domingo, 22 de março de 2020

O VENTO NOS LEVARÁ, FILME DE ABBAS KIAROSTAMI


Por Francisco José dos Santos Braga



I. INTRODUÇÃO


O Vento nos Levará (1999) é um filme sublime, de uma poesia penetrante, com produção Irã/França, e uma obra prima na apaixonante filmografia do diretor Abbas Kiarostami (1940-2016). É considerado um dos filmes mais representativos entre outros produzidos por diretores iranianos, em língua Farsi (o persa ocidental) e com trilha sonora por Peyman Yazdanian ¹, refletindo as tendências gerais da sua cultura persa, com temas e tons distintamente filosóficos. Frequentemente seus filmes abordam questões como a vida, a morte e o significado da existência.
Quando indagado porque não abandonava o Irã e se instalava na Europa, onde costumava ser venerado como um semideus, Kiarostami respondia que um homem no exílio era igual a uma árvore trocada de lugar: conseguiria sobreviver em seu novo habitat, mas não daria frutos da mesma qualidade.
Kiarostami fazia um cinema metafísico, que buscava a transcendência nas pequenas coisas. Em O Vento nos Levará, por exemplo, não acontece quase nada naquela distante aldeia do Curdistão iraniano à qual se dirigiram Behzad e sua equipe de filmagem e, no entanto, esse quase nada é tudo. Kiarostami dizia que recusava um cinema que desse ao espectador uma única versão da realidade. Preferia oferecer-lhe várias interpretações possíveis, deixando-o livre para pensar e formular o sentido do seu filme.
Depois de Gosto de Cereja (1997), que lhe deu a estatueta de Cannes em 1997, e que transformou Abbas Kiarostami em um dos nomes de maior destaque do cinema autoral a nível internacional, seu filme O Vento nos Levará, escrito e dirigido pelo mesmo Kiarostami, vencedor do Prêmio Especial do Júri, no Festival de Veneza em 1999, e rodado com atores não profissionais, apresentou uma cinematografia evocativa do hinterland iraniano, utilizando a colaboração do cinegrafista, roteirista, diretor de cinema e fotógrafo iraniano Mahmoud Kalari e do diretor assistente Bahman Ghobadi.


II. SINOPSE DO FILME
 

O filme começa em super plano geral ² com longas tomadas à distância de um veículo off-road passando por estradas sinuosas através do interior iraniano, enquanto os três passageiros (engenheiro Behzad e sua pequena equipe munida de câmera) se entretêm numa conversa sobre o seu trajeto. O diálogo que o espectador ouve é dissociado da imagem. Aqui são utilizadas as técnicas do slow disclosure (literalmente: lenta divulgação), que Kiarostami explora ao extremo, e do familiar image. Há longa demora até que o espectador junte as peças e perceba qual o motivo disso. Aos poucos, é insinuado que os passageiros se dirigem a Siah Dareh, uma aldeia remota a 700 km de Teerã, encravada no lado de uma montanha no Curdistão iraniano, cercada por colinas ondulantes de verde e dourado.


Quando se aproximam da aldeia, recebem as boas vindas de um jovem escolar, Farzad, neto de uma idosa moribunda (Malek), esta última — o real motivo de sua vinda de Teerã à distante aldeia.


Esse garoto, principal guia e informante do engenheiro Behzad (e nosso) sobre a aldeia tem um papel marcante no desenrolar da trama. O espectador fica familiarizado com o dia a dia do escolar e se interessa pelo progresso dos seus estudos.


Logo fica claro para os forasteiros que a idosa Malek não está à beira da morte, demandando portanto que eles permaneçam na vila até o seu real passamento. Em certa passagem do filme constatamos, devido à demora de Malek exalar seu último suspiro, um desentendimento entre o engenheiro Behzad e sua equipe de filmagem ansiosa por breve retorno a Teerã.
A câmera de Kiarostami alterna entre planos conjuntos (long shots) do trajeto do engenheiro por estradas poeirentas de uma só pista e planos médios (medium shots) da sua subida em volta da aldeia quase vertical. O engenheiro ora está impaciente, ora fascinado com a simplicidade da vida no hinterland e procura se adaptar aos costumes da comunidade local, especialmente ao comportamento franco e direto de Farzad.
Os aldeões reagem à presença dos visitantes de forma reticente: seu primeiro instinto é acolhê-los, mas se perguntam sobre os reais motivos dos forasteiros (uns acham que são arqueólogos, outros, engenheiros de telecomunicações), ao mesmo tempo que o engenheiro Behzad decide não fazer qualquer comentário sobre as razões que os traziam à aldeia.
Nosso olhar está limitado quase exclusivamente àquilo que o engenheiro vê e ouve, e muitos dos atores do filme ficam ocultos da vista do espectador, tais como:
• a equipe do engenheiro (equipe de filmagem e sua chefia em Teerã)
• um misterioso homem (Youssef) que faz a escavação de um fosso no cemitério local no topo da colina que seria conhecida como Colina do Celular supostamente destinada à instalação de uma torre de telefonia móvel
• a amante furtiva de Youssef (Zeynab) que diariamente traz uma sopa a seu namorado, ocupado na tal escavação, e que é sempre vista correndo de volta à aldeia pelo engenheiro que também começa a ficar interessado por ela


• outra estranha personagem, a idosa senhora moribunda (Malek), cuja janela com moldura azul o engenheiro apenas contempla à distância.


A tarefa do engenheiro Behzad é registrar um ritual funerário tradicional que se seguirá à morte da referida aldeã idosa de 100 anos, o que se espera ocorra em breve, assunto que ele prefere manter em segredo até do neto dela (Farzad).


Pode-se supor que o resultado seja um documentário sobre o evento, embora em nenhum momento do filme seja visto qualquer equipamento cinematográfico, apenas a câmera fotográfica manual do próprio engenheiro Behzad. Como no Irã os funerais ocorrem logo após a morte, a equipe de filmagem tem que estar a postos e pronta no momento da morte.


Sempre que quiser falar com sua chefe em Teerã, o engenheiro Behzad tem que dirigir o seu veículo até o topo de uma colina, onde está localizado um cemitério, para conseguir um bom sinal de conexão para seu celular. Certo dia em que o engenheiro se dirige ao topo da colina para esse fim, Youssef, o homem misterioso que escava um buraco no cemitério local, o presenteia com um grande fêmur humano, que dali em diante e até próximo ao final do filme o acompanhará sobre o painel do veículo.
Por mais livre que Kiarostami queira deixar o público, essa particularidade passa obrigatoriamente por cenas como a da ordenha da vaca na semi-obscuridade do estábulo. Ali, temos o engenheiro querendo adquirir leite, recitando para Zeynab — a garota que ordenha, e que pretende um dia ser poetisa e que só é mostrada de costas, — um poema cujo último verso dá título ao filme. Eis o poema da poetisa Forough Farrokhzad (1935-1967) declamado pelo engenheiro no estábulo e traduzido aqui por este autor para o português, a partir da tradução inglesa de David Martin ³, reproduzido dentro do artigo "The Universe in a Cellar", por Jonathan Rosenbaum:

O VENTO NOS LEVARÁ

em minha pequena noite, ah
que crescente pesar!
o vento tem um encontro marcado
com as folhas das árvores
em minha pequena noite,
persiste um terror de ruína
ouve! escutas
o vento da escuridão soprar?
Observo sem fôlego
e com espanto esta felicidade como uma estranha
viciada em meu próprio desespero

ouve! escuta bem!
podes ouvir a escuridão
soprar? — o escuro inferno
— cortando caminho
com a foice em nossa direção?
na noite agora, há algo
passando
a lua está vermelha e inquieta
e sobre este teto — que
a qualquer momento
pode desmoronar —
nuvens como multidões de carpideiras
aguardam o instante da chuva
ruína
o instante
e então depois dele, nada.
atrás desta janela, a noite treme
e a terra para de girar
atrás desta janela, um desconhecido
teme algo por mim e ti
tu que és verde da cabeça aos pés!
põe tuas mãos
— como um souvenir
ardente dentro de minhas mãos amorosas —
mãos de amante!
confia teus lábios — teus lábios
como uma calorosa sensação de viver! —
confia — teus lábios às carícias dos meus
— lábios amorosos — lábios da amante!
o vento nos levará consigo
o vento nos levará consigo

Após tratar desses poucos elementos, vamos agora aprofundar um pouco o personagem Youssef, que representa um barqueiro dos infernos, dada a proximidade que ele mantém com a morte. Escondido o tempo todo no fosso do cemitério, nunca lhe veremos o rosto ou saberemos as razões exatas para o trabalho dele no cemitério, mas ficamos sabendo um pouco mais sobre sua namorada Zeynab, a jovem que lhe serve diariamente uma sopa e que, procurada por Behzad em busca de leite, o conduz ao estábulo na semi-obscuridade e lhe fornece leite de sua vaca, graciosamente. Kiarostami sabiamente mantém assim o casal Youssef-Zeynab em uma espécie de união secreta, para não dizer subterrânea, como os locais onde o filme os mantém ligados.



Além de trabalhar no cemitério, é das próprias mãos dessa espécie de barqueiro dos infernos que Behzad receberá o presente de um fêmur humano que o acompanhará sobre o painel do seu veículo off-road durante todo o filme. Na última cena do filme, Behzad acaba se livrando do osso como se se desligasse do que restava da morte.

Na última cena do filme, Behzad se desfaz definitivamente
do presente de Youssef, um fêmur humano, que bóia nas águas de um riacho

O filme não informa muito sobre Youssef. Behzad, em busca do melhor sinal para seu celular, costumava trocar algumas palavras com ele, mas, num desses encontros, um desmoronamento do fosso foi percebido por Behzad que pôde acudir o pobre homem buscando resgate e socorro: por sorte, Behzad estava por perto e pôde pedir ajuda. Uma coalizão de solidariedade de aldeões se formou em torno da salvação de Youssef. Um médico idoso de campanha que passava por ali, apareceu de mobilete e pôde prestar-lhe assistência. Behzad aproveitou para pedir que, além do acidentado, o velho médico visitasse a senhora idosa. Mas, neste caso, não havia como trabalhar contra o destino.
E para finalizar:
Apresento aqui a transcrição da penúltima cena do filme O Vento nos Levará, onde Kiarostami teve a oportunidade de falar da morte para celebrar a vida. Nela, como vimos, a mobilete pilotada pelo idoso médico de campanha leva o engenheiro Behzad de carona atravessando um infinito campo de trigo.


O médico acabara de visitar a idosa moribunda e responde a Behzad sobre o estado de saúde da paciente, bem como opina sobre a vida e a morte, lembrando-lhe a importância de aproveitar a vida, pois o tempo a cada segundo faz o seu trabalho e nos aproxima da morte que ameaça, antes de declamar, para os ouvidos atentos do carona, um poema dos Rubayat de Omar Kayyâm (1048-1131), lançado ao vento:

Behzad: — O que o sr. diz, doutor? O que a idosa tem?
Dr.: — Ela não tem nada senão a velhice e a fraqueza: é um monte de ossos, e não vai tão bem.
Behzad: — A velhice é uma doença horrível.
Dr.: — Sim, mas há algo pior que isso: a morte.
Behzad: — A morte?
Dr.: — Sim, a morte é pior. Quando a gente fecha os olhos sobre este mundo, esta beleza, esta natureza bela e a abundância de Deus, é para não mais retornar...
Behzad: — Dizem que o outro mundo é mais belo do que este aqui.
Dr.: — Mas quem voltou de lá para dizer se é belo ou não?
Então o médico idoso declama a Behzad a seguinte estrofe dos Rubayat de Omar Khayyâm, enquanto o vento leva suas últimas palavras, à medida que a mobilete desaparece por trás do horizonte dourado dos campos de trigo:
"Me disseram que a morte é bela como uma húri do paraíso!
Digo a mim mesmo que o sumo da videira é melhor.
Prefira o presente a essas boas promessas.
De longe é que um tambor parece melodioso."



III. NOTAS EXPLICATIVAS



¹ Trilha sonora do filme O Vento nos Levará, por Peyman Yazdanian:
Link: https://www.youtube.com/watch?v=NTskdryR-48

² SPG ou super plano geral tem como principal função descrever o cenário.
SLOW DISCLOSURE: a introdução gradual de informações pictóricas dentro de um só ou vários planos.
FAMILIAR IMAGE: uma imagem-âncora estabilizadora é periodicamente reintroduzida sem variação. Pode ser uma paisagem, um objeto ou atividade que se repete com pouca mudança durante um filme. A repetição tem um efeito subliminar, criando um pensamento abstrato visual. Pode ser usado como uma ponte estabilizadora a uma nova ação que ganhe significado com o avançar do filme.
PC ou plano conjunto apresenta um grupo de pessoas no cenário, permitindo reconhecer a movimentação em cena.
PM ou plano médio enquadra o ator em toda sua altura, permitindo que a ação tenha maior impacto na totalidade da imagem.

³ Tradução inglesa disponível em https://www.jonathanrosenbaum.net/2018/01/the-universe-in-a-cellar/
O poema faz parte da coletânea de poemas intitulada Outro Nascimento, publicada em Teerã, em 1963.
Na França, o poema constou da coletânea La Conquête du Jardin, trad. Jalal Alavinia, Paris: Lettres persanes, 2005, p. 135-136.
Cf. https://books.openedition.org/pur/76617
Observe que nessa tradução francesa há uma clara economia de versos em relação à tradução de David Martin acima transposta para o português. Apresento abaixo a minha tradução, para o português, do poema traduzido para o francês que constou da coletânea La Conquête du Jardin:

Na minha pequena noite, ah!
O vento tem encontro marcado com as folhas
Na minha pequena noite,
persiste a angústia da ruína
Escuta!
Ouves o sopro da obscuridade?
Eu porto um olhar estranho
sobre essa felicidade,
e eu me acostumo
a meu desespero.

Escuta!
Ouves o sopro da obscuridade?

Nesta noite algo se passa
A lua é vermelha, ansiosa
e sobre este teto
que corre o risco de desmoronar-se,
as nuvens, como uma multidão de luto,
parecem esperar o instante da chuva

Um instante
e depois, nada
Atrás desta janela,
a noite treme
e a Terra
para de girar
Atrás desta janela,
um desconhecido se preocupa comigo e contigo

Ó verdejante!
Põe tuas mãos
como um souvenir ardente
nas minhas mãos amorosas
e confia teus lábios
como uma sensação viva
às carícias de meus lábios amorosos

O vento nos levará!
O ventos nos levará!

Húris são, de acordo com a fé islâmica, virgens prometidas aos homens islâmicos bem-aventurados, isto é, seres antropomórficos perfeitos com que, como gratidão por suas boas ações em terra, os homens serão premiados no paraíso.



IV. BIBLIOGRAFIA



JAHED, Parviz: Directory of World Cinema: Iran, vol. 10, Chicago: Intellect Books, 2012, 293 p.
Edição digital com páginas protegidas in https://books.google.com.br/books?id=Gqb1UFvdXhMC&pg

RAGEL, Philippe: Le film en suspens: la cinéstase, un essai de définition
Link: https://books.openedition.org/pur/76617 (disponibilizadas p. 19-83)

ROSENBAUM, Jonathan: The Universe in a Cellar (The Wind will Carry us), edição do jornal semanal Chicago Reader, datada de 8/12/2000
Link: https://www.jonathanrosenbaum.net/2018/01/the-universe-in-a-cellar/

quarta-feira, 11 de março de 2020

TERCEIRA VIAGEM À GRÉCIA (09/06 a 07/08/2000)


Por Francisco José dos Santos Braga



I. ANTECEDENTES


Para os fins deste artigo, gostaria de fazer um ligeiro retrospecto e relembrar que, na primavera de 1951, foi firmado em Paris um tratado que instituía a primeira comunidade europeia, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), com duração prevista de 50 anos, concretizando a proposta de Robert Schuman acolhida entusiasticamente por Konrad Adenauer, chanceler da República Federal da Alemanha. Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos (conhecidos como a Europa dos Seis) alcançaram um acordo que favoreceu o intercâmbio de matérias-primas necessárias para a siderurgia, o que possibilitou dotar a Europa de autonomia na produção.
O Tratado de Roma de 25 de Março de 1957, que instituiu a CEE-Comunidade Econômica Europeia, criou instruções e mecanismos de tomada de decisão que permitiram dar expressão tanto aos interesses nacionais como a uma visão comunitária. A CEE, criada por um dos dois Tratados de Roma de 1957 (em vigor desde 1958), com a finalidade de estabelecer um mercado comum europeu, constituiu doravante o eixo principal em torno do qual se vai organizar a construção europeia.
De 1958 a 1970, a abolição dos direitos aduaneiros teve repercussões espectaculares: o comércio intracomunitário foi multiplicado por seis, ao passo que as trocas comerciais da CEE com o resto do mundo foram multiplicadas por três. No mesmo período, o produto nacional bruto médio da CEE aumenta 70%. Seguindo o padrão dos grandes mercados continentais, como o dos Estados Unidos da América, os agentes económicos europeus sabem tirar proveito da dinamização resultante da abertura das fronteiras. Os consumidores habituam-se a que lhes seja proposta uma gama cada vez mais variada de produtos importados. A dimensão europeia torna-se uma realidade.
A Grécia aderiu à União Europeia em 1981, mas teve a sua moeda dracma substituída pelo euro apenas a partir de janeiro de 2002.
Em 1986, a assinatura do Ato Único Europeu permitiria abolir as outras restrições, de ordem regulamentar e fiscal, que atrasavam ainda a criação de um mercado interno genuíno, totalmente unificado.
Já se encontrava vigente o Tratado de Maastricht desde 1993, tendo sido assinado em fevereiro de 1992, e com o qual foi definida uma nova estrutura institucional para toda a Europa, criando a cidadania europeia, permitindo ao novo cidadão europeu residir e circular livremente nos países da comunidade europeia. Foi decidida a criação de uma moeda única para a União Europeia-UE, o Euro, que entraria em circulação em 2002 sob a administração do Banco Central Europeu.
Em 1999 entrou em vigor o Tratado de Amsterdam, o qual definiu os princípios de liberdade, democracia e respeito aos direitos humanos, inclusive o princípio do desenvolvimento sustentável. 
Em 2002 foi extinta a CECA, tendo as suas competências sido englobadas na Comunidade Europeia, e agora está assinado o Tratado de Nice, vigorando a partir de 2003.
Em 1º de maio de 2004 deu-se o maior alargamento da União Europeia, com a entrada de dez novos estados-membros: Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, República Tcheca, Hungria, Eslováquia, Eslovênia, Malta e Chipre.
Em 29 de outubro de 2004 foi assinado em Roma o tratado que estabelecia a Constituição Europeia.
Em 13 de dezembro de 2007, foi firmado o Tratado de Lisboa que tinha por objetivo melhorar o funcionamento da União Europeia mediante a criação de um Conselho da União Europeia, o voto por maioria qualificada, um Parlamento Europeu, etc. Esse tratado entrou em vigor em 1º de dezembro de 2009, fazendo com que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia fosse juridicamente vinculante para os Estados-membros.
Depois de ver-se gravemente afetada pela crise econômica de 2008, os principais desafios enfrentados pela União Europeia têm sido o processo da adesão da Turquia, a ampliação da Península Balcânica e a adesão da Islândia.
O euro (cujo símbolo é: €) é a moeda oficial de 19 dos 28 países da UE. Esses países constituem a chamada área do euro ou, mais informalmente, zona euro.

II. INTRODUÇÃO: PASSEIOS TURÍSTICOS

Calendário 2000: Ghiórgos Seféris, da série 
Escritores no Tempo (Edições Diâmetro)


Do dia 9 de junho (sexta-feira) a 7 de agosto de 2000, tive a grata satisfação de ciceronear uma viagem à Grécia, para meu amigo Jacob Ancelevicz e sua então namorada e mais tarde esposa Scarlet, quando ainda estava em vigor a moeda grega dracma, que foi substituída pelo euro em 2002. Era a segunda vez que eu visitava aquele país, completamente disposto a apreciar as atrações turísticas que a sua topografia oferecia, sem contar a primeira vez quando não dominava ainda o grego moderno e, portanto, não me sentia apto a sair de Atenas, dedicando-me exclusivamente ao estudo da língua grega moderna e na outra vez pagando uma promessa de acompanhar à Grécia outro casal, formado por meu primo Álvaro Bosco e sua esposa Ema Lanna.
Desta feita, Scarlet, extremamente curiosa a respeito das localidades, monumentos, museus, santuários e mercados que visitávamos, redigiu um resumido diário de bordo que aproveito em parte para a redação do presente artigo, que tem como objetivo divulgar tudo aquilo que vimos e desfrutamos na Grécia, bem como apresentar um roteiro de viagem para aqueles turistas que queiram aproveitar a nossa experiência, a partir do qual poderão modificá-lo ou simplesmente expandi-lo, conforme a sua curiosidade e desejo.
Portanto, o que se vai ler aqui é fruto do diário de bordo de Scarlet ampliado com minhas inserções para contemplar aspectos que considero importantes na cultura, história, geografia e topografia gregas.
No verso de 3 cartões postais datados de 16/6, fiz o seguinte registro para minha então namorada, hoje amada esposa Rute Pardini: "(...) Vim à Grécia com o objetivo principal de fazer um curso da União Helênica Americana. Fui olhar o assunto do curso (de grego). Não garantem que vão oferecer o curso no nível que me encontro. Dizem que estou no nível avançado, mas eu mesmo me surpreendo porque não me considero estar tão bem. Seja como for, só estou falando grego com os atenienses e fazendo tradução (simultânea) para o casal (Jacob e Scarlet). Estivemos no porto de Piréus, aonde chegamos através de trem. Explicando melhor: esse trem é o mesmo que me levava à escola Greek House em Kfissiá (ponto final). O ponto inicial fica em Piréus, portanto do outro lado. (...) Na escola, ficaram interessados em mim, oferecendo-me curso e um passeio de cruzeiro pelas ilhas do mar Egeu, iniciando-se em 18/7. Claro, tudo pago (por mim). Não sei ainda. Esse passeio será de estudo e aprendizado. Haverá um seminário diário sobre Giórgos Seféris, poeta grego que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1963 e aqui está sendo homenageado durante o ano de 2000 com calendário, republicação de suas obras, etc.
Hoje sairemos do hotel com direção a Salônica (Thessaloníki para os gregos, a segunda cidade da Grécia em importância). Estou escrevendo antes de nossa partida, porque quero postar esta carta ainda de manhã em Atenas. Para tal viagem, alugamos um carro pequeno por uma semana, de modo que retornemos na próxima sexta-feira.
Encontrei uma Atenas mais cheia de turistas. O quarto de 7.500 dracmas me custa agora 12.500. A comida, contudo, continua custando o mesmo. O quarto do casal custa 15.000. (...)
Fizemos um programa lindo na 4ª feira, indo ao Teatro Dora Strátou. É a céu aberto, no sopé da Acrópole, começando às 20h 15min. A lua estava quase cheia. As danças da Grécia foram tocadas e dançadas com perfeição. (...)"

Estada em Atenas






























Digno de nota nesta nossa estada em Atenas, destaco, foi a ida, em 14 de junho (quarta-feira) ao Teatro de Danças Gregas "Dora Strátou", o museu vivo da dança desde sua fundação em 1953. Trata-se de uma associação não lucrativa, subvencionada pelo Ministério da Cultura e pela Organização Nacional do Turismo, sob a égide da Municipalidade de Atenas. O teatro-jardim Dora Strátou com seus 900 lugares para espetáculos quotidianos está localizado na rica vegetação da Colina Philopáppou, defronte à Acrópole. É ali que se apresenta o grupo composto de 75 dançarinos, músicos e cantores folclóricos, que encenam tradições folclóricas toda noite, testemunhando a ininterrupta continuidade dessa atividade artística. Os espetáculos consistem de apresentações de canções folclóricas, instrumentos e danças folclóricas em vestimentas locais autênticas, tudo ao ar livre.














As apresentações (de maio a setembro) têm lugar toda noite às 22h 15min com exceção da segunda-feira; nas quartas-feiras e domingos há duas sessões, às 20h 15min e às 22h 15min.

Estada em Salônica

 

Num Ford K azul alugado seguimos para Salônica (Thessaloníki em grego), onde ficamos regiamente hospedados num quarto com divisória para três pessoas em Le Palace Hotel, situado na rua Tsimiskí, 12. Era noite de sexta-feira do dia 16/6, mas logo percebemos que esta cidade era mais bonita do que Atenas pelos belos edifícios, cafés e restaurantes refinados. No dia seguinte me levantei cedo. Chamei o casal para saborear o farto e saboroso breakfast do hotel ou proinó em grego. Depois, saí em companhia de Jacob para comprar alguns livros, enquanto Scarlet ia a um salão de beleza e lojas de tapetes persas e de utensílios de cozinha. Neste ínterim, Jacob e eu descobrimos que a Escola de Grego Moderno da Universidade Aristotélica de Salônica agendara um Seminário para Assessores de Ministros de Planejamento de países-membros da União Europeia para todo o mês de julho de 2000, classificado como de nível intermediário. Fomos até a Secretaria Administrativa da Escola de Grego Moderno e fomos informados que o seminário se destinaria exclusivamente àquela clientela, estando vedada, portanto, a minha participação. Mas, depois, verificando uma vaga por desistência de um dos candidatos e considerando melhor, a Secretária viu a possibilidade de minha participação, desde que eu arcasse com o custo da matrícula no seminário e com todas as despesas (refeições e acomodação), diferentemente de todos os outros participantes cujas despesas eram totalmente arcadas pelos Estados-membros da União Europeia. Mas, para ser aceito, teria que apresentar o certificado de conclusão do Mestrado na Fundação Getúlio Vargas, algo que não levara comigo naquela viagem. Jacob insistiu tanto que conseguiu, como professor titular do Departamento CFC, que enviassem da EAESP-FGV um fax atestando minha conclusão do curso de Mestrado em Administração com proficiência e aprovação de monografia. Essas providências demoraram pelo menos uma semana, enquanto nós continuamos nossa viagem turística. Como na vida, os eventos acontecem simultaneamente.

Tendo sido possível fazer a minha inscrição no Seminário por amistosa insistência de Jacob, combinamos que faríamos juntos o restante da viagem até final de junho, quando então deveríamos nos separar, pois o casal queria conhecer a ilha de Creta e eu não queria de forma nenhuma ser um empecilho.

A caminho de Istambul 

Assim na tarde do dia 17 de junho seguimos de carro para Kavala. Ali tomamos um ferry-boat para o nosso próximo destino: ilha de Thassos. Durante a travessia fizemos amizade com 2 idosas, a quem demos carona desde a cidade de Thassos até Pefkári, onde uma delas devia levar seu neto ao encontro  dos seus pais que trabalhavam num acampamento de alemães como cozinheiros. Lá chegando, decidimos jantar ali mesmo e alugar 2 quartos na casa da proprietária alemã daquele acampamento. Nem de longe podíamos imaginar o que íamos presenciar ali. Sentamo-nos ao lado de outro casal inglês, com os quais nos entrosamos rapidamente, mas logo o refeitório se encheu de turistas ou investidores alemães, certamente de volta da praia e ansiosos por assistir a uma partida de futebol entre a Alemanha e a Inglaterra. Durante o jantar, ligaram a televisão na tal partida (não sei dizer se amistoso ou oficial) entre as duas seleções. Historicamente essas duas seleções são rivais tradicionais. No futebol, essas duas nações protagonizaram momentos marcantes, fazendo inclusive uma partida final de Copa do Mundo. O que vimos naquela fatídica noite? A Inglaterra derrotar a Alemanha com a torcida aguerrida de apenas 5 pessoas contra uns 30 torcedores a favor da seleção da Alemanha. Scarlet fazia uma torcida exagerada pela seleção inglesa como se quisesse exorcizar todos os seus demônios, gritando, gesticulando, saltando a cada ataque inglês, rindo e imaginando descontar todas as atrocidades de Hitler naqueles pobres alemães. Ainda bem que aqueles alemães não eram hooligans, senão estaríamos em maus lençóis.
No domingo, visitamos o Convento do Arcângelo Miguel, dirigido por freiras, na ilha de Thassos. Scarlet não aprovou a exigência de ter que vestir algo por cima de seus trajes para poder entrar nos recintos do Convento. Dizem que esse convento tem um dos cravos que os soldados romanos pregaram Jesus na cruz. Estavam em festa naquele fim de semana prolongado, porque na 2ª feira era o Dia do Espírito Santo (Pentecostes, 50 dias após a Páscoa). No dia seguinte, terça-feira, retornamos de ferry-boat  ao continente, e continuamos de carro até atingir Alexandrúpole, a última cidade importante grega antes da fronteira com a Turquia. Nesta última cidade grega, Jacob pesquisou um tour de 3 noites para Istambul, de ônibus, porque o agente que nos alugou o carro por telefone alegou que não poderíamos deixar o território grego e que a responsabilidade pelo que poderia acontecer ao carro era toda nossa. Scarlet não concordou em ir de ônibus e exigia a viagem de avião. Diante do desacordo, decidimos voltar a Atenas e deixar a ida para Istambul para uma oportunidade mais propícia. Na volta para Atenas, subimos de carro um bom pedaço do Monte Olimpo, onde, de acordo com a mitologia, moravam os deuses. Vista deslumbrante! Como Jacob estava se divertindo com a aventura, decidiu afrontar Zeus com impropérios. Só sei dizer que nosso carro subitamente derrapou na estrada de terra e por pouco não fomos arremessados fora do veículo ou algo pior. Diante do fato, decidimos cautelosamente retirarmo-nos daquele monte sagrado.
De volta a Atenas, no dia 22/6, após devolvermos o carro à agência, decidimos à noite visitar o vizinho grego da Scarlet em São Paulo (Sr. Sotírios, marido de Dona Célia, natural de Passos-MG). Eles estavam passando férias em Piréus e Sr. Sotírios nos convidou para acompanhá-lo até Dona Célia, que se encontrava na praia, no sábado e domingo. Embora eu tenha recusado passar o fim de semana com eles, aceitei o convite de Sr. Sotírios para jantarmos com ele. Reconheço que tomei uma decisão muito acertada porque ele nos levou a um restaurante chiquíssimo e, ao final, para nossa surpresa, pagou toda a conta. Naquele fim de semana, fechei-me no hotel em Atenas, porque precisava de um tempo para mim e estudar um pouco mais de grego para fazer bonito no Seminário em Salônica.


III.  ATIVIDADE ACADÊMICA: MINHA PASSAGEM PELA UNIVERSIDADE ARISTOTÉLICA DE SALÔNICA
 
Abaixo segue o programa previsto para o Seminário que ia ser realizado entre 1º e 31 de julho de 2000:

Promotora: Escola de Grego Moderno da Universidade Aristotélica de Salônica

Curso: Seminário de Verão de Língua e Cultura Gregas  

Prezados,
A Escola de Grego Moderno dá-lhes as boas vindas à Universidade Aristotélica de Salônica e sua cidade. Desejamo-lhes uma estada agradável e produtiva. Em anexo encontrarão informações úteis que os auxiliarão no seu primeiro contato com o programa e sua estada aqui.

Acomodação
Preparamos acomodação para vocês nos Dormitórios da Universidade que estão localizados no Campus Universitário. O endereço é o seguinte: Dormitórios A', B', Γ' - Rua Stílponos Kiriakídi & Rua Eleftherón - telefones: 204-839, 210-311, 210-312, 210-313 (responsável: Sra. Stavropoúlou María)

Refeições
Almoço e jantar serão servidos por um restaurante próximo ao Campus Universitário. O restaurante é chamado "Kamáres" no seguinte endereço: Praça de São Jorge (atrás da Rotunda) tel. 219-686.
Almoço é servido de 12h 30min até 15h.
Jantar é servido das 20h até 23h.

Aulas de grego
As aulas acontecerão na Escola de Grego Moderno no espaço da Universidade (antigo edifício da Escola de Filosofia)
Incluso vocês encontrarão programa detalhado das aulas.
As aulas de danças folclóricas serão realizadas no centro de esportes da Universidade nas datas indicadas no programa.

Transporte
Para o seu deslocamento não é necessário usar ônibus, visto que a distância é apenas de 15 min a pé até a Universidade. 
A partida para as excursões que terão como meio de transporte um ônibus acontecerá em frente aos Dormitórios. Pedimos que estejam ali 15 min antes da partida do ônibus.

Excursões
No seu dossiê vocês encontrarão um subdiretório com o programa e informações úteis sobre as atrações turísticas dos locais que vão visitar durante as excursões.

Para quaisquer indagações ou informações adicionais, vocês podem dirigir-se à Secretaria Administrativa da Escola de Grego Moderno a/c Sra. Theodora Kaldí-Koulikídou nos telefones 997-571, 997-572. (Obs.: Entre essas informações adicionais, encontrava-se uma bibliografia do material didático escrito conjuntamente pelo staff didático da Escola de Grego Moderno, que se encontrava à disposição dos alunos em 4 Editoras localizadas em Salônica, a saber: Instituto de Estudos de Grego Moderno, University Studio Press, Edições Barbounáki e Edições Vaniás, e uma localizada em Atenas: Edições Papazísi).

CITY-TOUR (Domingo, 2 de julho de 2000)

Domingo, dia 2 de julho, às 9h 45min pedimos que estejam em frente à saída dos Dormitórios, onde os ônibus e guia os encontrará para um city-tour.
Obrigados.

PASSEIO DE UM DIA A VERGINA ¹ (Sábado, 8 de julho de 2000)

Partida às 8 horas em frente aos Dormitórios da Universidade.
Visitaremos a área arqueológica de Vergina, localizada a oeste de Salônica, onde seremos guiados às ruínas do palácio, o Teatro e aos sepulcros dos reis macedônicos. Entre esses túmulos está o do Rei Filipe II, o pai de Alexandre o Grande, bem como os achados exclusivos dos sepulcros.

Vergina foi a primeira capital do Reino Macedônico. Ficou mundialmente conhecida em 1977-78, quando escavações arqueológicas trouxeram à luz a Acrópole, partes das muralhas da cidade, o palácio, o templo, o cemitério. Os mais importantes monumentos são os túmulos reais que foram encontrados na aldeia. O maior pertence a Filipe II, enquanto o menor pertence a um principezinho e o terceiro, a uma mulher. Os achados dos túmulos são peças únicas que dão valiosas informações sobre a vida dos antigos Macedônios.

A Escola de Aristóteles encontra-se numa região verdíssima com pequenas cavernas, onde, de acordo com a tradição, Aristóteles costumava ensinar a seus discípulos, um dos quais era Alexandre o Grande. Aqui teremos a oportunidade de descansar e desfrutar a beleza da paisagem.

PASSEIO DE DOIS DIAS A METÉORA E MÉTSOVO (Sábado e domingo, 15-16 de julho)

Partida para Metéora às 7 horas do dia 15 em frente aos Domitórios da Universidade.
Chegada a Metéora aproximadamente às 11 horas da manhã.
Metéora (pl.) constituem um fenômeno geológico único, mundialmente conhecido por sua impressionante beleza selvagem. Rochedos gigantescos erguem-se imponentes no meio da planície da Thessália.
Os picos dessas rochas foram os escolhidos por pessoas para dedicarem-se a Deus e comunicarem-se com Ele. Já se passaram 600 anos desde quando eremitas e monges estabeleceram os primeiros mosteiros nos picos dos rochedos como ninhos de águia entre o céu e a terra.
Visitaremos dois dos seis mosteiros atuando hoje e admiraremos as obras do Homem, quando movido pelo seu amor a Deus.
Depois da visita aos mosteiros, faremos uma parada em Kalambaka para almoço.
Partida para Métsovo. Registro no hotel. Jantar. Pernoite.

Café da manhã no dia 16.
Passeio guiado às mais famosas vistas de Métsovo.
Métsovo é uma das mais famosas povoações tradicionais da Grécia construída entre os picos das montanhas de Pindos. É uma área com rica história e viva tradição atrai cada visitante.
Visitaremos a velha igreja de Aghía Paraskeví com seu belíssimo templo esculpido em madeira, o solar de Averof-Tositsa, que foi transformado em um museu de arte popular do Epiro e a galeria de arte Averof com pinturas dos grandes pintores gregos.
Tempo livre para uma volta na cidade de Métsovo e para compras de produtos tradicionais de Métsovo (queijo, vinho, roupas tecidas à mão e trabalhos decorativos em madeira ou metal).
Durante a estada, está programada a ida a um casamento no estilo tradicional na igreja da Aghía Paraskeví. Apreciaremos a chegada da noiva acompanhada de seu séquito familiar. Haverá apresentação de danças folclóricas na praça pública com participação de quantos queiram partilhar da alegria nupcial.
À noite, partida para Salônica.

PASSEIO DE UM DIA A HALKIDIKÍ (Sábado, 22 de julho de 2000)

Partida para Halkidikí às 8 horas em frente aos Dormitórios da Universidade.
Visita o primeiro dedo de Halkidikí (Kassandra). 
Halkidikí é a mais bonita e uma das áreas mais conhecidas internacionalmente da Macedônia. Compõem essa magnífica paisagem que fascina cada visitante o mar com águas cristalinas, pinheiros que chegam até à praia, areia dourada, praias pitorescas, tabernas servindo peixes frecos.
Visita a uma gruta pré-histórica fora da aldeia Petrálona. Encontra-se no sopé do monte Katsika. É uma das mais importantes cavernas de interesse paleontológico. É naturalmente decorada com estalactites e estalagmites de todas as espécies. Em 1960 foi descoberto do único crânio do homem de Neanderthal, o qual está guardado na Universidade Aristotélica de Salônica. ²
Continuação do passeio em direção à aldeia Pefkokhori, onde teremos a oportunidade de desfrutar de um mergulho no profundo e azul Mar Egeu e de um passeio pela areia dourada.
À noite, volta a Salônica.

Em correspondência do dia 29/6 à minha namorada Rute Pardini, hoje minha esposa, retomei o assunto do curso de grego que pretendia frequentar em Atenas na União Helênica Americana, situada na rua Massalías, 22, bairro Kolonáki, em Atenas: "(...) No dia 27/6, a União Helênica Americana pretende aplicar-me um teste para verificar o meu nível para, se for o caso, frequentar a turma a ser formada no dia 5/7. Ocorre que, quando passamos por Salônica, no último dia fomos Jacob e eu à Universidade Aristotélica de Salônica, considerada excelente, senão a melhor da Grécia. A Secretária da Escola de Grego Moderno da universidade que nos atendeu exigia um diploma de nível superior. Como não trouxera comigo esse certificado, ela admitiu que eu apresentasse uma declaração da universidade brasileira informando que eu tinha terminado o curso com proveito. Para não incomodar minha mãe com esse assunto, decidimos acionar a FGV-Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, universidade em que fui professor e obtive o grau de Mestre em Administração Financeira e onde Jacob continuava sendo professor. Até aí, nenhum problema. Mas inicialmente acionamos o professor Lourenço Frugoli, nosso colega de Departamento, a quem Jacob pediu que ele próprio assinasse uma declaração a meu respeito, em vez do Coordenador do Curso de Pós-Graduação, que era a pessoa competente para fornecer esse documento. Como o professor se recusasse a isso, recorremos à secretária do curso de pós-graduação. Fomos ao correio de Atenas e na mesma hora foi enviado o fax à Fundação Getúlio Vargas solicitando a declaração da conclusão do meu curso de Mestrado. Lamentavelmente, a resposta por fax não chegou à secretaria da Universidade Aristotélica por alguma razão, nem à recepção do meu hotel porque me deram o número errado. Só após a correção, foi possível, ter o fax da FGV em mãos. ³
A Coordenadora do curso na universidade grega fixou o dia 3/7, segunda-feira, como a data da entrevista com os professores. Como amigo leal que era, Jacob empenhou-se muito para que eu frequentasse, não o curso da União Helênica Americana em Atenas, mas sim esse Seminário promovido pela Universidade Aristotélica de Salônica com a vã esperança de que eu fosse convidado a tornar-me futuramente professor de Português daquela renomada instituição de ensino. Com essa perspectiva de início do Seminário, decidi não acompanhar o casal amigo às ilhas de Santorini e Creta e comparecer na segunda-feira para a tal entrevista. Se, de fato, eu for de trem para Salônica no próximo domingo, vou despedir-me do casal por carta, já que passará pelo hotel para pegar suas malas, antes de seguir para o Brasil em 5/7 (acho). Como você pode avaliar, existe tensão, mesmo em viagem de turismo. (...)"
No dia 3 de julho, fiquei conhecendo minhas professoras pelos próximos 30 dias: Profª Δανάη Γκιώχα-Περγαντή e Profª Ιωάννα Καραμανιτάκη-Αστεριáδου. A primeira é autora consagrada de livros didáticos, tornando-se muito conhecida por seu livro intitulado O Grego Moderno para Estrangeiros. A segunda colaborou com a autora na confecção do livro de exercícios para aquele livro didático.
Os estudantes que frequentaram o Seminário foram:
Vassiliki Mitrias (Bélgica)
Câlin Sanda (Romênia)
Francisco Braga (Brasil)
Adrienn Kormos (Hungria)
Krisztina Nagy (Hungria)
Marie Verdy (Bélgica)
Gustavo Infante (Portugal)
Mirkka Hynmnen (Finlândia)
Melanie Groh (Alemanha)
Isabelle Godbillon (Alemanha)
Christina Georgiadis (Alemanha)
Katerina Loudova (República Tcheca)
Larissa Guzman (México)
Daniela Lyubomirova Todorova (Bulgária)
Iva Ivanova Doneva (Bulgária)
Elica Lyubenova Polyanova (Bulgária)
Stanislava Ivanova Gorostanova (Bulgária)
Simona Atanasova Atanasova (Bulgária)
Balogh Ádám Szeged (Hungria)
Helene M. Møller (Dinamarca)


Praça de Aristóteles, Salônica
Quando eu estava frequentando o Seminário de Verão de Língua e Cultura Gregas, na Escola de Grego Moderno da Universidade Aristotélica de Salônica, certo dia passeando pela Praça de Aristóteles, deparei-me com a propaganda da apresentação de "A FÁBULA DE EVGHÉNA", extraída de uma obra datada de 1646 cujo título era "Tragédia chamada Evghéna do Sr. Theódoros Montseléze" (Τραγωδία Ονομαζομένη Ευγένα Του Κυρ Θεοδώρου Μοντσελέζε 1646), a ser encenada nas ruínas da Cidade Velha ao cair da tarde daquele dia, sob os cuidados da Companhia Artística Argó (Καλλιτεχνική Εταιρεία Αργώ), tendo a lendária atriz Emilía Ypsilánti representando o papel da rainha.


Naquela tarde dirigi-me às ruínas da Cidade Velha. Causaram-me grande impressão aquelas ruínas e os trabalhos de escavação que então eram desenvolvidos no local. Ali tive a oportunidade ímpar de assistir à encenação de "A Fábula de Evghéna", tendo como diretor cênico Nikos Chatsipápas e diretor musical Spyros Heliádes.

Capa da 1ª edição de Evghéna (Veneza, 1646).

Emilía Ypsilánti representando a rainha.
Sobre o autor da tragédia cabe lembrar que era natural de Zákynthos , na ilha de Creta. A identidade de Theódoros Montseléze acha-se no centro da pesquisa de diversos estudiosos. Certos elementos sobre o dramaturgo grego nos dá o pesquisador Spyros Evanghelátos, quando diz particularmente: "No início, 'Evghéna' foi considerada pertencente à literatura cretense, por causa da afinidade da língua. Ficou provada sua origem como sendo de Zákynthos por causa das evidências das 7 ilhas jônicas (τα Επτάνησα) que utiliza, mas principalmente porque dentro da obra são citados 6 topônimos de Zákynthos que ainda existem na ilha. Por fim, ainda há referência ao nome Montseléze em Zákynthos em 1727." Coloca o seu nascimento entre os anos de 1600 e 1625. Depois, devido ao título "κυρ" que acompanha o seu nome nas edições, mas também devido à sua formação, o pesquisador considera que Montseléze pertence à classe média burguesa e também defende que ele nasceu e atuou no lado sudeste de Zákynthos (entre Argasíou e Basilikoú). Por fim, com base em frases de "Evghéna", é levado à conclusão de que Montseléze professava a fé de cristão ortodoxo. Tendo assimilado o estilo e a técnica do teatro cretense - e de outros elementos não identificados -, o "κυρ" Theódωros Montseléze, natural de Zákynthos, escreve uma tragédia para leitura, embora nutrisse a secreta esperança que "Evghéna" subisse ao palco. A obra teatral é impressa em Veneza em 1646, incluída por Leone Allato em uma grande coleção de obras teatrais da época e é preservada hoje na biblioteca do Pontificio Collegio Greco di Sant'Atanasio em Roma. Dele sabemos também que publicou sua obra em 1646, tendo sido impressa em Veneza com seus próprios recursos. "Evghéna", obra importante não só para as letras gregas mas também para o teatro, foi descoberta pelo helenista Mario Vitti (✰ 1926, Istambul). Essa obra pertence à Escola Cretense, que floresceu com Chortátsis em Creta e cobriu toda a Grécia sob dominação veneziana. "Evghéna", portanto, é a primeira peça teatral de um autor de Zákynthos, escrita no vernáculo da época. Montseléze situa a sua obra em Zákynthos e na sua narração junta temas pagãos com milagres cristãos e motivos populares que tinham a mais ampla divulgação no mundo da fábula. "Evghéna" baseia-se na fábula da Κουτσοχέρα (mão decepada), uma fábula encontrada em várias versões na Europa desde o século XI e conhecida em Zákynthos na época da composição da obra, trazida ao mundo helênico pelo monge Agápios Lándos com sua obra "Salvação dos Pecadores", publicada em Veneza em 1641. Todos os que estudaram a sua propagação de um país  a outro descobriram que  a fábula provém do norte da Inglaterra. O enredo, que mescla assuntos narrativos pagãos com cristãos, contém uma enorme quantidade de motivos folclóricos com a mais ampla difusão no mundo da fábula. A "Evghéna" de Theódoros Montselézze, obra da cultura popular, influenciada pelo teatro medieval e cretense, extrai elementos do mito da Κουτσοχέρα ("mão decepada"), que se encontra em diferentes versões na Europa, desde o século XI em diante. Está escrita em dialeto zakynthiano e consiste de versos pentadecassilábicos rimados.
Assim ficamos sabendo que Evghéna, uma jovem princesa caiu vítima de sua madrasta, foi condenada à morte, mas os executores tiveram pena dela e finalmente lhe cortam apenas as mãos. A heroína se refugiará em outro país e desposará um príncipe de quem terá dois filhos. Entretanto a madrasta se intromete na vida dela e com difamações consegue a sua perseguição. Segue a intervenção de um "deus ex machina", o qual, atendendo suas súplicas, socorre-a com um milagre, e as mãos dela ressurgem. É inserida a ghióstra (torneio equestre) quando o rei, pai de Evghéna, organiza torneios equestres, com vista a afastar o luto e para seu povo divertir-se...
O drama religioso "Evghéna" , escrito há quase quatro séculos, em 1646, foi descoberto por Mario Vitti em uma única cópia, cerca de 35 anos atrás, em Roma. A primeira publicação de Vitti foi em 1964 na revista "Théatro" de Kóstas Nítsos. Re-publicado em Nápoles e recentemente (1995) lançado por Edições Odysséas, com introdução de Mario Viti e revisão literária de Giuseppe Spadaro.
Outro fato a considerar é que os Mistérios medievais, tendo aparecido na Europa na alta Idade Média (século X), eram dramatizações de conteúdo religioso, espetáculos derivados principalmente das "sacri rappresentazioni"  e da hagiografia. Acresce ainda que, em grande medida, os Mistérios estão relacionados com a tradição oral popular, as fábulas e os panfletos populares em ampla circulação. Um exemplo típico é a "Rappresentazione di Stella", que foi utilizada como modelo por Theódoros Montseléze para a sua representação sacra. Nesta fase da sua história, a arte dramática ainda não se tinha afastado da sua origem narrativa. Os personagens declamam esquematicamente como nos contos; partes narrativas resumem a ação e a apressam. Evghéna é uma narrativa em versos, uma das muitas que nutriam a fantasia do medievo.

Tragédia chamada Evghéna de Kyr Theódoros Montseléze (1646)


Sinopse de Evghéna


Resumidamente a tragédia "Evghéna" conta a história de um Rei de um país exótico que possui uma boa e bela filha que se chama Evghéna porque é gentil . Ele fica viúvo e se casa de novo. A nova Rainha, vendo que o rei é afeiçoado à sua filha, receia que, ao nascerem seus próprios filhos, o rei os ame menos do que Evghéna; decide, pois, aconselhada pela idosa Arkoliá, exterminar Evghéna. Assim pensa: Vou enviá-la ao bosque acompanhada de dois cúmplices encarregados de matarem-na.
O rei parte para a caça e a rainha, que nunca deixou transparecer os seus reais sentimentos malévolos, sugere a ele, quando estiver para voltar três dias depois, que permita que a filha vá aos jardins para recebê-lo. Com esse pretexto a rainha a entrega a dois criados cúmplices, que adulou com promessas.
Ao se encontrarem já muito longe no bosque solitário, Evghéna compreende os objetivos dos criados e pede clemência. Os servos, não por bondade, mas por fraqueza, já que seus intentos foram desvendados antes da hora, poupam-lhe a vida. Mas como a rainha espera pelas mãos de Evghéna, em sinal de sua morte, eles lhas cortam e vão-se embora. Deixam-na lamentando sua desgraça no meio do bosque, enquanto espera as feras virem devorá-la. Só lhe resta carpir sua dor lancinante.
Ao mesmo bosque foi ter um Príncipe para caçar, ouve os choros e manda seu escudeiro ver o que é. O caçador, que a princípio toma Evghéna por uma nereida e receia que ela arruíne sua sorte na caça, aos poucos entende o que se passa. Quando se aproxima dela e conversam, apaixona-se por ela e está disposto a tomá-la por esposa. Toma-a nos braços e partem para o palácio dele para ser tratada por seus médicos. (Lá chegando, deixa-a aos cuidados médicos e dirige-se a seu pai para pedir-lhe autorização para desposar a moça. Seu pai, depois de alguma oposição por causa da procedência desconhecida da moça, recua.)

Neste ínterim, o rei retorna ao palácio, apreensivo por não ter encontrado Evghéna nos jardins, e fica sabendo pela rainha, que veio à porta encontrá-lo, da morte da sua filha. A rainha explica que, no jardim, os escravos que a acompanhavam adormeceram, esperando-o e Evghéna caminhou na direção dos bosques, onde a devoraram os lobos. Como os escravos procuraram o dia todo, encontraram as mãos dela pendendo da boca de um lobo. Tomaram-nas dele e trouxeram-nas. Desesperado, o rei chorou a sua filha por longo tempo. (Sua mulher, fingindo-se desgraçada, lhe sugere por consolo que organize um torneio hípico com lanças.) Um pouco mais tarde admite organizar um torneio hípico (γκιόστρα ) na sua região para aplacar o seu desgosto.

Anúncio da "Giostra di Zante" ou “Γκιόστρα της Ζακύνθου” (ghióstra de Zákynthos), denominada “Η Γκιόστρα τ΄ Αϊ – Γιωργιού” (ghióstra de São Jorge). Período: 23 a 25 de abril de 2010. 
Link: http://www.iskiosiskiou.com/2010/04/23-25-2010.html

O arauto anuncia. Aparecem dois tocadores de tambor e, em seguida, a cavalaria, depois o rei com a sua corte e, à frente, a trombeta e a rainha observa extática de seu postigo.
Começa o torneio hípico e, quando este termina, o rei, entusiasmado pela bravura do vencedor (que é, naturalmente, o príncipe que se casou com Evghéna e que ignora que o rei seja o pai dela), elogia-o e passa-lhe pelo pescoço o troféu.
Neste ínterim, a rainha encontra um mensageiro, pergunta-lhe a quem procura e quem o envia. E ele responde que traz notícias da rainha, a maneta das duas mãos. Assim a madrasta má fica sabendo que Evghéna está viva e que deu a luz a uma criança. Ela decide imediatamente falsificar o escrito, faz embriagar o estafeta e o consegue facilmente pondo outro escrito com difamações. O criado o entrega ao príncipe, obtém resposta. A madrasta o detém, o engana de novo, muda o escrito pela segunda vez.

Numa breve cena (de seis versos) o príncipe despede-se do rei, que lhe declara que está na mão dele.
Evghéna, por aqueles dias, deu a luz a dois gêmeos. Quando o rei, pai do príncipe, ficou sabendo, pelo escrito que recebeu, de tantas coisas difamatórias sobre ela, deporta-a com as crianças, uma segurando-a pelo avental e a outra, no colo. Chorando, a princesa congela num lugar deserto. Eis que um eremita a encontra, toma-a por um duende e a exorciza, mas, quando ela lhe relata a sua desgraça, ele hospeda-a em sua caverna.
Evghéna suplica à Nossa Senhora que lhe dê as mãos para criar seus filhos, e a Santa lhe faz o milagre.
O príncipe procura sua esposa no bosque, encontra o asceta que lhe pede um sinal característico de sua esposa. O príncipe diz das mãos cortadas e da forma que a encontrou. O eremita então lhe revela o milagre. O príncipe fica feliz. A princesa lhe confessa, agora que se restabeleceu, como e porque lhe deceparam as mãos.
O príncipe vai imediatamente ao rei, pai de Evghéna, revela-lhe o crime cometido pela rainha. Aparece então a própria Evghéna. Não se pode descrever então a alegria do rei, que sem prorrogação ordena que decepem a cabeça da sua esposa cruel.
A tragédia termina com uma cena, em que a rainha, de mãos atadas, fala da sua desgraça, mostrando aonde leva a inveja.

M.V. , Κρητικά  χρονικά  14, 1960, p. 437-9 (reproduzido em [VITTI & SPADARO, 1995, 122-4] e traduzido por mim).


Enquanto estive frequentando a Universidade Aristotélica de Salônica, tive a sorte de assistir à representação histórica da tragédia "PERSAS" de Ésquilo, no Teatro da Floresta (Θέατρο Δάσους).


Teatro da Floresta (vazio e completamente lotado)

Fiquei sabendo que, 35 anos atrás (1965), essa famosa tragédia tinha sido apresentada no mesmo formato sob a direção de Károlos Koun (✰ Prusa, Turquia, 1908 - ✞Atenas,1987).




No prefácio do livro "Persas" (Edições Momento) lêem-se as seguintes considerações do tradutor Panaghiótis Mullás, do grego antigo para o grego demótico atual:
"A aventura deste texto começa em 1964, quando Károlos Koun, planejando encenar "Persas", me pediu para entregar uma nova tradução. Trabalhei com afinco. Vasílis Vasilikós me ajudava datilografando todas as folhas de papel que eu ia preparando: Koun as esperava para as provas (que duraram finalmente oito meses) e Giánnis Christos para a sua música. Quando, no verão de 1965, depois de uma bem sucedida carreira em Londres e Paris, os "Persas" foram apresentados no Teatro de Herodes, quando já tínhamos entrado na crise dos eventos de Julho : a atmosfera política da época carregava a obra teatral com significados adicionais. Contudo, o problema para mim foi como esta primeira versão da minha tradução foi reproduzida, tanto ao ser representada no Anfiteatro do Epidauro depois da morte dele (em 1987 e 1988), quanto ao ser divulgada em 1965 na revista Teatro e em 1966 de maneira independente e sem meu conhecimento pelas "Edições Políticas e Literárias" do exterior, assim como ao ser usada também por Theódoros Terzópoulos em suas representações teatrais (1990-1992) me deixou cada vez menos satisfeito. Quanto mais passavam os anos, tanto mais minhas incertezas recrudesciam. Sabia que só consideraria meu texto definitivo (e, por conseguinte, publicável) se o retocasse, tendo resolvido algumas questões relativas à forma de traduzir tragédias antigas. Em 1983, traduzindo, também novamente para Károlos Koun, "Prometeu Acorrentado", enfrentei os mesmos problemas. Contudo, algum progresso tinha acontecido em mim. Então tentei mais uma vez outra tradução dos "Persas". Aconteceu o mesmo também dois anos mais tarde. Tentativas e esforços misturados com esperanças e decepções. Finalmente, o epílogo: minha colaboração com Leftéris Voghiátzis  para as apresentação do Teatro Nacional (no verão de 1999). Novo começo? Não, certamente. Mas, em todo o caso, um gatilho para meu novo aperfeiçoamento na tradução. Porque agora ele não era apenas um ator e diretor teatral talentoso a meu lado, mas também um filólogo cuidadoso e sensível nos mais sutis tons do texto. Devo a ele o fato de que me ajudou a rever cuidadosamente a tragédia de Ésquilo e a avançar num esforço de tradução mais preciso, talvez também mais funcional: no texto que, com mínimas mudanças, segura o leitor em suas mãos."

SINOPSE DA TRAGÉDIA "PERSAS" DE ÉSQUILO

Em Susa, os Fiéis (espécie de conselheiros anciãos que zelam pelo reino na ausência do rei Xerxes) aguardam, apreensivos, notícias do enorme exército que o rei persa, Xerxes, levara para a conquista da Grécia, e enumeram os aliados do rei (Πάροδος, 1-154). Chega a Rainha, inquieta, e relata sonhos preocupantes e maus presságios; é aconselhada a oferecer sacrifícios aos deuses e a invocar a proteção de seu falecido marido, o rei Dario.

Aparece, então, um mensageiro com a notícia de que, embora Xerxes estivesse vivo e bem, o poderoso exército persa havia sido destruído. O coro lamenta-se e, a seguir, o mensageiro dá detalhes da batalha naval de Salamina. Lista também os chefes persas que pereceram, descreve sua morte e a penosa fuga dos sobreviventes por terra (1º Episódio, 155-531).

O coro lamenta a imprudência de Xerxes e as perdas das famílias persas (1º Estásimo, 532-597). A rainha volta com as oferendas aos deuses infernais para possibilitar a evocação do rei Dario (2º Episódio, 598-622); o coro profere os cantos rituais necessários (2º Estásimo, 623-680).

O espectro de Dario aparece. Informado da terrível perda do exército, o antigo rei deplora a morte de tantos jovens persas. Ao ouvir que Xerxes fizera o enorme exército atravessar o Helesponto sobre uma “ponte” formada pelos barcos persas, diz ter sido essa insolência (híbris) do filho uma das causas do desastre. Aconselha os persas a não mais atacarem a Grécia e prevê, ainda, a derrota em Plateia das forças persas que permaneceram em território grego.

Antes de desaparecer, Dario pede aos anciãos e à rainha que confortem Xerxes (3º Episódio, 681-851). O coro recorda, saudoso, os felizes acontecimentos do reinado do antigo rei (3º Estásimo, 852-907).

Xerxes, com as roupas reais em frangalhos, chega finalmente a Susa e entoa, juntamente com o coro, um longo e pungente lamento (Êxodo, 908-1077).

Cf. RIBEIRO JR., W.A. Ésquilo / Persas. Portal Graecia Antiqua, São Carlos. URL: greciantiga.org/arquivo.asp?num=0221. Consulta: 10/03/2020.

[TREMPELA, 2013, 2-3], na Introdução de seu projeto de monografia sobre a tragédia "Persas" de Ésquilo, tendo utilizado a competente tradução de Panaghiótis Mullás entre outros textos, assim apresenta o escopo de seu trabalho de pesquisa:
"A tragédia "Persas" de Ésquilo escrita em 472 a.C. constitui a única tragédia preservada cujo assunto é extraído da história político-militar, e precisamente da vitória dos Gregos na batalha naval de Salamina em 480 a.C. O assunto da obra "Histórias" de Heródoto (485-c. 415 a.C.) é a narrativa minuciosa do combate entre Persas e Gregos.
O objetivo de Ésquilo é "ensinar" ao público teatral sua tragédia. Ele próprio, como cidadão ateniense, tomou parte na batalha naval de Salamina. ¹⁰ A "derrota histórica" dos Persas, vista através do olhar do dramaturgo e cidadão combatente, ultrapassa seus contextos históricos com vista a por em evidência os grandes assuntos diacrônicos da blasfêmia, da justiça, da guerra. Por outro lado, Heródoto nos informa na introdução de sua obra que é sua intenção preservar a memória dos fatos e feitos das pessoas bem como investigar as causas da guerra entre Gregos e Bárbaros. Do que foi dito acima, constatamos que dramaturgo e historiador possuem objetivo diferente na sua obra.
Objeto deste estudo acadêmico será a comparação, com vista a localizarmos e comentarmos as divergências da tragédia "Persas" de Ésquilo, dos fragmentos da obra "Histórias" de Heródoto. Na sequência constituirá nosso foco dar destaque aos fatores que desempenharam papel determinante para a derrota dos Persas em Salamina, de acordo com a colocação que Ésquilo reproduz na sua tragédia de mesmo título."
Nas suas Conclusões, [TREMPELA, idem, 11-12] faz um apanhado geral do seu trabalho:
"Levando em consideração as evidências acima citadas, fica claro que Heródoto registra e analisa em profundidade os fatos da campanha e do aniquilamento dos Persas num contexto de longo prazo, enquanto Ésquilo os apresenta como divergências para se concentrar na apresentação de um mundo que se encontra sob a justiça de Deus. Heródoto expressa sua visão de mundo através do sonho de Xerxes, onde ele "tem permissão" para sair dos contextos estritos de registrar fatos. Em Ésquilo, respectivamente, é expresso através do fantasma do rei Dario. O sentido da vida terrena nos é comunicado por ambos os escritores através de uma dimensão extra-mundana. Seus pontos em comum são o respeito à observância da moderação e a submissão da pessoa à justiça divina.
O conceito de "justo" que percorre a obra de Ésquilo é resultado das suas duas qualidades, como de poeta, mas também como de cidadão combatente. Conforme foi referido na Introdução, era objetivo do escritor trágico "ensinar" a sua tragédia. Os "Persas" têm uma lição ética, mas também política. A lição ética é que o orgulho leva à queda. A queda do "rei Xerxes e de seu exército dourado" (verso 9) é global, visto que o rei aparece com o "resto" de sua farda (v. 1018), a sua aljava vazia (v. 1022) reconhecendo que "encheu o Hades" (v. 923) com a ruína dos seus soldados. Xerxes é um rei com roupas esfarrapadas e nenhum emblema real. Através da experiência da derrota, que constitui experiência mais profunda do que a vitória, Ésquilo visa conscientizar os espectadores das consequências da guerra. Não rejeita a guerra, mas não se deve empreendê-la com a leviandade e a imprudência de Xerxes.
Por outro lado, a mensagem política da tragédia reside na desgraça dos Persas que ultrapassava o âmbito "nacional" e tocava o "universal". Apresentando ainda uma vez para o público ateniense a sua vitória por meio da derrota dos Persas, ao mesmo tempo colocando-o no posição trágica de seus inimigos. Em uma época, sem dúvida, que Atenas, após o fim das lutas persas é nomeada cidade-líder da Grécia. Em consequência, a questão da hegemonia e os ataques a países estrangeiros constituíam atualidades que os cidadãos atenienses tinham que lidar. O infortúnio dos Persas constitui exemplo a ser evitado, como poderia acontecer em qualquer cidade grega.
Finalmente, como Átossa ¹¹ se pergunta como foi possível a esquadra persa que era constituída de "mil navios e duzentos e sete barcos ligeiros" (v. 342) sofrer tamanho colapso, por parte dos navios gregos que eram "ao todo trezentos" e "ainda dez de elite" (vv. 334-339), da mesma forma incompreensíveis por muito tempo deverão ter sido a vitória dos Gregos em Salamina e o plano de Temístocles, também para os próprios Gregos. Como não correspondia aos conhecimentos tradicionais, crenças e princípios dos Gregos, era necessário narrá-la continuamente com vista a integrá-los a seu conhecimento. A tragédia tomou parte de modo decisivo e determinante neste esforço de integrá-la ao conhecimento, dando a sua própria interpretação aos fatos, tendo senso da sua responsabilidade perante a cidade.

Certificado da minha presença no Seminário de Verão de Língua e Cultura Gregas, na Escola de Grego Moderno da Universidade Aristotélica de Salônica no período de 1º a 31 de julho de 2000


                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    
UNIVERSIDADE ARISTOTÉLICA DE SALÔNICA
ESCOLA DE GREGO MODERNO
Salônica, 31 de julho de 2000
CERTIFICADO
Francisco José dos Santos Braga, do Brasil, frequentou o Seminário de Verão de Língua e Cultura Gregas da Escola de Grego Moderno de 1º a 31 de julho de 2000 no nível intermediário (B').
O programa compreendeu, ao todo, oitenta (80) horas de ensino.
Observe-se que na Escola de Grego Moderno funcionam três níveis: principiante (A'), intermediário (B') e avançado (Γ').
Este certificado é conferido ao interessado para todo uso legal, exceto para matrícula em Escola Superior ou Escola Máxima da Grécia.
Presidente da Comissão de Fiscalização
Στάθης Ευσταθιάδης
Chefe da Secretaria
Θεοδώρα Καλδή-Κουλικίδου 


IV. NOTAS EXPLICATIVAS

 

¹  Como dissemos, Vergina fica a oeste de Salônica. A 100 km a leste de Salônica fica a antiga Anfípolis, uma grande cidade do reino da Macedônia. Num de seus montes, foi encontrado, no início de agosto de 2014, um cemitério cuja estrutura remonta ao século IV a.C., cercado por um muro de 497 metros de circunferência, quase um círculo perfeito esculpido em mármores de Thassos, superando as dimensões do túmulo de Filipe II, pai de Alexandre.
O que os arqueólogos se perguntam é quem estaria enterrado em um túmulo tão imponente, datado do período entre 325 e 300 a.C.
Dentro desse monumento funerário único foram encontradas duas cariátides (estátuas de mulheres com túnicas) com cerca de 2,7 metros de altura cada, colocadas ali possivelmente para afastar intrusos da câmara principal. Embora só a equipe de arqueólogos possa dar pistas de quem está enterrado ali, a população dos vilarejos dos arredores especulam que o sítio encontrado nada mais é que o túmulo de Alexandre Magno, já que sua morte súbita e misteriosa teria ocorrido em 323 a.C. na Babilônia (atual Iraque). Até então se acreditava que Alexandre Magno estaria enterrado em algum lugar do Egito, sendo desconhecido o local exato do rei macedônio.

² "O crânio do homem de Petrálona é um espécime bem conservado, descoberto em 1960 numa caverna do Monte Katsika, 35 km sudoeste de Salônica. Tem presumivelmente de 200.000 a 400.000 anos de idade, e pode ser classificado como um Homo erectus tardio."
(Cf. LE FLOCH-PRIGENT, Patrice, in http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=LILACS&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=94917&indexSearch=ID)

³ A declaração de inteiro teor exarada em 27 de junho de 2000 pela Secretária de Ensino dos Programas de Pós-Graduação, Sra. Sandra Müller de Carvalho, da EAESP-FGV dizia:
"Declaramos que o Sr. Francisco José dos Santos Braga concluiu a fase curricular do Curso de Mestrado em Administração desta‎ Escola, com concentração na área de Administração Contábil e Financeira, em julho de 1976. Protocolou proposta de Dissertação e obteve aprovação no exame geral de área realizado em 25 de abril de 1977. Protocolou, em 30 de março de 1982, Dissertação com o seguinte título: "Aspectos Operacionais e Análise do Desempenho de três Fundos Mútuos (Estudo de Caso)".
Sua Dissertação foi aprovada por banca examinadora em 29 de agosto de 1985 e o resultado da avaliação foi homologado pela Comissão de Pós-Graduação em 20 de dezembro de 1985, conferindo-lhe o título de Mestre.
Ass. Sandra Müller de Carvalho"

Ilha de  Zákynthos para os gregos; para os italianos, ilha de Zante.

  Gheórghios Chortátsis (c. 1545-1610) foi um dramaturgo grego da ilha de Creta. Juntamente com Vitsentzos Kornaros, foi um dos principais representantes de uma escola literária no dialeto cretense que floresceu no final do século XVI sob dominação veneziana. Sua obra mais conhecida é Erofíli, uma tragédia datada de 1590 e transcorrida no Egito. Outras obras escritas pelo autor são o drama pastoral Panória e a comédia Katzoúrbos.

Título completo: Τραγωδία ονομαζομένη Ευβιένα: νεοστά δοσμένη εις φως, διά ωφέλειας πάντων ποιηθείσα υπό του Κυρού Θεοδώρου Μοντσελέζε: trad. Tragédia chamada Evghéna: recém-dada à luz, para o benefício de todos composta por "κυρ" Theódoros Montseléze

  Explicação etimológica para o nome da princesa Evghéna : ευγενική significa polida, cortês, gentil, bem-educada, delicada.

  A γκιόστρα (pron. guióstra, ital. giostra ou justa) é uma das mais antigas atividades do carnaval da ilha jônica de Zákynthos (ital. Zante). Consiste principalmente de torneios hípicos com lanças e anéis.
Há na Internet uma descrição dessa atração turística, patrimônio cultural da ilha jônica, detalhando as particularidades mais marcantes da "giostra di Zante", conforme atualmente é preservada e chamada pelos Italianos. (Cf. http://www.giostradizante.gr/en-home.php)

  Os termos Apostasia ou Julianá (eventos de Julho) são usados para descrever a crise política na Grécia centrada na demissão, em 15/7/1965, do primeiro ministro Geórgios Papandréou e a nomeação pelo rei Constantino II, de sucessivos primeiros ministros do partido de Papandréou, a moderada "União de Centro", para substituí-lo. Os trânsfugas da União de Centro foram rotulados pelos simpatizantes de Papandréou de apóstatas (renegados). Os eventos de Julho marcaram um período prolongado de instabilidade política que enfraqueceram a frágil ordem pós-Guerra e, por fim, acabaram levando à instauração de um regime militar em 1967.

¹⁰ A tragédia "Persas" foi apresentada em Atenas, em 472 a.C., para um público que havia combatido em Salamina e o próprio Ésquilo havia também participado da batalha. Especialmente os versos 350-471 apresentam o efeito devastador que a batalha perdida pelos Persas em Salamina tem sobre a corte real em Susa. Um mensageiro chega e relata o infortúnio à rainha Átossa, viúva de Dario e mãe de Xerxes.

¹¹ A posição de Átossa da Pérsia e a sua opinião na corte persa eram muito consideradas devido ao fato de ter sido filha de Ciro II, meia-irmã de Cambises e Esmérdis, e ter imposto ao seu marido Dario I nomear herdeiro do trono seu próprio filho Xerxes I, embora não fosse primogênito.
De acordo com Heródoto, Átossa sofreu de uma moléstia que lhe provocava hemorragia no seio, provavelmente câncer.
Ésquilo toma-a como personagem central de sua tragédia "Persas".



V. BIBLIOGRAFIA



ÉSQUILO: Persas, tradução de Panaghiótis Moullás, nº 29 da série "Biblioteca dos Escritores Antigos", Atenas: Editora Momento, 2000, 109 p.

MONTSELÉZE, Theódoros: Ευγένα, Nápoles, 1965.

SPADARO, Giuseppe: Τραγωδία ονομαζομένη ΕΥΓΕΝΑ του Κυρ Θεοδώρου Μοντσελέζε 1646; Atenas: Εκδόσεις Οδυσσέας, 1995, 148 p.

TREMPELA, Kalli: Persas de Ésquilo, 2013, 13 p.
https://www.academia.edu/4797799/%CE%A0%CE%AD%CF%81%CF%83%CE%B5%CF%82_%CE%91%CE%B9%CF%83%CF%87%CF%8D%CE%BB%CE%BF%CF%85

VITTI, Mario & SPADARO, Giuseppe (ed.): Tragédia chamada Evghéna do Sr. Theódoros Montseléze, Veneza 1646. Atenas: Edições Odysseas, 1995.