sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

ADEUS AO ACADÊMICO FREDERICO OZANAN SANTOS


Por Francisco José dos Santos Braga
 
Dedico este panegírico à memória do confrade Frederico Ozanan Teixeira Santos.

Frederico Ozanan Teixeira Santos
 

O convite para eu pertencer à egrégia Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes me foi enviado por seu presidente Dr. Roque José de Oliveira Camêllo em 16 de março de 2017 em papel timbrado do sodalício por e-mail, véspera do falecimento do seu signatário e seu presidente, cujo primeiro parágrafo transcrevo com saudade:

Prezado Doutor Francisco,
Temos a honra de levar ao conhecimento de V. Sª que os Acadêmicos Dom Francisco Barroso Filho, Frederico Ozanan Santos e Roque Camêllo apresentaram seu nome para integrar o quadro efetivo da Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes, recebendo aprovação unânime da Diretoria Executiva. (...) 

O convite teve minha aquiescência imediata, confirmada no dia seguinte por e-mail, mas lamentavelmente minha resposta já chegou tarde, pois àquela hora  9h 45min  possivelmente Dr. Roque já tivesse entregue seu espírito ao Criador. 

Em seguida, em 22 de abril de 2019, honrou-me sobremodo o convite da presidente Profª Hebe Maria Rôla dos Santos para fazer parte da Casa de Alphonsus de Guimaraens Filho, endossando o convite de seu antecessor no cargo, com o seguinte teor:

Considerando que o prof. Roque empenhou-se em trazê-lo para nossa Academia, em reunião a Diretoria decidiu sugerir-lhe o nome do referido ex-presidente, Roque Camêllo, para seu patrono. Ficaremos muito gratos pela sua presença nesta Casa. 

Relembro esses fatos apenas para destacar o nome de Frederico Ozanan Santos como membro integrante do trio que me indicou para participar da plêiade de imortais que exornam a douta Casa de Cultura Marianense. 

 

 

É sob essa ótica que venho trazer, em triste despedida, meu pesar diante do falecimento do confrade imortal da Academia Marianense de Letras, Frederico Ozanan Teixeira Santos, a quem devo minha indicação para a tão honrosa posição na Academia Marianense de Letras. 

Mesmo distante de Mariana, em viagem a São Paulo, recebi na manhã deste 29 de dezembro a triste notícia de seu passamento que me tocou profundamente. 

Ozanan era filho do intelectual, jornalista, escritor e folclorista Waldemar de Moura Santos, o principal dos fundadores da Academia Marianense de Letras em 28/10/1962 e seu segundo presidente (de 1964 a 1986); além disso, seu pai foi autor dos livros In Memoriam (1947), Discursos e Conferências (1958), Sessenta Tempos (1961) e Lendas Marianenses (1967). 

Seguindo a profícua trajetória de seu pai, Ozanan, natural de Mariana, advogado, funcionário do Banco do Brasil onde se aposentou, foi membro efetivo e Diretor Executivo e Cultural da Casa de Cultura–Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes. 

Este é um momento de grande pesar para a comunidade acadêmica e cultural, pois Mariana perde não só um membro valoroso da cultura literária, mas também um cidadão que contribuiu de maneira significativa para o conhecimento, a história e a educação marianenses, atuando como editor de dois jornais impressos locais: Jornal de Mariana (de 1977 a 1981) e Folha de Mariana (1985 a 1990), onde manteve as colunas "De Olho na Cidade", "A Cidade Reclama" e "Coluna do Ozanan". Na edição eletrônica do Jornal de Mariana deu continuidade às referidas colunas de grande agrado popular. 

Ozanan, além de sua atuação jornalística, deixou um legado na forma do seu Blog do OZANAN, constantemente enriquecido com matérias atuais sobre os assuntos políticos e problemas municipais, com denúncias corajosas e independência, com muita regularidade de março de 2008 até fins de 2019 e com menor frequência nos anos de 2020 e 2021, quando foi orientado a interromper a sua atualização por recomendação médica. 

O seu amor à terra natal está estampado em praticamente todas as matérias postadas em seu Blog do Ozanan; a título de exemplo, cito a matéria intitulada "Mariana, Monumento Nacional - 70 Anos", texto extraído do livro “Breviário Histórico e Turístico da cidade de Mariana”, de autoria do grande historiador marianense Salomão de Vasconcelos e postado em 6 de julho de 2015 no Blog do OZANAN. 

Por suas grandes qualidades como Acadêmico e muitos serviços prestados à comunidade marianense, fez-se merecedor da admiração geral de seus confrades e conterrâneos. A essa admiração geral, o homenageado sempre reagiu com a maior modéstia e simpatia.

Em solene despedida, meu pensamento se volta para a família e amigos de Frederico Ozanan Teixeira Santos neste momento de luto. Seu trabalho e contribuições continuarão a ser lembrados pela sociedade marianense em geral e pela comunidade acadêmica, em particular. Que o confrade Ozanan descanse em paz!

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

O DIÁRIO DE GUERRA DE GUIMARÃES ROSA: ENIGMA E DESAFIO


Por Francisco José dos Santos Braga
 
Dedico este ensaio aos irmãos: saudoso amigo Davi Jorge de Souza, artista plástico, e Profª Laurinda Ferreira de Souza, mestra pela FGV-RJ em Psicologia da Educação, aposentada no INESP-Instituto Superior de Estudo e Pesquisa de Divinópolis (atual UEMG).
(Lydio) Bandeira de Mello: Tropeiro e sua Boiada - Crédito: Acervo de Davi Jorge de Souza


 
  
À guisa de prefácio ao seu livro O observador no escritório, Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) escreveu sobre o porquê de tantos diários, cuja maioria não foi publicada por seus autores. Aqui segue sua percepção da utilidade/inutilidade profissional e documental dos diários de escritores:
Por que se escrevem diários? Por que notadamente os escritores gostam de escrevê-los, dissipando o tempo que deveria ser consagrado a viver ou a produzir escritos públicos? Admite-se que o político e, de modo geral, o homem de ação se empenhem em manter registro continuado de fatos e conversações que possam justificá-los no futuro, se tiverem em conta o julgamento histórico. Neste caso, o diário valerá como documento de arquivo.
Mas o escritor não precisa justificar-se, a não ser pela obra. Ninguém o obriga à anotação íntima, a esse mirar-se no espelho do presente. Então, se escreve o diário, há de ser por força de motivação psicológica obscura, inerente à condição de escritor, alheia à noção de utilidade profissional.
Não pensei nisto, anos a fio, ao encher cadernos com anotações sobre o meu dia a dia, que jamais pretendi viessem a ter importância documental, como não têm. O impulso de escrever para mim mesmo, em caráter autoconfessional, ditou os feixes de palavras que fui acumulando e que um dia... destruí. Mas a própria destruição tem caprichos. Do conjunto sacrificado salvaram-se algumas páginas que hoje reúno em livro, depois de tê-las, na maior parte, colocado em minha coluna no Caderno B do Jornal do Brasil. Animou-me a ingênua presunção de que possam dar ao leitor um reflexo do tempo vivido de 1943 a 1977, menos por mim do que pelas pessoas em volta, fazendo lembrar coisas literárias e políticas daquele Brasil sacudido por ventos contrários.
Fui, talvez, observador no escritório.

Achei interessante transcrever na íntegra o texto de Drummond que considero balizador do que vem a seguir. Vale a pena conferir a conclusão a que chegou Drummond, após manter seu diário de 1943 a 1977, com a constância de um acumulador maníaco, porém entendeu parece que não convinha públicá-lo nem confiá-lo íntegro aos pósteros. Não escrevia para nenhum(a) bisbilhoteiro(a), mas "para si mesmo, em caráter autoconfessional".

Outro mineiro de quem Drummond foi contemporâneo e amigo, Guimarães Rosa (GR), decidiu diferentemente daquele, conservando seus dois diários conhecidos: o de Hamburgo e o de Paris. Conforme sabemos, por razões desconhecidas GR decidiu mantê-los impublicáveis. Questiúnculas familiares impediram a sua publicação, mesmo após a morte de seu autor. 
 
Capa do chamado Diário de guerra escrito por Rosa entre 1939 e 1941 / Crédito pela foto: Juarez Rodrigues
 
Deixou datilografado um diário que tem sido chamado de Diário de Hamburgo, durante o período de 1939 a 1941, durante sua estada (1938-1942) como cônsul-adjunto em Hamburgo. Chamado informalmente de “diário alemão” ou “diário de guerra”, este documento histórico é o caderno mais extenso em quantidade de páginas (199 páginas numeradas) de Guimarães Rosa. O próprio autor o chamava de "cadernos". Nesses "cadernos", GR narra a rotina diplomática na II Guerra Mundial: viagens ao exterior europeu e internamente na Alemanha, reuniões, filmes, teatro, bombas, judias chorando no consulado externando sua indignação com as atrocidades cotidianas cometidas contra os judeus. 
 
[MACHADO, 2006] acrescenta outro elemento digno de nota:
(...) Em agosto de 1939, data das primeiras anotações, ele não faz literatura. Sua escrita é prosaica, sem artifícios. Ainda assim, espalha pelo diário figuras de linguagem, observações e poemetos que, lidos hoje, são claramente “rosianos”. Seus flertes com a poesia são constantemente relacionados à exaltação da natureza. “A noite começa debaixo das árvores”, anota num canto, ao lado dos registros de um bombardeio e de recortes de anúncios de escritórios de advogados e de um hotel em Hamburgo.
Em outro ponto, põe no papel um poema que começa com a estrofe “As lagoas são armadilhas armadas para pegar a lua/ porque a lua não se reflete (não desce a) na mata, nem no chão (terra dura)”. Ao lado dos escritos mais pessoais, de invencionices subjetivas, ele acrescenta o sinal M%, que significaria, segundo especialistas na obra de Guimarães Rosa, “meu 100%”. O símbolo aparece, por exemplo, ao lado de um escrito intitulado A Ladeira: “A ladeira da vida inteira... Tudo é vaidade, tudo é besteira, só uma coisa é que é verdadeira: subindo a ladeira, sobe-se a ladeira da vida inteira... (...)”. 

No Diário de guerra, GR é discreto, porém, nas referências a Aracy Moebius de Carvalho, filha de pai português e mãe alemã, funcionária do consulado brasileiro responsável pela Divisão de Passaportes, por quem logo GR se apaixonou, às vezes tratando-a carinhosamente por "Ara" no diário. Ambos vinham de casamentos desfeitos (ela com um filho, ele com esposa e duas filhas). Ela tinha se casado em 1930 com o alemão Johann Eduard Ludwig Tess, com quem teve o filho Eduardo Carvalho Tess. Após cinco anos de casados, Aracy se separou do marido através de um "desquite amigável" (no Brasil não havia legislação sobre o divórcio), e partiu com seu filho para a Alemanha, onde passou uma temporada na casa de uma tia...

Consta que Aracy tenha dado uma cópia do Diário de Hamburgo a Vilma (autora de Relembramentos - João Guimarães Rosa, meu pai, pela editora Nova Fronteira, 1983). Ao mesmo tempo, em maio de 1973, Aracy, através de seu advogado Raul Floriano, encaminhou para reprodução o Diário de guerra manuscrito a Henrique Sérgio Gregori, presidente da Xerox do Brasil. Em 02/07/1973, esse senhor, em papel timbrado da Xerox, enviou uma carta datilografada ao advogado de Aracy, em que confirmava a devolução, em 14 de junho daquele ano, dos cadernos originais de GR que lhe haviam sido entregues para reprodução. Gregori era casado com a artista plástica Ana Elisa, sobrinha de Henriqueta Lisboa. Eis, portanto, uma cópia da carta enviada a Raul Floriano, onde Gregori escreveu, em papel timbrado da Xerox do Brasil S.A.-Avenida Rodrigues Alves, 261, no Cais do Porto:

Rio de Janeiro, 2 de julho de 1973,
Prezado Senhor,
Confirmando a devolução feita em 14 de junho passado, dos quatro cadernos existentes de Guimarães Rosa que V. Exª nos entregara para reprodução, temos o prazer de enviar, em anexo, 2 jogos de cópias reprográficas.  Cada jogo completo compõe-se de 2 fascículos, uma vez que 2 cadernos foram consolidados num só volume.
De acordo com sua recomendação, retivemos conosco 4 cópias que terão o seguinte destino: uma para a poetisa Henriqueta Lisboa, uma para o jovem Thomas Gregori Neto, uma para a Biblioteca de Originais da Casa de Ruy Barbosa e uma para a Biblioteca do Copicentro.
Reiteramos, aqui, nossa alegria em colaborar para a preservação e divulgação de preciosos originais de Guimarães Rosa.
Prevalecemo-nos da oportunidade para apresentar minhas
Atenciosas saudações,
Henrique Sérgio Gregori *- Presidente
Cc p/ Henriqueta Lisboa** / Maximiano de Carvalho e Silva *** / Thomas Gregori Neto / Copicentro
Ilmo. Sr. Dr. Raul Floriano
Rua do Carmo, 6 - sls. 396/412
Em mãos

Obs. Prezada D. Henriqueta, com o abraço do Sérgio." (saudação manuscrita e assinada com tinta azul em posição transversal no espaço ao final da carta)

* Gregori, onze anos depois, assumiria a presidência da José Olympio, editora original de Rosa.
** Junto com os cadernos xerocados de Guimarães Rosa, a poetisa recebeu uma cópia da carta enviada a Raul Floriano. 
*** Diretor do Centro de Pesquisas da Fundação Casa de Rui Barbosa-Rio de Janeiro 

Correspondência de Henrique Sérgio Gregori ao Dr. Raul Floriano, advogado de Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa, viúva de João Guimarães Rosa



Essa cópia dos cadernos manuscritos de GR hoje se encontra na posse da UFMG, desde agosto de 1989. É que a família de Henriqueta decidiu doar à Faculdade de Letras os fundos documentais da escritora, falecida em outubro de 1985: 4.637 livros, 3.101 periódicos e 4.205 documentos. Entre esses últimos, estava a cópia xerox dos diários de Rosa, mencionada por Gregori. Foi essa doação da família de Henriqueta que deu origem ao Acervo dos Escritores Mineiros, fundado em 2003 na UFMG, disponível para consulta pública. 
 
[MACHADO, 2006] informa antecipadamente que o leitor do Diário de guerra irá encontrar em suas páginas um processo enigmático e desafiador, principalmente em se tratando dum linguista ou pesquisador:
“(...) Entremeando as anotações, há pequenos desenhos toscos e, colados nas páginas, dezenas de recortes de jornais alemães. O conteúdo das anotações e das reportagens fornece indícios sobre a forma, a autoria, o período e o lugar em que o caderno foi feito. É um diário, escrito por um brasileiro que acompanha, na Alemanha, o começo da II Guerra Mundial.

Prof. Reinaldo Martiniano Marques da Faculdade de Letras da UFMG relembra:

Quando o material da Henriqueta chegou, em 1989, houve todo um trabalho para revitalizá-lo, dentro dos princípios arquivísticos. A existência do diário só foi indicada no final dos anos 1990.

De fato, o trabalho só foi iniciado em 2001 com a digitação do texto.  Georg Otte, professor de alemão, ficou responsável pela tradução das passagens escritas nessa língua, incluindo vários recortes de jornais alemães da época. Os professores Reinaldo Martiniano Marques e Eneida Maria de Souza ficaram de redigir as notas de rodapé. Esses três professores da UFMG trabalharam nos manuscritos de GR para a sua edição em livro. Desde 2001, essa equipe já tinha sido procurada pela Nova Fronteira com a proposta de publicação, já que desde 1984 vinha publicando a obra do escritor. Em 2005, próximo de sua conclusão, o projeto foi interrompido. Sua publicação (na época, em coedição da Nova Fronteira, então detentora da obra do escritor, com a Editora UFMG) foi vetada por Agnes (falecida em 2016) e Vilma (falecida em 2022), filhas do primeiro casamento de Rosa.

O diário é fragmentário, heterogêneo. E, por essa variedade, ele tem importância histórica, cultural e literária,

afirma Reinaldo Marques.

“O diário é de importância crucial para a compreensão da biografia e do processo de criação literária de Guimarães Rosa, além de ser muito esclarecedor sobre o cotidiano de um diplomata brasileiro na Alemanha, durante a II Guerra”,

afirma Eneida Maria de Souza apud [MACHADO, 2006]. Ainda, conforme essa professora, o Diário consiste em

um texto que ultrapassa e metaforiza os acontecimentos, sem contudo recalcar o valor documental e o estatuto da experiência que aí se inscrevem. O procedimento criativo se sustenta por meio do ritmo ambivalente produzido pela proximidade e pela distância em relação ao fato.

Embora seja do maior interesse para pesquisadores e linguistas,  o conteúdo do Diário de guerra de GR continuará inacessível por mais alguns anos, infelizmente.

Já o professor Georg Otte considera GR um "germanófilo apaixonado" que se recusa a considerar a Alemanha nazista representativa da Alemanha em geral, expressando a sua revolta através da troca da saudação nazista "Heil Hitler!" por "Heil Goethe!", uma reverência a "Goethe, o único Führer que aceita" e sua repulsa em relação ao nazismo, contrariamente a importantes membros do governo brasileiro e à disciplina diplomática, ou em suas próprias palavras:
Quando João Guimarães Rosa, numa anotação do dia 20 de março de 1940, comenta uma apresentação do Fausto com um breve “Heil Goethe!”, parodiando assim a saudação nazista “Heil Hitler!”, ele concentra em duas palavras todas as ambivalências e hesitações que marcam sua estada na Alemanha, quando exercia o cargo de cônsul adjunto no consulado brasileiro de Hamburgo.
O comentário lapidar de Rosa é, sem dúvida, uma das pérolas do seu Diário de guerra, que contém anotações feitas de agosto de 1939 a janeiro de 1942 e cuja publicação está impedida até o presente momento por uma questão de direitos autorais. (...)

Ainda, segundo Otte, em relação ao nazismo, GR chama os pilotos da Força Aérea Real britânica de brave fellows ("rapazes valentes") quando bombardeiam depósito de combustível no porto de Hamburgo, ao mesmo tempo que questiona as reportagens oficiais de uma imprensa censurada no tom da propaganda nazista, quando anexou mais de 50 notícias de jornal ao seu Diário, metade das quais minimiza os estragos causados pelos "piratas aéreos ingleses" e enaltecendo os sucessos das tropas alemãs. 
 
Continuando, Otte considera que "duas armas de defesa sua blindagem , para ficar na imagem da guerra, são os animais e as plantas, ou seja, a natureza". Para comprovar sua tese, Otte cita, por exemplo, a entrevista a Günter Lorenz em Gênova de 1965, em que este entrevistador queria colher mais informações e novos elementos sobre a façanha de GR e sua futura mulher Aracy terem salvado a vida de muitos judeus, quando o entrevistado sai-se com a sua "blindagem":
Tudo isso é verdade, mas não se esqueça de meus cavalos e de minhas vacas. As vacas e os cavalos são seres maravilhosos.

De forma conclusiva, Otte finaliza seu estudo sobre o Diário de guerra com a seguinte aguda observação:

Por mais incipientes que sejam, as encenações verbais do Diário, muitas vezes acompanhadas por desenhos, elas não demonstram a fuga da realidade de um escritor em início de carreira, mas em busca da potencialização estética dessa realidade mediante a linguagem. (...) À maneira dos recortes de jornal, que ganham uma importância própria ao entrarem na "coleção" de Rosa, as palavras são desligadas "de todas as suas funções primitivas", isto é, comunicativas, para serem reencenadas em outro contexto. O próprio Diário é o lugar dessa coleção, assim como todo diário de escritor, uma vez que sua função consiste em "desligar" as palavras do seu uso cotidiano.


 

 

II. AGRADECIMENTO

 
O gerente do Blog do Braga agradece à sua amada esposa Rute Pardini Braga a formatação e edição das fotos utilizadas neste ensaio.
 
 
 
III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
 
ANDRADE, Carlos Drummond de: O Observador no Escritório, São Paulo: Companhia das Letras, 2020, p. 13

BRUM, Eliane: O último desejo de Guimarães Rosa, revista Época, coluna Mente Aberta, edição de 18/09/2008
 
___________: A mulher mais importante da vida de Guimarães Rosa foi minha mãe, que lhe deu duas filhas,  revista Época, s/d
 
___________: Desacontecimentos: Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa, 07/03/2011 
 
___________: Desacontecimentos: A lista de Aracy, 10/09/2008

COZER, Raquel: A história não autorizada de Guimarães Rosa, jornal Folha de São Paulo,  edição de 24/10/2013
 
DECOL, René Daniel: Escritor "doou" obra à mulher Aracy, jornal Folha de São Paulo, edição de 18/12/2006 
 
GALVÃO, Valnice Nogueira: O Outro sertão de Guimarães Rosa, jornal GGN, edição de 26/04/2018  
 
GOIS, Ancelmo: Guimarães Rosa, a polêmica, jornal O Globo, edição de 19/10/2017
 
GUINZBURG, Jaime: Notas sobre o "Diário de Guerra de João Guimarães Rosa", Aletria, São Paulo, vol. 20, nº 2, maio-agosto 2010, pp. 95-107  
 
HAAG, Carlos: A Guerra dos Rosas, Revista Pesquisa Fapesp, edição 189, nov. 2011

MACHADO, Cassiano Elek: Diário arquivado - reportagem sobre o Diário de G Rosa - Piauí, revista Piauí, São Paulo, coluna Mundo Literário, edição 3, dezembro 2006 
 
MARQUES, Reinaldo. Grafias de coisas, grafias de vida. In: MARQUES, Reinaldo; SOUZA, Eneida Maria (Org.). Modernidades alternativas na América Latina. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 327-350.
 
OTTE, Georg: Entre Goethe e Hitler: o Diário de guerra de João Guimarães Rosa, revista O Eixo e a Roda, Belo Horizonte, v. 27, nº 3, pp. 135-150, 2018.
 
___________: O "Diário de Guerra" de João Guimarães Rosa, Suplemento Literário Minas Gerais, n. Especial Guimarães Rosa, maio 2006, p. 34-35.
 
___________: O “Diário alemão” de João Guimarães Rosa. Veredas de Rosa II. Belo Horizonte: PUC Minas, 2003.
 
PEIXOTO, Mariana: Leia trechos dos 'Diários de guerra', manuscrito de Guimarães Rosa, jornal Estado de Minas, coluna Cultura, 24/02/2019 
 
ROSA, Guimarães & LORENZ, Günter. Diálogo com Guimarães Rosa. In: Guimarães Rosa, COUTINHO, Eduardo (org.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 62-97. (Fortuna Crítica, vol 6) 
 
SOUSA, Roberta da Costa de: O Diário de Guimarães Rosa: visões da Alemanha nazista, Rio de Janeiro, Garrafa. vol. 16, nº 45, jul-set 2018, p. 245 – 251 
 
SOUZA, Eneida Maria de. Rosa entre duas margens. Margens/Márgenes, Belo Horizonte/Buenos  Aires,  jul.  2002. 
 
TEIXEIRA, Jerônimo: O diário de Guimarães Rosa: briga pelas jóias de família,  Blog Arquivo de Artigos etc, post de 16/02/2008


domingo, 19 de novembro de 2023

MEU DISCURSO NA ABROL-ACADEMIA BRASILEIRA ROTÁRIA DE LETRAS - MG LESTE

Convite para a Assembleia Magna da ABROL-MG Leste em 18/11/2023 - Convidado especial: flautista e pianista Lucas Ventura Fajoses Gonçalves/UFJF

 
Ilmo. Sr. Professor José Cimino - DD. Presidente da ABROL-MG Leste, 
Ilmo. Sr. Fauzi Haddad, DD. Vice-Presidente, 
Ilmo. Sr. Paulo Araújo e Luiz Carlos Heidenreich,  DD. cerimonialistas desta ABROL,
Ilmo. Prof. Dr. Geraldo Leite, Presidente da ABROL Nacional e idealizador das academias rotárias de letras ao redor do mundo, em nome de quem saúdo os demais membros integrantes da Mesa,
 
Como recipiendário da Comenda João Guimarães Rosa, inicialmente quero manifestar minha gratidão pela amistosa simpatia do Conselho da Comenda da ABROL-Academia Brasileira Rotária de Letras-MG Leste, constituído por José Cimino, Paulo Araújo, Áurea Luíza de Vasconcelos, Fauzi Haddad, Lourdes Inácia, Telmo Tassinari Neto, Zélia Beatriz e Maria Cecília em indicar e aprovar meu nome como digno de receber tal distinção, certamente um prêmio muito disputado por qualquer intelectual brasileiro ou brasileira. Uma rara emoção também me invade ao reconhecer e valorizar as dádivas recebidas do Ilmo. Presidente desta ABROL, Prof. José Cimino, por sua bondade e generosidade de se lembrar deste pesquisador são-joanense, primeiro para integrar sua AMEF-Academia Mantiqueira de Estudos Filosóficos e, em seguida, para convidar-me ao benéfico convívio com sua família rotária de Barbacena, verdadeira plêiade de notáveis do Rotary Club de Barbacena que ama a Arte Musical e que, em suas ações em benefício da sociedade barbacenense, tem-se destacado por seus feitos a favor da consolidação da paz e prevenção de conflitos, ambos tão necessários nos dias que correm, bem como pela prática exemplar do companheirismo leal. Se estou sendo homenageado aqui hoje nesta solene assembleia, devo-o ao coração magnânimo do Professor José Cimino. 
 
Especificamente com respeito a esta Comenda que recebo nesta noite, devo dizer que, desde meu curso de Letras pela Faculdade Dom Bosco concluído em 1971, venho lendo e convivendo com a obra do escritor que tornou o sertão das gerais um tema universal, ou em suas palavras: "O sertão é do tamanho do mundo". Foi mais ou menos ocasional o encontro com Guimarães Rosa (GR): fui arrastado ao "redemunho de Riobaldo" pelo ambiente acadêmico, como o que agora vivencio nesta festa inesquecível. 
 
Na abertura da V Assembleia Magna, Rute Pardini canta o Hino Nacional / Crédito pela foto: historiador Edson Brandão
 
Para os fins desta fala, optei por fazer um recorte na vida de GR que mostrasse as influências que teve na sua formação após sua chegada a Barbacena, a fim de centrar minha atenção no período de um ano e meio de sua passagem pela "cidade das rosas", bem como rapidamente registrar o que eu sei e o que outros autores disseram que merecesse o nosso escrutínio; não obstante, serão vistos alguns dados biográficos à vol d' oiseau da vida pregressa e posterior de GR.
[BARBOSA, 2007, 154] escreve:
"Barbacena era a quinta cidade onde João Guimarães Rosa morava: Cordisburgo, Belo Horizonte, São João del-Rei (só por alguns meses), Itaguara, Barbacena. Todas mineiras. A formação de Guimarães Rosa, até aos vinte e seis anos de idade, portanto, se processou exclusivamente em Minas Gerais. Este é um dado importante para se conhecer e compreender João Guimarães Rosa. Um escritor cuja obra, embora universal, é fundamental e essencialmente expressiva da realidade mineira e da reprofundíssima mineiridade do autor. Falar um pouco mais de Barbacena ajudará a compreender mais a evolução e desenvolvimento de João Guimarães Rosa. (...)" 

João Guimarães Rosa ("Joãozito"), filho de Florduardo Pinto Rosa ("seu Fulô") e Francisca Guimarães Rosa ("Chiquitinha"), nasceu em 27/06/1908 em Cordisburgo, uma encruzilhada para o sertão das gerais. Por parte da mãe, descendia do bisavô Francisco de Assis Guimarães, um latifundiário, proprietário da Fazenda Três-Barras; por sua vez, seu pai era natural de Caeté. Ali mesmo, em Cordisburgo, teve contato com as primeiras letras: os primeiros rudimentos de sua educação formal foram-lhe transmitidos por Frei Esteves, pároco da cidade, professor primário, que dava prioridade a jornais e geografia sobre a I Grande Guerra, e Frei Canísio, que também teve grande influência nos estudos de "Joãozito", não apenas no conhecimento geográfico, mas também nas línguas francesa e holandesa. Aos 9 anos, tem a oportunidade de morar com Luís Guimarães, seu avô materno e padrinho, médico e escritor em Belo Horizonte. Criança ainda, passa a mirar a figura erudita do avô e se afasta da trajetória do pai, matuto e contador de "causos", que queria fazê-lo comerciante cuidando da venda da família. ¹ 

Frequentou as carteiras do Grupo Escolar Afonso Pena. A seguir, breve passagem pelo Ginásio Santo Antônio de São João del-Rei, dirigido por frades franciscanos holandeses. Seu professor de português era o severíssimo Antônio de Lara Resende, pai de Otto Lara Resende. Consta que GR não se adaptou à comida oferecida. Por isso, retornou a Belo Horizonte para conclusão de seus preparatórios no Colégio Arnaldo e Ginásio Mineiro e posterior ingresso, aos 17 anos, na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, ocasião em que conhece o Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira no hospital da Santa Casa de Misericórdia. Antes de formar-se, em 1929 faz sua estreia na literatura brasileira de ficção, publicando quatro contos na revista O Cruzeiro. Casa-se com Lygia Cabral Penna, no seu 22º aniversário (27/06/1930). Depois de ter-se formado médico, inicia sua carreira de médico de roça em Itaguara, distrito de Itaúna.
 
[ALCÂNTARA, 2020, 101-2] observa que não faltavam a GR  ricas memórias dos tempos contemporâneos do sertão:
"De 1918 a 1930, ou seja, dos 10 a 22 anos, do colégio à faculdade, o jovem GR vive em Belo Horizonte, num período marcado por histórias de jagunços e de violentas disputas políticas no interior de Minas Gerais, ouvindo falar de Antônio Dó e Andalécio (de São Francisco); Felão (delegado de capturas, de Curvelo); João Duque (de Carinhanha); Coronel Hermógenes (de João Pinheiro); coronel Ricardo Gregório (de Curralinho, hoje Corinto); coronel Ornelas (de Goiás); Rotílio Manduca (dono da fazenda Baluarte); tenente Alcides do Amaral, capitão Melo Franco, etc. É nesse período que jornais da capital dão notícias dos batalhões enviados pelo Governo para 'pacificar o sertão' (...), bem como sai na primeira página do Estado de Minas a notícia da morte do 'Famoso Antônio Dó: um astro do crime que desaparece'" (1929) 

Certamente, Rosa colecionava todas essas matérias com histórias impactantes que aguçavam a sua imaginação. Em 1936, fez seu primeiro teste de colocar um desses jagunços (Felão) no poema Batuque, como protagonista em seu primeiro livro de poesia, Magma (1936), só publicado postumamente. Tinha encontrado o filão de ouro que buscava... 

Batuque. Rugendas: Caderno do Arquivo 1, APM, 1988, p. 21.
 

Vinte e seis anos depois, no conto "Famigerado" de Primeiras Estórias (1962), evocou outro jagunço, Damázio, personagem procurando o médico (narrador) de certo lugarejo para lhe desvendar o significado de "famigerado", qualificativo que lhe fora atribuído por um moço do Governo lá na Serra. Diante do esbravejar de Damázio e ciente de que era "brabo sertanejo, jagunço até na escuma do bofe" e para tranquilizá-lo quanto a ter sido ofendido pelo moço do Governo, o narrador julgou mais conveniente não o informar sobre todas as acepções do termo utilizado, encaminhando para um tom elogioso, dizendo significar "célebre, notório, notável", como sendo "expressões neutras, de outros usos". Ou seja, o narrador erudito subtrai do jagunço a conotação negativa corrente do vocábulo "famigerado" como "mal afamado".

De 1930 a 1932, Itaguara hospedou um ilustre morador, Guimarães Rosa, médico recém-formado, que veio clinicar na região e que proferiu as seguintes palavras:
"Mas, meu Deus como isto é bonito! Que lugar bonito pra gente deitar no chão e se acabar!..." 
Foi como autêntico "médico de roça" que escolheu iniciar sua carreira em Itaguara, distrito de Itaúna, convicto da necessidade da interiorização da medicina. Fazia longas caminhadas a cavalo, para atender os enfermos. A luta contra a morte marcou-o profundamente: perder um doente era para Guimarães Rosa não uma, mas a própria tragédia. A medicina alternativa tinha grande aceitação popular em toda a região. Rosa ficou amigo de raizeiros, em especial de Manoel Rodrigues de Carvalho, "seu Nequinha", curandeiro que professava a religião espírita, morador em um grotão na zona rural próxima, e que iria influenciar o personagem compadre Quelemém que dá conselhos a Riobaldo (o próprio Rosa) em seus muitos dilemas existenciais em Grande Sertão: Veredas. Nesse romance, Riobaldo diz que aceita de bom grado suas preces, doutrina de "Cardéque".  
Em 5 de julho de 1931, em Itaguara, nasce sua filha Vilma. 
Consta que sua saída de Itaguara foi motivada por desgosto com a morte de um amigo a quem, como médico, tentara salvar. ² 
 
Retorna, então, a Belo Horizonte em 1932 e alista-se como voluntário da Força Pública na Revolução Constitucionalista. 
[ALCÂNTARA, 2020, 114], é categórico em afirmar que,
"na refrega de 1932, GR não participou dos combates na região do Túnel da Mantiqueira, entre Passa Quatro (MG) e Cruzeiro (SP), apesar de vários e festejados escritores (inclusive sua própria filha Vilma) mencionarem equivocadamente que ele esteve naquela frente de batalha. ³  

A verdade é que, como oficial do 12º BIP-Batalhão de Infantaria de Provisórios, em 10 de agosto, partiu GR, voluntário com honras de capitão-médico, em trem especial, da Estação Central do Brasil, com destino a Ponte Nova e Viçosa cujo front foi a Zona da Mata Mineira, acompanhado pelo enfermeiro Maximino da Cruz, como parte do efetivo que foi deslocado para combater revoltosos que atuavam naquela região sob as ordens de Arthur Bernardes. 

Após essa sua experiência de médico voluntário, agora efetivado mediante concurso, GR desembarcou na estação de Barbacena, terra natal de seu sogro, no dia 3 de abril de 1933, para assumir o posto de capitão-médico, no 9º Batalhão de Infantaria, hoje 9º Batalhão da Polícia Militar de Minas Gerais (9º BPM). Já em 27 de maio, data da instalação do 9º Batalhão, GR recebe a incumbência, pelo Comando, de produzir uma peça oratória, destinada a homenagear e fazer uma saudação póstuma aos falecidos soldados e oficiais na refrega na região do Túnel. 
 
Montagem artística do Cap-Médico João Guimarães Rosa que serviu no 9º BPM de Barbacena em 1933-34, feita pelo artista João Reis e doada pelo Cel Antônio Fernando Alcântara à Unidade (Fonte: ALCÂNTARA, A. F.: PARAGENS DE ROSA: uma trajetória singular, Belo Horizonte, Ed. do Autor, 2020, p. 351). Publicação autorizada.

 
[ALCÂNTARA, 2020, 98-99] transcreve todo esse discurso. Assim finaliza GR seu histórico discurso:
"(...) os soldados da Força Pública mineira vivem para Minas; morrem por Minas e, depois disso, ainda são conclamados para lembrar aos camaradas sobreviventes a viver para Minas e, como se deve, quando necessário, por Minas morrer." 

Morou aqui em Barbacena com a família, provisoriamente no Grande Hotel, na Rua XV de novembro e posteriormente na casa de número 57 localizada na Avenida Bias Fortes. Em Barbacena, Rosa colaborou com a sociedade barbacenense como bibliotecário do Clube Comercial, prestou serviços à Fábrica Ferreira Guimarães, atendendo também em sua clínica na Av. Bias Fortes. [GUIMARÃES, apud ALCÂNTARA, 2020, 101] escreveu:

"Guardamos certa desconfiança de que a gestação, o primeiro sinal de vida do Grande Sertão: Veredas, tenha se dado nos idos e vindos de 1934, em Barbacena. As ideias sertanistas germinavam na mente do "incorporado" oficial-médico, e, ao rebuscar arquivos e documentários a respeito das estripulias de jagunços nos gerais mineiros, encontrou ali Rosa o filão que buscava. (...) A estória de Riobaldo funda-se em uma plataforma concreta, pontuada anteriormente por jagunços de vivência real nos sertões mineiros e adjacências, como se declarou. O autor se valeu daqueles documentos antigos, por ele encontrados, quando servia à Força Pública de Barbacena, como oficial concursado (...) Deste estudo, o escritor colheu dados verdadeiros, nomes e circunstâncias das batalhas e guerrilhas contra a jagunçagem nos sertões mineiros, para o embasamento do enredo criado no livro. Alguns nomes de oficiais, envolvidos nas lutas sertanistas contra os cangaceiros, aparecem em seus relatos. (...) Deixou indícios de que ali (em Barbacena) teria rebuscado nos arquivos daquela cidade, referências a tais atividades nos sertões mineiros. (...)" 

[ALCÂNTARA, 2020, 126] complementa as informações acima com outras:

"Como tudo indica, Guimarães Rosa teria ouvido oralmente vários integrantes do 9º Batalhão concernente a adversas diligências no norte de Minas contra jagunços. Vamos relacionar aqui baseados no livro do coronel Diniz os inferiores que pertenceram àquela unidade, a maioria deles, integrantes desde a sua instalação, constando a data de praça, a saber: (...)"
mencionando aqui uma enorme lista de nomes envolvidos nas refregas com os jagunços. 
Sua filha, Agnes, nasce em Barbacena em 17/01/1934. 
[RIOS, 2003] escreveu sobre Rosa:
"Sua rápida passagem por Barbacena ficou marcada pelos amigos que aqui fez: Durval Nascimento, Raul Floriano, Oswaldo Fortini, Honório Armond, A. Moura Araújo, Geraldo França de Lima , entre outros. Residiu no Grande Hotel (atual Edifício Alípio Bonato) e na casa da Avenida Bias Fortes nº 57 (atual Edifício Carolina, propriedade de José Anselmo Oliveira/ Maria Guimarães Barros de Oliveira). Foi uma época difícil para o escritor, mas decisiva, seu divisor de águas."

E ainda informou:

"Sabe-se que Henriqueta, sua cunhada, estudou no Colégio Imaculada Conceição (CIC). (...)" 
Se, em Itaguara, teve valiosa experiência como "médico de roça"; se, em Ponte Nova e Viçosa, exerceu sua profissão de capitão-médico voluntário no front do combate aos revoltosos, e se, em Barbacena, exerceu sua profissão como capitão-médico efetivado mediante concurso na Força Pública mineira e incorporado ao 9º Batalhão de Infantaria, tudo isso o autorizava a confessar em entrevista em Gênova, em janeiro de 1965, ser impossível separar sua biografia de sua obra:
“(...) Sim, fui médico, rebelde, soldado. Foram etapas importantes de minha vida, e, a rigor, esta sucessão constitui um paradoxo. Como médico conheci o valor místico do sofrimento; como rebelde, o valor da consciência; como soldado, o valor da proximidade da morte (...)” [ROSA & LORENZ, 1983, p. 67],
convidando-nos a entender que a vida, lapidando o homem e escritor, vai provendo GR de matéria de memória, após essas três fases terem sido plenamente vivenciadas. 
 
Foi ainda em Barbacena, em carta de 20 de março de 1934, enviada ao primo e amigo Pedro Moreira Barbosa, declara-se "decepcionado com a realidade da Medicina, sentindo até algum arrependimento de não ter estudado Direito ainda que ande "navegando bem, apesar de em águas pouco profundas. Mas falta-me o amor da profissão, a adaptação às tarefas cotidianas". Finalmente, reconhece o fato da sua incompatibilidade com a Medicina: "Não nasci para isso, penso.[...] Primeiramente, repugna-me qualquer trabalho material – só posso agir satisfeito no terreno das teorias, dos textos, do raciocínio puro, dos subjetivismos. Sou um jogador de xadrez – nunca pude, por exemplo, com o bilhar ou com o futebol..." Na continuação da carta, GR não diz claramente que tinha novos e grandiosos planos para a sua vida, mas hoje sabemos ter sido o concurso que faria para o Itamaraty o projeto que nutria de tornar-se tanto diplomata quanto escritor. Quando se preparava para o concurso, solicita ao primo a coleção completa de Pontos de Direito Internacional Público, do professor Alberto Deodato, da UFMG. 
Viajou para o Rio de Janeiro, onde prestou concurso para cônsul de terceira classe do Ministério das Relações Exteriores, tendo sido aprovado em segundo lugar, dentre 57 concorrentes. Com a aprovação para o Itamaraty, foi exonerado a pedido, da carreira em Barbacena, pelo interventor Benedito Valadares, em documento datado de 8 de agosto de 1934, após o que se muda com a família para o Rio de Janeiro. 
 
[GOULART, 2011], no 1º capítulo do seu livro O viés médico na literatura de Guimarães Rosa, constata a presença consistente da medicina na literatura rosiana, com a seguinte referência:
"João Guimarães Rosa abandonou a medicina após breves anos de profissão, mas ela jamais se separou dele. Ficou entremeada em seus textos, sempre correndo em sua veia artística. Desde suas primeiras experiências com contos e estrofes, até nos seus últimos escritos, pouco antes de morrer prematuramente, aos 59 anos, com muita constância o médico Rosa sobreviveu na obra do escritor Rosa." 

GR passou um ano e meio, em Barbacena (3 de abril de 1933 a 8 de agosto de 1934, tendo aí completado 25 e 26 anos), e posso dizer, parodiando Dr. Goulart e Prof. Mário Celso Rios, que, após "rápida passagem por Barbacena", GR abandonou a "cidade das rosas", "mas ela jamais se separou dele". Senão vejamos: em discurso de posse na Academia Brasileira de Letras em 16 de novembro de 1967, três dias antes de morrer, GR relembrou o gaúcho e Ministro das Relações Exteriores João Neves da Fontoura, natural de Cachoeira do Sul-RS, falecido em 31/03/1963, que o precedeu na cadeira nº 2 na ABL, tendo-a ocupado por 27 anos, vaga desde então. GR se candidatara para ocupar a cadeira daquele para quem trabalhara durante duas ocasiões (1946-1948 e 1951-1953) como chefe de gabinete. Segundo o novo Imortal, o "Ministro" tinha o hábito muito próprio de interpelá-lo de uma forma carinhosa que marcou indelevelmente sua memória, utilizando uma apóstrofe com topônimos em vez de seu nome. Para Fontoura, ele era ora "Cordisburgo", ora "Barbacena". Ao que, nessas ocasiões, GR às vezes, "topando topônimos" retrucasse: "Cachoeira concorda?", em referência à terra natal do chanceler. Em geral, porém, GR observava a liturgia do cargo, tratando-o formalmente por "Ministro". 

No seu discurso de posse, o próprio GR explicou que Cordisburgo significava para si "o burgo do coração". E Barbacena? Para GR, era "a sagaz e espiritual, onde, em tempos diversos, ambos residíramos gratamente, e tão-então não menos um nosso 'lugar geométrico'." E termina seu discurso com palavras sentidas ao se referir à morte do seu antecessor, acadêmico João Neves da Fontoura: "A gente morre é para provar que viveu. (...) As pessoas não morrem, ficam encantadas. (...)"
 
Com sólidos fundamentos em sua pesquisa, [PASSOS & BRANDÃO] supõem que,
"na tranquilidade de Barbacena, desfrutando do seu clima ameno, bem diferente do sertão de onde veio, Guimarães Rosa cultivou amizades marcantes para sua vida.

Analisando o conto 'Sorôco, sua mãe, sua filha', o pesquisador observa: "Ainda que na memória poética de Guimarães tenha sobressaído a Barbacena do trem do sertão (ou trem de louco), registros históricos diversos demonstram que ele sempre teve muito apreço pela cidade na qual passou poucos e bons meses." Foi em Barbacena que percebeu sua maior afinidade com a diplomacia do que com a medicina ou, nas palavras do pesquisador Brandão, "sua facilidade com línguas estrangeiras aproximaram o médico e militar circunstancial da diplomacia". A amizade com Honório Armond, o "Príncipe dos Poetas Mineiros", foi-lhe muito valiosa, pois Rosa fez um contato mais intensivo com a língua francesa do que tinha praticado até então.

 
Sem entrar em minúcias, são fornecidas abaixo mais algumas informações biográficas de GR. Viajou para o Rio de Janeiro, onde prestou concurso para cônsul de terceira classe do Ministério das Relações Exteriores, tendo sido aprovado em segundo lugar, dentre 57 concorrentes. Com a aprovação para o Itamaraty, foi exonerado a pedido, da carreira em Barbacena, pelo interventor Benedito Valadares, em documento datado de 8 de agosto de 1934, após o que se muda com a família para o Rio de Janeiro. Sua carreira diplomática, a partir daí, foi coberta de grande participação, representando o Brasil em várias situações: em Hamburgo como vice-cônsul durante a II Guerra Mundial (1938-42), quando se envolve sentimentalmente com Aracy Moebius de Carvalho (1908-2011), o "anjo de Hamburgo" e a "justa entre as Nações" por ter salvado centenas de judeus das garras nazistas, com quem se casa em 1947 na embaixada do México no Rio de Janeiro, porque no Brasil ainda não era permitido o divórcio. Em 19/07/1942, é transferido, por decreto do Presidente Getúlio Vargas e do Ministro do Exterior Oswaldo Aranha, do Consulado de Hamburgo para a Embaixada de Bogotá, como Segundo-Secretário. Em 27/06/1944, data do seu trigésimo sexto aniversário de nascimento, é exonerado do cargo de Secretário da Embaixada do Brasil em Bogotá. Retorna ao Brasil para a Secretaria de Estado. Em 1948, o casal segue para a embaixada brasileira em Paris, atuando ele como Conselheiro. Em 1950, GR e Aracy voltam ao Rio, estabelecendo-se no bairro de Copacabana. Em 1951, volta para o Ministério das Relações Exteriores, para de novo chefiar o Gabinete do Ministro. Em 1951, é promovido a Ministro de 2ª classe. Em 1958, é promovido a Ministro de Primeira Classe (Embaixador).
 
Viagens ao interior de MG 
1945: viagem ao interior de MG (Paraopeba e Cordisburgo) para rever as paisagens de sua infância 
  1952: viagem de Guimarães Rosa, a cavalo, na culatra de uma boiada sertaneja de trezentas e poucas reses, do arraial de Andrequicé a Araçaí, tudo nos gerais são-franciscanos; estirão de cinquenta léguas, e dez esticadas marchas de sol a sol. Durante doze dias, acompanhou – da manhã à noite – homens e bois, sempre com um caderno de notas pendurado no pescoço por um barbante e um lápis à mão. Nessa viagem conheceu o vaqueiro Manuelzão, que viraria um importante personagem de sua literatura, e que em depoimento posterior relatou que o doutor João “perguntava mais que padre”. 
 
João Guimarães Rosa, na viagem ao Sertão Mineiro, em 1952.
[Foto: Eugênio Siva/ revista 'O Cruzeiro']

 
GR na ABL 
1957: candidatou-se pela primeira vez a imortal da ABL e obteve apenas 10 votos. 
1963: em maio, candidatou-se pela segunda vez a membro da ABL na vaga deixada por João Neves da Fontoura. Em 8 de agosto foi eleito por unanimidade.  
1969: Foi empossado na ABL em 16/11/1967 e morre três dias depois, em 19/11/1967.
 
O ex-presidente Juscelino Kubitschek e João Guimarães Rosa, na cerimônia de posse deste na Academia Brasileira de Letras, 16/11/1967 - Crédito pela foto: Acervo Família Tess

Já me encaminhando para o final de minha fala nesta egrégia Academia, merecem ser lembradas aqui pelo menos quatro ações culturais que visaram o enaltecimento da memória do escritor que tem o mérito de ter transformado o sertão das gerais num tema universal: 
Em 18 de outubro de 1985, foi fundada em Cordisburgo a Academia Cordisburguense de Letras Guimarães Rosa, de enorme expressão cultural na região, pois guarda um importante acervo de obras do aclamado escritor, que ali nasceu em 1908 e representa motivo de orgulho de seus habitantes por ser aclamado mundialmente através da tradução de suas obras para diversas línguas e cobrindo diversos gêneros literários. Raimundo Alves de Jesus preside atualmente o sodalício que conta, entre seus membros, o notável Acadêmico Dr. Arnaldo de Souza Ribeiro, que, por sua vez, preside a AILE-Academia Itaunense de Letras.
 
Em 21 de agosto de 1995, foi fundada em Belo Horizonte a Academia de Letras João Guimarães Rosa, sob os auspícios da PMMG-Polícia Militar de Minas Gerais. Casa do saber e da erudição, é um permanente templo de culto à memória de seu Patrono-Príncipe – Capitão-Médico da Força Pública Mineira, João Guimarães Rosa (JGR), que lhe deu nome. A PMMG é hoje a única corporação militar do Brasil, senão do mundo, que tem a honra de possuir uma Academia de Letras. Não só Guimarães Rosa integra a galeria de patronos ilustres dando seu nome ao sodalício através de seu nome e à sua cadeira nº 1; outras personalidades mineiras são lembradas como patronos, tais como Juscelino Kubitscheck de Oliveira (cadeira nº 2), Benedito Valadares (cadeira nº 11), Euclides da Cunha (cadeira nº 13), Pedro Nava (cadeira nº 23), Cristiano Otoni (cadeira nº 24), Gustavo Capanema (cadeira nº 26), Carlos Drummond de Andrade (cadeira nº 28), Theophilo Feu de Carvalho (cadeira nº 39), Darcy Ribeiro (cadeira nº 49), Mário Palmério (cadeira nº 51), Otto Lara Resende (cadeira nº 53) e Cláudio Manuel da Costa (cadeira nº 57), para citar algumas, e a estas acrescente-se o nome do autor do livro 9º BPM: Sua História, Sua Gente, Ten Cel Otávio Batista Diniz (cadeira nº 33), que teve sob seu comando o médico-capitão João Guimarães Rosa na região de Ponte Nova e Viçosa, bem assim quando foi o 1º comandante do 9º BPM, em Barbacena. 
 
Em 16/08/2012, houve a instalação e criação do Museu do 9º BPM "João Guimarães Rosa", o qual rende homenagens ao Capitão-médico Guimarães Rosa por sua participação efetiva junto à Força Pública de Minas Gerais, pela sua projeção na carreira militar e pelo reconhecimento em servir a esta instituição e aos seus companheiros, soldados, combatidos no Movimento Constitucionalista de 1932. Seu acervo constitui-se em sua maioria de fotos e da reunião de alguns documentos impressos, mobiliário, armamento bélico e fardamento, totalizando 351 (trezentos e cinquenta e uma) peças, utilizadas no estudo, preservação e divulgação da História da Polícia Militar da cidade de Barbacena.
 
Em novembro de 2022, na Quarta Sessão Magna da ABROL-Academia Brasileira Rotária de Letras-MG Leste sob a presidência do filósofo e escritor José Cimino, foi instituída e concedida a Comenda João Guimarães Rosa, destinada a homenagear personalidades, entidades culturais e incentivadores das artes. Na peça artística, feita em metal branco, banhado em níquel, está estampada a figura do escritor mineiro Guimarães Rosa (1908-1967), que viveu em Barbacena na década de 1930. Na terceira outorga, são agraciados: Presidente da ABROL Nacional, Prof. Dr. Geraldo Leite, e Maestro Francisco José dos Santos Braga por sua amizade à ABROL, incentivo à cultura e apoio à arte.
 
Seguindo a boa trilha aberta pelo 9º BPM de Barbacena, o 38º BPM em comunhão com o IHG, ambos de São João del-Rei, têm homenageado, desde o início de 2023, cinco mineiros integrantes de quadros de pessoal da Polícia Militar de Minas Gerais, com um painel confeccionado pelo artista plástico são-joanense Diego Mendonça, em permanente exposição, decorando o hall de entrada do quartel: no centro, a imponente figura do são-joanense Joaquim José da Silva Xavier, o Alferes Tiradentes, tendo, a seu lado direito, o diamantinense Juscelino Kubitschek de Oliveira e o Inconfidente pradense Vitoriano Veloso e, a seu lado esquerdo, o cordisburguense João Guimarães Rosa e o diamantinense Cel Affonso Heliodoro dos Santos, este sub-chefe da Casa Civil de JK.

Painel em permanente exposição no vão superior do forro da entrada do 38º Batalhão da PM-MG em São João del-Rei



 
II. NOTAS EXPLICATIVAS
 
¹ Só mais tarde, especialmente antes da publicação de seu primeiro livro de contos, Sagarana (1946), Rosa deixa-se inspirar cada vez mais pela escrita e estilo do pai, contidos nas cartas que este lhe enviava. Com "seu Fulô" aprende a arte da narrativa, a contação de estórias. Em 1962, escreve para a mãe:
"Gosto muito do jeito dele escrever, de dar notícia de todos. Fico pensando que a minha 'bossa' de escritor eu herdei dele, que maneja a pena com tanta facilidade, personalidade, vivacidade e graça". 

[BORTOLOTI, 2015] confirma que a obra rosiana recebeu influência de seu pai, Florduardo, matuto e contador de casos, com base na correspondência entre os dois, arquivada no IEB/USP-Instituto de Estudos Brasileiros da USP:

"Guimarães Rosa lhe pedia histórias de crimes, de personagens curiosos de Cordisburgo, detalhes do trabalho na roça, da fala do povo, do comércio na cidade, das caçadas, dos hábitos dos animais e dos tipos de planta. Embora sua obra fosse ficcional, os informes ajudavam a compor o cenário. Os pedidos se intensificaram no começo dos anos 1950, quando Guimarães Rosa escrevia simultaneamente seus dois livros mais importantes: Corpo de Baile e o romance Grande Sertão: Veredas. Na ocasião, GR afirmou para o pai: "Preciso de explorar mais o senhor, que a mina é ótima"

²  Informação dada por Vicente Guimarães em seu livro "Joãozito: a infância de João Guimarães Rosa".

³ Cf. [ROSA, 1999, 58], de que transcrevo o seguinte trecho: "Em 1932 ele (GR) tomou parte na Revolução Constitucionalista, atuando como médico voluntário da Força Pública, servindo no Setor do Túnel."
Juscelino Kubitschek, contemporâneo de Rosa na Faculdade de Medicina em Belo Horizonte, trabalhou durante alguns meses como cirurgião militar no hospital de campanha em Passa Quatro. A trajetória de Juscelino na Mantiqueira rendeu a ele alcunha de "bisturi de ouro" pela instituição, além da nomeação do Hospital da Polícia Militar como Hospital Juscelino Kubistchek de Oliveira. Por sua atuação na Força Pública, alcançou o posto de coronel. JK, pouco depois, deixaria a profissão de médico para se tornar político de grande sucesso.

A respeito de Geraldo França de Lima, [RIOS, ibidem] informa que o famoso romancista "ainda enviou para este Anuário (da Academia Barbacenense de Letras) o seguinte testemunho:
Eu era dono do jornal "O Quepe". O dia: uma Quarta-feira de Trevas. Quando entrei no Grande Hotel, local em que morava, aproximei-me de um capitão da Polícia Militar, que estava sentado no salão de entrada e ofereci a ele uma assinatura do jornal. Ele mostrou-se interessado e me respondeu que nem endereço tinha para que o referido lhe fosse enviado, uma vez que acabara de ser transferido para Barbacena e não havia encontrado acomodação em lugar algum.
Esse capitão era Guimarães Rosa.
Aí, eu disse para ele que, após a Semana Santa, ele encontraria um lugar para se hospedar e, enquanto isso não acontecia, poderia ficar numa vaga improvisada no quarto que ocupava.Daí nasceu nossa amizade.
Posteriormente, ajudei-o como procurador e recordo-me de ter-lhe oferecido o edital para o concurso do Itamarati.

Vê-se neste caso claramente que o destino conspirava para unir amistosamente esses dois intelectuais mineiros, um de Cordisburgo e o outro, do Triângulo Mineiro (Araguari). 
Geraldo França de Lima, romancista e professor, nasceu em Araguari, MG, em 24 de abril de 1914 e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 22 de março de 2003. Em 1934, no Rio de Janeiro, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil e obteve o primeiro emprego, como revisor do jornal A Batalha, estreando também como articulista. Em 9 de dezembro de 1938 colou grau de bacharel em Ciências Jurídicas. Em 1960, Paulo Rónai abriu-lhe as colunas de Comentário, publicando o artigo "Com Bernanos no Brasil", de larga repercussão no exterior, considerado importante depoimento sobre o escritor francês. Em 1958, tendo prestado provas públicas, foi nomeado professor do Colégio Pedro II, e posteriormente, admitido como professor de Literatura Brasileira na Faculdade de Letras da UFRJ. Foi assessor do Presidente Juscelino Kubitschek e do presidente do Conselho de Ministros, Tancredo Neves. O ano de 1961 foi o ano do ingresso de Geraldo França de Lima em definitivo na vida literária. Guimarães Rosa, almoçando em casa do amigo, leu os originais do romance "Uma cidade na província". Mudou o nome para "Serras azuis", providenciou a publicação, indo pessoalmente procurar o editor Gumercindo Rocha Dórea. Na tarde do lançamento, na Livraria Leonardo da Vinci, em 2 de junho de 1961, Guimarães Rosa pediu a palavra e em discurso relatou sua amizade com Geraldo França de Lima, terminando com a apologia do romance. O sucesso alcançado valeu ao livro o Prêmio Paula Brito Revelação Literária 1961. 
 
O romancista França de Lima, no seu discurso de posse na ABL-Academia Brasileira de Letras em 19 de julho de 1990 fez um verdadeiro panegírico em louvor de Barbacena. Vejamos pois esse famoso trecho da sua fala:
"(...) Meus amigos,
venho também de Barbacena, justamente celebrada pela sedutora beleza de suas mulheres, da fascinante Barbacena de minha juventude, das suas manhãs de geada cristalizada, de suas noites de estrelas indormidas, clareadas num tecido translúcido de fios multicoloridos pela lua rendada da Mantiqueira, ninadas em doces acalantos pelas vozes errantes dos boêmios da madrugada no ritmo sonorizado das serenatas sob o orvalho das rosas, bafejadas pelo perfume dos cravos acordados.
Venho do velho internato do Ginásio Mineiro, nos seus tempos áureos, do Grego, do Latim e da Filosofia, qual cera nas mãos dos artesãos do Humanismo, cujos nomes cito com comovida saudade – Soares Ferreira, Concesso Nogueira Campos; Padre Sinfrônio de Castro, dos maiores pregadores sacros do Brasil; José Speich, o Barão Von Knolsberdoff, Pires de Morais e, particularmente, Honório Armond, então no principado da Poesia Mineira, e quem pacientemente corrigiu meus primeiros escritos. (...)" 
Integrantes da Mesa Diretora da V Assembleia Magna da ABROL-MG Leste / Crédito pela foto: historiador Edson Brandão
 
Francisco Braga aguarda a convocação do Presidente José Cimino para proferir seu discurso / Crédito: historiador Edson Brandão

Orador Francisco Braga / Crédito: historiador Edson Brandão
  
Comenda João Guimarães Rosa instituída em novembro de 2022 e a ser concedida a personalidades, entidades culturais e incentivadores das artes
     
 

Expectativa e emoção ao desembalar o "regalo" do Duo Rute Pardini & Francisco Braga à ABROL-MG Leste / Crédito pela foto: historiador Edson Brandão


Imagem do médico-capitão João Guimarães Rosa, enquanto servia ao 9º BPM de Barbacena (1933-34) / Crédito pela foto: historiador Edson Brandão
Gratidão do casal pelo carinho da ABROL-MG Leste e do Rotary Club Barbacena
 / Crédito pela foto: historiador Edson Brandão
      


Doação de quadro de Guimarães Rosa (1933-34) à ABROL-MG Leste pelo Duo Rute Pardini & Francisco Braga / Inscrição: "Novembro de 2005 / Ao valoroso 9º BPM ofereço esta montagem artística do Cap-Médico João Guimarães Rosa que serviu nesta Unidade em 1933-34 / Ass. Cel Antônio Fernando Alcântara" / Desenho do artista João Reis reproduz o uniforme então adotado pela PMMG (Fonte: ALCÂNTARA, A. F.: PARAGENS DE ROSA: uma trajetória singular, Belo Horizonte, Ed. do Autor, 2020, p. 351). Publicação autorizada.


Duo Rute Pardini & Francisco Braga / Crédito: historiador Edson Brandão



Comendador Francisco Braga e cantora Rute Pardini













Presidente da ABROL-MG Leste, José Cimino, com os dois comendadores Geraldo Leite e Francisco Braga, agraciados com a Comenda João Guimarães Rosa em Assembleia Magna em 18/11/2023

Equipe responsável pelas Atividades Culturais (da esq. p/ dir.): Presidente José Cimino, Daniel Falzoni, Francisco Braga, Rute Pardini, Tamyres Brandão e Lucas Ventura Fajoses Gonçalves / Crédito pela foto: historiador Edson Brandão




III. BIBLIOGRAFIA

 
ALCÂNTARA, Antônio Fernando: PARAGENS DE ROSA: uma trajetória singular, Belo Horizonte, Ed. do Autor, 2020, 374 p. 
 
BarbaCenicas: Guimarães Rosa, o mágico do reino das palavras, vídeo no YouTube 
 
BARBOSA, Alaor: Sinfonia Minas Gerais: A Vida e a Literatura de João Guimarães Rosa-Tomo I, Brasília: LGE Editora, 2007, 388 p. 
 
BORTOLOTI, Marcelo: Correspondência inédita de Guimarães Rosa mostra a influência do pai em sua obra, revista Época, 25/09/2015 
 
BRAGA, Francisco J.S.: Tributo ao Cel Affonso Heliodoro dos Santos, post publicado no Blog do Braga em 15/07/2023 
 
DINIZ, Otávio Batista: 9º BPM, Sua História, Sua Gente, Barbacena: Ed. PMMG, 2006, 337 p. 
 
GOULART, Eugênio Marcos Andrade: Um tal doutor João. 1º capítulo do livro "O viés médico na literatura de Guimarães Rosa" postado por Blog Humanos/Conselho Federal de Medicina, s/d 
Link: https://humanos.cfm.org.br/2019/07/19/um-tal-doutor-joao/  👈                              
 
_______________________________: O viés médico na literatura de Guimarães Rosa. Editora: UFMG, 2011, 126 p. 
 
GUIMARÃES, Carmen Schneider: Senhoras e Senhores das Artes, Belo Horizonte: Emil Editora Ltda, 2007
 
GUIMARÃES, Vicente: Joãozito: a infância de João Guimarães Rosa. São Paulo: Panda Books, 2006. 
 
COSTA, Ana Luiza Martins: Veredas de Viator. In: JOÃO GUIMARÃES ROSA, Cadernos de Literatura BrasileiraINSTITUTO MOREIRA SALLES nº 20 e 21, 2006, pp. 10-58
 
LIMA, Geraldo França de: Discurso de posse na ABL-Academia Brasileira de Letras em 19/07/1990
 
MORAIS, Márcia Marques de: Guimarães Rosa: vida e obra nos alinhavos da linguagem, in BDMG'Cultural, 03/06/2022
Link: https://bdmgcultural.mg.gov.br/2022/06/guimaraes-rosa-vida-e-obra-nos-alinhavos-da-linguagem/ 👈
 
PASSOS, Najla & BRANDÃO, Edson: Trem de Minas: Guimarães Rosa e o conto que imortalizou a dor e a solidão do trem de doido de Barbacena  
 
RIOS, Mário Celso: Guimarães Rosa em Barbacena, WeBcena, o Guia de Barbacena na Web 
 
ROSA, João Guimarães: Discurso de posse na ABL-Academia Brasileira de Letras em 16/11/1967 
 
ROSA, Vilma Guimarães. Relembramentos: João Guimarães Rosa, meu pai. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 
 
ROSA, Guimarães & LORENZ, Günter. Diálogo com Guimarães Rosa. In: Guimarães Rosa, COUTINHO, Eduardo (org.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 62-97. (Fortuna Crítica, vol 6)