e primeiro presidente da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal e um dos 20 brasileiros membros da Academia de Ciências de Lisboa, dos Institutos Históricos e Geográficos do DF e do Rio Grande do Norte, além de componente do Conselho Executivo do Museu da Língua Portuguesa, em Bragança/Portugal. Único brasiliense a receber um prêmio nacional de literatura, outorgado pela Academia Brasileira de Filologia, da qual, atualmente, é Membro Correspondente Nacional, em face do lançamento de "A Infernização do Hífen", considerado referência no mundo lusófono. 
 
Sobre seu mais recente livro de 2023, "PENSARES", cabe dizer que foi muito bem diagramado em sua apresentação para conter 24 poemas, entremeados por fotos ou pinturas de destacados luminares da ciência do cânone universal, desde os filósofos gregos Platão, Aristóteles, Epicuro, Cícero e Sêneca, passando por Leonardo da Vinci, até Stephen Hawking (1942-2018), físico teórico, cosmólogo e autor britânico, considerado um dos mais renomados cientistas do século, familiarizado com a biologia molecular, a astrofísica e a mecânica quântica. Em minha opinião, é dessa forma, com os gênios da humanidade que o escritor Gentili se ombreia pela sua inspiração esfuziante e translúcida, ao lado de sua expressão erudita e rica em vocábulos certeiros para o encantamento do leitor. Neste particular, cito o Pensar nº 13: 
 
As palavras são tijolos na construção 
Dos edifícios das línguas, 
Vivas e mortas, às vezes francas. 
Como nasceram, como morreram? 
Formações sumérias, 
Qem sabe? 
Registros acádicos, 
Velhos, antigos, esquecidos, 
Talvez! 
Sinergia entre a forma e um som? 
Algo gutural, animal, visceral! 
Origem inexplicável, anímica, 
Atávica da origem dos mundos. 
Oriunda dos páramos cósmicos! 
 
Reconhecendo-se como um cidadão do mundo (título de uma de suas obras), contrapõe a paz à guerra no último dístico do Pensar nº 21, quando mostra uma antevisão da Nova Jerusalém, cidade celeste, onde reinará a paz e a concórdia, conforme profetizada por Isaías no capítulo 60 do seu livro, no Antigo Testamento. Não deixa de revelar também sua fina sátira nos três primeiros dísticos, quando escreve com graça e erudição em história universal:
 
Stalin 
Não era russo.
Napoleão
Não era francês.
Hitler
Não era alemão.
E a paz
Não é da terra.
 
Igualmente profunda é sua visão do mistério da vida à moda do filósofo Heráclito de Éfeso, para quem a natureza e o mundo consistem em constante devir. A mudança, para este, acontece o tempo todo para tudo. Há um fluxo perpétuo para tudo, como característica central da natureza. Dizia ele: “Não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio porque as águas renovam-se a cada instante.” Vejamos, então, o Pensar nº 1 de Gentili: 
 
Puxa! 
Os tempos mudaram
Arrastamo-nos aos poucos, quase lentamente. 
Começamos a observar melhor 
O transcorrer dos momentos, 
O valor do esplendor silente da senectude. 
A grandeza das mãos estendidas na oferta das 
[orações. 
Universo das ideias adormecidas. 
Magia pura, docemente, quase fantasmagoria. 
Luzes a faiscar a feitio de pirilampos, iluminam as 
[noites. 
As reflexões do ontem vão se esvaindo fugazes, 
[fugidias. 
Os dias de hoje têm mais horas do que os dias de 
[ontem. 
Mera constatação vivencial. 
O que é a vida, senão um relâmpago no céu da 
[memória
Descobrimos que somos muitos dentro de nós 
[mesmos
Afinal, quem somos nós, então? 
 
Resta ainda dizer que é muito prazerosa a leitura de "Pensares" por sua visão filosófico-poética, indagando muito, questionando sempre, numa abordagem muito atual do que fazemos neste mundo e para o quê fomos aqui e agora colocados, obedecendo sempre ao seguinte paratexto, retirado de uma das obras do próprio autor: 
"A vida é um suceder de etapas vencidas e vincendas, que o ser humano, na sua escalada, procura galgar com a inteligência que lhe destinou um ser maior.
 
Dados técnicos do livro "Pensares": 
Autor: José Carlos Gentili 
Prefácio por Arnaldo Niskier intitulado "Alicerce poético camoniano de Gentili
Editora: Kelps de Goiânia, 2023, 66 p. 
Projeto gráfico, diagramação e capa: Welber Costandrade 
Fotos e imagens: Divulgação e arquivo do autor 
Contato: gentilipai@gmail.com