segunda-feira, 23 de agosto de 2010

2010 - ANO CHOPIN > > > Parte 10 > > > Recital da pianista PAULA DA MATTA na Embaixada do Brasil em Viena


Por Francisco José dos Santos Braga





Nesta Parte 10 da série de ensaios dedicados a 2010 - ANO CHOPIN, venho informar sobre mais um evento cultural de enorme repercussão em nosso País: o convite formulado pela Embaixada do Brasil em Viena, para que a pianista carioca Ana Paula da Matta Machado Avvad, cujo nome artístico é Paula da Matta, abrilhante a comemoração do Dia da Independência do Brasil na "Cidade da Música".

Venho de receber o convite solene da referida Embaixada, instando meu comparecimento ao recital da ilustre pianista carioca, verbis:
"A Embaixada do Brasil em Viena
tem o prazer de convidar para o recital de
Paula da Matta, Piano Clássico
Comemorando o Dia da Independência
Segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Às 19 horas
Residência do Embaixador
Prinz-Eugen-Strasse 26, A-1040 Viena
Os drinks serão servidos após o recital.
Devido a uma quantidade limitada de assentos, por favor confirme sua presença pelo telefone (01) 512.063117 e apresente este convite à entrada." (Minha Tradução)
A pianista Paula da Matta é minha homenageada nesta Parte 10 de “2010-Ano Chopin”, já que o Blog do Braga vem comemorando o 200º aniversário do nascimento de Fryderyk Franciszek Chopin, sendo ela detentora dos maiores méritos no campo da interpretação da música do grande compositor polonês para piano.
Inicialmente, gostaria de apresentar sucintamente o currículo invejável de minha biografada. Doutora em Música pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), com estágio de doutorando na Université de Paris IV-Sorbonne, bem como Bacharelado e Mestrado em Piano pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Performer Diploma em Piano pela Indiana University, na classe de Menahem Pressler (pianista do Trio Beaux Arts), e Especialização em piano na Hochschule für Musik Köln, com o pianista Pavel Gililov. A par dessa intensa atividade pianista, é difícil imaginar como Paula da Matta ainda encontra tempo para desenvolver intensa atividade musical, apresentando-se regularmente nas principais Salas de Concerto, Festivais e Séries de todo o País.
Seu CD ‘Chopin: Triunfo em Viena’ foi gravado na “Cidade da Música” em 1999, com a chancela da Sociedade Chopin de Viena e patrocínio da Bösendorfer e Conselho de Turismo Vienense, tendo recebido a crítica abalizada do jornalista austríaco Helmut Batliner, na qual ele diz: “A artista despertou, logo de início, grande interesse e não tardou em convencer pela sensibilidade e identificação com a música de Chopin. Pequenas fermatas indicam sua inspirada musicalidade e sua sonoridade demonstra uma grande compreensão harmônica das peças. Não é de se admirar que, com tamanha técnica, passagens rápidas soem como colares de pérolas. Ao tema ‘Chopin: Triunfo em Viena’, coube à Paula da Matta uma grande contribuição!” O referido CD teve a apresentação do pianista e musicólogo Paul Badura-Skoda que se refere à interpretação da pianista como “poética e impecável”, completando: “Um talento notável com uma expressão musical natural e uma bela sonoridade.”
Resta ainda informar que, mais tarde, o CD foi escolhido “presente oficial” do presidente da Federação Internacional de Sociedades Chopin, Theodor Kanitzer, no encontro que marcou em Paris, sob o patrocínio da Unesco, os 150 anos de morte do maior compositor polonês.
A respeito de seu CD ‘Paula da Matta Interpreta Franz Liszt’, o crítico Lauro Machado Coelho, do jornal O Estado de São Paulo diz que, “com a mesma naturalidade com que realiza as passagens mais virtuosísticas da Rapsódia Húngara nº 13 ou da primeira Valsa Mefisto, Paula da Matta sabe fazer cantarolar a melodia do Rêve d’ Amour ou do lírico Estudo de Concerto Un Sospiro. A afinidade que ela demonstra com a música de Liszt parece instintiva.”
A convite da Sociedade Internacional Chopin, Paula da Matta se apresentou em Viena na tradicional “Festsaal”, por cujo palco passaram Schubert e Strauss.
Cabe ainda salientar que ela também foi destaque na “Pro-Piano Recital Series”, de New York.
Inesquecível foi também sua atuação como diretora artística da Série “Clássicos na Serra” em Teresópolis, patrocinada pela Bradesco Seguros, no período de 2002 a 2006.
Digno de ser lembrado é o fato de ter sido, em janeiro de 2008, uma das organizadoras do colóquio Le Piano Brésilien, na Sorbonne, que teve recitais na Casa do Brasil.
Atualmente desenvolve Projeto de Pesquisa junto ao Programa Nacional de Pós-Doutorado, da Capes, denominado “Presença do Piano em Salões Cariocas da Primeira República”, na UFRJ.
De propósito, deixei para o final desta matéria a apresentação do programa do recital que a insigne pianista Paula da Matta, a despeito da dificuldade técnica e interpretativa das peças escolhidas, executará com brilhantismo e presença incomuns com toda a certeza.

Programa de Recital

Fryderyk Chopin
Noturno em Dó sustenido menor (Opus póstumo)
Valsa em Mi menor (Opus póstumo)
Barcarolle em Fá sustenido maior Op. 60
Polonaise em Lá bemol maior Op. 53 (“Heróica”)
H. Villa-Lobos
das Bachianas Brasileiras nº 4:
Prelúdio
Miudinho
Franz Liszt
Consolação nº 3 em Ré bemol maior
Wagner - Liszt
Isoldens Liebestod
L. M. Gottschalk
Fantasia sobre o Hino Nacional Brasileiro



* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Oscar Niemeyer, Membro emérito da Academia de Letras de São João del-Rei


Por Francisco José dos Santos Braga


Tenho o prazer de comunicar ao leitor do Blog do Braga que, desde 29 de junho de 2008, a Academia de Letras de São João del-Rei se sente honrada de possuir, entre seus membros, Dr. Oscar Ribeiro de Niemeyer Soares, ou simplesmente Dr. OSCAR NIEMEYER, o conhecido arquiteto que ilustra o País com suas monumentais obras espalhadas pelos quatro cantos do Orbe.

Coube-me a subida honra de saudar o ingresso do maior de nossos arquitetos na Arcádia são-joanense. Não obstante estar impedido de comparecer à reunião comemorativa de admissão de tão ilustre personagem, devido a compromissos assumidos anteriormente, fiz-me representar no evento festivo, comunicando a todos meus Pares minhas sinceras felicitações pela aprovação de seu nome para engrandecer o nosso Sodalício.

Após a sua admissão ao convívio dos Acadêmicos são-joanenses, Oscar Niemeyer, demonstrando grande criatividade e vigor sem par, surpreendeu-nos com o arrojado projeto arquitetônico da Cidade Administrativa, inaugurada há seis meses atrás, para sediar o Governo de Minas Gerais. O complexo arquitetônico composto de cinco edificações principais, totalizando 270 mil metros quadrados de área construída, unindo beleza e funcionalidade, está sendo considerado um importante marco da arquitetura moderna e urbanística de Belo Horizonte e um dos projetos mais ousados de Oscar Niemeyer, destinando-se a unir secretarias e órgãos estaduais no mesmo espaço físico.

Digno de destaque é o vão livre de 147 metros de comprimento e 26 metros de largura do edifício em que ficará a Sede do Governo. Impressiona o fato de que o vão foi construído sobre colunas convencionais, que foram depois retiradas, passando o prédio a ser sustentado por um pórtico de concreto e trinta tirantes formados por um conjunto de 36 cabos de aço.

Para não me estender demasiado nesta Introdução, passo imediatamente ao meu discurso de saudação, sem mais delongas.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Confrades,

A Academia de Letras de São João del-Rei tem o prazer de se reunir hoje para votar a inclusão do Dr. Oscar Niemeyer no Quadro de Sócios Correspondentes deste Sodalício. A indicação do nome desse ilustre arquiteto deve-se ao Presidente Dr. Wainer Ávila, o qual tudo tem feito para prestar homenagem a brasileiros ilustres, com o objetivo de assegurar o maior alcance cultural possível para as ações de nossa Academia em prol de nossa terra.

Tenho a honra de ser nomeado pelo Senhor Presidente relator da proposta de ingresso de tão ilustre personalidade no seio de nossa Academia, cujo currículo engrandeceria qualquer Instituição de cultura no País e no mundo, enriquecendo, sem dúvida nenhuma, igualmente o nosso Quadro de Sócios.

Como render as devidas homenagens a um dos maiores arquitetos do século XX, que é também um dos brasileiros mais reconhecidos e admirados no exterior? Como homenagear o carioca que levou a curva para a arquitetura moderna, espalhando a inventividade e a leveza de seus edifícios por muitas cidades brasileiras e estrangeiras? Como honrar condignamente, enfim, o ser humano ímpar, de rara dignidade e generosidade, um dos fundadores do Brasil moderno e, também, uma de suas mais definitivas expressões?

A Academia de Letras de São João del-Rei comemora o centenário de Oscar Niemeyer e tem o especial privilégio de poder fazê-lo em plena vitalidade do seu homenageado. Mais que vivo e coerente com os ideais pelos quais sempre lutou, Niemeyer permanece lúcido e espantosamente produtivo.

Quem julgava, dez ou quinze anos atrás, que o genial criador do conjunto arquitetônico de Pampulha, dos edifícios monumentais de Brasília, da Universidade de Constantine, da Editora Mondadori, do Sambódromo, viveria apenas dessas e de muitas outras glórias passadas, enganou-se redondamente.

Oscar Niemeyer já ultrapassara seus 80 anos quando surpreendeu a todos criando a jóia arquitetônica que veio enfeitar uma das mais belas linhas litorâneas do mundo. O Museu de Arte Contemporânea de Niterói surpreende não só por sua simples e ousada beleza como pela mais que feliz integração à paisagem da Baía da Guanabara.

Depois disso, Niemeyer continuou criando, em um ritmo que impressiona, prédios de concepção arrojada e lírica, tanto para o Brasil quanto para o exterior. Agora mesmo, em diversas cidades do mundo, tais como Brasília, Niterói ou Avilés, na Espanha, há prédios de sua autoria sendo construídos.

Sinto-me, Senhoras e Senhores Confrades, alguém que tem a felicidade de estar cercado pela criatividade ímpar de Oscar Niemeyer, já que resido no Plano Piloto de Brasília, planejado pelo homenageado e tombado como Patrimônio Cultural da Humanidade por decisão da Unesco.

Falar da presença de Oscar Niemeyer em Brasília soa como redundância, tão extensa e marcante ela é. Brasília, monumento da arquitetura moderna, resulta, entre outras coisas, da renovação de duas parcerias felizes de Oscar Niemeyer, a saber, com o Presidente Juscelino Kubitschek e com Lúcio Costa.

A inventividade de Niemeyer vai aqui se expressar tanto na modesta escala da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, como na monumentalidade inimitável do Congresso Nacional, onde se encontram nossos Parlamentares; tanto na surpreendente, se não milagrosa, Catedral, quanto nas linhas mais clássicas do Palácio do Itamaraty. A elegante simplicidade da Coluna do Palácio da Alvorada tornou-se, por sua vez, um símbolo da nova Capital, encantando e correndo o mundo na década de 60.

Um ano atrás, no mesmo dia em que Niemeyer completava seus 99 de existência, tive a honra de assistir à inauguração do Complexo Cultural da República. Formado por um museu de arte e por uma biblioteca, e localizado bem próximo ao centro geométrico do Plano Piloto – ou seja, a Estação Rodoviária, – o Complexo Cultural não só seduz os visitantes e moradores da Capital, como parece estar mostrando a necessidade de levar a cultura letrada e a cultura artística ali para onde o povo está.

Sua ligação com minha Minas Gerais natal é bem conhecida. Foi com o Conjunto da Pampulha, onde se sobressai a Igreja de São Francisco, que, convidado pelo então Governador Juscelino Kubitschek, Niemeyer alçou seu primeiro grande vôo individual. Nesse projeto, que concede à curva uma presença e uma importância que tinham sido recusadas pela arquitetura moderna, Niemeyer parece estar em íntimo diálogo com a escola barroca mineira, tão bem estudada pelo grande arquiteto e urbanista Lúcio Costa, seu mestre e amigo.

Alguns anos antes disso, em 1936, Niemeyer assinara, junto com Lúcio Costa, com outros colegas brasileiros e com o incontestável pai do modernismo arquitetônico, Le Corbusier, o projeto da sede do Ministério da Educação, no centro do Rio de Janeiro, que se tornou um verdadeiro manifesto em concreto da nova escola.

Oscar Niemeyer confessa que uma parte ao menos da inspiração mais profunda de sua obra arquitetônica vem da cidade do Rio: da magnífica topografia sinuosa da Cidade Maravilhosa, com seus morros, montanhas e praias; e - por que não? - das curvas, também tão justamente celebradas, das mulheres cariocas.

Essa dupla paixão, se assim posso me exprimir, recebeu sua consagração com a construção da Passarela do Samba, monumento arquitetônico à alegria e à maior festa da cultura brasileira, que, não fosse o bastante, cumpre também sua função social de escola pública ao longo de todo o ano. De certa forma, é isso o que a arquitetura de Niemeyer sempre fez: trazer para o dia-a-dia e para a consciência dos cidadãos a beleza das formas que se levantam do solo e criam um novo espaço habitável.

Suas criações atestam o arrojo da imaginação humana e mostram que a beleza deve estar presente no espaço público, integrada à sua função social, anunciando, assim, uma vida coletiva mais bela e mais completa.

Gostaria também de confidenciar aos meus Pares que tive o prazer ou privilégio de conviver com a criatividade de Oscar Niemeyer, em seu lado íntimo e quase secreto, quando assessorei o Senador Darcy Ribeiro, nos anos 90. No gabinete desse memorável Senador, hoje ocupado pelo Senador Francisco Dornelles, havia um painel traçado pela mão de Oscar Niemeyer que ocupava toda uma parede. Tratava-se de um presente do genial criador a seu amigo antropólogo Darcy Ribeiro. Os desenhos de Niemeyer recriam, livremente, aspectos de quatro de suas maiores obras. Duas delas são de universidades por ele projetadas: a Universidade de Brasília e a de Constantine, na Argélia. As outras duas correspondem a edificações de especial significado simbólico para nossa coletividade: a Passarela do Samba, ou Sambódromo, a que já me referi; e o Memorial da América Latina, sua mais original contribuição para a cidade de São Paulo.

Todas essas quatro obras tiveram a participação decidida e entusiasmada de Darcy Ribeiro, o que inspirou Niemeyer a presentear o amigo com os bonitos desenhos de seu traço limpo e elegante, que decoram o gabinete supracitado. O painel está hoje tombado como patrimônio do Senado Federal, assim como o gabinete que os possui se tornou uma espécie de patrimônio informal dos representantes do Estado do Rio de Janeiro.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Confrades,

O privilégio de contemplar e de conviver com as obras arquitetônicas de Oscar Niemeyer é partilhado por todos os brasileiros e também por cidadãos de outros Países.

O orgulho de que um brasileiro tenha se tornado um gênio ímpar da arquitetura moderna, um dos grandes artistas de um século intensamente criativo, pertence a toda a população brasileira!

Parabéns a Oscar Niemeyer, por esse século de vida que nos brindou com tantas genialidades de sua lavra!

Parabéns, igualmente, ao nosso Presidente pela indicação do nome ilustre de Oscar Niemeyer para pertencer ao Quadro de Sócios Correspondentes deste Sodalício.

Muito obrigado!

Francisco José dos Santos Braga
Sócio Correspondente




* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Doces Recordações da FGV nos Anos 70 > > > Parte 3 > > >


Por Francisco José dos Santos Braga


3º Capítulo: Novas emoções

"Tentar compreender uma vida como uma série única e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que não a associação a um ‘sujeito’, cuja constância certamente não é senão aquela de um nome próprio, é quase tão absurdo quanto explicar a razão de um trajeto de metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações." (Minha tradução)

Pierre Bourdieu: L' illusion biographique. (Leia mais aqui).


1972 foi o ano da consagração do automobilismo brasileiro na pessoa de Emerson Fittipaldi, com quase 25 anos de idade, quando obteve treze vitórias no ano nas Fórmulas 1 e 2, sendo cinco na Fórmula 1, além do título mundial obtido no Autódromo Nacional de Monza (Itália), o primeiro ganho por um piloto brasileiro, correndo com um dos mais belos carros da Fórmula 1, o Lotus 72D com o patrocínio dourado da John Player Special. (Conquistaria em 1974 o bicampeonato, correndo pela McLaren.) Lembro-me de ter ido ao autódromo de Interlagos para vê-lo no GP Brasil e assistido à magnífica "performance" do piloto brasileiro. Foi no dia 11 de fevereiro de 1973. O Brasil passara a sediar uma etapa do campeonato mundial de Fórmula 1, na temporada de 1973. O então campeão Emerson vinha de uma vitória na primeira etapa da temporada, na Argentina, e a multidão em Interlagos estava em polvorosa. O piloto brasileiro largou em segunda posição, mas logo assumiu a liderança e venceu a corrida para histeria dos espectadores.

Data também do ano de 1972 minha iniciação na língua russa. O curso era oferecido pela União Cultural Brasil-URSS, cuja sede ficava na Rua Frei Caneca, 390. Orgulhava-se essa entidade de ter sido fundada no dia 10 de maio de 1960, por um grande número de intelectuais brasileiros, com destaque para os seguintes nomes: escritor e seu 1º presidente Sérgio Milliet, médico João Belline Burza, juiz Décio de Arruda Campos, advogado Aldo Lins e Silva, engenheiro Lucas Nogueira Garcez, escritor Caio Prado Junior, escritora Helena Silveira, poeta Afonso Schmidt, professor Omar Catunda, pintor Clóvis Graciano, sociólogo Florestan Fernandes, dentre outros.

Para ali me dirigia à noite, duas ou três vezes por semana, para assistir às aulas do Prof. Ilo, um mineiro de Belo-Horizonte, que recebera especialização em Moscou. Era muito cortês comigo, querendo transmitir-me o melhor de si. Cheguei a fazer todo o Livro Primeiro de Curso Básico da Língua Russa, de autoria de Custódio Gomes Sobrinho, um lançamento de 1970 da Editora Civilização Brasileira. Lembro-me de que havia várias turmas e estágios para os interessados no idioma. Infelizmente tive a oportunidade de frequentar apenas o primeiro nível de língua russa, dada a impossibilidade, por falta de tempo, de poder cursar simultaneamente duas línguas de meu interesse (a outra língua era a alemã). Também optei pela língua alemã por uma razão de ordem prática: queria tentar obter uma bolsa de estudos para a Alemanha, como foi dito no Capítulo 2 dessas minhas Memórias. Seja como for, o estudo da língua russa foi muito importante para mim, especialmente porque mais tarde em 2001 viajei a Moscou, lá permanecendo por quatro meses, tendo então frequentado curso de língua russa no Instituto Pushkin e na Universidade Estatal de Moscou.

Consta que atualmente essa escola se chama União Cultural Pela Amizade dos Povos, entidade localizada na Rua Epitácio Pessoa, 122-Cj. 21, no centro de São Paulo, com excelente quadro de professores em São Paulo (12 professores de Russo). Como resultado das mudanças ocorridas na União Soviética e com vistas a ampliar o escopo das relações culturais entre os dois países, em assembléia realizada aos 22 de fevereiro de 1997, o nome da entidade foi alterado para União Cultural pela Amizade dos Povos.

No decorrer de toda a sua existência, essa escola foi sempre uma ponte de intercâmbio cultural entre o Brasil e os povos da União Soviética, quer ensinando no Brasil a língua russa, quer promovendo o envio de estudantes brasileiros para formação universitária na Universidade Patrice Lumumba, na Universidade Estatal de Moscou e outros estabelecimentos de ensino daquele país, quer ainda estimulando o turismo entre os dois países.

Algo curioso se passou comigo nesse instituto de língua russa. Às vezes, me dirigia ali para tocar piano aos sábados à tarde, porque havia um lindo piano à disposição dos alunos no andar superior, onde ficava também a biblioteca. Certa feita, tocava alguma peça, quando adentrou a sala uma bela garota loura, encantada com os sons que o piano emitia. Ao terminar a peça, ela se apresentou e agora fui eu que me encantei com tamanha formosura. A mulher parecia não ser deste mundo: a tez clara, quase transparente de tão branca, as unhas lindas e tratadas, o cabelo finíssimo, louro e liso (nunca tinha visto nada igual), o rosto — uma belezura sem par, os dentes alvos e claros, os lábios de carmim carnudos e voluptuosos. Em suma, uma diva aparecera naquela sala, arrogante e voluntariosa. Não seria mais possível estudar ainda alguma coisa. Fiquei a conversar com a moça todo o tempo e mais algum tempo ao portão. Assim estávamos embevecidos um no outro, ou pelo menos eu, quando chegaram uns moleques, com uma revista nas mãos, indicando a página onde “minha” deusa aparecia nua. Não cheguei a ver tamanho sacrilégio. Só sei que ela se desculpou, correu atrás dos moleques e lhes tomou a revista. O desconforto foi geral: enquanto ela se retirava fingindo-se ressentida, os meninos gritavam: "É ela! É ela!" Na sua ausência, quis saber dos moleques o que se passara: "Essa moça do 'treme-treme' da Rua Paim está pelada na revista. É muito vadia a safada." Entendi porque na minha terra dizem que "beleza não põe mesa", facílimo de comprovar, ao qual se pode agregar esse outro: "beleza e folia fazem boa companhia", principalmente nos tempos atuais. Nunca mais essa beldade apareceu aos sábados, para infelicidade dos “habitués” do instituto russo.

Pouco mais ou menos nessa mesma época (é muito difícil precisar uma cronologia para fatos tão distantes), conheci uma senhora francesa, Madame Marie, que residia num pequeno sobrado de uma “villa”, próxima à Ciba-Geigy. Mme. Marie, que era cozinheira de certo presidente da Nestlé, convidou-me a ocupar um quarto no segundo andar de sua residência, refinado e confortável, por um preço só simbólico, basicamente para fazer-lhe companhia. O rapaz que o alugava antes de mim tinha morrido de forma súbita, deixando-a inconsolável. Eu tinha acesso total à sua geladeira e dormia na cama mais fofa em que deitei em toda a minha vida.

Inicialmente, era muito cômodo para mim alugar aquele quarto, pois trabalhava a cerca de 500 metros da “villa”. Em seguida, as coisas se complicaram, porque ingressei na Medidores Schlumberger e então, para chegar lá, tinha que tomar três ônibus: um, do Brooklin à Praça das Bandeiras, outro, do Teatro Municipal até a Lapa e um terceiro, daí até a Vila dos Remédios. Para chegar ao escritório da fábrica às oito horas, tinha que me levantar às cinco da manhã. Isso tudo, porque não tinha carro na ocasião; do contrário, bastaria pegar a Marginal de Pinheiros a caminho de Osasco.

Bem, voltando ao sobrado de Mme. Marie: qual não foi a minha surpresa quando, retornando cansado do trabalho, ao final do primeiro dia, ela me esperava para jantarmos à luz de velas, falando da culinária francesa e ouvindo discos vinil de música erudita! Isso se repetiu por muitas noites. Foram talvez as ocasiões mais interessantes, altamente culturais, de identificação com alguém, que possivelmente eu tenha vivido. Adianto que não nos envolvemos por sexo ou interesses materiais, pelo menos da minha parte. Ela era muito senhora de si, solteirona ou descasada não sei bem, possuía enorme experiência, vivera com um homem em Ponta Porã, um município brasileiro no sudoeste do Estado de Mato Grosso do Sul que constitui uma área conurbada internacional com a cidade Pedro Juan Caballero, capital do departamento de Amambay, no Paraguai.

Não concordava com meu jeito de viver, muito diferente do que ela esperava ver num jovem daquela idade: eu levava uma vida virginal, muito apegado a uma namorada da minha terra natal. Também me recomendava alterações radicais em meus hábitos alimentares. Hoje entendo perfeitamente do que ela falava e lhe dou razão.

Mme. Marie era dotada de um ótimo senso de humor. Certo dia me disse: "Il vaut mieux un sein dans la main que deux dans le soutien," provérbio um pouco distorcido do nosso "Mais vale um pássaro na mão que dois voando."

Certa noite, num desses encontros de "papo-cabeça", ela me informou de chofre que não nos encontraríamos para aquela conversa enquanto um convidado que chegaria no dia seguinte estivesse em sua casa. De fato, no dia seguinte, chegou um senhor idoso que só conheci através de uma apresentação formal. Fui em seguida para meu quarto e evitava reencontrá-lo nos outros dias. Parece, contudo, que ele não se entendeu perfeitamente com ela, pois durante sua estadia ouvi muita discussão, vozes entrecortadas e ríspidas.

Depois de certo período de tempo, uma vizinha, revoltada com o tratamento gentil que Mme. Marie me dispensava, começou a enfiar em sua cabeça algumas ideias contra mim, certamente invejosa da minha felicidade junto da boa senhora. Percebi as mudanças se operarem no semblante da idosa em relação a mim. Já me tratava com certa rispidez e suas críticas aumentaram de tom. Mas não dei muita importância a elas, porque, na ocasião em que essa vizinha invejosa começou a levantar calúnias contra mim, eu já tinha sido aprovado para a Fundação Getúlio Vargas e acho que esse fato a incomodou mais e possivelmente tenha feito Mme. Marie precipitar a sua decisão já tomada de me pedir que me afastasse dali.

Mas antes de passar a outro quadro dessas Memórias, gostaria de mencionar que aos domingos, para almoçar, gostava de caminhar até uma garagem no Brooklin, onde funcionava um restaurante muito bem frequentado, especialmente por alemães ou seus descendentes, por causa de sua culinária germânica. Certa vez, fui ali convidado por uma família alemã a sentar-me à sua mesa e, aceito o convite, começamos a brindar e depois a consumir cervejas. Após ter "quebrado o gelo", falei sobre minha vida dura. Ele ouviu-me atentamente, pareceu ficar comovido com a minha situação e decidiu tirar-me daquele "sufoco", convidando-me para vir trabalhar em sua empresa. Quando cheguei à casa de Mme. Marie, comentei com ela sobre o convite gentil do empresário alemão. Ela pensou um bocado, depois, sorrindo, explicou-me do que ria: "Eles, alemães, são todos assim. Quando bêbados, prometem 'mundos e fundos', mas nada cumprem quando se curam da bebedeira. No dia seguinte nem nos reconhecem. Não tome conhecimento desse convite e continue na Medidores Schlumberger, que é uma firma séria. Não vá atrás de aventureiros." Lembrou que em 1931, em "Luzes da Cidade" Charles Chaplin já tinha conseguido retratar essa experiência cruel vivida por um amigo de bêbado.

Devo ainda mencionar o fato de que não me afastei completamente do piano e da música nesse período. Fiz contato com Prof. Nellie Braga, uma ex-aluna de Magdalena Tagliaferro, que residia na Rua Domingos de Morais, nº 1082, casa nº 19, que, por falta de disponibilidade em sua agenda, me indicou sua assistente, Prof. Eda Fiore, residente na Rua Gaspar Lourenço, nº 573. Ali tomei algumas aulas para aprender a técnica pianística, muito em voga naquela ocasião, de sua guru, a consagrada e já citada Magdalena Tagliaferro (1893-1986). Mas essa experiência não teve resultados eficazes e duradouros, porque eu não possuía piano onde pudesse estudar — uma das inconveniências desse instrumento era não ser portátil naquela época, — dependendo ora do piano de cauda existente no palco do Teatro da FGV, ora do piano existente no Instituto Cultural Brasil-União Soviética, como se viu acima, ou de qualquer outro piano que se colocasse em meu caminho.

Retomando o fio da meada, quando deixei o quarto do sobrado de Mme. Marie, simultaneamente passei nos exames de admissão ao CPM-Curso Preparatório ao Mestrado da FGV, indo morar bem próximo à Fundação Getúlio Vargas, na Pensão de Zilda Lents, na Rua Rocha nº 112. Bastava andar uns 50 metros para chegar à Praça 14 Bis, que nessa época ainda possuía uma réplica do célebre avião construído por Santos Dumont. O elevado que atualmente passa sobre a Praça 14 Bis só foi construído muito mais tarde. Ainda hoje lá está o sobrado que sediava a "Pensão da Zilda": é o espaço onde funciona um restaurante, o Rancho Goiano (ex-Recanto Goiano). Quando recentemente passei por lá para fazer reconhecimento do local com vistas a escrever essa matéria, encontrei a redondeza muito alterada.

Voltando ao curso da narrativa, na Pensão da Zilda, ocupando uma das três vagas em um dos quartos existentes no andar superior, encontrei alguns aspirantes ao CPM e outros que já tinham sido alunos do CPG-Curso de Pós-Graduação da FGV e que fizeram opção pelo Mestrado um semestre antes, acobertados por um convênio feito em 1974 entre a FGV e o PNTE-Programa Nacional de Treinamento de Executivos. Estes últimos eram verdadeiros felizardos, pois a sua opção pelo mestrado, com incentivo do Governo federal que estava interessado na formação de professores com mestrado para as universidades brasileiras, lhes dava direito de receberem uma bolsa mensal de 10 salários mínimos do Governo. Encontrei na Pensão da Zilda dois alunos nessa nova condição: Olinto Alfredo Cei, de Belém, e Oldemar Santos Filho, de Montes Claros. Este último atualmente possui uma firma de intermediação nos negócios de algodão em São Paulo, a Servcom S/A, e tem importantes transações no mercado nacional e internacional, inclusive na BM&F-Bolsa de Mercadorias e Futuros, tendo sido também comodoro do sofisticado Iate Clube de Barra do Una.

Continuando, os aspirantes ao Mestrado da FGV tínhamos que pagar pelo CPM, seja com nossas economias (se estudantes particulares), seja através de outros convênios entre as universidades dos envolvidos com a FGV, ou ainda através do Fundo de Bolsas da FGV; nessa última modalidade, havia o problema do ressarcimento obrigatório e da obtenção de avalista para o financiamento concedido. No meu caso, eu não estava sendo enviado por nenhuma universidade, nem queria fazer uso extensivo do Fundo de Bolsas; portanto, estava bem consciente de que chegara a “época das vacas magras”, de utilizar minhas economias juntadas durante os dois anos anteriores, exigindo de mim autocontrole nos gastos e muita aplicação nos estudos nos próximos anos. Dentre essas pessoas enviadas por universidade, recordo-me de Adelar Francisco Baggio, profundo conhecedor de filosofia, aparentemente ex-seminarista, que dividia o quarto comigo na Pensão da Zilda e que, ao final do CPM, fez opção por um curso de Administração Rural recém-aberto na FGV, ao invés do Mestrado em Administração. Mais ou menos nessa mesma época, a FGV lançou dois novos produtos: um curso de Administração Hospitalar e um curso de Administração Pública. Tomei conhecimento, através de jornais, que Adelar Baggio recebeu em 30.06.2010 o título de Professor Emérito da UNIJUÍ pela sua participação na transformação dos Centros Integrados de Ensino Superior de Ijuí (CIESI) na Universidade de Ijuí-UNIJUÍ e por ter sido o seu primeiro Reitor.



* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

2010 - ANO CHOPIN > > > Parte 9 > > > XVI RIO INTERNATIONAL CELLO ENCOUNTER (RICE)


Por Francisco José dos Santos Braga




Nesta Parte 9 da série de ensaios dedicados a 2010 – ANO CHOPIN, venho informar sobre mais um evento cultural de enorme repercussão em nosso País: XVI Rio International Cello Encounter (RICE).

No dia 29 de julho p.p. recebi e-mail do Consulado Geral da República da Polônia em São Paulo, convidando-me a assistir às comemorações do Ano Chopin no âmbito do famoso encontro internacional de violoncelos que vai realizar-se no Rio de Janeiro, do dia 8 a 22 de agosto de 2010.

O fundador David Chew, Diretor Geral e Diretor Artístico do RICE, há 15 anos reúne no Rio os maiores violoncelistas — ele também sendo um deles — para concertos, "master classes" e intercâmbio com alunos e músicos brasileiros.
Com o objetivo de promover a integração social no Rio de Janeiro usando a música, e o violoncelo como principal instrumento, Chew criou o RICE, uma homenagem sua ao maestro carioca Heitor Villa-Lobos, que escreveu para o violoncelo algumas de suas melhores composições e cuja obra atraiu o violoncelista inglês para o Brasil, em 1981.

David Chew fez seus estudos no Guildhall School of Music de Londres com William e Tony Pleeth e ainda pós-graduação na Universidade de Hull, terminando seu PhD no Kingston University, onde se especializou em música brasileira. Em seguida, foi convidado a ser Doutor Associado da Universidade de Colorado, nos Estados Unidos.

O Consulado Geral Britânico do Rio de Janeiro informa que "o violoncelista David Chew, residente no Rio de Janeiro, foi laureado com a Ordem do Império Britânico (Order of the British Empire) de Sua Majestade, a rainha Elizabeth II. A lista de honrarias foi divulgada neste sábado, marcando o aniversário da monarca. O artista inglês receberá a comenda por sua contribuição para a música no Brasil. David deixou a Inglaterra em 1981, quando aceitou o convite para assumir posição de primeiro-celista da Orquestra Sinfônica Brasileira, e atualmente é um dos mais ativos violoncelistas no Brasil. O músico é fundador do Quarteto de Cordas da UFF, do Trio da Universidade Santa Úrsula e do Rio Cello Ensemble, além de idealizador do Rio International Cello Encounter, um festival que desde 1995 traz ao Rio nomes internacionais em concertos gratuitos. David Chew deve receber a medalha da OBE pessoalmente da Rainha Elizabeth II em uma cerimônia ainda a ser agendada no Palácio de Buckingham, em Londres."

Esta edição de 2010 homenageia o 200º aniversário do nascimento dos compositores Chopin e Schumann, ambos nascidos em 1810, e o 150º aniversário do nascimento de Gustav Mahler, nascido em 1860, devendo o Encontro acontecer nos seguintes espaços:

Espaço SESC - Rua Domingos Ferreira, 160 - Copacabana, RJ
Igreja Britânica - Christ Church - Rua Real Grandeza 87 - Botafogo, RJ
Igreja da Candelária - Praça Pio X - Centro, RJ
Teatro Municipal Carlos Gomes - Praça Tiradentes, 19 - Centro, RJ
Teatro Municipal do Rio de Janeiro - Praça Marechal Floriano - Centro, RJ
Teatro Municipal de Niterói - Rua Quinze de Novembro, 35 - Centro, Niterói, RJ
MetrôRio - Estações: Carioca, Del Castilho, General Osório
SESC Barra Mansa - Avenida Tenente José Eduardo, 560 - Barra Mansa, RJ
Pça. Santos Dumont - Búzios, RJ
FESO PRO ARTE - Rua Gonçalo de Castro, 85 - Alto - Teresópolis, RJ
Conservatório Musical Dr. Carlos de Campos - Rua São Bento, 415 - Centro - Tatuí, SP.

O referido convite do Consulado da República da Polônia em São Paulo destaca a programação das partes polonesas do festival, que reproduzo aqui para conhecimento dos leitores do Blog do Braga, todas realçando a música do genial polonês Fryderyk Chopin, a saber:

10 DE AGOSTO – TERÇA-FEIRA

SESC BARRA MANSA - BARRA MANSA, RJ – 20h

Orquestra Sinfônica de Barra Mansa
Gerald Robbins, piano
Dennis Parker, violoncelo
Vantoil de Souza, regência

Programa

Concerto nº 1 em Mi menor para piano e orquestra op. 11

11 DE AGOSTO – QUARTA-FEIRA
TEATRO CARLOS GOMES, RIO DE JANEIRO – 20h

Prelúdio op. 28 nº 15
Claudia Tolipan, piano

20 DE AGOSTO – SEXTA-FEIRA

ESPAÇO SESC – COPACABANA, RIO DE JANEIRO – 18h30min e 21h

MARATONA CHOPIN
Marek Żebrowski, piano (Diretor do Centro de Música Polonesa Universidade da Califórnia)
Pablo de Leon, violino
David Chew, violoncelo
Lars Hoefs, violoncelo
Luis Gustavo Torres, piano
Luiz Carlos de Moura Castro, piano
Maria Clodes Jaguaribe, piano

Programa

Prelúdios op. 28
Estudo em Dó menor op. 10 nº 12 “Revolucionário”
Fantasia-improviso op. 66
Mazurkas – Seleção
Noturnos op. 15 nº 1, op. 25 nº 2, op. 48 nº 1
Polonaise Brilhante op. 3 para violoncelo e piano
Polonaise op. 26
Polonaise op. 53 “Heróica”
Scherzo em Si menor nº 1 op. 20
Sonata em Sol menor op. 65 para violoncelo e piano
Trio em Sol menor op. 8 para piano, violino e violoncelo
Valsas – Seleção

21 DE AGOSTO – SABADO
CONSERVATÓRIO DE TATUÍ – SÃO PAULO – 20h

Marek Żebrowski, piano
Lars Hoefs, violoncelo

Programa

Polonasie brillante op. 3
Noturno em Dó sustenido menor op. póstumo (arranjo de Marek Żebrowski)
Mazurka em Si menor op. 33 nº4 (arranjo de Marek Żebrowski)
Sonata in G minor, Op. 65

22 DE AGOSTO – DOMINGO

IGREJA DA CANDELÁRIA, RIO DE JANEIRO – 16h

VIOLONCELADA (Cello Jam)
Jaunelle Celaire e Martha Herr, sopranos
Amber de Leeuwen, violoncelo
Allan Harrington, saxofone
Laura Loewen e Miriam Braga, piano
Rio International Cello Ensemble
Amber van Leeuwen David Chew - David Houghey - Emilia Valova - Esdras Kalaidjian - Fernando Bru - Hugo Pilger - Lars Hoefs - Marcelo Vieira - Martina Stroher - Mateus Ceccato - Minna Chung - Morgan Saboda

Programa

Noturno em Dó sustenido menor op. póstumo (arranjo de Marek Żebrowski)
Mazurka em Si menor op. 33 nº4 (arranjo de Marek Żebrowski)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Doces Recordações da FGV nos anos 70 > > > Parte 2 > > >


--> Por Francisco José dos Santos Braga

2º Capítulo: Início de minha atividade profissional em São Paulo

"Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada... É tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina."
Carlos Drummond de Andrade


Naquele começo de 1972, contava então com vinte e um anos feitos e portava meu diploma de Bacharel em Letras, conforme disse. Esperei passar os festejos natalinos de 1971 e de Ano Novo em São João del-Rei. Não havia mais como tergiversar: não podia continuar na minha terra natal. Motivo: na ocasião era vergonhoso alguém ficar na casa dos pais, sendo que podia obter sua independência financeira e "comer o que o diabo amassou" longe da sua vista. Acredito que ainda não tinha sido formulado o conceito da “síndrome do ninho vazio”, em que os pais reagem como se estivesse faltando um pedaço de si mesmos quando chega o momento da saída dos filhos, nem se falava ainda de “geração canguru”, em que os filhos são comparados a filhotes de canguru: não largam a bolsa, sua casa.

Considerava então que havia três opções para mim: Belo Horizonte (onde morava uma tia paterna casada, acompanhada de seus filhos), Rio de Janeiro (onde moravam um irmão casado e um amigo de adolescência solteiro que se tornara namorado de minha irmã) e São Paulo (onde residia um tio paterno casado, acompanhado de três filhos, no distante distrito de Artur Alvim, aonde se podia chegar de trem ou de ônibus lotado, ambos desconfortáveis, mesmo para os padrões da época). Decidi pela vida mais dura, isto é, ir para São Paulo, aonde se dirigiam principalmente peões são-joanenses em busca de trabalho no Metrô de São Paulo, que na época estava sendo construído e, portanto, admitindo novos funcionários.

O mais difícil para mim não era tanto a perspectiva de vida dura que teria pela frente, mas o “custo de oportunidade” com tal escolha: deixaria para trás muitos prazeres que poderia ter desfrutado, indo para o Rio ou Belo Horizonte, para onde embarcavam muitas lindas e bronzeadas garotas são-joanenses na antiga rodoviária central de São João del-Rei. Esse era o meu olhar de então.

Hoje não me canso de reconhecer o acerto de minha decisão, ao escolher São Paulo ao invés das duas outras cidades. Embora marcos modernos estivessem também presentes nessas duas metrópoles referidas, São Paulo principalmente, em sua trajetória ascendente naquela ocasião, manifestava sua modernidade na impulsão do mercado e na absorção de massas de imigrantes. Nela, sobretudo, os contrastes da modernidade eram mais impactantes, extrapolando o cenário nacional, prenunciando uma globalização que só seria assim nomeada na década de 90.

Fiquei apenas um mês na casa de meu tio, enquanto procurava emprego numa das firmas paulistas. Além de ter que adaptar-me ao mundo novo que pela primeira vez defrontava, era preciso encontrar um derivativo para a separação forçada de um grande amor que deixara para trás em São João del-Rei.

Primeira grande decepção na "cidade grande": iludi-me com a perspectiva de ganhar umas cinco vezes o que tinha conseguido como Oficial Administrativo da Montreal Engenharia S/A, uma firma empreiteira da Fábrica Barroso (hoje Holcim) onde trabalhei durante um ano na cidade de Barroso, localizada a uns trinta quilômetros de São João del-Rei.

Segunda decepção: a minha esperança de ensinar inglês no Colégio Objetivo, UCBEU-União Cultural Brasil-Estados Unidos ou algum outro grande educandário, bem como de trabalhar ou no Consulado Americano ou na Câmara de Comércio Americana foi frustrada, quando ouviam falar de minha pretensão salarial.

Restou-me tentar ser selecionado no Metrô para um cargo importante de chefia. Esperança baldada também: não possuía o perfil de um chefe.

Restou-me então ser admitido no ramo de Importação de alguma grande empresa, onde poderia utilizar a língua em que me especializara. Fui aprovado em duas: Sandvik do Brasil e Ciba-Geigy. Optei por esta última, mesmo sofrendo a advertência de que teria que adaptar o meu corte de cabelo aos padrões de civilidade da firma e usar terno, como convinha a suíços ou a quem quisesse se unir a eles. Que fazer?

Da Ciba-Geigy (antes da fusão da Ciba com a Sandoz para formar a Novartis), tenho boas recordações de Harry Meredig, o coordenador de nosso setor de importação; sua secretária Mechthilde, uma alemã que comia Schwarzbrot com queijos finos e outras iguarias bem naturais; meu chefe imediato, o húngaro Janus, que me ensinou a usar o garfo com a mão esquerda (logo substituído por um alemão, ex-oficial do exército nazista, Sr. Eberhard von Faber que aqui no Brasil tinha bons conselhos a dar e chegava até a ser afável, introduzindo-me na literatura alemã, mas sem muita intimidade); Vilma, a secretária e namorada de Janus, bem como meus colegas mais diretos Genésio Schlickmann, que parecia ter o interesse de fazer carreira na empresa, Denise e João. Embora nunca tenha visitado a residência do Sr. Eberhard von Faber num prédio na esquina da Av. Paulista com Av. Brigadeiro Luiz Antônio, a seu convite, certo dia fui surpreeendido com um pequeno incentivo ao meu aprendizado de alemão: tratava-se de presente de um exemplar, de 1955, da antologia poética Der Ewige Brunnen: ein Volksbuch deutscher Dichtung, de Ludwig Reiners, em que, como dedicatória, transcreveu dois versos do poema "Zueignung" (Dedicatória) de Goethe. Diziam eles: "Aus Morgenduft gewebt und Sonnenklarheit,/ Der Dichtung Schleier aus der Hand der Wahrheit." (Tecido da névoa matinal e da claridade solar,/ O véu da poesia saído da mão da verdade." E em seguida, acrescentou uma dedicatória, agora de sua lavra: "Zur Erinnerung an ein Jahr gemeinsamen Schaffens. 16/8/1973 Eb. v. Faber". (Em comemoração a um ano de trabalho comum)

Sobre o primeiro deles, Harry Meredig, cabe alguma observação adicional. Reconheceu minha habilidade em cálculo e minha vontade de progredir, designando-me para fazer relatório mensal de compras à matriz em Basiléia (em substituição a Janus, que pedira o seu desligamento). Fiquei, a partir de então, o responsável por tal tarefa. Tornamo-nos bons camaradas. Em 1972, ajudei-o, por exemplo, como revisor do texto em português, na sua tradução do livro “Os Espíritos Comunicam-se por Gravadores” da autoria de Peter Bander (onde se analisa o EVC-Electronic Voice Phenomenon). Recentemente me encontrei com Harry perto da Praça Franklin Roosevelt. Fiquei sabendo que aquela guinada que dera em sua vida, ao traduzir aquele livro, tinha se tornado definitiva: era agora simpatizante de esoterismo e espiritismo. Por exemplo, tinha traduzido, além daquele, outros livros nessas áreas: “A Numerologia e o Triângulo Divino”, de Faith Javane e Dusty Bunker, “Os Mortos Comunicam-se por Computadores?” de Ken Webster, “Astrologia da Mãe-Terra” de Marcia Starck, etc.

Data daquela mesma época a minha frequência a vários cursos desenvolvidos por vários institutos visando capacitar os alunos na área de importação e exportação. Pela sua proliferação em todas as metrópoles do País, penso que eram subsidiados pelo Governo Federal. Dentre eles, posso destacar os seguintes: IDORT na Praça Dom José Gaspar, 30, 1º andar; IBET-Instituto Bático de Estudos Técnicos na Rua Dom José de Barros, 301, 1ª s/l, conj. 110; Curso de Atualização em Comércio Exterior na Rua Martiniano de Carvalho, 114, 3º andar, bem como IBAPE-Instituto Brasileiro de Aperfeiçoamento Profissional em convênio com o PIPMO (MEC).

O difícil para mim era chegar às oito horas à Ciba-Geigy e bater o cartão até aquele horário. Não era admitido atraso superior a quinze minutos por semana, ficando o infrator sujeito à perda de um dia de trabalho. (Não nos esqueçamos de que a ditadura militar brasileira estava em plena vigência. Nos planos econômicos de então, praticava-se o arrocho salarial e as multinacionais foram aquinhoadas pelo governo com todas as facilidades. "Milagre econômico" era ordem do dia nos comunicados oficiais e nos noticiários da mídia impressa e televisiva.) Para que aquilo não ocorresse, tinha que me levantar bem cedo (na ocasião morava na Pensão do Sr. Zé, um japonês, na Rua Dr. Lund, uma pequena via que dava para a Av. Conselheiro Furtado e paralela à Rua dos Estudantes, no Bairro da Liberdade) e disputar com os muitos moradores da pensão o direito ao banho sem fila. De banho tomado e barba feita, depois de um café pobre, dali saía a pé, às vezes sob uma fina e rude garoa (não se esqueça que São Paulo era conhecida como "da garoa") ou sob forte chuva, procurando atingir a Praça das Bandeiras, donde partiam praticamente todos os ônibus que se dirigiam ao Largo Treze de Maio no bairro de Santo Amaro. Eu apeava no Brooklin, próximo à estátua do bandeirante Borba Gato, e dirigia-me à Ciba-Geigy. Ali entrando, só saía por volta das dezoito horas quando o sol já se pusera. Era muito duro ter que aceitar essa condição numa idade que imperavam sonhos e desejo de transformar a sociedade em algo menos truculento e mais amoroso.

O sistema gerencial dos suíços era muito rígido, não admitindo qualquer deslize dos funcionários, embora houvesse, da parte deles, uma polidez forçada, quase uma atitude teatral que salvasse as aparências. Praticamente não saíamos à hora do almoço, porque não havia nada a fazer lá fora. Simplesmente almoçávamos e íamos à agência bancária que havia no interior da firma ou voltávamos para a nossa sala em pequenos grupos, aguardando a hora de bater novamente o cartão.

Antes de deixar a empresa, recebi uma gentileza da parte de meu diretor direto, que me autorizou a fazer um curso intensivo de alemão, com duração de um mês, no Instituto Goethe, o qual ficava na Rua Augusta, nº 1492, próximo à esquina com a Rua Antônio Carlos, dando-me licença para frequentar o referido curso toda manhã, diante do fato de esse educandário ter-me concedido uma bolsa integral. Fui tão bem no curso que ganhei um brinde ao final: um dicionário verde Brockhaus, alemão-alemão, com 572 gravuras que ainda hoje conservo em meu poder. Recordo-me especialmente de uma aluna muito capaz, Christina A. Stahlberg, de Limeira, que também se saiu maravilhosamente nesse curso intensivo. Como eu estava muito interessado em fazer uma pós-graduação na Alemanha, procurei o DAAD-Deutscher Akademischer Austausch Dienst, um órgão de intercâmbio acadêmico entre o Brasil e a Alemanha, que então era chefiado pelo Dr. Friedhelm Schwamborn, que não me deu grandes esperanças em razão de a Alemanha ter suas prioridades na escolha do bolsista, deixando claro que alguém formado em Letras não estava entre elas.

Depois de algum tempo na pensão do Sr. Zé, o japonês, fiquei conhecendo um catarinense de origem alemã, Willy Zirr, funcionário do Banespa e mais tarde da Volkswagen, o qual me convidou a vir dividir um quarto com ele no apartamento de uma viúva idosa, na Rua da Glória, nº 22 (atual Prédio 7 de Setembro), no segundo andar. O proprietário do imóvel tinha morrido recentemente e a viúva estava inconsolável, apesar de ter uma secretária à sua disposição 24 horas por dia. As duas tinham péssima aparência, pálidas ao extremo, como se em sua vida só tivessem ficado enfurnadas naquele apartamento malsão.

Como Willy e eu tínhamos um interesse comum, que era o aprendizado da língua alemã, nossa camaradagem cresceu a cada dia. Chegamos a fazer um curso introdutório intensivo ministrado por um senhor alemão idoso, na Praça João Mendes, numa saleta não muito distante donde residíamos. Ele ensinava através de um livro "Wir lesen Deutsch" (Nós lemos Alemão) editado pela Editora Max Hueber de Munique, de autoria de Herbert Schroeder e Inge Kirchhoff, sendo composto de textos para o nível básico (1ª parte) e para o nível avançado (2ª parte). Eu, que já tinha tido um primeiro contato com a língua alemã ainda na minha terra natal, achei os textos fáceis e apropriados para o nível a que se destinavam.

Cabe aqui um parêntese para descrever brevemente a forma como comecei o estudo dessa língua. Quando a Alemanha saiu derrotada na II Grande Guerra, emigrou para São João del-Rei um rapaz de origem alemã que tinha lutado sob o comando de Rommel na África, Theodor Ferdinand Schmidt (nasc. 18/10/1921 em Borken-Weseke), cujo tio era um valoroso e distinto padre salesiano: o Padre Ferdinand Enning ou simplesmente Padre Fernando, como o chamávamos (natural de Weseke, Westfalen, Alemanha, nascido em 30/5/1903 e falecido em São João del-Rei, em 27/6/1990), o qual dirigia desde 5/2/1946 a Escola Agrícola Padre Sacramento, conhecida como "Patronato", criada por decreto estadual em 1929 e confiada à Congregação Salesiana em 1943, que tinha por missão acolher e abrigar meninos órfãos, abandonados e necessitados e transformá-los em operários cristãos. Sendo suas instalações propriedade do Estado, ficaram sob a direção de Pe. Fernando até 1973. Pois bem: Theodor ou simplesmente Theo, como ficou conhecido, casou-se em 01/12/1951 com Adolfina de Resende (nasc. 19/10/1919 em Itapecerica, fal. 19/06/1991 em São João del-Rei), parenta do Ministro Gabriel de Resende Passos e possuidora de certos bens patrimoniais. Esse agricultor chamado Theo foi meu primeiro professor de alemão, enquanto fazia entrega do leite que havia coletado em grandes latas, a seus fregueses. Respondia a minhas questões, — mesmo estando ocupado com a entrega do leite, — suscitadas após minha leitura prévia do texto constante do livro "Deutsche Sprachlehre für Ausländer" (Ensino de Língua Alemã para Estrangeiros) editado pela Editora Max Hueber de Munique, de autoria de Dora Schulz e Heinz Griesbach, para nível básico, em um tomo.

O Willy estava concluindo o seu curso superior de Economia e se inscrevera no Projeto Rondon, razão pela qual foi chamado a viajar por um mês ao norte do País. Só então verifiquei a falta que meu amigo fazia: morri de medo na sua ausência, com aquelas duas assombrações a andarem pelo apartamento durante a noite. A idosa morreu logo depois e o apartamento ficou sob os cuidados da secretária.

Sobre o Willy ainda devo mencionar alguma informação. Nesse curto período de nossa convivência, ele ficou amigo de um boliviano e um baiano, Jairo. O boliviano era mau caráter e parece que era "amigo do alheio". O baiano Jairo era compositor de música popular e não fico surpreso se souber que ele se tornou um “succès fou”, porque a sua música tinha um admirável fraseado e “punch”. Willy parece que se casou com uma amiga ou irmã desse baiano e sofreu muito nesse casamento. Muito mais tarde, aproximadamente 1984, vi-o num quartinho ao rés-do-chão de uma pensão próxima à Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, no bairro Bela Vista. Contou-me sobre sua vida infeliz e que saíra completamente pobre da relação com a baiana, mas que daria a volta por cima: estava estudando para um concurso de Agente Fiscal de Rendas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Fiquei muito alegre de que ele viria algum dia trabalhar comigo, pois nessa ocasião eu era fiscal. De fato, ele foi aprovado e ingressou no quadro de agentes fiscais.

Para completar essa seção sobre o Willy, comecei a achar que Guilherme de Almeida tinha razão quando diz na Canção do Expedicionário: "... um é pouco, dois é bom, três é demais..." O que dirá quatro? Um alemão, um mineiro, um baiano e um boliviano? Era só o que faltava! Era forçoso procurar um quarto individual em alguma morada mais condizente com meus hábitos.


* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...