sexta-feira, 21 de abril de 2023

AS MÚLTIPLAS FACES DO ALFERES TIRADENTES

Por Francisco José dos Santos Braga 
 
Discurso em que se rememora o 231º aniversário da Execução do sanjoanense JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER, Patrono das Polícias Militares e Patrono Cívico da Nação Brasileira, que teria pronunciado as seguintes palavras, minutos antes da sua execução: “Pois seja feita a vontade de Deus. Mil vidas eu tivesse, mil vidas eu daria pela libertação da minha pátria”.

 

Aos pés do Tiradentes em 21/04/2023 em sua terra natal - Crédito: Dr. José Antônio de Ávila Sacramento

 
Exmo. Dr. Baldonedo Arthur Napoleão, criador e coordenador da Cavalgada da Inconfidência; Ilmo. Dr. José Antônio de Ávila Sacramento, coordenador desta solenidade em São João del-Rei; Ilmo. Sr. Marcos Fróes, secretário de Cultura e Turismo representando o prefeito Nivaldo Andrade, membro da AMVER-Associação dos Municípios da Microrregião do Campo das Vertentes; Ilmo. Sr. Cel. Moisés Felipe Gervazoni Viana, Comandante do heróico Regimento Tiradentes; Ten. Ana Lúcia representando o Ten. Cel. Henrique Souza da Silva, Comandante do 38º Batalhão da Polícia Militar de São João del-Rei; membros da Academia de Letras e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, Paulo Roberto de Sousa Lima; Ilmo. Sr. Márcio Costa, Venerável Mestre da Loja Maçônica Cháritas II; Sr. Cláudio Eduardo de Souza representando a UNIPTAN; amazonas e cavaleiros; visitantes e convidados; senhoras e senhores: 
 
Inicialmente, gostaria de manifestar minha mais profunda admiração e louvar a iniciativa do Exmo. Sr. Arthur Napoleão Baldonedo que criou e coordena o evento cívico denominado Cavalgada da Inconfidência Mineira, cujo objetivo foi e é comemorar e celebrar o líder inconteste do movimento libertário da Conjuração Mineira, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Hoje, o comandante desta Cavalgada cívica, à frente desta 33ª edição do evento, conduz esta luzidia e tradicional tropa de cavaleiros que parte de Barroso, passa por Tiradentes-MG, com destino à terra natal de Joaquim José da Silva Xavier, São João del-Rei , a exemplo do próprio Alferes Tiradentes que tantas vezes percorreu com sua tropa as trilhas do sertão de Minas Gerais e Rio de Janeiro com a missão de patrulhar as estradas, de abrir picadas e de coibir o contrabando e descaminho do ouro e pedras preciosas. Estendo meus cumprimentos a todas as amazonas e cavaleiros que participam deste ato cívico, que foi pensado como uma forma de comemorar o movimento emancipacionista de maior importância do Brasil. 
 
Chegada triunfante das amazonas e cavaleiros na Av. Tancredo Neves na cidade natal do Tiradentes - Crédito: Dr. José Antônio de Ávila Sacramento
 
 
Dr. José Antônio de Ávila Sacramento empunhando a tocha de fogo

Prezado Coordenador Sr. Baldonedo, 
Embora não tenhamos estabelecido um contato profissional nem pessoal em 1971, ocasião em que estive prestando serviço à empreiteira Montreal Engenharia S/A que, por sua vez, era montadora de grandes fornos e silos para a contratante Fábrica Barroso, pude então presenciar o anúncio de um novo tempo para a Cidade de Barroso, sob a sua judiciosa gestão como Prefeito em primeiro mandato. O que se comentava naquela época é que o Prefeito Baldonedo que comanda esta Cavalgada cívica, tinha sido agraciado, pela eficiente e meritória administração municipal de Barroso, com o título de melhor gestor municipal do Brasil. Foi sua primeira conquista consagradora como administrador público. Graduado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (1965-1968), foi aplicar os conhecimentos adquiridos em prol de sua terra natal e do Estado de Minas Gerais. Com orgulho posso dizer que minimamente contribuí para o seu projeto de desenvolvimento para Barroso, no início de sua carreira na vida pública, como prefeito (1971-1973), na minha humilde condição de oficial administrativo da Montreal. Quão admirável foi a sua estreia na vida pública, prenunciando outros feitos e louros futuros que segui de perto ao longo dos últimos 52 anos! Seriam necessárias horas para enaltecer a sua personalidade e falar do seu rico e extenso currículo, pleno de benemerências para a sua Cidade, mas não posso silenciar-me sobre algumas áreas em que mais se destacou o seu gênio administrativo: Vereador; Prefeito municipal de Barroso, por 3 vezes; Deputado Estadual, por 2 vezes; e presidente de inúmeras empresas públicas mineiras. Em 1971, este orador se deslocou até Barroso no 7 de Setembro para acompanhar o desfile cívico em que houve o primeiro hasteamento da bandeira da cidade, criada e idealizada pelo então Prefeito Baldonedo Arthur Napoleão e na qual figurava o brasão muito bonito e representativo da cidade com as principais características e elementos que remetem a Barroso: o Rio das Mortes (azul) serpeando entre montanhas (verdes), as três chaminés de suas históricas indústrias ao longo dos últimos 100 anos (nas cores branca, vermelha e cinza simbolizando respectivamente as indústrias de cal, cerâmica e cimento). Ainda, de acordo com seu idealizador: 
"o livro aberto atrás das chaminés simboliza a preocupação com a educação e com a cultura ocidental e cristã. A elipse amarela saindo da base da chaminé do cimento representa a evolução, o crescimento e o desenvolvimento. A bigorna é o símbolo do trabalho e a torre é a marca heráldica que define o brasão de uma cidade" ¹, 
encimando todo esse arcabouço e fazendo uma alusão aos castelinhos na entrada da cidade. Em todas as suas bravas atuações em prol de sua querida cidade de Barroso desponta um fato inequívoco: desde a primeira gestão como Prefeito, sempre apostou no potencial de Barroso ao longo de 52 anos e até hoje tem lutado para dar-lhe a estatura de seus sonhos: a cidade que cuida de seus cidadãos dentro de elevado padrão de bem-estar social. 
 
Estátua do Tiradentes no centro de São João del-Rei, na Av. Tancredo Neves - Crédito: José Antônio de Ávila Sacramento

Toque de silêncio, abrindo a solenidade - Crédito: Dr. José Antônio de Ávila Sacramento

 
Neste meu discurso, venho convidar o organizador desta solenidade neste de 21 de abril de 2023 e toda a audiência aqui presente para, juntos, lançarmos o olhar para idêntica data no ano de 1992, ocasião em que o Brasil comemorava o Bicentenário da Execução de Tiradentes (1792-1992). É importante relembrar que a Administração pública brasileira naquele ano era representada por uma plêiade de mineiros, tais como o Vice-Presidente da República Itamar Franco, o Procurador Geral da República na figura do sanjoanense Dr. Aristides Junqueira e um saudoso senador de que tratarei na sequência. Naquela época, São João del-Rei, berço do Alferes Tiradentes, sediou um Encontro de Historiadores de todo o País, que teve como tema principal o resgate da memória e consciência nacional, o qual fazia parte das comemorações oficiais e cujo produto final foi a Carta de São João del-Rei, publicada em 21 de abril de 1992. 
Banda Municipal de Barroso-MG encanta com seu rico repertório há 127 anos e prestigia a solenidade da 33ª edição da Cavalgada da Inconfidência Mineira - Crédito: Dr. José Antônio de Ávila Sacramento

 
Crédito: Dr. José Antônio de Ávila Sacramento


Da dir. p/ esq.: Cel. Moisés Felipe Gervazoni Viana, Sr. Baldonedo, Sr. Cláudio Eduardo de Souza, Marcos Fróes, Sr. Márcio Costa e Paulo Roberto de Sousa Lima alinhados em frente ao Tiradentes - Crédito: Paulo Roberto de Sousa Lima

 
Sr. Anderson Geraldo de Paula, Exmo. Prefeito de Barroso-MG e assessor de eventos e feiras da SECULT-SJDR, Franklin Félix - Crédito: Dr. José Antônio de Ávila Sacramento

Quinze dias antes desse Encontro de Historiadores em São João del-Rei, era divulgado um livreto do saudoso Senador Alfredo Campos, natural de Abaeté (PMDB-MG), intitulado TIRADENTES, CIDADÃO SANJOANENSE, tendo seu autor sido suplente do Senador Tancredo de Almeida Neves no primeiro mandato (1983-1986), quando este se desincompatibilizara do cargo de Senador para disputar o de Governo de Minas Gerais em 1982, tendo Alfredo Campos sido reeleito para segundo mandato (1987-1995). Seu notável discurso, proferido no dia 11 de março de 1992 em sessão plenária do Senado, teve o dom de alertar a Comissão do Bicentenário da Execução de Tiradentes, sob a presidência do Vice-Presidente da República Itamar Franco, "para que não se cometesse um equívoco histórico de sérias implicações", caso fechasse os olhos para a verdade histórica que precisava ser resgatada: a de que Tiradentes era cidadão sanjoanense. Em seguida e para domínio público, mandou imprimir um opúsculo na Gráfica do Senado com o sugestivo título de "Tiradentes, Cidadão Sanjoanense", o qual trazia uma Apresentação do senador e o seu histórico discurso. Na missão precípua de assessorar o Senador na elaboração do discurso e acompanhamento gráfico, fui indicado pela Assessoria Legislativa do Senado Federal. Na condição de assessor "ad hoc", levei a seu conhecimento uma pesquisa histórica que tinha publicado na Revista de Cultura Vozes de Petrópolis-RJ, Ano 86, vol. 86, jan/fev 1992, nº 1, com o título "São João del-Rei: a Terra Natal de Tiradentes", e ele se empolgou com a minha pesquisa, pedindo-me para adaptá-la para um discurso parlamentar que tinha em mente. 
 
Abro aqui um parêntese para declarar que este orador, desde aquele trabalho de estreia como historiador, tem observado o preceito do itabirano João Camilo de Oliveira Torres (in História de Minas Gerais, Belo Horizonte: Editora Lemi, 1980, vol. II, p. 39), quando recomenda: 
"O historiador deve falar relativamente pouco: a documentação sempre dirá a última palavra. Naturalmente ele (e esta é a sua missão) selecionará os documentos, dará a sua interpretação, apresentará a sua maneira de ver os fatos." 
A meu ver, aí está a forma como deve caminhar a historiografia, ou escrita da história. Tem este historiador presente o que disse Cícero em seu tratado Sobre o Orador ideal, a saber: a história é a mestra de vida ( historia magistra vitæ ), ou em outras palavras, a história nos ensina como viver. 
 
Com base neste princípio norteador de meu trabalho como historiador, fiz os ajustes necessários no ensaio que eu já tinha publicado, adaptei-o para um discurso parlamentar e levei-o à consideração do parlamentar mineiro. Ele, por sua vez, deu sua aprovação ao texto sugerido e pronunciou seu discurso em plenário no dia 11 de março de 1992. Na Apresentação ao seu Discurso ele escreveu: 
"Em discurso do dia 11 de março último, apresentei a meus Pares, a Minas Gerais e ao Brasil uma série documental da mais absoluta confiabilidade, a fim de dirimir qualquer dúvida porventura existente acerca do local de nascimento de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, neste ano em que se comemora o bicentenário de sua morte. Pelo que pude colher da farta documentação histórica e cartográfica posta à minha disposição pelo Dr. Francisco José dos Santos Braga Assessor Legislativo desta Casa e incansável estudioso das coisas mineiras, membro do Instituto Genealógico Brasileiro de São Paulo, Colégio Brasileiro de Genealogia do Rio de Janeiro e Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG nada mais me restou senão reforçar a convicção que sempre mantive: na verdade, Tiradentes nascera efetivamente em São João del-Rei, em que pese absurda e insubsistente argumentação em sentido contrário ao da realidade dos fatos. Desse modo, julguei da maior importância abrir o debate a toda Minas Gerais e a todo o País, como forma de dar divulgação ao resultado daquele trabalho de investigação documental, que agora, sob a forma de livreto, passo às mãos de meus coestaduanos e de meus patrícios, em nome da verdade. Tal é o conteúdo das páginas que se seguem. Ass. Senador Alfredo Campos" (p. 5 do livreto) 

E ordenou que se estampasse no livreto, além da Apresentação, o seu discurso de 11 de março de 1992. Como supervisor da impressão do livreto, tomei todas as providências para que fosse endereçado pelos Correios às diversas cidades mineiras e a uma lista extensa de residências sanjoanenses para maior conscientização dos atos do Herói brasileiro, fazendo jus ao título de Patrono Cívico da nação brasileira ², para além dos quartéis e dos batalhões militares, para os quais Tiradentes já era e tem sido tradicionalmente reverenciado como Patrono das Polícias Militares do Brasil

Dentre os documentos que constituíam a base documental referida no discurso podem-se destacar principalmente os seguintes: 
1) Como documentos de fonte primária, o discurso transcrevia, primeiro, os dizeres do assento do batismo de Tiradentes, a saber: 
“Aos doze dias do mez de Novembro de mil setecentos e quarenta e seis annos, na Capella de São Sebastião do Rio abaixo o Reverendo Padre João Gonçalves Chaves capellão da dita Capella baptizou e poz os Santos Oleos a Joaquim filho legitimo de Domingos da Silva dos Santos e de Antonia da Encarnação Xavier; foram padrinhos Sebastião Ferreira Leytão, e não teve madrinha; do que fiz este assento.     O Coadjutor Jeronymo da Fonseca Alz.”  
Cumpre observar que a referida capela era, naquela ocasião, filial da Matriz de Nossa Senhora do Pilar da Vila de São João del-Rei e foi trasladada para o Museu de Arte Sacra sanjoanense, onde atualmente se encontra sob a sua custódia. 
 
Cabe aqui abrir um parêntese, para esclarecer que um historiador sanjoanense irresponsável vendeu à Biblioteca Nacional o "Livro para servir de assentos dos batizados da freguesia de N. S. do Pilar da Vila de São João del-Rei - 1742/1749", onde, a folhas 151v., está registrado o batismo de Tiradentes. Parece-me um verdadeiro contra-senso que um órgão público mantenha um livro que originalmente pertencera ao arquivo paroquial, onde deveria estar até hoje, s.m.j. A alegação de que uma instituição nacional é mais confiável do que uma paróquia para a guarda do registro de batismo de um herói nacional não procede: é um argumento falacioso, haja vista o incêndio de grandes proporções que destruiu o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, zona norte do Rio de Janeiro. 
E, segundo, o discurso transcrevia a própria declaração do Alferes na sua primeira inquirição feita pelo Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, nos ADIM-Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, livro 5, pp. 17-18, quando se achava na Fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, em 22 de maio de 1789, verbis
"E sendo preguntado como se chamava, de quem era filho, donde era natural, se tinha algumas ordens, se era casado, ou solteiro, e que ocupação tinha: respondeo que se chamava Joaquim José da Silva Xavier, filho de Domingos da Silva dos Santos e de sua mulher Antônia da Encarnação Xavier, natural do Pombal, termo da Villa de S. João de El Rey Capitania de Minas Gerais, que tinha quarenta e hum annos de idade, que era solteiro, que não tinha ordens algumas e com effeicto, vendo-lhe eu o alto da Cabeça, vi que não tinha tonsura alguma, e que era Alferes do Regimento da Cavallaria paga de Minas Geraes."  
2) Como documentos de fonte secundária, o discurso ainda citava o testemunho de diversos historiadores, que reconheciam e pesquisaram a cidadania sanjoanense do Alferes, presente em obras pioneiras do barrosense Basílio de Magalhães e, mais tarde, dos sanjoanenses Luís de Melo Alvarenga e Fábio Nelson Guimarães; além desses elementos, o discurso ainda mencionava dois fatos colhidos nos ADIM (Autos da Devassa da Inconfidência Mineira), bem como trechos de livros de dois intelectuais mineiros: poeta Dantas Mota e cronista e romancista Gilberto de Alencar e, finalmente, extraía e comentava trechos do livro intitulado "As Vilas del-Rei e a Cidadania de Tiradentes" (1976) do historiador e cartógrafo Eduardo Canabrava Barreiros, natural de Curvelo-MG, que faz parte da coleção Documentos Brasileiros (nº 172), editado pela Livraria José Olympio Editora, em convênio com o INL. 
 
Sobre Canabrava Barreiros, gostaria de mencionar que, a convite da Vereadora sanjoanense Alba Lombardi, esteve entre nós esse eminente técnico em cartografia de mérito reconhecido, que se debruçou sobre o problema da cidadania do Alferes e basicamente firmou o entendimento, através de estudos cartográficos profundos e "exaustivas pesquisas em documentos autênticos nos arquivos das duas localidades em disputa por seu filho ilustre (São João del-Rei e São José del-Rei, atual Tiradentes) e em ficha toponímica dos dois municípios", tendo concluído que "o povoado onde se localiza a fazenda do Pombal (local de nascimento do Tiradentes) jamais deixou de estar juridicamente vinculado a São João del-Rei", na condição de distrito sanjoanense, embora, de 1963 em diante, o distrito de Ritápolis (e consequentemente o Pombal) tenha obtido sua autonomia administrativa como cidade. Dentre outras conclusões definitivas, Canabrava Barreiros sustentou o seguinte entendimento: "Tiradentes nasceu na Fazenda do Pombal, no termo da Vila de São João del-Rei, isso em 1746" e "foi batizado na Capela de São Sebastião do Rio Abaixo - freguesia de N. S. do Pilar da Vila de São João del-Rei", hoje fazendo parte do Museu de Arte Sacra de São João del-Rei. O livro de Canabrava Barreiros recebeu laudos abonadores do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e do Instituto dos Advogados Brasileiros. Por esses reconhecidos feitos em benefício da causa sanjoanense, o Instituto Histórico e Geográfico local conferiu a Eduardo Canabrava Barreiros a honra de ocupar a sua Galeria de Patronos, atribuindo o seu digno nome à Cadeira nº 34, cujo ocupante atual é Paulo Chaves Filho. 
 
As Vilas Del-Rei e a Cidadania de Tiradentes, por Eduardo Canabra Barreiros
 
Pode-se perguntar: o que levou um Senador da República a este elevado grau de denodo e coragem cívica, ao conclamar as Autoridades competentes do Brasil a "dignarem-se a restabelecer a verdade histórica, tributando a São João del-Rei a homenagem de ter sido o berço do Tiradentes" ? Posso categoricamente afirmar que foi sua identificação com os anseios e destinos desta terra, primeiramente com São João del-Rei e, mais extensivamente, com Minas Gerais. Em conversa particular comigo, o saudoso Senador Alfredo Campos, apesar de ser natural de Abaeté, contou-me que se identificava demais com São João del-Rei, quando aluno interno do Ginásio Santo Antônio, na ocasião dirigido por freis franciscanos, que no seu dizer ensinavam a prezar o civismo, o ser republicano e zeloso no trato da coisa pública e, ainda, o respeito ao nosso patrimônio histórico-cultural e aos símbolos nacionais. No seu discurso confessou: "Como ex-aluno interno do Ginásio Santo Antônio de São João del-Rei, aprendi a admirar o seu zelo pela tradição e pela cultura sanjoanense, que através da história tem inscrito nos fastos da história vultos famosos como o Tiradentes...", citando em seguida personalidades que honram a cidadania sanjoanense, dentre outras, a poetisa Bárbara Eliodora, o prof. Aureliano Pimentel, o compositor Padre José Maria Xavier, o ex-Procurador Geral da República Aristides Junqueira e o Presidente Tancredo de Almeida Neves além dos filhos adotivos, historiador Basílio de Magalhães, natural de Barroso, e poeta Bento Ernesto Júnior, natural de Itapecerica.
 
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Senhoras e Senhores, 
Feita essa introdução ao tema que nos ocuparemos aqui, qual seja as múltiplas faces de Tiradentes já conhecidas, mas desconhecidas até recentemente, meu convite é que recuperemos alguns fatos da biografia do Herói Tiradentes que estou a exaltar neste 21 de abril. Joaquim José da Silva Xavier nasceu em 1746 em data incerta na Fazenda do Pombal, no termo da Vila de São João del-Rei, como garante o seu registro de batismo em 12 de novembro de 1746 na Capela de São Sebastião do Rio abaixo, filial da Matriz de Nossa Senhora do Pilar da Vila de São João del-Rei. 
Quando jovem, exerceu as profissões de tropeiro, comerciante, minerador, pequeno proprietário de datas de terras e dentista. 
Em 1775: Tiradentes pediu e obteve permissão para assentar praça na Companhia de Dragões de Vila Rica, tendo sido admitido na 6ª companhia do Regimento de Cavalaria ("Dragões") no posto de Alferes a 1º de dezembro de 1775. Logo adquiriu grande notoriedade pela forma como cumpria as ordens recebidas. 
Em 1777:  As companhias do Regimento de Cavalaria Regular de Minas foram enviadas para o reforço defensivo do Rio de Janeiro, daí retornando em setembro de 1779. Tiradentes integrou aquele socorro. 
Em 1780-81: Graças ao historiador sete-lagoano, Dr. Márcio Vicente Silveira Santos, saudoso confrade no IHG-São João del-Rei, hoje sabemos que Tiradentes teve participação ativa em expedições de reconhecimento no sertão de Minas. De 22/04/1780 a 23/06/1781, esteve no efetivo comando do Quartel do Sertão das Sete Lagoas instalado em 1775, com as seguintes missões: 
1) a segurança interna e incolumidade das fronteiras da Capitania 
2) apoio militar à cobrança de impostos, garantindo a segurança do Registro de 1762 posto onde era feita a fiscalização do trânsito de mercadorias e a cobrança dos impostos porta de entrada do Vale Médio do Rio São Francisco 
3) combate ao contrabando do ouro e à evasão fiscal
4) abertura de uma estrada que, partindo de Sete Lagoas, ligasse a área central da Capitania a Paracatu, uma das Vilas do Ouro (certamente uma variante partindo de Sete Lagoas até atingir Paracatu).
Constam desse período de comando do Quartel do Sertão os seguintes atos de ousadia do Alferes Tiradentes: 
1) mandou construir um quartel sem autorização do governo 
2) escreveu diretamente a D. Maria I para colocá-la a par de dificuldades em comprar milho para os cavalos de sua guarda. 
Ainda em 1781: É provável que por todos estes serviços e pelo amplo conhecimento que Tiradentes tinha dos caminhos de Vila Rica para o Rio de Janeiro, que D. Maria I, rainha de Portugal, por carta régia, lhe tenha concedido a patente de Comandante da Patrulha do Caminho Novo. Sua função era de garantir o transporte do ouro e diamantes extraídos nas Minas Gerais, coibir o contrabando e descaminho de ouro e pedras preciosas e livrar a região dos assassinos e ladrões que assaltavam os sítios e fazendas e despojavam de seus bens os que transitavam nos citados caminhos. No desempenho de suas funções, Tiradentes agiu com a presteza que lhe era peculiar, realizando incursões arriscadas e prendendo inúmeros malfeitores, desbaratando inclusive o bando do famigerado contrabandista Joaquim Montanha
Em 1784: Profundo conhecedor da região da Mantiqueira, Tiradentes tornou-se chefe da "Ronda do Mato" e respondeu pela construção de um atalho do Caminho Novo, desviando-o de São João del-Rei e encurtando seu percurso de Vila Rica ao Rio de Janeiro, que ficou conhecido como "Caminho do Menezes" (utilizado pelo governador de Minas, Dom Luiz da Cunha Menezes, o "Fanfarrão Minésio" das Cartas Chilenas, de autoria do poeta inconfidente Tomás Antônio Gonzaga), onde também construiu o denominado Porto do Menezes, vizinho ao Registro do Paraibuna, nas proximidades das atuais Matias Barbosa e Juiz de Fora. 
Em 1785: D. Maria I, rainha de Portugal assinou o Alvará de 5 de janeiro que proibia fábricas e manufaturas no Brasil, sob a alegação de que o funcionamento desses empreendimentos retirava mão de obra da agricultura e da mineração.
A submissão da Coroa portuguesa aos interesses ingleses, impedindo a industrialização, tanto da Metrópole, quanto de suas colônias, agravou ainda mais a crise do modelo. Estava aberta uma situação revolucionária, haja vista que o colonialismo português tinha colocado a prioridade na extração do ouro das Minas Gerais para cobrir seu déficit orçamentário. 
Como consequência dessa situação, ocorria a reunião secreta de brasileiros em Coimbra, onde foi firmado o “Pacto dos 12” pela independência. Dela participaram, entre outros, José Joaquim Maia e Barbalho e José Álvares Maciel. Tudo isto está no depoimento do médico Domingos Vidal de Barbosa, que lá também esteve, conforme inquirição feita pelo Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, em depoimento nos ADIM, livro 1, pp. 212-217
Neste mesmo ano, de Paris, para onde se deslocou, José Álvares Maciel enviou uma mensagem para seu cunhado Ten. Cel. Francisco de Paula Freire de Andrade, comandante das tropas de Minas e chefe de Tiradentes, pedindo que este enviasse um emissário com informações sobre a situação política e econômica do Brasil. Essas informações, que foram pedidas por Thomas Jefferson e pelos líderes da Revolução Francesa, foram obtidas por Tiradentes junto ao cartógrafo José Joaquim da Rocha, como confirmou o depoimento do delator Basílio de Brito Malheiros. ³
Em 1786: Durante o histórico Ciclo do Ouro, a Coroa Portuguesa desautorizava a abertura de novas estradas na área compreendida pela fronteira da Província de Minas Gerais com a do Rio de Janeiro, entre os rios Pomba e Paraíba do Sul. Como essa região já abrigava inúmeros caminhos clandestinos, usados por contrabandistas para se desviarem da fiscalização dos Registros, Tiradentes foi destacado para dar caça aos usuários destas variantes ilegais, tendo capturado em suas incursões o minerador clandestino "Mão de Luva" e seus liderados. 
Tiradentes foi o responsável não só pela escolha da localização como, também, pela construção de inúmeros Registros na região mineira fronteiriça da Província do Rio de Janeiro. 
 
Parabéns aos responsáveis pelo brilhantismo do evento em São João del-Rei! - Da dir. p/ esq.: Marcos Fróes, Dr. José Antônio de Ávila Sacramento, Franklin Félix, Sr. Baldonedo, cerimonialista Rubinho Santos e Jean Sandim Guimarães da TV Barroso Regional - Crédito: Dr. José Antônio de Ávila Sacramento

 
Aqui, abrindo um parêntese, em 2011, o IHG de São João del-Rei promoveu o 3º Ciclo de Estudos sobre Tiradentes, o qual contou com o patrocínio conjunto do IHG e da Chancelaria da "Comenda da Liberdade e Cidadania". Como convidado, compareceu ao último encontro Mário Werneck. Ao ser-lhe dada a palavra, ele proferiu uma frase lapidar  que reflete a importância de São João del-Rei para Minas Gerais e para a nação brasileira, merecendo aqui ser reproduzida: 
"A história do Brasil passa por Minas Gerais. A história de Minas passa por São João del-Rei," 
seja em termos geográficos, seja em termos sócio-econômicos. No caso presente, vale lembrar, por um lado, que São João del-Rei foi o eixo condutor da Estada Real "Picada de Goiás" e, por outro lado, importante trânsito do Caminho Velho, no final do século XVII e início do século XVIII, que vinha do Rio de Janeiro (Parati) e chegava à região de Vila Rica. A Picada de Goiás “saía de São João del-Rei, atravessava o rio São Francisco, perto da barra do Bambuí, e seguia pela serra da Marcela, proximidades de Araxá, Patrocínio, Coromandel, Paracatu e, em seguida, chegava à região de Vila Boa de Goiás.” (BARBOSA, 1979) Esse autor foi categórico ao afirmar que a Picada de Goiás oficial, a Estrada Real autorizada por Gomes Freire de Andrade em 08 de maio de 1736, era a que passava por Bambuí, seguindo de São João del-Rei até Paracatu. As demais eram atalhos e estradas não-oficiais. 
Traçado mostrando São João del-Rei como eixo condutor da Estrada Real "Picada de Goiás" autorizada por Gomes Freire de Andrade (Conde de Bobadela) em 08/05/1736) - Crédito pela imagem: Ana Maria Nogueira Rezende 

 
Mapa do Caminho Velho ou Caminho Geral do Sertão ou Caminho do Ouro com localidades atuais: partia do Rio de Janeiro indo por mar até Parati onde começava o caminho por terra, atravessando a Serra do Mar, atingia Taubaté, Pindamonhangaba, atravessando a Serra da Mantiqueira na Garganta do Embaú, atingia Passa Quatro, fazia a travessia do Rio Grande, atingia Ibituruna, fazia a travessia do Rio das Mortes, passava por São João del-Rei e chegava a Vila Rica) - Crédito pela imagem: Márcio Santos


 
Em 1787: O Alferes Tiradentes pediu licença de suas funções militares e seguiu para o Rio de Janeiro, onde tentou projetos comerciais e de engenharia, com petições para as obras na Câmara Municipal. Com o fim de sua licença, retornou para Minas. Tudo indica que a falta de respostas sobre a aprovação de seus empreendimentos aumentou seu desejo por independência. Nessa época ele teria ido a Europa.

Em 1788-89: A decretação de uma derrama insuflou ainda mais os brios de liberdade dos brasileiros endividados, principalmente na Vila Rica. “A fragata que recolherá os quintos chegará nos próximos dias, precisamos nos apressar”, teria dito o alferes a Silvério dos Reis, ao encontrá-lo, pouco antes de sua traição.
A conspiração foi delatada ao governador, Visconde de Barbacena, pelo coronel Joaquim Silvério dos Reis, que havia aderido inicialmente ao movimento. Por ser um devedor de vultosa soma à Coroa portuguesa, vislumbrou a possibilidade de anistia para si, ao denunciar o crime de lesa-majestade. 
Com a delação da Conjuração Mineira, foi aberta a primeira Devassa no Rio de Janeiro, para apuração dos fatos relacionados com o premeditado crime de rebelião em Minas Gerais, através de Portaria do Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa, datada de 7 de maio de 1789,  e, três dias depois, Tiradentes foi preso no Rio de Janeiro, estando refugiado na casa de um amigo. Após sua prisão, nas inquirições a que foi submetido, o Alferes de início tudo negou sobre o movimento sedicioso. Entretanto, confrontado com os depoimentos já tomados das testemunhas e acareado com elas, sentiu que precisava contemporizar e as confissões se sucederam. É verdade, porém, que em todos os seus depoimentos diferentemente de vários outros inconfidentes assumiu toda a culpa, sem denunciar quem quer que fosse. 
Onze dos acusados foram condenados à morte, incluindo Tiradentes e Alvarenga Peixoto; outros foram condenados a prisão perpétua. Tiradentes confessou-se culpado, sem arrependimentos, e foi o único executado na forca em 21 de abril de 1792 por crime de lesa-majestade, isto é, traição contra a rainha D. Maria I. Os demais tiveram a pena comutada para degredo perpétuo pela rainha. Após ser enforcado, teve seu corpo esquartejado cujas partes foram expostas no caminho do Rio de Janeiro a Minas Gerais.
A imagem do Alferes Tiradentes só foi reabilitada com a República que ele abertamente defendia para o Brasil liberto da Coroa portuguesa.
 
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O IHG de São João del-Rei convidou a pesquisadora, advogada e historiadora gaúcha Dra. Isolde Helena Brans para proferir palestra sobre suas recentes descobertas sobre Tiradentes em três diferentes ocasiões: em 2002, 2007 e 2011; na terceira vez, o evento denominado "3º Ciclo de Estudos" teve o patrocínio conjunto do IHG e da Chancelaria da "Comenda da Liberdade e Cidadania". Depois de anos de pesquisa histórica, a ilustre historiadora, que também é sócia correspondente do nosso IHG, mantém sua postura de historiadora muito pessoal, não convencional e independente. 
A pesquisadora entende que os anos de 1787-88 são um período praticamente obscuro da vida do Alferes Tiradentes e que coincide com os fatos levantados por ela. Segundo seus levantamentos, Tiradentes teria estado na Europa, em 1787, em conversações para apoio ao movimento emancipacionista brasileiro. É provável que não tenha ido sozinho.
De julho de 1787 até janeiro de 1788 será o tempo de espera, pedido por Thomas Jefferson na conversa com Maciel e outros. Dentro dessa cronologia, o Alferes realiza todos os movimentos táticos em sintonia com um plano estratégico.
Quando são apresentadas, em 1788, por Jefferson, as condições para o apoio (pagamento de soldados, compra de trigo e bacalhau americanos, além de venda de carne pelo Brasil), Tiradentes já toma providências imediatas para atendê-las. Dr. José Álvares Maciel terá sido o informante a Tiradentes no Rio, em julho/agosto de 1788, das promessas de Thomas Jefferson e dos comerciantes de Bordéus de apoiarem o levante. Tiradentes pede então à Rainha autorização para a construção de um armazém no porto do Rio de Janeiro, provavelmente para viabilizar o comércio do trigo e a venda das carnes.
 
Examinando ela o processo da Devassa, o coronel do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Vila de São João del-Rei e fazendeiro, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, primo de Domingos Vidal de Barbosa, inquirido pelo Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, em depoimento nos ADIM, livro 2, pp. 89-91, relatou que do Brasil haviam partido dois emissários (levando informes atualizados sobre a situação da colônia), para tratativas com Thomas Jefferson, o "embaixador da América Inglesa" na França. A testemunha relatou ainda que aquele ministro (Thomas Jefferson) lhes tinha prometido que "a sua nação estava pronta a provê-los de naus e gente, contanto que lhes pagassem os soldados e recebessem o seu bacalhau e trigo", acrescentando que "deviam ser só aquelas condições" para apoio do movimento emancipacionista. E, para finalizar, declarou que essas coisas lhe relatara seu primo Domingos Vidal de Barbosa que dizia ter assistido a uma das conferências com o embaixador da América Inglesa, cujos sinais forneceu, acrescentando que seu primo viera da França, há cerca de um ano e meio atrás. 
Dra. Isolde constatou ainda a dimensão nacional do levante, embora a maioria dos inconfidentes fossem mineiros, ao examinar o processo da Devassa, no trecho em que o capitão do Regimento de Cavalaria Auxiliar de Vila de São José del-Rei, João Dias da Mota, testemunha de início passando a réu em 1791, inquirido pelo Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, em depoimento nos ADIM, livro 1, pp. 176-180, relatou que, num encontro com o Alferes Tiradentes no rancho das Bananeiras, ouvira do próprio Tiradentes que vinha planejando o levante há quatro anos e também que haveria o levante tanto nesta Capitania (das Minas), como nas do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Pará, Mato Grosso, etc. e que já tinha a seu favor a França e a ex-colônia inglesa, que haveria de mandar naus. O que, tendo ouvido ele, testemunha, absorto do que escutava, lhe perguntou: "Pois quem tem Vossa Mercê para esse levante?" Ao que respondeu o mesmo Alferes: "Temos pessoa muito grande, e que a seu tempo o saberás."

No seu livro Tiradentes Face a Face (1993), Dra. Isolde apresentou interessantes argumentos e fac-símiles dos documentos que provam os contatos dos conjurados com Thomas Jefferson. Segundo ela, Tiradentes teria viajado clandestinamente à Europa para um encontro com Jefferson que, naquela época, além de líder da independência americana, era embaixador em Paris. Os encontros foram realizados na França e um deles ocorreu nas ruínas da cidade histórica de Nimes; além do Alferes, participaram os seguintes estudantes que já se encontravam no continente europeu: José Álvares Maciel, José Joaquim Maia e Barbalho e Domingos Vidal de Barbosa, cujo nome, anos mais tarde, iria integrar a lista de condenados à morte, ao lado de Tiradentes. [VILELA, 2007] considera que esta foi a primeira missão diplomática da nação brasileira e teria recebido o nome de “Vendek”. 
No Arquivo Ultramarino (Lisboa), registrado no "Livro da Porta", onde se cadastravam as pessoas que chegavam à Corte, Isolde descobriu o registro de Joaquim José da Silva Xavier, com a data de 4 de setembro de 1787. Na Torre do Tombo, no livro 30 da Chancelaria da Rainha D. Maria I, também há referência à chegada do Tiradentes em Lisboa no livro 30 da Chancelaria da Rainha D. Maria I. 
A pesquisadora comprovou a viagem do Alferes à Europa através das suas petições de licença à Rainha e o consequente deferimento delas e de um salvo-conduto concedido pela Rainha. 
Por fim, como reforço da fundamentação da ida do Alferes à Europa, Dra. Isolde citou uma anotação em que o advogado de defesa dos conjurados, Dr. José de Oliveira Fagundes, em 18 de abril de 1792, após ter vista do processo, redigiu um rascunho pessoalmente ou por algum dos advogados que o assistiam nessa defesa, onde estava escrito
“O Dr. José de Oliveira Fagundes nomeado advogado ex-officio defensor de 29 réos... 1º Alferes Joaquim José da Silva Xavier – Tiradentes, auctor e cabeça, fallador, inimigo de Gonzaga, preterido 4 vezes, sendo bom militar pobre tudo confessou, entusiastha pela America Ingleza chegara da Europa ha pouco tempo e occupava-se em um trapiche em Andaray...” 
Essa última informação anotada no dito rascunho, juntado ao processo, evidencia que Tiradentes estava preocupado em equipar o porto do Rio de Janeiro para receber a remessa do bacalhau e trigo da ex-colônia inglesa, cuja aquisição era a condição para dar o apoio ao movimento brasileiro. Seus projetos no Rio de Janeiro eram grandiosos. Envolvia, por exemplo, a construção de um desembarcadouro de gados, um armazém para recolher bacalhau e trigo e aquedutos para fornecer água à cidade do Rio de Janeiro.
Nos seus diversos e valiosos livros, Dra. Isolde defende que Tiradentes era muito mais que um mártir do ideal republicano, como tem sido sempre retratado; era um ativista de primeira linha, um estadista que, àquela época, em 1787, estabeleceu contatos pessoais com Thomas Jefferson, então embaixador dos Estados Unidos na França, o que foi feito através da operação ou "missão Vendek", em que atuou como emissário e interlocutor. 
No artigo "Processo de Reavaliação da Inconfidência", publicado em abril de 1992 na revista O Alferes da Polícia Militar de Minas Gerais, Dra. Isolde conclui que 
"tal certeza parece estar impostada em conhecimento pessoal, próximo, vivenciado e não em notícia retransmitida por estudantes recém-chegados." 
Além da possível presença de Tiradentes, o estudante brasileiro na Universidade de Montpellier, José Joaquim Maia e Barbalho, José Álvares Maciel e Domingos Vidal de Barbosa também teriam participado do encontro com Thomas Jefferson em Nimes, em 21/03/1787. Dra. Isolde levanta a hipótese de uma prolongada presença dos emissários "Vendek" nas tratativas com negociantes, armadores e detentores de poder, nos portos e nas sedes de governos visitados. Até aqui, a História registra a ocorrência de um único encontro em 21/03/1787 em Nimes, do qual nada resultara. Dra. Isolde contesta essa visão, levantando a hipótese da prolongada presença dos emissários "Vendek" nas tratativas com negociantes, armadores e detentores de poder, nos portos e nas sedes de governos visitados, tendo provavelmente havido troca de correspondência entre as partes. 
No "Jornal do Comércio" do Rio de Janeiro (27/11/1872), foi publicado um texto de Felisberto Caldeira Brant Pontes que, por informação de seu pai, o marquês de Barbacena, primo de Maciel, revela: 
"... O alferes Xavier frequentava a casa de seu Comandante; merecendo a confiança dele e de alguns outros, foi escolhido para servir de correio e comunicar certas informações para evitar-se o risco de ter o governo a possibilidade de apanhar as cartas." 
Somando esse informe à evidência de que o Alferes estava na Europa em 1787, parece nítida a identidade do "emissário Vendek"."
 
Por outro lado, cum grano salis, ou seja, com um pé atrás, Kenneth Maxwell, historiador inglês e brasilianista renomado , descarta essa possibilidade: para ele o nome verdadeiro de Vendek era de um estudante da Universidade de Montpellier: o do carioca José Joaquim Maia e Barbalho. Egresso da Universidade de Coimbra, onde estudara Matemática, ingressou na Faculdade de Montpellier em 1786. Parece ter sido incumbido por comerciantes do Rio de Janeiro a entrar em contato com Jefferson. Sua primeira carta assinada com o pseudônimo "Vendek" foi enviada a Jefferson em 1786 por meio do professor Joseph Vigarous, da Universidade de Montpellier e proeminente maçom com ligações em Paris. Em sua carta a Jefferson, Vendek escreveu (em francês) que tinha um assunto de grande importância para comunicar, mas, como era um estrangeiro na França, queria que Jefferson lhe indicasse um canal seguro para correspondência. Jefferson atendeu seu pedido. Numa segunda carta, Vendek declarou ser «brasileiro».  No ano seguinte, combinou um encontro secreto com Jefferson nas ruínas da cidade histórica de Nimes para dizer-lhe que o que se precisava era do apoio de uma nação poderosa. Jefferson, escrevendo de Marselha em 04/05/1787 para John Jay, secretário das Relações Exteriores da Confederação, relatou de forma minuciosa sua conversa com Vendek. Na sequência, John Jay entregou a carta de Jefferson ao presidente do Congresso, mas não parece ter havido nenhuma outra iniciativa nos Estados Unidos. O historiador inglês considera que 
"os brasileiros tinham-se enganado a respeito das prioridades dos Estados Unidos e especialmente de Thomas Jefferson. Como a Grã-Bretanha, os Estados Unidos estavam ansiosos para fechar um acordo comercial com Portugal. (...) Jefferson chegara à conclusão de que era mais proveitoso para os Estados Unidos negociar com Portugal do que incentivar uma aventura arriscada na América do Sul."
Além disso, considera que os principais conjurados eram membros da plutocracia mineira, em conflito com um governo cada vez mais rígido principalmente no que cerne à cobrança de tributos. Maxwell descreve como a maioria dos integrantes da Conjuração Mineira tinha outros intuitos que não o nacionalismo. O historiador inglês faz uma ressalva quanto ao Alferes Tiradentes: ao ser interrogado, o inconfidente elemento periférico dentre os plutocratas que compunham o grupo revolucionário foi o único a defender ferrenhamente os ideais de República e Independência, trazendo para si toda a responsabilidade da rebelião fracassada. Para Maxwell, aí reside o mérito incontestável de Tiradentes: a sua coragem e determinação que o transformaram em herói póstumo.
 
Embora a identidade do Vendek seja um assunto controverso e sujeito a presentes e futuros debates e questionamentos trata-se de um ou de vários emissários dos inconfidentes? , Dra. Isolde tem o mérito de expor essa questão com o apoio em documentos e indícios. Pode ser que sofra crítica de alguns historiadores que considerem suas conclusões apressadas, na tentativa de confirmar sua "ideia fixa". Para os mais céticos de suas conclusões, ela responde com apresentação de elementos de prova e uma serena comprovação de sua hipótese de que Vendek é Tiradentes. Assim, de acordo com as pesquisas da Dra. Isolde, que passou vários anos pesquisando documentos no Brasil, em Portugal, na França e em outros países, fica demonstrado que aquele Tiradentes "quase sempre representado nas vestes de apenas-mártir, ou vítima, a caminho do patíbulo", fora muito mais que isso: ele era um ativista de primeira linha, um estadista, um líder sensato e que, antevendo dificuldades, já costurava acordos comerciais internacionais e a sustentação política para um Brasil livre. Thomas Jefferson, segundo documentos pesquisados, teria declarado: "eu gostaria de ver as frotas do Brasil e dos EUA navegando juntas como confrades de uma mesma família e perseguindo os mesmos objetivos". O historiador mineiro Waldemar de Almeida Barbosa (1907-200O) tratou Tiradentes, no prefácio ao livro Tiradentes Face a Face de Dra. Isolde, 
"como legítimo líder, homem de rara visão, um estadista, que sonhou ver sua pátria livre do jugo opressor". E continua: "O Tiradentes que Isolde Helena Brans apresenta é diferente do retratado por Joaquim Norberto (autor de História da Conjuração Mineira, de 1873, em que apresenta Tiradentes como um moleque, um desmiolado, um louco, que conseguiu ser admitido entre os inconfidentes e pôs tudo a perder). O Brasil é o único país da América, em que existe, há mais de um século, uma campanha sistemática de desmoralização do precursor da independência. É tempo de se conhecer o verdadeiro Tiradentes, o organizador do belo movimento da Inconfidência Mineira, o único que em vez de acusar os companheiros, procurou inocentá-los." 
Agora fixemos nosso olhar no último quartel do século XVIII. As mentes mais esclarecidas estavam todas impregnadas dos ideais iluministas e do ideal libertário que os rebeldes americanos (a maioria reconhecidamente maçons) haviam proclamado, e que os revolucionários franceses (muitos deles também maçons) haviam espalhado pela Europa. Alguns autores entendem que, já no âmbito da Inconfidência Mineira, eram os ideais maçônicos o principal inspirador da ideologia dos inconfidentes. Alguns autores maçons sustentam que eram maçons Tiradentes, Tomás Antonio Gonzaga, Álvares Maciel, Alvarenga Peixoto e outros, inclusive o próprio Aleijadinho. Dizem até que a maçonaria teria sido trazida ao Brasil pelo Dr. José Álvares Maciel, que tinha sido iniciado em Coimbra e frequentado Lojas em Londres. Assim teria fundado Lojas em Ouro Preto, onde promoveu a iniciação dos ditos irmãos inconfidentes e outras pessoas importantes da colônia.
Segundo Acir Tenório D'Albuquerque, historiador maçom, Tiradentes foi iniciado pelo Dr. José Álvares Maciel, que, de acordo com o ritual, lhe transmitiu os sinais, ensinou-lhe a palavra de passe de aprendiz. 
 
Outra possibilidade, aventada pelo arquivólogo Taiguara Villela, é a iniciação maçônica de Tiradentes em Lojas na Europa, retomando uma conexão Brasil-Europa a partir de ideias maçônicas, ao levar-se em consideração os estudos feitos por Isolde Brans, segundo os quais, entre 1786 e 1788, Tiradentes participou clandestinamente de uma missão brasileira à Europa para um encontro com Jefferson, então embaixador americano em Paris. As reuniões entre os brasileiros e Thomas Jefferson foram realizadas na França. Uma delas, certamente a mais importante, ocorreu nas ruínas da cidade histórica de Nimes, em março de 1787. Delas participaram, além dos emissários brasileiros, os estudantes que já se encontravam na Europa: José Álvares Maciel, José Joaquim Maia e Barbalho e Domingos Vidal de Barbosa. Ou seja, a missão "Vendek" fez contato com Thomas Jefferson e com os empresários de Bordéus na costa atlântica da França, os quais haviam apoiado com homens e armas a independência norte-americana e eram participantes ativos da revolução francesa em preparação. 
 
No seu livro "Profetas ou Conjurados?" (1982), a Profª Isolde Helena Brans defendeu a tese de que os profetas esculpidos pelo Aleijadinho para o Santuário de Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas do Campo, são uma metáfora à Inconfidência Mineira, na qual cada um dos doze profetas representaria um dos Inconfidentes. Nesse sentido, Isaías representaria Domingos de Abreu Vieira, e os demais, na ordem, seriam Francisco de Paula Freire (Jeremias), José Alvares Maciel (Abdias), Domingos Vidal Barbosa (Habacuc), Tomás Antonio Gonzaga (Daniel), Tiradentes (Jonas), Alvarenga Peixoto (Oseias), Cláudio Manoel da Costa (Joel), Francisco Antonio Lopes (Naum), Luiz Vaz de Toledo Piza (Ezequiel), Salvador Carvalho de Amaral Gurgel (Baruc) e Amós seria o seu próprio auto-retrato. Essas deduções foram extraídas das observações das frases latinas contidas nos pergaminhos que cada profeta ostenta em suas mãos. Em sua opinião, essas inscrições, embora refletindo motivos bíblicos, e baseadas em frases atribuídas a cada um dos oráculos, não reproduzem os ditos originais contidos nos livros dos respectivos profetas, mas foram claramente adaptadas para expressar ideias alusivas a motivos referentes à Conjuração Mineira e à vida particular de cada um dos conjurados. Nesse caso, o Profeta Amós seria o próprio Aleijadinho, cujo discurso, como sabem os Irmãos, abre a Loja de Companheiro. Não poucos biógrafos seus sustentam que ele teria retratado nas feições sofridas dessa imagem (do profeta Amós) o seu próprio rosto, contraído pela dor, e nos membros os aleijões que a lepra tuberculóide provocava nas suas mãos e pés.
 
Caso sejam aceitos os argumentos de Dra. Isolde e todos os seus elementos comprobatórios de que Tiradentes se avistou com Thomas Jefferson na França, forçoso é admitir que no Brasil a historiografia carece de um revisionismo histórico. Tiradentes era um hábil estrategista, embora seja "quase sempre representado nas vestes de apenas-mártir do ideal republicano, ou vítima, a caminho do patíbulo: de fato era muito mais que isso, um ativista de primeira linha, um estadista". Segundo suas próprias palavras: 
"Este novo enfoque exige que se dê início a um imediato processo de reavaliação da Inconfidência. Nos bancos escolares, a criança brasileira recebe noções de História da Inconfidência, segundo a versão que, há 231 anos, convinha à corte divulgar: o movimento teria sido um mero 'devaneio de poetas' e teria seu líder maior uma certa aura de insanidade."
Creio que esta “revisão da História” é uma tese bem sustentada por documentação farta e confiável exposta por Dra. Isolde, que merece ser levada a sério pelas universidades, sobretudo pelos professores do Departamento de História da Universidade Federal de São João del-Rei, terra natal de Joaquim José da Silva Xavier. Também comungo da crença de que é uma questão de justiça para com a memória do Tiradentes e dos conjurados que nossas Casas de Cultura sanjoanenses examinem, debatam exaustivamente o assunto e a documentação já reunida e divulgada por Dra. Isolde, importante membro do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, a quem presto minhas homenagens em respeito à cidadania sanjoanense do Alferes Tiradentes.
 
Já me encaminhando para o fim de minha fala, o movimento dos inconfidentes foi um acirramento da crise revolucionária iniciada com o Alvará de janeiro de 1785, assinado por D. Maria I, que proibia fábricas no Brasil. Os ideais de Independência e República, defendidos pelos inconfidentes, caíram em terreno fértil: o programa inconfidente de Independência foi rapidamente posto em prática, 30 anos depois da execução de Tiradentes, por José Bonifácio de Andrada e Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil, com a participação da Imperatriz Leopoldina. Consta que Bonifácio fora um dos membros do "Pacto dos 12", título dado a uma reunião secreta de brasileiros em Coimbra, em 1785, com o objetivo de proclamar a Independência do Brasil. 
Já o programa inconfidente da República foi o corolário natural da articulação do movimento republicano, cujo manifesto foi lançado em 03/12/1870, pela pregação de Flávio Farnese, Lafayette Rodrigues Pereira e Silva Jardim, entre outros, resultando na proclamação da República, 20 anos mais tarde, pelas mãos de Marechal Deodoro. Os republicanos vitoriosos elegeram Tiradentes como o seu patrono. 
Embora a Independência e a República já estejam instituídas no Brasil e consagradas oficialmente, os ideais inconfidentes para uma Independência e uma República efetivas se encontram sempre em processo e precisam ser objeto de uma busca permanente.

 
I. NOTAS EXPLICATIVAS
 
¹ Confira o importante depoimento atual do ex-Prefeito Baldonedo Arthur Napoleão explicando que só recentemente foi possível fazer a transposição de um filme em 33 mm intitulado "Barroso - A Capital do Cimento" (tendo como narrador Cid Moreira) para um vídeo de alta definição, que constitui importante registro histórico de uma época de muita pujança de Barroso entre os anos de 1971 e 1972, ou seja, há mais de 50 anos atrás. Isso só foi possível com o avanço das tecnologias e recursos digitais atualmente disponíveis. Dentre outras grandes realizações do referido Prefeito à época, também são dignas de destaque no vídeo: o Coral Municipal regido pela saudosa Profª sanjoanense Maria Salete da Silva Bini acompanhado ao piano pela Profª sanjoanense Mercês Bini Couto, bem como a Banda Municipal de Santana sob a regência de José Vicente de Brito Filho, ambos responsáveis pelo que o jornal Barroso chamou de "renascimento da música em Barroso" (Jornal Barroso, nº 19, ano I, 2ª quinzena de dezembro de 1971). 

²   Tiradentes foi assim declarado pela Lei 4.897, de 9 de dezembro de 1965. 

³  José Joaquim da Rocha (✰ c. 1740, em São Miguel da Vila de Souza, ao sul da cidade costeira de Aveiro, no Bispado de Extremadura, no norte de Portugal ✞ 1807): engenheiro militar português que serviu no Brasil na segunda metade do século XVIII, historiador memorialista e cartógrafo. Nos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, apesar de ter declarado que vivia de seus negócios, ele também fizera carreira militar e servira no Regimento de Cavalaria os famosos Dragões. Ele figura como envolvido nos planos do levante, nos ADIM, conforme inquirição feita pelo Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres, livro 4, pp. 115-117. Conforme testemunho do Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, estabelecido na Comarca do Serro do Frio, assim que tivera notícia de que na Capitania de Minas se premeditava alguma sedição e motim, correra a dar parte do que sabia ao Visconde de Barbacena em carta de 15/04/1789. Conforme o denunciante, a casa do sargento-mor José Joaquim da Rocha tinha servido de palanque para discursos proferidos pelo alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Tais protestos sediciosos, ditos na casa de José Joaquim da Rocha, seriam indícios da conivência e do envolvimento deste último com o levante, já que fora também anfitrião de vários encontros dos inconfidentes. Para piorar a situação do sargento-mor, o denunciante ainda relatou que ele e vários moradores de Vila Rica viram em poder do Tiradentes um mapa da população de toda a capitania, obtido de Joaquim José da Rocha, que, inclusive, era o autor do documento. O mapa configurava uma informação estratégica vital para o planejamento do levante, pois informava em detalhes a disposição do povoamento das Minas Gerais, cuja população, de acordo com o mesmo documento, "era perto de 400 mil pessoas, divididas pelas suas respectivas classes, brancos, pardos e negros, machos e fêmeas". José Joaquim da Rocha soube esquivar-se das suspeitas que recaíam sobre ele. Argumentou com astúcia que Tiradentes efetivamente poderia ter falado do movimento rebelde enquanto estivera em sua casa, para visitar um amigo ali hospedado, de nome Manoel Antônio de Morais, morador do Serro do Frio, mas que ele não estivera presente a essas conversações. Disse ainda que, nas conversas estabelecidas entre eles em que esteve de fato presente, não se tocara no assunto do levante, e que as que assistira tinham tratado apenas das negociações para a venda de uma lavra que Tiradentes possuía. Quanto ao mapa da capitania, admitiu tê-lo dado ao alferes, porém argumentou que o dera de forma fortuita e "sem malícia alguma, sem entender que ele pudesse servir para coisa alguma". Este era certamente um artifício de retórica, pois Rocha sabia quão estratégicas e vitais eram as informações contidas em mapas de população, seguidamente mantidos como secretos pelas autoridades portuguesas. Em prol de sua defesa, José Joaquim da Rocha não chegou a utilizar o argumento de que, ao emprestar o mapa ao alferes, estaria compartilhando tais informações com outro militar, o que talvez diminuísse as suspeitas sobre seu ato. Apesar de a sentença proferida contra Tiradentes ter deixado claro que as autoridades não tinham dúvidas de que, pelas conversas em sua casa, José Joaquim da Rocha estava a par do levante, ele não chegou a ser indiciado como réu. 

  Conforme FIGUEIREDO, Lucas, in O Tiradentes: uma Biografia de Joaquim José da Silva Xavier, apud Sérgio Cruz: "no depoimento de Antônio Carlos de Oliveira Lopes (sic), ele mostra que o Alferes fez vários movimentos para levantar fundos para a revolução, desde criar um moinho e canalizar as águas dos rios Maracanã e Andaraí para colocá-las a serviço da população, até seguir a sugestão dada por Thomas Jefferson de se apoderar do carregamento dos impostos em ouro da coroa. A fragata que recolherá os quintos chegará nos próximos dias, precisamos nos apressar, diz o alferes a Silvério dos Reis, ao encontrá-lo, pouco antes de sua traição. (...) Não era para se enriquecer que o Alferes estava tentando fazer obras no Rio. Era para levantar fundos para a revolução."

  De acordo com Dra. Isolde Brans, esta fonte possui mais de 50 laudas e ela a chamou de "Rascunhos da Defesa" onde o advogado José de Oliveira Fagundes anota alguns dados importantes. Trata-se de um documento datado de 18 de abril de 1792, ou seja, quatro dias antes da execução de Tiradentes. Sua localização remete à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, na seção "Manuscritos" na Coleção "Papéis da Casa dos Contos II 31.31.8". Este documento refere-se a uma cópia da sentença dos réus da Inconfidência com o título de "Cópia do Tribunal". Após ter vista ao processo, o advogado dativo da Santa Casa de Misericórdia, Dr. José de Oliveira Fagundes, fez um rascunho da lista de nomes dos 29 réus a serem defendidos. Em lembrete, à margem direita do nome do primeiro réu Joaquim Jozé da Silva Xavier anotou o texto abaixo citado. 

  A visão de Kenneth Maxwell e de outros autores sob sua influência se ressente das teses de notável precedência do historiador e escritor monarquista Joaquim Norberto de Sousa e Silva, que na sua obra História da Conjuração Mineira (1873) depreciou a imagem de Tiradentes, em resposta ao movimento de entronização do herói levado a efeito pelos clubes republicanos da época. Conforme o historiador José Murilo de Carvalho, estudantes republicanos da Escola Militar, liderados por Benjamin Constant, erigiram uma estátua de Tiradentes, como forma de "cutucar" Dom Pedro II. Afinal, fora a bisavó do então Imperador, D. Maria I, a louca, que assinara a pena capital de Tiradentes.

Segundo Dra. Isolde Brans, a fonte se encontra no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro no Rio de Janeiro, sob a notação DL 168. Dela consta autoria do emissário de codinome Vendek. Trata-se de uma de pelo menos 3 cartas dirigidas a Thomas Jefferson, embaixador na França e, anos depois, presidente eleito dos Estados Unidos, sobre o projeto de revolução em Minas Gerais durante os anos de 1786 - 1787. Seu texto adaptado ao português contemporâneo possui caráter apelativo como segue abaixo: 

Eu sou brasileiro e vós sabeis que a minha infeliz Pátria geme em assustadora escravidão, que se torna cada dia mais insuportável depois da época de vossa gloriosa independência, pois que os bárbaros portugueses nada poupam para tornar-nos infelizes com medo de que sigamos as vossas pisadas; e como sabemos que estes usurpadores, contra a lei da natureza e da humanidade, não cuidam senão de oprimir-nos, nós nos decidimos a seguir o admirável exemplo que acabais de dar-nos e, em conseqüência, a quebrar as nossas cadeias e a fazer reviver a nossa liberdade, que está de todo morta e oprimida pela força que é o único direito que os europeus têm sobre a América. Monsieur, eis aqui pouco mais ou menos o resumo das minhas intenções e é para me desempenhar desta comissão que vim à França, visto como eu não poderia na América deixar de suscitar suspeitas naqueles que disto soubessem. Cumpre-vos agora ajuizar se elas são realizáveis e, no caso de quererdes consultar a vossa nação, estou em condições de vos dar todas as informações que julgardes necessárias. Tenho a honra de ser com a mais perfeita consideração, Montpellier, 21 de novembro de 1786. (grifo nosso)
Link do vídeo: https://fb.watch/k2qTyIdto9/?mibextid=RUbZ1f  👈  (parte do discurso, gravado por Jean Sandim Guimarães da TV Barroso Regional))
 
 
II. AGRADECIMENTOS
 
À TV Barroso Regional pela transmissão e registro ao vivo da solenidade através do funcionário Jean Sandim Guimarães; ao organizador da solenidade na cidade natal do Tiradentes, historiador e escritor Dr. José Antônio de Ávila Sacramento, distinto confrade na Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei pela confiança e convite; ao confrade e jornalista Nêudon Barbosa e ao sociólogo e escritor Paulo Roberto de Sousa Lima, presidente do IHG local, pelo comparecimento, pelo apoio e incentivo ao confrade orador; ao radialista Roberto Miranda da Rádio São João del-Rei ("A Rádio da nossa História")
À minha amada esposa, cantora lírica Rute Pardini Braga, a formatação e edição das imagens e fotos utilizadas nesta matéria.

 
III. BIBLIOGRAFIA

ALVARENGA, Luís de Melo: Tiradentes é sanjoanense, publicado no Blog de São João del-Rei em 14/05/2016 
________________________: Documentos Genealógicos de Bárbara Eliodora e Tiradentes, Petrópolis: Revista de Cultura Vozes, set/out 1954, pp. 489-506 
 
AUTOS DE DEVASSA DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA, Brasília: Câmara dos Deputados; Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1982, 2ª edição, 1982, 10 tomos
 
BARBOSA, Waldemar de Almeida: História de Minas, Belo Horizonte: Ed. Comunicação, 3 volumes, 1979.

BARREIROS, Eduardo Canabrava: As Vilas del-Rei e a Cidadania de Tiradentes, Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora (vol. nº 172 da Coleção Documentos Brasileiros) em convênio com Brasília: INL, 1976 
 
BRAGA, Francisco José dos Santos: São João del-Rei: A Terra Natal de Tiradentes, Petrópolis: Revista de Cultura Vozes, Ano 86, vol. 86, jan/fev 1992, pp. 80-91 
_______________________________: Encontro em São João del-Rei discute cidadania desmemoriada e preservação do patrimônio histórico, Petrópolis: Revista de Cultura Vozes, Ano 86, vol. 86, mar/abr 1992, pp. 235-238 
________________________________: Considerações sobre os Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, publicado no Blog de São João del-Rei em 14/04/2019 
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2019/04/consideracoes-sobre-os-autos-de-devassa.html ________________________________: 12 de novembro, Dia Nacional da Liberdade: uma aspiração nacional, publicado no Blog de São João del-Rei em 07/02/2011 
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2011/02/12-de-novembro-dia-nacional-da.html ________________________________: Três cidades se irmanam para criar "Comenda da Liberdade e Cidadania" na comemoração do Dia da Liberdade, publicado no Blog de São João del-Rei em 06/09/2011 
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2011/09/tres-cidades-mineiras-se-irmanam-para.html ________________________________: Comenda da Liberdade e Cidadania: entrevista coletiva à imprensa mineira em 19/09/2011 em São João del-Rei, publicado no Blog de São João del-Rei em 20/09/2011 
________________________________: Dia Nacional da Liberdade é comemorado em São João del-Rei em 12/11/2016, publicado no Blog de São João del-Rei em 12/11/2016 
 
BRANS, Isolde Helena: Tiradentes Face a Face. Rio de Janeiro: Xerox, 1993, 84 p. e Campinas: UNICAMP, 2003 
___________________: Profetas ou Conjurados?, Campinas: Edição da autora, 1982, 215 p. 
___________________: Processo de Reavaliação da Inconfidência. Belo Horizonte: Revista O Alferes da Polícia Militar de Minas Gerais, v. 10, Edição Especial, abr. 1992, pp. 45-55 
___________________: Tiradentes em Portugal? - O Emissário da ação Conjurada "Vendek", Ouro Preto: revista Memória Cult, Ano I, nº 3, abril de 2011, pp. 36-39 
 
GUIMARÃES, Fábio Nelson: Onde Tiradentes Nasceu, Belo Horizonte: Revista de História e Arte, Ano II, nº 6, pp. 36-37 
GUIMARÃES, Fábio Nelson, SETTE CÂMARA, Altivo Lemos & BARBOSA, Waldemar de Almeida: O Tiradentes, patrono cívico do Brasil: onde nasceu, como viveu, qual foi seu aspecto físico, Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1972, ? p. 
 
JORNAL TRIBUNA de Sete Lagoas: Tiradentes na história de Sete Lagoas (Editorial de 21 de abril de 2012), publicado no Blog de São João del-Rei em 29/03/2023 
 
Livro para servir de assentos dos batizados da freguezia de N. S. do Pilar da Vila de São João del-Rei - 1742/1749, existente na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. 
 
MAGALHÃES, Basílio de & CARVALHO, Feu de: Estudos Históricos (Controvérsias), Belo Horizonte: Revista do Arquivo Público Mineiro, Ano XXIV, 1933, vol. I, pp. 407-436 
 
MAXWELL, Kenneth: Conflicts and conspiracies: Brazil & Portugal, 1750 – 1808, New York: Cambridge University Press, 1973, 289 p. 
__________________: A devassa da devassa – a Inconfidência mineira: Brasil e Portugal, 1750 – 1808, Paz e Terra, 1977, 317 p. 
_________________: ENSAIO BIBLIOGRÁFICO: Relações entre Portugal e Estados Unidos (1776-1820) - Contribuições Adicionais, Universidade Nova de Lisboa, nº 51, set. 2016, pp. 75-87 
 
REZENDE, Ana Maria Nogueira: Fluxos Globais no século XVIII: a produção do modus vivendi e operandi no entorno da Estrada Real "Picada de Goiás", dissertação apresentada para obtenção de título de Mestre junto à Escola de Arquitetura da UFMG, 2017, 319 p. 
 
SANTOS, Márcio Vicente Silveira: Tiradentes em Sete Lagoas - Um mergulho na História que inscreve a Cidade no cenário da Inconfidência Mineira, Sete Lagoas: Tip. Kosmos, 2010, 245 p. _____________________________; Sete Lagoas, Século XVIII - O Registro e as Estradas Reais: Centralidade e Convergências na Capitania de Minas, Sete Lagoas: Edições Instante, 2019, 235 p. _____________________________: Tiradentes em Sete Lagoas, escrito em 21/04/2010 e publicado pelo Blog de São João del-Rei em 22/08/2017 
_____________________________: O Alferes no comando: Tiradentes no sertão, Ouro Preto: revista Memória Cult, Ano I, nº 3, abril de 2011, pp. 34-35 
 
SILVA, João Bosco da: Relato da minha experiência nesses 10 anos da solenidade do Dia da Liberdade, publicado no Blog de São João del-Rei em 24/11/2012 
 
VILLELA, Taiguara: Conjuração Brasil-Europa: contribuição arquivística para o acesso aos registros de articulações internacionais da Inconfidência Mineira. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 108 (2007/4).