segunda-feira, 18 de maio de 2020

EVIDÊNCIA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE MÉNAGE E SUAS DUAS DISCÍPULAS PREDILETAS


Por Francisco José dos Santos Braga






I. INTRODUÇÃO


Quando eu publiquei uma pesquisa literária sobre Gilles Ménage, autor da famosa História das Mulheres Filósofas (1690) e suas discípulas, as notáveis "preciosas" do século XVII na França, com o título "Preciosas sim, mas nem um pouco ridículas", um amigo carioca brincalhão fez o seguinte comentário sagaz e também malicioso: "Tem alguma relação com a expressão 'ménage à trois'?", referindo-se especialmente à relação entre o mestre e duas alunas prediletas, Madame de Sévigné e Madame de La Fayette.

Mme de Sévigné
Mme de La Fayette
Gilles Ménage













Está claro que ménage significa aqui moradia, habitação, domicílio e em inglês corresponde a household. Logo, a tradução literal da expressão "ménage à trois" é "moradia a três", subentendendo um triângulo amoroso. A dúvida estava em saber se "ménage", além de substantivo masculino, fazia referência a um sobrenome.
Atualmente "ménage à trois" é utilizada para designar os relacionamentos sexuais entre três pessoas, nas seguintes modalidades possíveis: dois homens e uma mulher, com ou sem bissexualidade masculina, e duas mulheres e um homem, igualmente com ou sem bissexualidade feminina.
A indagação dele imediatamente suscitou minha curiosidade, desencadeou em mim uma série de questionamentos e pus-me a procurar a origem da expressão.

Inicialmente verifiquei a possibilidade de que essa expressão jocosa, popular entre os brasileiros, constasse na Internet, proporcionando verificar-se algo sobre sua origem.
Obtive também da Internet as respostas mais curiosas que entendo interessante reproduzir aqui uma delas:
"Casal que acolhe uma terceira pessoa em casa, geralmente o amante da mulher ou a amante do marido."
"Expressão francesa que conheceu uma grande notoriedade graças a Émile Zola na segunda metade do século XIX através de sua novela Pot-Bouille. À época, essas relações chamadas triangulares eram geralmente percebidas como um pretexto para piadas duvidosas sobre o marido traído ("corno" ou "chifrudo"), o que fez escola no teatro de vaudeville e nos programas de entretenimento em rádios e tevês."
"O correspondente do jornal 'Le Monde' em Londres conta a história do ménage à trois que formaram Lady Di, Charles e Camilla Parker, durante o primeiro casamento do Príncipe de Gales."
"Expressão francesa sinônima: plan à trois."

Link: http://www.expressions-francaises.fr/expressions-m/3165-menage-a-trois.html

 

Émile Zola (1840-1902), como se sabe, deu o título coletivo de Os Rougon-Macquart a um ciclo de vinte romances ou episódios, cujo subtítulo era "História natural e social de uma família sob o Segundo Império". Nesta obra o autor seguiu as vidas dos membros dos dois ramos titulares de uma família fictícia vivendo após a queda de Napoleão III. Escreveu sua novela Pot-Bouille como 10º episódio de Os Rougon Macquart no jornal Le Gaulois entre 23/01/1882 e 14/04 do mesmo ano. Ali, com o título de Pot-Bouille (traduzido por "sopa ordinária" ou caldo medíocre em português), pretendia, em sentido figurado, particularizar o estudo da sociedade humana feito sob a ótica da ciência, visto que estava especialmente interessado no problema da hereditariedade e na evolução. É sabido que anteriormente Zola tinha apreciado o magnífico trabalho feito por Honoré de Balzac, conhecido por A Comédia Humana, famoso ciclo de cunho generalista que pretendia ser o retrato da sociedade contemporânea. Inspirado por A Comédia Humana de Balzac, o escritor naturalista Zola, por sua vez, fez seu estudo particularizado, de forma estritamente naturalista e fisiologista, desses ramos de uma mesma família, seguindo seus próprios critérios científicos. Eis aqui um trecho extraído do Prefácio do autor para o primeiro episódio intitulado A Fortuna dos Rougon:
(...) Les Rougon-Macquart, le groupe, la famille que je me propose d'étudier a pour caractéristique le débordement des appétits, le large soulèvement de notre âge, qui se rue aux jouissances. Physiologiquement, ils sont la lente succession des accidents nerveux et sanguins qui se déclarent dans une race, à la suite d'une première lésion organique, et qui déterminent, selon les milieux, chez chacun des individus de cette race, les sentiments, les désirs, les passions, toutes les manifestations humaines, naturelles et instinctives, dont les produits prennent les noms convenus de vertus et de vices. Historiquement, ils partent du peuple, ils s'irradient dans toute la société contemporaine, ils montent à toutes les situations, par cette impulsion essentiellement moderne que reçoivent les basses classes en marche à travers le corps social, et ils racontent ainsi le Second Empire à l'aide de leurs drames individuels, du guet-apens du coup d'état à la trahison de Sedan. (...)
(Minha tradução: Os Rougon-Macquart, o grupo ou a família que proponho estudar, tem como característica o transbordamento de apetites, a grande sublevação de nossa era, que se precipita sobre o prazer. Fisiologicamente, seus membros são a lenta sucessão de acidentes nervosos e sanguíneos que se declaram numa raça, após uma primeira lesão orgânica, e que determinam, de acordo com os meios-ambientes, em cada um dos indivíduos desta raça, os sentimentos, os desejos, as paixões, todas as manifestações humanas, naturais e instintivas, cujos produtos tomam os nomes convencionados de virtudes e de vícios. Historicamente, partem do povo, irradiam-se por toda a sociedade contemporânea, elevam-se a todas as situações, por esse impulso essencialmente moderno recebido pelas classes mais baixas que marcham pelo corpo social e, assim, eles informam o Segundo Império: usando seus dramas individuais, desde a emboscada do golpe até a traição de Sedan.)

Link: https://books.google.com.br/books?id=RTnfAgAAQBAJ&printsec=frontcover&source=gbs_atb&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false (p. 17)

Cabe indagar: Teria, por acaso, ficado no subconsciente de Zola alguma referência a Gilles Ménage e suas duas discípulas prediletas quando criou a expressão "ménage à trois", subentendendo, além do significado do acolhimento de uma terceira pessoa pelo casal originário sob um mesmo teto, um pretenso "caso" amoroso entre Ménage e suas duas discípulas "preciosas"? Teria Molière (in As Preciosas Ridículas ou As Mulheres Sábias) ou outro autor feito algum trocadilho malicioso ou mandado alguma indireta a respeito dessa amizade envolvendo o abade e suas discípulas prediletas por inveja do brilho dos três protagonistas que desconhecemos?

Um fato é certo: é possível constatar a existência de uma predileção de Gilles Ménage (1613-1692) por duas de suas discípulas: marquesa Madame de Sévigné (1626-1696), nascida Marie de Rabutin-Chantal, e condessa Madame de La Fayette (1634-1693), nascida Marie-Madeleine Pioche de La Vergne, que, respectivamente, passaram para a história do Antigo Regime: a primeira, que ficou mundialmente famosa como autora com base em suas cartas, que revolucionaram o gênero epistolar, e a outra, como autora especialmente do romance A Princesa de Clèves, romance em um único volume, em oposição aos romances muito longos da época, e que representou a transição para o romance moderno. As duas eram quase parentas, pois a mãe da Madame de La Fayette, Isabelle Péna, em segundas núpcias (1650), foi casada com o chevalier René Renaud de Sévigné, tio de Madame de Sévigné. De acordo com Roger Duchêne, Marie-Madeleine conheceu Gilles Ménage, quando ele tinha trinta e oito anos, e ela, dezessete. Para surpresa do mestre Ménage, ela se casou inesperadamente em 1644 com o Marquês Henri de Sevigné, mulherengo e estróina, que veio a falecer em 1651 num duelo por causa dos belos olhos de uma amante. O marquês deu à sua esposa dois filhos: Françoise, nascida em 1646 e Charles, nascido em 1648.
Ainda mais inesperado foi o casamento de Marie-Madeleine com François Motier, Conde de La Fayette, com quem teve dois filhos.

Naquele meu trabalho acima referenciado consta um trecho da obra Madame de La Fayette - Sa vie et ses oeuvres, cujo autor é Harry Ashton, o qual assim se refere ao trio na nota de rodapé nº 6:
[ASHTON, 1922, p. 22-30] informa também que
“as cartas da Marquesa de Sévigné mostram que os laços de amizade entre ela e Madame de La Fayette se fortaleceram depois do casamento de Madame de La Vergne; já antes de 1652 as duas mulheres se conheciam, tendo se tornado parentas pelo segundo casamento de Madame de La Vergne. Todas as duas foram alunas de Gilles Ménage e mesmo a amizade particular do mestre por uma das duas alunas parece ter feito nascer um pouco de ciúme no coração da outra. Depois de um silêncio um pouco longo demais, Ménage escreveu à marquesa manifestando sua preferência por ela em detrimento de Madame de La Fayette. (...) Existe o costume, quando se fala das relações entre Ménage e suas alunas, de representar o mestre como um abade pedante, mulherengo, amante de todas as mulheres que ele encontrava, e perseguia as senhoritas de La Fayette e de Sévigné com suas atenções ao ponto de ser importuno e ridículo.”
Na opinião de Ashton, os documentos que apóiam essas acusações são muito frágeis.
“A verdade nos parece completamente outra. Há provas incontestáveis de que as duas moças faziam grandes esforços para reter Ménage como amigo e, sem acusá-las de terem sido elas as importunas, podemos admitir que elas provocavam o abadezinho para ter suas cartas e suas visitas.”
 
E Ashton justifica documentalmente com base nas correspondências do abade Ménage. Ele também calcula que foi por volta de 1650 que Marie-Madeleine começou a trabalhar sob a orientação de Ménage; essa data não combinaria bem com a carta de Madame de Sévigné escrita para reprovar Ménage por sua parcialidade em favor da nova aluna.

Link: https://books.google.com.br/books?id=VB09AAAAIAAJ&pg=PA24&lpg=PA24&dq=.&f=false

O melhor a fazermos talvez seja consultar outras obras de críticos e analistas literários que se debruçaram como verdadeiros detetives investigativos sobre a relação entre os três ilustres personagens e algumas passagens conhecidas vivenciadas por eles. Com base nas correspondências disponíveis entre as duas alunas prediletas e seu mestre, o abade Ménage, porventura é possível afirmar que nada pode ser incriminado a este último a não ser sua insistência em sentir-se amado, primeiro por Madame de Sévigné, e não correspondido, confessa seu amor pela amiga dela, Madame de La Fayette? Rejeitado por ambas suas prediletas, Ashton acha que a expressão "abadezinho" ou pobre abade seja pertinente, no caso. De posse das informações que vêm a seguir, poderá o leitor formar sua opinião e tirar sua própria conclusão.


II. ESTUDO INVESTIGATIVO NA OBRA VOLUMOSA DE CRÍTICOS E ANALISTAS LITERÁRIOS


[PRALON, 2011, 8-11], eleito em 2010 para a Academia de Marseille das Ciências, Belas Letras e Artes e acolhido em 22/03/2011, pronunciou as seguintes palavras no seu discurso de posse com referência a Roger Duchêne, biógrafo, especializado nas Cartas de Madame de Sévigné e que o antecedeu na mesma Cadeira:
“(...) no capítulo 9 de seu livro Madame de Sévigné, lindamente intitulado "Uma escolar de trinta anos" (p. 104-119 na edição de 1982, que possuo), Roger Duchêne mostra o que eram as conversas eruditas, tanto epistolares quanto romanescas. O poeta helenista, editor e comentador de Diógenes Laércio e de Malherbe, abade mundano também, Gilles Ménage (1612-1692), publicou, em 1652, Miscellanea contendo Poesias francesas, entre as quais "O pescador ou Alexis, Idílio a Madame a Marquesa de Sévigné, precedida dum elogio da própria homenageada, no papel de "belle insensible" (eu cito 11 versos do extenso poema):
Des ouvrages du ciel le plus parfait ouvrage,
Ornement de la cour, merveille de notre âge,
Aimable Sévigné, dont les charmes puissants
Captivent la raison et maîtrisent les sens;
Mais de qui la vertu, sur le visage peinte,
Inspire aux plus hardis le respect et la crainte.
Vous, dont l'humeur contraire aux lois de l'amitié,
Et dont la main sensible aux traits de la pitié
Fait ses doux entretiens et ses plaisirs uniques
Du funeste récit des histoires tragiques,
          Écoutez les soupirs d'un pêcheur amoureux (...)  ¹

(Minha tradução: Das obras do céu a obra mais perfeita, / adorno da corte, maravilha de nossa época, / amável Sévigné, cujos poderosos encantos / cativam a razão e dominam os sentidos, / porém cuja virtude, pintada no rosto, / inspira aos mais atrevidos respeito e temor. / Tu, cujo humor contrário às leis da amizade, / e cuja mão sensível às marcas da piedade / faz suas doces palestras e seus prazeres únicos / da funesta narração das histórias trágicas / escuta os suspiros dum pescador amante.)

O Idílio narra as tribulações do pastor Alexis (o próprio Ménage), amante infeliz da bela Íris (Mademoiselle de la Vergne, futura Condessa e Marquesa de La Fayette): "Ménage dedica a Madame de Sévigné, releva Roger Duchêne, a narração dum amor que não lhe foi destinado". O trio de amigos se acha fundado sobre uma rivalidade. A Marquesa de La Fayette definiu-lhe as regras numa carta dirigida ao abade (19/08/1652):
“Para mim, tenho vantagem sobre o Sr. *, pois continuei a amá-lo, embora disso tenha querido dizer, e o Sr. só me ataca sem motivo para se dar inteiro à Mademoiselle de La Vergne. Mas, enfim, ainda que ela seja mil vezes mais amável que eu, o Sr. teve vergonha de sua injustiça, e sua consciência lhe deu tão grandes remorsos que foi obrigado a repartir-se mais igualmente do que tinha feito primeiramente. Louvo a Deus deste bom sentimento e lhe prometo de por-me de acordo tão bem com essa amável rival que não ouvirá nenhuma queixa nem dela nem de mim; estando resolvida, quanto a mim, de ser em toda a minha vida a mais verdadeira amiga que tem.”  

* Observe que ela dá a Ménage um tratamento cerimonioso e formal, utilizado para pessoas desconhecidas ou respeitosas ("vós", em francês, traduzi por "o Sr.").

Vinte e seis anos mais tarde, Molière poderá zombar das "mulheres sábias" (1678), ridicularizar a pretensão ao saber na ordem da mundanidade; ele não saberia chegar a romper o charme desse gracejo elegante onde afloram algum equívoco e até mesmo alguma crueldade. Dez anos mais tarde, em 1662, Ménage, numa carta a Pierre-Daniel Huet, o erudito bispo de Avranches, sub-preceptor do Delfim, revela um epigrama de sua lavra sobre suas relações com as duas belas escritoras:
“Penso que tu me ouviste dizer outrora que eu tinha amado Madame de La Fayette em verso e Madame de Sévigné em prosa. Madame de La Fayette me obrigou a colocar este pensamento em verso, embora ela não tire proveito disso:

De Parménis et de Timarète
À qui j'ai dit mainte fleurette
On fait cent jugements divers.
Pour moi je n'en dis qu'une chose:
J'adorais Timarète en vers
Et j'aimais Parménis en prose.

(Minha tradução: De Parménis e de Timarète / A quem eu disse muito cachepô de flores / são feitos cem julgamentos diversos. / Para mim digo disso apenas uma coisa: / Eu adorava Timarète em versos / E eu amava Parménis em prosa.)

Timarète é Madame de La Fayette; Parménis, Madame de Sévigné. O poema não é de Malherbe, nem, com toda a razão, de Racine. Mas é composto com graça.
Roger Duchêne faz um breve apanhado das aspirações culturais das damas da alta sociedade * :
“Nada de mais importante para jovens como Madame de Sévigné ou Madame de La Fayette do que esta presença, a seus lados, de um abade cheio de espírito e de saber que as ajudasse, malgrado a ausência de formação inicial delas, a tomarem parte e espaço na cultura de seu tempo. Muitas damas puderam como elas, pelo menos na aristocracia, começar bons estudos na idade em que as jovens fechavam definitivamente seus livros. Elas desabrocharam, junto das academias, dos salões e até da corte, das redes ativas de intercâmbios culturais: após ter recebido de Ménage a 11ª Provincial, Madame de Sévigné lhe escreveu: “Li com muito prazer a 11ª Carta dos jansenistas. Parece-me que é muito bonita. Comunique-me se não é teu sentimento.” Como a litote é deliciosa! A troca literária estabelece um comércio de amizade e de inteligência: Madame de Sévigné quer aprender, junto de seu mentor, a apreciar os bons autores. A única reserva é que, não tendo aprendido o latim (e o grego), ela conhece mal os Antigos e “não pode ter contatos diretos com eles. O gosto do tradutor influencia o julgamento dela e a priva de sua liberdade.” (...) 

* Madame de Sévigné, 1982, p. 110-111.
Eis como Roger Duchêne reconstitui pacientemente uma constelação social e cultural, uma maneira refinada de ler, debater e escrever. A gente compreende e aprecia melhor essa literatura encantadora, muito frequentemente julgada frívola e impulsiva: lêem-se ainda hoje Madame de La Fayette (A Princesa de Clèves)... e Madame de Sévigné, acrescentaria eu, mesmo se a arte epistolar esteja um pouco perdida. ²  Seu retrato moral e literário, incessantemente remodelado, ganha novas nuances e se faz mais complexo: não se trata de contestar a ternura, a vivacidade de espírito, o estilo fluido e gracioso; mas descobre-se também uma mulher preocupada com moral e piedade, digna herdeira de sua avó, Jeanne de Chantal, e, contraditoriamente, uma mundana sensata, sedutora, um pouco imaginativa e até um pouco folgazã, segundo a fórmula "grande século" de Roger Duchêne. (...)
Modestamente, sem charlatanice, este terá poderosa e pacientemente contribuído para um conhecimento mais fino da era clássica, combatendo as ideias preconcebidas, que fariam de Madame de Sévigné uma mãe atenciosa mas superficial, de Madame de La Fayette uma mundana que afeta um pouco de recato e austeridade, de La Fontaine um simples animador, de Molière um comediante, em ruptura com as imposições da vida em sua família e seu meio ambiente. A Marquesa e a condessa foram autênticas e honradas mulheres eruditas, La Fontaine um esteta refinado, Molière, um humanista culto, uma espécie de filósofo, tanto quanto um cômico genial. (...)


Quanto à Madame de La Fayette, [ZECHLINSKI, 2012, 137-151], na sua tese intitulada Três Autoras Francesas e a cultura escrita no século XVII: gênero e sociabilidades, recomenda
“ler e reler as cartas trocadas entre Madame La Fayette e Ménage para compreender bem o que significava o amor terno, sobre o qual teorizou Madeleine de Scudéry e que "mais de uma grande dama viveu em companhia de um belo espírito que sabia criar em torno dela um clima de doce afeição e de atenção intelectual e moral que o casamento lhe recusava”. (...)
Conforme comentamos, o chamado amor galante aproximava-se mais das experiências vividas em amizades do que em casamentos. Ele pressupunha confiança, fidelidade, afeição e compartilhamento, sem necessariamente pressupor o envolvimento romântico, nem sexual, entre os dois amigos. Dessa forma, o amor galante era o sentimento que permitia homens e mulheres de letras suplantarem a hierarquia de gênero, tornando a amizade uma experiência de igualdade.
Porém, o desejo de igualdade na relação de amizade não significava o esquecimento da desigualdade social de fato existente. Assim, os homens de letras que investiam em relações de amizades com mulheres sábias estavam conscientes das dificuldades encontradas por elas para a aquisição dos bens culturais. Dessa forma, o auxílio que eles prestavam às suas amigas escritoras quanto à gramática e à elaboração das narrativas significava não só um ato de generosidade (que o ideal de amizade pressupunha), mas também uma maneira consciente de combater a misoginia da sociedade em que viviam. (...)
Portanto, Ménage pode ser inserido no rol de autores que procuraram contribuir para a elaboração de uma memória para as mulheres sábias, sobre a qual comentamos. (...)
O casamento de Marie-Madeleine com o Conde de La Fayette, em 1655, quando ela tinha vinte e dois anos, não proporcionou para a então Condessa uma experiência amorosa muito intensa. Quando se casaram, o Conde era um oficial aposentado de trinta e oito anos, viúvo e que vinha de uma família da alta nobreza, mas cuja renda não era muito alta. De acordo com Roger Duchêne, a forma um tanto apressada com que aconteceu o casamento de Madame de La Fayette gerou especulações no interior da corte. Contava-se que a jovem Marie-Madeleine estava grávida de outro homem (cujo nome desconhecemos) e que era necessário casá-la rapidamente. Sua família havia feito um acordo com o Conde de La Fayette, que, por sua vez, queria casar-se novamente o quanto antes, já que passava por dificuldades financeiras.
Tal história nunca foi confirmada, como avalia [DUCHÊNE, 2000], não existe nenhum documento que a comprove. Sabemos somente que os noivos não tinham qualquer proximidade anterior ao casamento e que o acordo para a cerimônia se desenrolou de maneira mais rápida do que o habitual. Madame de La Fayette acompanhou o marido para as terras que ele possuía no campo em Auvergne. Meses depois, ela enviou de lá uma carta à Madame de Sévigné lamentando-se por ter perdido o primeiro filho. Quando voltou a Paris, as intrigas sobre o seu casamento já haviam cessado e ela retomou o cotidiano nos espaços letrados.
Na realidade, o Conde e a Condessa de La Fayette adotaram um modo de vida que convinha principalmente a ela. Enquanto o marido permanecia grande parte do tempo nas terras em Auvergne, Madame de La Fayette vivia em Paris em sua casa da rua Vaugirard, onde abriu o próprio salão.
Como salonnière, Madame de La Fayette ampliou ainda mais os vínculos amistosos e tornou-se próxima de escritores e de homens de letras que, além de Ménage, influenciaram-na a escrever, entre eles Pierre-Daniel Huet e Jean Regnault de Segrais, que inclusive assinou os dois volumes de Zaïde, historie espanhole, entre 1699 e 1671. (...)

Hotel de Rambouillet, um dos mais 
prestigiados salões literários do Antigo Regime














Além das companhias mais íntimas da escritora, que continuavam a ser Gilles Ménage, Madame de Sévigné e também a cunhada do rei, Henriette d'Angleterre, a partir de 1660, Madame de La Fayette manteve uma relação de grande afinidade com o Duque de La Rochefoucauld, escritor que frequentava especialmente o salão de Madame de Sablé e que ficou conhecido pelo gênero das "máximas". (...).
A relação extremamente próxima da Condessa de La Fayette com o Duque era conhecida no ambiente letrado e, embora saibamos que eles mantinham uma constante correspondência, dela não foi preservada sequer uma carta, o que nos faz imaginar que eles devem ter tido o cuidado de destruí-las.
Já grande parte da correspondência que Madame de La Fayette manteve com Gilles Ménage foi preservada, embora muitas cartas tenham se perdido. (...)
A crença que um amor verdadeiro está presente na amizade mais do que no casamento é de fato perceptível pelas recorrentes cobranças de afeto e de atenção que Madame de La Fayette faz a Gilles Ménage. Ele não só a corresponde pela escrita epistolar, mas também através da escrita literária, pois muitas de suas obras são dedicadas para a amiga (...).
As demonstrações de afeição pela amiga foram recorrentes nas obras de Gilles Ménage, como demonstra Roger Duchêne, pois ela ocupou um lugar preponderante como musa nas poesias que ele publicou entre 1656 e 1658. (...)”


Segundo [ESMEIN-SARRAZIN, 2015, p. 77-89], grandes poemas de Ménage publicados em Poëmata e dedicados à Madame de La Fayette a enterneceram, especialmente o idílio Le Jardinier, a elegia Sur la Fièvre de Phyllis (sobre uma febre que ela sofrera), L’Oiseleur, La Bella Uccellatrice e o Sonetto que encerra o volume "in lode della virtuosissima, e bellissima signora de la Vergne".


Links: https://books.google.com.br/books?id=DtacQXCdri0C&pg=PA18&hl=pt-BR&source=gbs_toc_r&cad=4#v=onepage&q&f=false para a elegia Sur la Fièvre de Phyllis (89-92), o idílio Le Jardinier (p. 105-114) e Sonetto (p. 117) na 2ª edição (1656) de Poëmata, em Paris
para o idílio L'Oiseleur (p. 194-203) na 7ª edição (1680) de Poëmata, em Paris

https://books.google.com.br/books?id=omFEAAAAcAAJ&pg=RA19-PA5&lpg=RA19-PA5&dq=&f=false para o idílio La Bella Uccellatrice (p. 294-302), onde destaco os seguintes versos na 4ª edição (1663) de Poëmata, em Amsterdam:
(...) Nè men si farà gioco, 
Delle lagrime triste, & de' sospiri 
D'un infelice Amante: 
Sendo ella, ben lo sai, 
De' tenerelli Amori 
La Maestra e la Madre. (...)

(Trad. livre: Não se fará piada / Das lágrimas tristes e dos suspiros / Dum Amante infeliz: / Sendo ela, bem o sabes, / Dos tenros Amores / A Mestra e a Mãe.)

Em 20 de agosto de 1662, Madame de La Fayette lançou sua primeira novela: A Princesa de Montpensier, publicada sob anonimato, que teve uma difusão anterior à sua publicação. Não se sabe que papel Ménage representou na composição da narrativa, na elaboração e primeira redação da novela. Entretanto, é certo que, num segundo tempo, ele, que já era conhecido como autor de As Origens da Língua Francesa (1650), tomou parte da reprise, correção e retificação da versão inicial, algo comprovado graças à correspondência que a romancista mantinha com ele e que foi preservada. Essa obra que fez de Madame de La Fayette uma mulher de letras teve um sucesso vivo e imediato, e cinco novas edições, todas anônimas, foram lançadas ao longo do século XVII. Foi em seguida erigida em manifesto do romance francês e sua autora considerada pioneira no nascimento dum novo gênero literário. De fato, fez escola, na medida em que não somente orientou a poética romanesca dos decênios seguintes, mas também outras novelas históricas retomaram seus principais personagens. Em carta de fim de agosto de 1662 a Ménage, a romancista refere-se a "notre Princesse".


Sabe-se que ela fez o mesmo com Pierre-Daniel Huet, bispo de Avranches, alguns anos mais tarde quando da redação de Zaïde, história espanhola (1669-1671), o que pode ser comprovado por várias cartas dirigidas ao prelado testemunhando seu trabalho de reescrita e de emenda do romance. A colaboração dele pode ser comprovada também com a edição de Zaïde acolhendo um Tratado da Origem dos Romanos da autoria de Huet (vide imagem supra da capa do romance na edição de 1670).
Os críticos (especialmente Roger Duchêne e André Beaunier) têm considerado que as relações entre Ménage e Madame de La Fayette se interromperam entre 1665 e 1684, e têm atribuído sua rusga ao ciúme do primeiro por sua amada em face do cortejo cada vez mais insistente do Duque de La Rochefoucauld, o célebre autor das Máximas, que passou a prestar à autora uma colaboração literária intensa como conselheiro.
Duas outras novelas de Madame de La Fayette foram supervisionadas por Rochefoucauld, especialmente o segundo: Zaïde, história espanhola, em 3 volumes, e A Princesa de Clèves (1678), em 2 volumes, e outras produções posteriores. A Princesa de Clèves é tida como um dos primeiros romances psicológicos, e também o primeiro roman d'analyse que marcou um ponto de viragem na história do romance. Até então o romance histórico ou heróico costumava ter 10 volumes, como Ciro e Clélia de Madame de Scudéry. Madame de la Fayette desejou que seus dois romances mencionados aparecessem sob a autoria de Segrais, que concordou com a ideia, reservando-se o direito de fazer conhecer mais tarde o verdadeiro autor, o que fez com efeito.



[WALCKENAER, 1856, p. 57-80] trata do amor de Ménage pela Marquesa de Sévigné no livro I capítulo VI de suas Memórias no tocante à vida e aos escritos de Marie de Rabutin Chantal, a saber:
“(...) O abade Ménage (pois ele era também abade, e, como muitos outros, para possuir vantagens, mas não para poder exercer as funções eclesiásticas) podia ter 32 ou 33 anos, quando conheceu Marie de Rabutin-Chantal e consentiu em dar-lhe lições. Ele ainda não tinha publicado nada, mas gozava de boa reputação entre os eruditos, tanto franceses quanto estrangeiros, e em correspondência regular com os mais renomados entre eles. Ménage não pôde dar seus cuidados à instrução de Marie Chantal, sem se tornar amante dela; e desfrutava deliciosamente as marcas de amizade que ela lhe dava, e o sucesso de suas lições, quando as disposições feitas para o casamento de sua jovem aluna com o marquês de Sévigné vieram contristar seu coração. (...)
“Este projeto de ruptura de Ménage deu lugar a uma correspondência entre ele e ela, da qual só nos restam duas cartas; mas elas bastam para nos mostrar que Marie Chantal, jovem que era, tinha compreendido que o amor de Ménage era para ela sem consequência, e não a forçava a se privar das assiduidades dum homem cuja sociedade era agradável e instrutiva, e prova que, desde sua mais tenra idade, Madame de Sévigné não era estranha à arte das mulheres atraentes e sensuais, e que, se sua virtude não lhe permitia utilizá-la para conquistar amantes, ela sabia servir-se dela para conservar seus amigos e aumentar o número deles.

De Marie de Rabutin-Chantal, Marquesa de Sévigné (1626-96) vejamos aqui três epístolas de sua lavra dirigidas ao abade Gilles Ménage, seu preceptor, extraídas das Memórias de Walckenaer:

1. De Srta. Marie de Rabutin-Chantal a Ménage (Paris, ... *)

Eu digo ao Sr., ** mais uma vez, que não nos entendemos bem, e está muito feliz por ser eloquente, porque, sem isso, tudo o que você me pediu dificilmente valeria a pena. Embora isso esteja maravilhosamente bem resolvido, no entanto, não estou assustada com isso e sinto minha consciência tão clara sobre o que você me diz que não perco esperança de informar sua pureza. É, porém, uma coisa impossível, se o Sr. não me conceder uma visita de uma meia hora; e não entendo por que motivo ma recusa tão obstinadamente. Suplico novamente que o Sr. venha aqui e, como não quer que seja hoje, peço que o faça amanhã. Se não vier, talvez não fechará sua porta para mim, e eu o perseguirei tão de perto que o Sr. será forçado a admitir que está um pouco errado. No entanto, quer fazer-me passar por ridícula, dizendo-me que só está brigando comigo porque está zangado com a minha partida. Se assim fosse, eu mereceria bombons e não o seu ódio. Mas há toda a diferença, e só acho difícil de entender que, quando você ama uma pessoa e tem saudade dela, seja preciso, por isso, deixá-la com frio no último ponto, nas últimas vezes em que você a vê. Essa é uma maneira bem extraordinária de agir e, como eu não estava acostumada com ela, você deve desculpar minha surpresa. No entanto, eu imploro que você acredite que não há um daqueles velhos e novos amigos dos quais me fala, a quem eu não valorizo nem amo tanto quanto o Sr. É por isso que, antes de perdê-lo, me dê o consolo de colocá-lo numa situação incômoda, e de dizer que é o Sr. que não me ama mais.
Chantal.

* Carta de Marie de Rabutin-Chantal a Ménage (acredita-se que esta carta, assim como a seguinte, foi escrita em 1644, antes do casamento de Madame de Sévigné).

** Observe que ela dá a Ménage um tratamento cerimonioso e formal, utilizado para pessoas desconhecidas ou respeitosas ("vós", em francês, traduzi por "o Sr.").

O que mais picante e ao mesmo tempo mais amável que uma tal carta; e onde está o meio de resistir a ela quando a gente ama? Ménage não pôde: ele argumentou, desculpou-se, tergiversou sobre a expressão "defunta amizade" que ela tinha empregado em uma de suas cartas, e ele retornou, como escravo submisso, para se recolocar na corrente. Ela o tomou ao pé da letra e lhe respondeu assim:

2. De Srta. de Rabutin-Chantal a Ménage *

Foi o Sr. que me ensinou a falar de sua amizade como duma pobre defunta; pois, para mim, não seria nunca informada disso, amando-o como faço. Atribua as culpas a si mesmo desta palavra feia que lhe desagradou; e creia que não posso ter mais alegria do que saber que conserva por mim a amizade que me prometeu, e que está gloriosamente ressuscitada. Adeus.
Marie Chantal.

* Ménage tinha tomado a seus cuidados a educação de Srta. de Chantal. Desde que se tratava do casamento de sua aluna, parecia ter colocado nas suas relações uma frieza que Marie de Rabutin-Chantal tinha dificuldade de se explicar.

3. De Madame de Sévigné a Ménage (Paris, domingo, 12 janeiro 1654)

Eu estou agradavelmente surpresa de sua lembrança, senhor; há muito tempo que tinha suprimido as demonstrações da amizade que estou certa de que tem sempre por mim. Eu lhe rendo mil graças, senhor, por querer repô-las a seu lugar, e por me testemunhar o interesse que dá ao meu retorno e à minha saúde. Minha grande viagem *, numa tão rude estação, não me fatigou completamente, e minha saúde está de uma perfeição que eu desejaria à sua. Irei explicar-lhe tim-tim por tim-tim, senhor, e garantir-lhe que há espécies de amizade que a ausência e o tempo não dissolvem nunca.
A marquesa de Sévigné.

* Madame de Sévigné chegava da Bretanha.




Até 2015, estava tudo mais ou menos posto a respeito da relação de Ménage com suas duas discípulas prediletas, principalmente após os trabalhos de Roger Duchêne, que parecia terem fixado suas linhas mestras, quando [MABER, 2015, p. 35-46] trouxe novos insights, jogando nova luz sobre o que julgávamos estar definitivamente estabelecido. Abaixo vou resumir o que ele descobriu:

1) Segundo ele, As Memórias para servir à Vida de Monsieur Ménage, no tomo I do Menagiana de 1715, nos oferecem uma imagem completamente diferente de sua correspondência. Aí ficamos sabendo que Ménage mantinha correspondência, não somente com as pessoas de letras de Paris e das Províncias, mas também com os estrangeiros e que entre as obras manuscritas que ele deixou após sua morte se acham várias cartas latinas, francesas, italianas, a todos os eruditos da Europa.
Constata-se ainda lacunas importantes como na sua correspondência com os eruditos da Inglaterra como Émery Bigot, John Pearson, bispo de Chester, e Isaac Vossius.
Quanto à correspondência mantida com suas discípulas prediletas, temos 182 cartas de Madame de La Fayette para ele, mas somente 3 da parte de Ménage, às quais é possível acrescentar os rascunhos de 10 outras, e também 5 cartas em latim e 4 em italiano; mas é tudo o que nos resta de centenas de comunicações entre os dois amigos.
Quanto à Madame de Sévigné, temos apenas 18 cartas dela e nenhuma da parte de Ménage. Embora as cartas dela a Ménage possam ser lidas na edição de Roger Duchêne, Maber informa que nenhuma dessas cartas está datada, e sua datação por Duchêne está baseada em suposições às vezes equivocadas, como está também a discussão sobre as relações entre ela e Ménage na biografia da marquesa publicada pelo mesmo autor. Duchêne também está convencido de que as relações entre Ménage e Mme de Sévigné foram interrompidas por "rusgas e, finalmente (...) uma ruptura quase total" em 1663, segundo sua estimativa. Essa convicção determina sua datação das cartas dela, já que afirma que não houve nenhuma comunicação entre Ménage e ela após 1663. Mas infelizmente Maber considera que essa convicção está equivocada.
A favor de sua tese, Maber apresenta notas assinadas por Ménage e um diário de viagem a Paris manuscrito e inédito assinado por Alessandro Segni a serviço de seu senhor Francesco Riccardi, intitulado Viaggi di Asellandro Segni col Sige. Marchese Francesco Riccardi, que ele encontrou em bibliotecas de Florença, mostrando encontro marcado por Ménage entre esses viajantes florentinos e as duas discípulas, evidenciando que houve um encontro de Ménage com Mme de Sévigné em 02/02/1666 e, de novo, outro encontro em 16 e 18/02/1669, desta vez com as suas duas discípulas prediletas, quando novamente ele acompanhava os viajantes florentinos.

Graças a esses novos elementos da correspondência de Ménage, Maber acredita que seja necessário revisar a biografia de Mme de Sévigné, e também, repensar a datação de Roger Duchêne para várias de suas cartas. Fica aqui claro que os contatos entre o mestre e suas discípulas nunca foram definitivamente rompidos, conforme queriam os críticos.
Roger Duchêne estava convencido de que as relações entre Ménage e Madame de Sévigné deviam ter terminado com "brigas e, finalmente [...] uma ruptura quase total" em 1663, conforme sua estimativa. E essa convicção determina a datação dele para as referidas cartas, já que ele afirma que não houve nenhuma comunicação entre Ménage e a marquesa depois de 1663. Mas infelizmente essa convicção, como tantas outras certezas da história literária, está equivocada.
O caso de Madame de La Fayette é mesmo mais impressionante. Todos os biógrafos estão de acordo sobre o fato que depois dos anos de uma amizade muito próxima, houve um longo período em que Ménage e a condessa tinham completamente perdido o contato entre si. Segundo André Beaunier, "não há mais, durante duas dezenas de anos, nenhum bilhete, nem apenas um sinal de vida, trocados entre Ménage e Madame de La Fayette", e ainda segundo Beaunier, em 1684, depois do acidente de Ménage, ela deve ter tido pena dele, retomando o contato entre ambos. Por outro lado, Roger Duchêne afirma também que após 1665 "é o silêncio... ei-los separados por perto de vinte anos", e o repete na sua própria edição de suas Obras Completas. Ele tenta interpretar a ausência aparente de cartas entre Ménage e Madame de La Fayette: imaginou um melodrama passional: segundo ele, é ela que teria abandonado o mestre em favor do duque de La Rochefoucauld.

2) Além dos acidentes que tendem a dispersar toda correspondência antiga, o próprio Ménage contribuiu para esses problemas. Próximo ao fim de sua vida, Ménage teve a ideia de publicar uma Coletânea de correspondências em todas as línguas, e com essa intenção ele pediu de volta suas cartas a seus correspondentes, aí incluídas todas as cartas latinas que dirigiu à Madame de La Fayette. Mas ele jamais publicou sua coletânea: quase todas as cartas a ela se perderam, e muitas outras certamente tiveram a mesma sorte. E é bem enlouquecedor pensar que ele teria certamente escolhido para sua coletânea as mais interessantes e as mais bem escritas de todas suas cartas!





III. NOTAS EXPLICATIVAS




¹  Roger Duchêne foi autor do artigo "Madame de Sévigné à Marseille" [1673], da publicação da monumental edição da obra "Madame de Sévigné , Correspondência, edição crítica, texto estabelecido, apresentado e anotado por Roger Duchêne", 3 volumes, Gallimard, 1973-1978 (republicadas numa última edição completa emendada em 2005 para a Biliothèque de La Pléiade) e dos livros "Madame de Sévigné" (1982), "Madame de Sévigné ou la chance d'être femme", Fayard, 1982, edição aumentada 2002 e "Madame de Lafayette, la romancière au cent bras", biografia, Fayard, 1988, edição aumentada, 2000.

²  A seguinte variante consta da 2ª edição de Poëmata de Gilles Ménage (1656), p. 76-81:
Des ouvrages du Ciel le plus parfait ouvrage, 
Miracle de ces lieux, merveille de notre âge 
Aimable Sevigny, dont les charmes puissants 
Captivent la raison & maîtrisent les sens; 
Mais de qui la vertue sur le visage peinte 
Imprime aux plus hardis le respect & la crainte: 
Vous, dont l'humeur contraire aux lois de l'amitié, 
Et dont l'âme insensible aux traits de la pitié 
Fait ses doux entretiens & ses plaisirs uniques 
Du funeste récit des histoires tragiques, 
             Écoutez les soupirs d'un Pêcheur amoureux... (p. 76)



³   Como já o dizia elegantemente Pierre Guiral no seu discurso de saudação ao neo-acadêmico Roger Duchêne, quando admitido na Academia de Marseille das Ciências, Belas Letras e Artes em 1972:
“É preciso, para escrever uma carta, certa disposição da alma, um desejo de desabafar, o gosto de fixar o instante que passa e o mundo que foi; em suma, é preciso estar em estado de graça e muitas vezes nós temos até mesmo perdido o sentido da graça.” 




IV. BIBLIOGRAFIA



ASHTON, Harry: Madame de La Fayette - Sa vie e ses oeuvres, 1922, Cambridge at the University Press, 295 p.

BRAGA, Francisco José dos Santos: Preciosas sim, mas nem um pouco ridículas, ensaio postado no Blog do Braga em 1º de maio de 2020.

DUCHÊNE, Roger: “Lettres” (Prefácio às cartas de Madame de La Fayette). In: FAYETTE, Madame de. Oeuvres Complètes. Paris: François Bourin, 1999. p. 509- 512.

_____. Madame de La Fayette. Paris: Fayard, 2000, 523 p.

_____. Être femme au temps de Louis XIV. Paris: Perrin, 2004. 428p.

_____. Madame de La Fayette, la romancière aux cent bras, Paris: Fayard, 1988

_____. Madame de Sévigné, ou la chance d’être femme, Paris: Fayard, 1982

ESMEIN-SARRAZIN, Camille: Ménage lecteur et correcteur de La Princesse de Montpensier de Mme de Lafayette, dans Littératures Classiques 2015/3 (nº 88), p. 77-89.

MABER, Richard: La correspondance de Gilles Ménage: une ressource révélatrice méconnue, dans Littératures Classiques 2015/3 (nº 88), p. 35-46.

MANZANO, Thaís Rodegheri:  E se a literatura se calasse? - Os impasses do romance da Antiguidade ao século XX, seção "Era da Inocência", capítulo intitulado "Um caso isolado" sobre o romance A Princesa de Clèves de Madame de La Fayette, p. 41-43, São Paulo: Ed. Terceiro Nome, 129 p.

PRALON, Didier:  Discours de réception de M. Didier Pralon - Académie des Sciences, Belles-Lettres et Arts de Marseille

VILLEMAIN: Lettres Choisies de Madame de Sévigné à sa fille et à ses amis, précédées de l'éloge de Mme. de Sévigné par Mme A. Tastu, couronné para l'Académie française et de l'extrait du rapport de M. Villemain, Paris: Didier, Librairie-Éditeur, 1845

ZECHLINSKI, Beatriz Polidori: Três autoras francesas e a cultura escrita no século XVII: gênero e sociabilidades, tese de doutorado apresentada ao programa de pós-gradução em História da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012, 229 p. No capítulo 3, há uma seção denominada "Madame de La Fayette e Gilles Ménage" (p. 137-51).

ZOLA, Émile: Les Rougon-Macquart (Les 20 volumes): Édition augmentée, Arvensa Éditions, 2014, 900 p.

WALCKENAER, Charles Athanase: Mémoires touchant la vie et les écrits de Marie Rabutin-Chantal, dame de Bourbilly, Marquise de Sévigné, Paris: Librairie de Firmin Didot Frères, 1856, tomo I, cap. VI,  p. 57-80.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

PRECIOSAS SIM, MAS NEM UM POUCO RIDÍCULAS













Por Francisco José dos Santos Braga



Assim como Diógenes Laércio no século III dedicou a uma filósofa platônica chamada Arria sua obra Vidas de Filósofos Ilustres em 10 livros, bem como Gilles Ménage no século XVII dedicou sua Historia Mulierum Philosopharum a uma erudita francesa Madame Dacier, sua contemporânea; eu homenageio com este trabalho minha amada esposa Rute Pardini, que, com sua dedicação, colaboração, presença constante e estímulo, sempre me inspira.



I. ANTECEDENTES


Em 1690 foi publicada em Lyon a primeira edição de uma obra singular em latim: "Historia Mulierum Philosopharum" (História de Mulheres Filósofas),  por Gilles Ménage, dedicada a Anne Lefebvre Dacier (1647-1720) ¹, “a mais sábia das mulheres atuais e do passado”, intelectual francesa, editora e tradutora de inúmeros clássicos gregos e latinos, de quem Voltaire escreveu: “Madame Dacier é um dos prodígios do século de Luís XIV”. Anne Lefebvre Dacier foi uma erudita que Ménage considerou digna de ser admitida nos organismos do saber, ocupou um lugar privilegiado na sua História como "testemunho da admiração" que suscitou em seu autor. Amante da história da filosofia, ela merecia contar-se, pois, entre as apaixonadas da sabedoria, na opinião dele.

GILLES MÉNAGE

O autor da História, Gilles Ménage, nasceu em 1613, em Angers, e morreu em Paris em 1692, onde viveu grande parte de sua vida. Em Angers estudou humanidades, filosofia e direito sob a orientação de seu pai advogado. Continuou os estudos em Paris, cidade à qual regressou anos mais tarde após uma estada em Poitiers e, de novo, Angers. A sua condição física propensa à doença obrigou-o a trocar a advocacia pela carreira eclesiástica, tornando-se prior de Montdidier, sem ordenar-se contudo. Viveu na casa de Jean-François Paul de Gondi, cardeal de Retz (então coadjutor ao Arcebispo de Paris), onde ele praticava atividades literárias de lazer. Algum tempo depois de 1648, ele se desentendeu com seu protetor ², o que o levou a mudar-se para uma dependência situada no claustro de Notre-Dame de Paris, onde fundou seu próprio salão literário, reunindo ao seu redor nas quartas-feiras assembleias literárias a que deu o nome de mercuriais. As mercuriais patrocinadas por Ménage por 30 anos começaram em 1656 e foram frequentadas por poetas e críticos. Jean Chapelain, Paul Pellisson, Valentin Conrart, Jean François Sarrazin e Du Bos estavam entre os habitués. Também desfrutaram desta sociedade a grande escritora epistolar Madame de Sévigné e a novelista Madame de La Fayette. Ménage era tanto humorístico quanto briguento e fez muitos inimigos, tais como o dramaturgo Jean Racine, que impediu sua admissão na Academia Francesa de Letras. ³
As principais contribuições de Gilles Ménage são considerados seus trabalhos no terreno filológico. Dele podem-se citar as seguintes obras mais conhecidas:
• Resposta (de Gilles Ménage) ao discurso (do Abade d'Aubignac) sobre a comédia de Terence, Heautontimorumenos, que, ocasionalmente, lida com várias perguntas no tocante ao poema dramático. Título em francês: Responce au discours sur la comédie de Térence, intitulée Heautontimorumenos, où, par occasion, sont traittées plusieus questions touchant le poëme dramatique (Paris, 1640)
• Poemata latina, gallica, graeca, et italica (1656)
Observationes et emendationes in Diogenem Laertium; Paris, 1663 (reprint: London, 1664; Amsterdam, 1692)
• Em 1664, Ménage publicou em Londres uma edição da Lives of Eminent Philosophers, by Diogenes Laërtius, que contém uma vida anônima não editada de Aristóteles; essa vida era conhecida como 'Vita Menagiana' antes da edição crítica de Ingemar Düring, Aristotle in the Ancient Biographical Tradition, Estocolmo: Almqvist & Wiksell, 1957; reimpresso New York, Garland, 1987, p. 80-93) com o título 'Vita Hesychii' (a atribuição a Hesíquio de Mileto é controversa).
• Origini della lingua italiana (1669)
• Dictionnaire étymologique, ou Origines de la langue françoise (Paris, 1650 e 1694)
• Observations sur la langue françoise (1672–1676)
• Histoire de Sablé (1686). A segunda parte dessa obra foi editada do manuscrito e publicado por J. B. Haureau em 1873.
• Anti-Baillet (1690)
Historia mulierum philosopharum (1690/1692): Este último trabalho de Gilles Ménage é uma compilação de todas as informações que pôde reunir no tocante a mulheres filósofas da Antiguidade ao século XIV. Ménage o incluiu, como sempre o pretendeu, na sua monumental e definitiva edição de Lives of the Philosophers por Diógenes Laércio, a maior fonte conhecida de informações sobre "os" filósofos da Antiguidade. Assim, a História de Ménage tornou-se um suplemento, e corretivo às Vidas de Diógenes Laércio, e foi incluída em edições posteriores e traduções do insubstituível texto grego. Deste modo, a realidade da capacidade feminina para a mais elevada realização intelectual foi incontrovertidamente estabelecida, e as mulheres foram integradas dentro da corrente convencional da história da filosofia.
Menagiana, ou Les bons mots et remarques critiques, historiques, morales & d'érudition, de Monsieur Ménage, recueillies par ses amis, publié par Bernard de La Monnoye  (1693-1715) em pelo menos 4 tomos, foi uma publicação de suas brincadeiras, anedotas e julgamentos, reunidos por seus amigos após sua morte.


Link para o 4º tomo de Menagiana: https://books.google.com.br/books?id=0IVjAAAAcAAJ&pg=PP7&lpg=PP7&dq=Menagiana+ou+les+Bons+mots+et+remarques+critiques,+...&source=bl&ots=ihHahTCOqj&sig=ACfU3U0EoN0Ld0Jjif000Vh1h3zq4vXJRQ&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwji_b6Nw8LoAhVYIrkGHR6UBB44MhDoATAHegQICRAB#v=onepage&q=Menagiana%20ou%20les%20Bons%20mots%20et%20remarques%20critiques%2C%20...&f=false

Além disso, era autoridade em grego e latim e grande conhecedor da língua italiana. Lexicógrafo, gramático, latinista e também poeta, “menor”, se apressa a assinalar a crítica, foi figura controvertida que inspirou Molière na criação do personagem Vadius, em sua peça teatral Les Femmes Savantes (1672, ato III, cena III).
Sabe-se que frequentou o círculo da paradigmática chambre bleue (inaugurada em 1618 e concebida como um refúgio e, simultaneamente, como um locus amoenus) do hotel de Catherine de Rambouillet e que foi assíduo no salão literário de Mademoiselle de Scudéry (1607-1701) . Ambos eram pontos de reunião de mulheres e homens para conversar, ler, dissertar, compor versos; também para comentar textos recém publicados ou inclusive os que estavam para ir ao prelo, o que permitia que pudessem ser discutidos antes de ganharem sua forma definitiva. Ménage também foi recebido no restrito salão da Marquesa de Sablé (1598-1678), onde se debatiam questões teológicas. Igualmente, entabulou amizade com a Duquesa de Longueville (1619-1679) e fundou seu próprio salão literário nas habitações de Notre-Dame, onde realizou suas reuniões às quartas-feiras, donde o nome que ficaram conhecidas: as mercuriais.
Pode-se considerar que a História de Mulheres Filósofas de Ménage se insere no debate já conhecido nos dois séculos anteriores chamado de Querelle des femmes. O contexto da valorização feminina na literatura em meados do século XVII conheceu um constante crescendo desde La femme heroïque de Jacques du Bosc (1645), Le triomphe des dames de François du Soucy (1646), Le cercle des femmes savantes de Jean de La Forge (1663) e De l'égalité des deux sexes de François Poulain de la Barre (1673), este último um tratado muito bem recebido pelas “preciosas”. A amiga de Ménage, Mademoiselle de Scudéry, é apresentada frequentemente como “a soberana das preciosas”. Aqui não é o espaço para discutir a conotação negativa ou não deste termo. Entretanto, é inegável que, a partir da década de 1640, um grande número de mulheres cultas ocupou um lugar principal da vida mundana parisiense.

[BRIQUET, 1804, pp. XXIX e XXXI-XXXIV do Prefácio de seu Dicionário histórico, literário e bibliográfico das francesas, e das francesas naturalizadas na França] observa bem, quando se dirige, em segunda carta, a certa leitora chamada Elisa:
“(...) L’influence des femmes ne fut peut-être jamais plus sensible que sous le règne de Louis XIV. Ce prince les aima toute sa vie, et finit par épouser sa maîtresse. (...) On ne peut guères parler du siècle de Louis XIV, sans dire un mot du mérite des ouvrages des femmes de lettres qui l’ont illustré. Vous serez charmée de l’esprit et de la fécondité de Mademoiselle de Scudéry, du style et du bon goût de Madame Lafayette, des grâces naïves de Madame Sévigné, le La Fontaine de la prose ; de la pureté de la morale de Madame Lambert, de l’érudition profonde de Madame Dacier, et de l’intérêt qui anime les Mémoires de Mademoiselle de Montpensier et de Madame de Motteville. Les Idylles de Madame Deshoulières vous offriront la peinture des mœurs de l’âge d’or. (...)  Tel est, chère Élise, tel est à-peu-près l’aperçu que vous m’aviez demandé. Si mon esquisse est fidelle, vous devez y voir que, jusqu’à présent, les siècles où les femmes ont eu le plus d’empire, sont presque toujours ceux qui ont jeté le plus d’éclat.”
(Minha tradução: "A influência das mulheres jamais foi mais sensível que sob o reinado de Luís XIV. Esse príncipe as amou por toda a sua vida, e acabou por desposar a sua amante. (...) Dificilmente se pode falar do século de Luís XIV, sem dizer uma palavra do mérito das obras das mulheres de letras que o ilustraram. Tu ficarás encantada com o espírito e fecundidade de Mademoiselle de Scudéry; com o estilo e bom gosto de Madame La Fayette; com as graças inocentes de Madame Sévigné, a “La Fontaine” da prosa; com a pureza da moral de Madame Lambert, com a erudição profunda de Madame Dacier, e com o interesse que anima as Memórias de Mademoiselle Montpensier e de Madame Motteville. Os Idílios de Madame Deshoulières te oferecerão a pintura dos costumes da idade de ouro. (...)  Tal é, querida Elisa, tal é aproximadamente a visão geral que você me pediu. Se meu esboço for fiel, você deve aí ver que, até o presente, os séculos em que as mulheres tiveram mais poder, foram quase sempre os que elas mais brilharam.”  
Links: https://books.google.com.br/books?id=C3sOAAAAQAAJ&pg=false
https://books.openedition.org/pus/4169  
Desde muito cedo, a vida do abade Ménage aparece constelada de “mulheres ilustres”. Por certo escreveu sua História para homenagear suas amigas. Começo por duas escritoras, de quem foi preceptor e amigo: Madame de Sévigné (1626-1696)  e Madame de La Fayette (1634-1693) . Ele lhes deu uma educação “não formal”, pois a educação “formal”, do ponto de vista acadêmico, estava reservada aos varões. Pode-se supor que sua formação e paixão pelo conhecimento as tenham impulsionado a um saber superior ao da maioria das mulheres de sua condição social. À Madame de Sévigné o abade dedicou em 1652 um idílio de aproximadamente duzentos versos, intitulado O pescador, ou Alexis, do qual retiro os seguintes mais pomposos versos:
Des ouvrages du ciel le plus parfait ouvrage,
Ornement de la cour, merveille de notre âge,
Aimable Sévigné, dont les charmes puissants 
Captivent la raison et maîtrisent les sens;
Mais de qui la vertu, sur le visage peinte,
(Minha tradução: Das obras do céu a obra mais perfeita, / adorno da corte, maravilha de nossa época, / amável Sévigné, cujos poderosos encantos / cativam a razão e dominam os sentidos, / porém cuja virtude, pintada no rosto, / inspira aos mais atrevidos respeito e temor.)
No verão de 1652, Gilles Ménage lançou Miscellanea, onde se acha o idílio supracitado, um livro impresso que recolhia seus últimos escritos e que consagrava a reputação de uma estrela nascente da vida mundana. Em todas as obras que Ménage publicou depois disso, aproveitou todas as ocasiões de fazer o elogio de Madame de Sévigné.
Ménage relatou ao Supplément Manuscrit ao Menagiana, coletado por Feu M. Le Goux, Conselheiro no Tribunal de Apelação de Dijon, conforme texto citado no rodapé A da p. 605 de Remarques critiques sur le Dictionnaire de Bayle, Paris, 1752, vol. 2 :
“On a proposé depuis peu dans l'Académie Françoise des Dames, & des Dames illustres par leur esprit, & par leur sçavoir; Mlle de Scudery, Madame des Houlières, Madame Dacier, & quelques autres, qui sont très capables d'enrichir notre Langue par de beaux Ouvrages, & qui en ont déjà fait de merveilleux. M. Charpentier appuyoit cette proposition par les exemples des Académies de Padouë, où l'on reçoit les femmes sçavantes. Mon Traité Mulierum Philosopharum auroit pû fournir quelques exemples plus anciens des marques de distinction qu'on a accordées aux femmes sçavantes. La proposition, qu'on avoit faite à l'Académie, n'a pourtant eu aucune suite.”
(Minha tradução: “Há pouco foram propostas à Academia Francesa damas, ilustres por seu espírito e por seu saber: Mademoiselle de Scudéry, Madame des Houlières , Madame Dacier, e algumas outras, que são muito capazes de enriquecer nossa Língua com belas Obras, tendo produzido algumas maravilhosas. M. Charpentier apoiava essa proposição pelos exemplos das Academias de Pádua, onde se admitem as mulheres sábias. Meu Tratado de Mulheres Filósofas teria podido fornecer alguns sinais mais antigos de distinção concedidos a mulheres eruditas. Porém, a proposição não recebeu qualquer encaminhamento.”) 
Poder-se-ia perguntar: de que natureza é essa História em que duas mulheres “preciosas" são apresentadas como um modelo inspirador ou como um ponto de partida? Qual é o seu conteúdo e sua forma? De que trata a História de Ménage?
Reconhecidamente a História de Ménage inovou ao reconhecer 65 nomes de filósofas que viveram entre os séculos XII a.C. e XIV d.C. Embora o seu trabalho tenha o mérito de mostrar a histórica situação de esquecimento e silêncio, não trata propriamente de apresentar o conteúdo do pensamento filosófico das mulheres filósofas que ele cita. Indica apenas o nome de cada uma delas, as fontes em que aparecem mencionadas e as escolas filosóficas às quais se filiaram. Ménage as agrupa em onze categorias e inicia sua descrição com as seguintes: 
1) Filósofas de "escola incerta", de acordo com a segunda edição de 1692: Hipo, Aristoclea, Cleobulina, Aspasia, Diotima, Beronice, Pánfila, Clea, Eurídice, Julia Domna, Miro, Sosipatra, Antusa, Aganice, Eudocia (Atenaida), Santa Catalina, Ana Comnena, Eudocia (esposa de Constantino Paleólogo), Panipersebasta, Novella e Eloísa; 
2) Filósofas platônicas: Lastenia, Axiotea, Arria, Gemina (mãe), Gemina (filha), Anfilia e Hipatia; 
3) Filósofas acadêmicas: Cerellia; 
4) Filósofas dialéticas: Argia, Teognida, Artemisia e Pantaclea; 
5) Filósofa cirenaica: Arete; 
6) Filósofa megárica: Nicarete; 
7) Filósofa cínica: Hiparquia; 
8) Filósofas peripatéticas: filha de Olimpiodoro e Teodora; 
9) Filósofas epicúreas: Temista, Leoncio e Teófila; 
10) Filósofas estóicas: Porcia, Arria (mãe), Arria (filha), Fania, Teófila (veja em epicúreas); 
11) Filósofas pitagóricas: Temistoclea, Teano (esposa de Pitágoras), Mía, Arignota, Damo, Sara, Timica, Filtis, Ocelo, Ecelo, Quilónide, Teano (esposa de Brontino), Mía (veja mais acima), Lastenia (veja em platônicas), Habrotelia, Equecratia, Tirsenis, Pisírrode, Nesteadusa, Boio, Babelima, Cleecma, Fintis, Perictione, Melisa, Ródope e Ptolemaide.
Observe que Ménage divide as filósofas por correntes de pensamento, mas começa sua descrição com aquelas que não pertencem a nenhuma escola. Ele então descreve as mulheres das escolas platônica, acadêmica, dialética, cirenaica, megárica, cínica, peripatética, epicúrea e estóica. E, curiosamente, as pitagóricas são mencionadas por último.
Houve duas edições da História de Ménage: de 1690 e de 1692. A segunda edição traz algumas modificações assim como pequenas correções. Nos poucos pontos significativos em que a edição de 1690 difere da de 1692, Ménage assinalou a variante entre colchetes duplos.
Entre a primeira edição (1690, quando contava 77 anos) e a segunda (1692), Ménage seguiu em sua busca. De fato, as principais mudanças da segunda edição têm a ver precisamente com o acréscimo de duas filósofas medievais: Eloísa (1101-1164) e Novella (século XIV), com as quais ele cruza a fronteira da Antiguidade. A segunda, a jurista Novella, o autor diz incluí-la entre as filósofas “porque é o que faz Ulpiano […] quando chama filósofos aos jurisconsultos que praticam uma verdadeira e não simulada filosofia”.
Por que era preciso que a homenagem a suas amigas fosse feita em latim? Segundo a prefaciadora da versão italiana da História (2005) de Ménage, Chiara Zamboni, o fato de que tinha escrito o livro na língua dos eruditos pode ter a ver com a intenção de dirigir-se a outros intelectuais, com o objetivo de atrair sua atenção para as pensadoras do passado para refutar, já de modo conclusivo, a generalizada e persistente opinião de que nunca tinha havido filósofas (ou, em seu caso, muito poucas). Os estudiosos tinham que saber que já na Antiguidade houve pensadoras. Por outro lado, tinham que sabê-lo as próprias mulheres que naquele preciso momento estavam construindo pensamento. Sua atuação demonstrava que não eram as primeiras; tampouco constituíam essa “exceção” frequentemente tão incômoda que nos apresentam determinados textos encomiásticos. Sabe-se a data quando foi publicado o livro pela primeira vez (1690), mas não quando começou a ser gestado nem se houve uma transmissão oral anterior. 
Ménage tem sido criticado pelo seu estilo de historiar. Curiosamente ou não, seu trabalho resultou em uma obra muito parecida com a que fez Diógenes Laércio. Ambos os estilos de historiar têm sido criticados, segundo recorda Carlos García Gual, com base
en ciertos prejuicios modernos acerca de cómo debería escribirse una buena historia filosófica. No en vano fue Hegel uno de los lectores más despectivos de nuestro autor [Laercio], al que trató de «amontonador de opiniones varias» y «chismorreador superficial y fastidioso» [...]. Se le viene a reprochar al buen Diógenes Laercio que no compusiera su historia atendiendo más a las ideas de fondo [...] y que, en cambio, gustara de demorarse en las citas de tantos nombres propios, en referencias bibliófilas de segunda y tercera manos [...] desatendiendo las ideas esenciales.
(Minha tradução: "(...) em certos preconceitos modernos sobre como se deveria escrever uma boa história filosófica. Não em vão foi Hegel um dos leitores mais depreciativos de nosso autor (Laércio), a quem tratou de “acumulador de opiniões variadas” e “fofoqueiro superficial e enfadonho” […]. O bom Laércio é censurado por não ter composto sua história da filosofia atendendo mais às ideias de fundo […] e que, ao invés, gostava de demorar-se nas citações de tantos nomes próprios, em referências bibliófilas de segunda e terceira mãos […] negligenciando as ideias essenciais.")
* GARCÍA GUAL, Carlos: «Introducción», in: Diógenes Laercio, Vidas de los filósofos ilustres, op. cit., pp. 8-9, Madrid: Alianza, 2008.
 
Ménage inovou ao reconhecer 65 nomes de filósofas que viveram entre os séculos XII a.C. e XIV d.C. Embora o seu trabalho tenha o mérito de mostrar a histórica situação de esquecimento e silêncio, não trata propriamente de apresentar o conteúdo do pensamento filosófico das mulheres filósofas que ele cita. Indica apenas o nome de cada uma delas, as fontes em que aparecem mencionadas e as escolas filosóficas às quais se filiam. Ménage as agrupa em onze categorias e inicia sua descrição com aquelas de “escola incerta”. 
Qual é o critério usado por Ménage para dizer que uma mulher tenha sido filósofa (e não por exemplo sábia, escritora ou sacerdotisa)? Ménage se baseia no que as fontes dizem e convoca determinada mulher sempre que tiver sido citada como sábia ou filósofa. Depois, há as esposas, as irmãs, as filhas, as discípulas, as amigas de um filósofo. Sobre as fontes utilizadas, Ménage citou, entre outros, Ateneu, Laércio, Aulo Gello, Cícero, Clemente de Alexandria, Jâmblico, Latâncio, Luciano, Pausânias, Plínio, Porfírio. Mas a fonte mais citada é Sudas, uma enciclopédia dos mais variados tópicos, escrita em grego por volta do ano 1000. 
"O fato de Ménage valorizar esse aspecto sugere a ideia de que o autor de uma doutrina ou escola filosófica não era tão importante para ele, mas a prática discursiva como local de produção da filosofia". (Para Pierre Hadot, é filósofo aquele que vive filosoficamente, não quem desenvolveu uma filosofia). O maior exemplo nesse sentido é o de Hipatia de Alexandria (por volta de 375-415 d.C.), sobre a qual Ménage escreve: “Filha e discípula de Teone de Alexandria, filósofo, geômetra e matemático, ela superou em sabedoria seu pai e mestre.” 
Houve duas edições da História de Ménage: de 1690 e de 1692. A segunda edição traz algumas modificações assim como pequenas correções. Nos poucos pontos significativos em que a edição de 1690 difere da de 1692, Ménage assinalou a variante entre colchetes duplos. Entre a primeira edição (1690, quando contava 77 anos) e a segunda (1692), Ménage seguiu em sua busca. De fato, as principais mudanças da segunda edição têm a ver precisamente com o acréscimo de duas filósofas medievais: Heloísa (1101-1164) e Novella (século XIV), com as quais ele cruza a fronteira da Antiguidade. A segunda, a jurista Novella, o autor diz incluí-la entre as filósofas "porque é o que faz Ulpiano […] quando chama filósofos aos jurisconsultos “que praticam uma verdadeira e não simulada filosofia”.
Por que era preciso que a homenagem a suas amigas fosse feita em latim? Segundo Chiara Zamboni, o fato de que tinha escrito o livro na língua dos eruditos pode ter a ver com a intenção de dirigir-se a outros intelectuais, com o objetivo de atrair sua atenção para as pensadoras do passado para refutar, já de modo conclusivo, a generalizada e persistente opinião de que nunca tinha havido filósofas (ou, em seu caso, muito poucas). Os estudiosos tinham que saber que já na Antiguidade houve pensadoras. Por outro lado, tinham que sabê-lo as próprias mulheres que naquele preciso momento estavam construindo pensamento. Sua atuação demonstrava que não eram as primeiras; tampouco constituíam essa “exceção” frequentemente tão incômoda que nos apresentam determinados textos encomiásticos. Sabe-se a data quando foi publicado o livro pela primeira vez (1690), mas não quando começou a ser gestado nem se houve uma transmissão oral anterior.
TRECHO DO PREFÁCIO DA “HISTÓRIA DAS MULHERES FILÓSOFAS”
O número de mulheres que escreveram é tão grande que apenas com seus nomes se poderia encher um volume extenso. Porém a maioria delas se dedicou a estudos agradáveis: retórica, poesia, história, mitologia e correspondência elegante. Entretanto, também houve algumas que se aplicaram a uma disciplina mais séria: a filosofia. Graças aos fragmentos de Sópatro, citados por Fócio, sabe-se que o estóico Apolônio escreveu um curioso livro sobre essas mulheres. Além disso, Sudas nos informa que o gramático Filocoro escreveu concretamente sobre as pitagóricas. Seguiram Platão, Plutarco, Juvenal, Clemente de Alexandria, Diógenes Laercio, Lactâncio, Focio e Sudas, entre outros.  E Juvenal explica que em sua época as mulheres cultivavam a filosofia. Por isso, é surpreendente que Dídimo, o gramático mais douto de seu tempo, somente cite Temista como filósofa, e Lactâncio, o escritor eclesiástico mais erudito, só mencione Teano. Eu, de minha parte, encontrei sessenta e cinco filósofas nos livros dos antigos. Como me propus a escrever sua história, pareceu-me dedicá-la a ti, Anne Lefebvre Dacier (1647?-1720) *, a mais sábia das mulheres atuais e do passado, para que este trabalho seja também um testemunho da admiração que me inspiras. Além disso, não considero que o fato de haver-te recentemente dedicado minha dissertação sobre o Heautontimorumenos, de Terêncio, seja suficiente mostra de minha admiração por ti. E não se surpreenderão de que te dedique esta exposição das vidas das filósofas os que sabem que Diógenes Laércio dedicou sua obra sobre a vida dos filósofos a uma mulher. (...)”
* Dela escreveu Voltaire: “Madame Dacier é um dos prodígios do século de Luís XIV”, como já vimos.


Costuma-se reprovar que Laércio não tenha composto uma história da filosofia em sentido moderno, e o mesmo sucede com Ménage. Claro, gostaríamos muito de saber mais qual era o pensamento das mulheres convocadas, além da menção de seus nomes. Por outro lado, também é verdade que, devido à escassez de informação sobre as opiniões filosóficas das pensadoras, na maioria dos casos não se pode mais do que sobrevoar seu pensamento.
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Finalmente, eu gostaria de fornecer ao leitor um julgamento muito equilibrado da contribuição de Diógenes Laércio para o nosso conhecimento da filosofia na Antiguidade, constante de uma tese de John Sellars apresentada à Universidade de Warwick para a obtenção do título de PhD e intitulada The Art of Living: Stoic Ideas Concerning the Nature and Function of Philosophy (2001).
[SELLARS, 2001, p. 42 e nota de rodapé nº 70], in The Art of Living: The Stoics on the Nature and Function of Philosophy: “As with Xenophon, it has been common to dismiss Diogenes Laertius as a superficial and unphilosophical author. Likewise, the Cynics themselves have often been dismissed as proponents of a lifestyle rather than a philosophy proper. Yet such responses presuppose a conception of philosophy that the Cynics would have completely rejected. In the case of Diogenes the Cynic, one might even say that it is only in an anecdotal history such as that of Diogenes Laertius that one can begin to approach his philosophy conceived as a way of life. Within this context, Diogenes Laertius' compendium of amusing χρεῖαι far from being philosophically trivial is, with regard to the Cynics at least, the most philosophical form of writing there can be.”
LONG: The Socratic Tradition, p. 31: “Diogenes Laertius's anecdotal style is generally an impediment to philosophical informativeness. In the case of the Cynic Diogenes, however, anecdote and aphorism should be construed as the essential vehicles of his thought.” Igualmente, FREDE: Essays in Ancient Philosophy, p. XXVII: “There is no doubt that the Lives and Views of the Philosophers of a Diogenes Laertius are bad history of philosophy, but perhaps they do capture an aspect of ancient philosophy that the scholarly history of philosophy, given its aims, passes over, but that, nonetheless, is real and of interest.” Also NIETZSCHE: Schopenhauer as Educator § 8 (KGW III 1, 413; Complete Works 2, 246): “I for one would rather read Diogenes Laertius than Zeller, because at least the spirit of ancient philosophy is alive in the former, whereas in the latter neither this spirit no any other spirit is alive.”
(Minha tradução  do trecho  constante de A Arte de Viver: Os Estóicos sobre a Natureza e Função da Filosofia, p. 42 e nota de rodapé nº 70:
“Tal como acontece com Xenofonte, tem sido comum descartar Diógenes Laércio como autor superficial e não filosófico. Da mesma forma, os próprios Cínicos têm sido frequentemente descartados mais como proponentes de um estilo de vida do que de uma filosofia propriamente dita. Porém, tais reações pressupõem uma concepção de filosofia que os Cínicos teriam rejeitado completamente. No caso de Diógenes o Cínico, poder-se-ia dizer que está APENAS numa história anedótica, tal como a de Diógenes Laércio que é possível começar a abordar sua filosofia concebida como um modo de vida. Nesse contexto, o compêndio de Diógenes Laércio de divertidos lugares comuns (anedotas e ditos), longe de ser filosoficamente trivial, é, pelo menos com relação aos Cínicos, a forma mais filosófica de escrita que possa existir.”
Igualmente, LONG: A Tradição Socrática, p. 31: “O estilo anedótico é geralmente um impedimento à informatividade filosófica. No caso de Diógenes o Cínico, contudo, a anedota e o aforismo devem ser construídos como os veículos essenciais de seu pensamento.” Ou ainda FREDE: Ensaios na Filosofia Antiga, p. XXVII: “Não há dúvida de que Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres de um Diógenes Laércio são uma má história da filosofia erudita, mas talvez captem um aspecto da filosofia antiga que a história da filosofia erudita, dados seus objetivos, passa ao largo, mas que, no entanto, é real e de interesse.” Também NIETZSCHE: Schopenhauer como Educador § 8 (KGW III 1, 413; Obras Completas 2, 246): “Eu prefiro ler Diógenes Laércio a Zeller, porque pelo menos o espírito da filosofia antiga está vivo no primeiro, enquanto no segundo nem esse espírito, nem outro espírito está vivo.”)
Link: https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=6.+The+Stoic+Division+of+Philosophy+-+WRAP%3A+Warwick+... 

 








II. NOTAS EXPLICATIVAS
    
ANNE LEFEBVRE DACIER

¹  ANNE LEFEBVRE DACIER era filha de Tanneguy Lefebvre, professor de grego e humanidades. Nasceu numa pequena cidade de Touraine, mas passou sua infância numa cidade da região de Loire. Casou-se em primeiras núpcias com Jean Lesnier, de quem se separou em 1670; em segundas núpcias, com o discípulo preferido de seu pai, André Dacier, também filólogo. Seu pai faleceu em 1672, após o que se mudou para Paris, trazendo em sua bagagem parte de uma tradução de Calímaco, que ela publicou dois anos depois. Dedicou parte de seu tempo às edições da coleção de clássicos gregos e latinos ad usum Delphini, destinados à educação do filho de Luís XIV, cuja edição estava aos cuidados de um amigo de seu pai, Pierre-Daniel Huet, então tutor assistente do Delfim e responsável pelas séries de edições ad usum Delphini (conhecidas comumente como Clássicos do Delfim). Ele encomendou suas edições de Publius Annius Florus (1674), Dictys Cretensis (1680), Sextus Aurelius Victor (1681) e Eutropius (1683). Anne participou da disputa entre os antigos e os modernos, e sua preferência recaiu nos primeiros. Traduziu Calímaco para o latim, como vimos, e para o francês sua versão em prosa de Anacreonte e Safo (1681), versões em prosa de Plauto (1683), Aristófanes (1684), Terêncio (seis comédias, 1688) e Homero. Em 1684, ela e seu marido retiraram-se para Castres, com o objetivo de dedicarem-se a estudos teológicos. Em 1685 os Daciers foram agraciados com uma pensão de Luís XIV por sua conversão ao Catolicismo Romano. Anne e André colaboraram em duas traduções: Meditações de Marco Aurélio (1691) e as primeiras seis Vidas Paralelas de Plutarco (1694). Em 1699 apareceu sua versão em prosa da Ilíada, que lhe valeu a estima em que é tida na literatura francesa. Seguiu-se, nove anos depois, idêntica versão da Odisseia, que Alexander Pope achou útil.  Essa tradução de Dacier, especialmente da Ilíada, que descobriu Homero a muitos homens de letras da França, entre os quais Houdar de la Motte, ofereceu a oportunidade de uma retomada da disputa francesa dos Clássicos e dos Modernos, encenada nos anos de 1687-8 entre Charles Perrault (a favor de uma literatura adaptada à época contemporânea e formas artísticas novas) e Boileau e Racine (que advogavam a imitação das regras e dos textos antigos). La Motte corrigiu e abreviou o original e o acompanhou de um prefácio contendo um Discurso sobre Homero, em que toma a defesa dos Modernos. Dacier replicou com o seu tratado Das causas da Corrupção do Gosto, onde debatia a questão da prioridade do original ou duma tradução. Essa polêmica, na qual intervieram autores tão diferentes como Fénelon, o abade Terrasson e Jean Boivin, acabou também em 1716 com uma reconciliação pessoal dos principais atores.  Também de Dacier foram publicadas postumamente, em 1724, anotações sobre a monumental tradução de Pope (1713-1720) dos dois poemas épicos de Homero para a língua inglesa, que Samuel Johnson considerava a mais grandiosa tradução jamais realizada em língua inglesa ou em qualquer outra.  Dacier, por sua vez, publicou em 1724 anotações sobre a monumental tradução de Pope (1713-1720) dos dois poemas de Homero para a língua inglesa. 
Cf.  https://en.wikipedia.org/wiki/Anne_Dacier https://fracademic.com/dic.nsf/frwiki/109248 https://fracademic.com/dic.nsf/frwiki/1397109 

Jean-François Paul de Gondi, Cardeal de Retz
     
²  [JOLY, 1752, 528] relata que 
(...) Feu M. Legoux, Conseiller au Parlement de Dijon a laissé un Supplément manuscrit au Menagiana. Comme cet habile Magistrat, lorsqu'il étoit à Paris, assistoit aux Conférences de Ménage, il recueillit plusieurs traits sortis de la bouche de ce Sçavant, une partie desquels a échappé aux Editeurs du Menagiana. J'en citerai ici un seul, parce qu'il concerne Ménage.
“Lorsque je quittai M. le Cardinal de Rets, M. le Prince de Conti me fit offrir quatre mille livres de pension, si je voulois être à lui. J'en fus fort tenté, ce Prince ayant alors de grands Bénéfices, & pouvant m'en faire tomber quelques-uns. Je consultai mes Amis là-dessus, & leurs avis furent partagés; mais je prononçai pour la liberté, comme les Jurisconsultes: In dubiis pro libertate pronuntiandum. Je crus que je devois demeurer libre. Lorsque je sortis de la maison du Cardinal de Rets, ma sortie fit bien du bruit. Tout le monde en parla, jusqu'au Gazetier qui faisoit alors la Gazette en Vers Burlesques:

Le Bel-Esprit, Monsieur Ménage,

Est, dit-on, en mauvais ménage

Avec le Cardinal de Rets;

  On ne sçait par quels interêts.

Ce Cardinal, qui passoit pour un grand homme, se laissoit conduire comme un enfant. Les femmes le gouvernoient, & lui avoient fait de mauvais présens. Au reste, il n'étoit pas capable d'écrire l'Histoire en Latin, quoiqu'il le fit croire. On dit qu'il en avoit composé une qui commençoit ainsi: Visa narro, audita non moror. On n'en verra jamais que ces mots-là. (...)”
(Minha tradução: “Feu M. Le Gouz, Conselheiro no Tribunal de Apelação de Dijon, deixou um Supplément Manuscrit ao Menagiana. Como este hábil Magistrado, quando estava em Paris, assistia às Conferências de Ménage, recolheu diversos traços saídos da boca deste Sábio, uma parte das quais escapou aos Editores do Menagiana. Desses, eu citarei aqui um só, porque tem relação com Ménage.” (...) Quando eu deixei Mr. Cardeal de Rets, Mr. Príncipe de Conti mandou oferecer-me 4.000 libras de pensão, se eu quisesse estar junto dele. Fui muito tentado a aceitá-lo, pois este Príncipe tinha então grandes Bens, & podia mandar cair alguns em minhas mãos. Consultei meus Amigos a respeito, & seus conselhos foram divididos; mas eu optei pela liberdade conforme os Jurisconsultos: In dubiis pro libertate pronuntiandum. Eu achei que devia ficar livre. Quando eu saí da casa do Cardeal de Rets, minha saída fez muito barulho. Todo o mundo falou dela, até o redator que fazia então a Gazeta em Versos Burlescos:
O Belo-Espírito, Senhor Ménage, 
Está, dizem, em má moradia 
Com o Cardeal de Rets;
Não se sabe por quais interesses.
Esse Cardeal, que se passava por um grande homem, se deixou conduzir como uma criança. As mulheres o dominavam, & lhe tinham feito maus presentes. De resto, ele não era capaz de escrever a História em Latim, embora o fizesse crer. Dizem que ele havia composto uma delas que começava assim: Visa narro, audita non moror. Nunca se verão a não ser essas palavras. (...)” 
Link: https://books.google.com.br/books?id=Y5daAAAAYAAJ&pg=&source=bl&ots=jRGYldZFQN&sig=ACfU3U358M8F3UEfxz1Doo7kIGdxoLOk0Q&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwi9uvzryMXoAhVeGbkGHUwCBEUQ6AEwAXoECAsQAQ#v=false    
Academia Francesa de Letras, criada por Cardeal de Richelieu em 1635
 
³ Sobre as razões que levaram à não-admissão na Academia Francesa recomendo a leitura da tese de Isabelle Leroy-Turcan, defendida na Université Jean Moulin, Lyon III, intitulada “Gilles Ménage et l'Académie Française”. Na Introdução, a autora vai direto ao ponto: Gilles Ménage foi membro, em 2 de setembro de 1654, da ilustre Academia florentina, a Accademia della Crusca, onde foram também admitidos outros franceses, tais como Chapelain (ao mesmo tempo que Ménage), depois François Seraphin Regnier Des Marais, o qual teve ainda, em 1684, a vantagem insigne de ocupar o cargo de Secretário perpétuo da Academia Francesa, e Henri-Louis Habert.
Ménage não pertenceu à Academia Francesa, nem mesmo post mortem, o que jamais se fez, e isso apesar da estima que vários Acadêmicos tinham por ele; não se deve deixar enganar pelo que poderia fazer crer uma edição holandesa do Menagiana datada de 1693 e mencionando na página de título: “da Academia Francesa”. E se é claro que ele concebeu algum despeito no começo, foi em seguida um verdadeiro título de glória não possuí-lo.
Claro que é preciso distinguir os Acadêmicos e a instituição da Academia e que os motivos de oposição entre Ménage e a Academia ultrapassavam os jogos mundanos das polêmicas sobre a boa escrita e a boa fala que preocupavam toda pessoa de qualidade, todo homem honesto, toda pessoa com entrada na corte.
O ponto fundamental da oposição era bem de ordem linguística: não somente como gramático, mas sobretudo como lexicógrafo que Ménage, sendo autor de um dicionário etimológico, que ultrapassava a bem da verdade o contexto da etimologia para se inscrever na linhagem dos dicionários de língua, se afirmou ferozmente como um adversário linguístico das principais escolhas da Academia.
Ménage também fez outros inimigos e sofreu sob a sátira de Boileau e de Molière. A figura controvertida do nosso homenageado teria inspirado Molière na criação do personagem Vadius - sua caricatura -, em sua peça teatral Les Femmes Savantes (1672, ato III, cena III).

MADAME DE SCUDÉRY
MADELEINE DE SCUDÉRY nasceu em Le Havre em 1607. Irmã de Georges de Scudéry, ela frequentou o hotel de Rambouillet a partir de 1639, depois manteve ela mesma um salão célebre (e ridicularizado). Dissimulada atrás do pseudônimo de Safo (ou Sapho) ou tomando emprestado o nome de seu irmão Georges de Scudéry, publicou volumosos romances: Ibrahim ou o ilustre Bassa em 2 volumes (1642), Artamène ou o Grande Ciro em 10 volumes (1649-1653) e Clélia, história romana em 10 volumes (1654-1660). 
Inicialmente é preciso observar que esses dois romances estão muito próximos dos romances heróicos (de Gomberville ou de La Calprenède), epopeias em prosa em decorações exóticas de fantasia, eles evoluem na direção da narrativa psicológica através da prática sistemática das conversações e dos retratos que lembram figuras reais contemporâneas (portraits à clés). Por exemplo, Ciro tem lugar na Antiguidade, onde se reconhecem facilmente os personagens de Condé, Madame de Longueville e a própria Madeleine de Scudéry que aí figura sob o nome de Safo (pseudônimo da autora), que ataca violentamente o casamento, oferecendo assim uma representação romanesca da sociedade preciosa e galante, e neles reconhecendo plenamente seus jogos, suas audácias, suas manias e suas interdições, sua concepção de arte de viver em sociedade e da arte de amar. 
Este último aspecto adquire importante relevo no final do volume I de Clélia onde se acha o Mapa dum país imaginário chamado "Tendre" (terno, em português) e inspirado por Clélia, representação topográfica e alegórica da conduta e prática amorosas. O país de Tendre não é de forma nenhuma um país de elogio insosso e de frivolidades; é um país bem real, um país de problemas reais. Entre o mar da Inimizade e o lago da Indiferença, o rio Inclinação conduz direto ao Mar perigoso e às Terras desconhecidas, mas, seguindo a via terrestre, pode-se chegar, por etapas progressivas, a Tendre-sobre-Estima ou a Tendre-sobre-Reconhecimento. Nada não está interdito, então, de reencontrar pelos rios Reconhecimento e Estima o rio Inclinação, mas pode-se ficar ao abrigo das tempestades no país da ternura. 
Esse Mapa pode funcionar como um jogo de prendas: para além desses divertimentos, é preciso ver bem o problema colocado: nascido do acaso ou de uma pulsão, o amor pode construir-se, e por lá mesmo ficar positivo? O amor é necessária e fatalmente uma paixão? O Mapa do Tendre, contra o pessimismo jansenista, finalmente vencedor (tanto em Racine como em Madame de La Fayette, que Madeleine influenciou entretanto), fala a favor de um otimismo ponderado, repousando sobre o esforço, sobre a atenção a si mesmo e aos outros, sobre a atenção dos homens para com as mulheres.
Esse Mapa, autêntica cartografia sentimental, ilustra os distintos itinerários que devem ser seguidos para se alcançar um sentimento de ternura amorosa a partir de uma nova amizade.
[MÉNAGE, 1729, in Menagiana tomo II, 8-11] tanto exaltou e louvou Madame de Scudéry com observações sobre Ciro e Clélia que chegou ao ponto de interpretar que ela  põe em evidência ligações entre o romance e a poesia épica (o que era uma provocação com respeito às  concepções de Boileau), considerando que a obra dela se enquadra na epopeia e a alça ao nível de Homero e Virgílio.
“Mademoiselle de Scudéry fez no seu Ciro uma bela descrição da pequena corte de Rambouillet. Há mil coisas nos Romances desta moça erudita, que a gente não pode estimar devidamente. Ela tomou nos Antigos tudo o que há de bom, & o tornou melhor, como aquele Príncipe da Fábula que transformava tudo em ouro. Pode-se ler suas obras com muito proveito, por pouco que se tenha o espírito bem formado & que se procure na leitura de que se instruir. Os que censuram a extensão delas, fazem ver, por tal julgamento, a pequenez de seu espírito, como se se devesse desprezar Homero e Virgílio, porque suas obras contêm vários Livros carregados de muitos episódios & de incidentes que necessariamente adiam a sua conclusão. É preciso ter bem pouco conhecimento para não ver que Ciro & Clélia estão no gênero de Poema Épico. O Poema Épico deve abraçar uma certa quantidade de acontecimentos para suspender o curso da narração, que, não comportando senão uma parte da vida do Herói que se escolheu, iria cedo demais ao final, sem isso. Não se encontraria, sem este artifício, a aprovação que produz a espécie de espetáculo formado ao final pela reunião da maioria dos episódios ao assunto principal do Romance. Mademoiselle de Scudéry manejou tão bem a matéria, & fez acontecer tão belas coisas, que nada neste gênero é comparável ao que ela fez: & apesar de algumas expressões & algumas divagações, mas de pouca consequência, que envelheceram; o resto durará sempre, & mais que as críticas que se fizeram disso.
O que se deu desde então neste gênero de escrita, é uma grande marca do mau gosto de nosso tempo & do gênio medíocre que o produz: são apenas pequenas Novelas no máximo, que só fazem conceber à nossa ideia nada de útil nem de majestoso. O que fez Madame de Scudéry forma na nossa alma os grandes sentimentos de virtude que essas espécies de peças devem inspirar.
Madame de Scudéry me disse que ela tinha ainda um Romance acabado; mas que, se ela mandasse imprimi-lo, ninguém quereria comprá-lo ou lê-lo. Ela fez vinte e quatro Volumes, todos saídos de sua cabeça, & eu deixei de lado & de outro, tudo o que tenho escrito. Michel de Marolles queria que ela não tivesse escrito nem Ciro nem Clélia, porque essas obras são impressas sob o nome de Sr. de Scudéry. Mademoiselle de Scudéry, dizia ele, me disse que ela não as fez, & Monsieur de Scudéry me garantiu que era ele quem as tinha composto. E eu lhe digo, lhe garanto que é Mademoiselle de Scudéry quem as produziu; & eu o sei bem. É Mademoiselle de Scudéry quem inventou o Amor de ternura, & o Mapa do Tendre.
Linkhttps://books.google.com.br/books?id=Kzk0AAAAMAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false  
Segundo [DEBROSSE, 2015], Ménage sugere então em várias ocasiões uma ligação entre poesia épica e o romance scuderiano. Este último se acha assim no cruzamento dos caminhos entre a poesia épica (lato sensu) e a poesia amorosa, pois a poesia em geral e o romance em particular repousam sobre esses dois pilares:  
a poesia é a linguagem dos Deuses, & que o amor & a glória a colocaram em uso entre os homens. Que sem ela os Heróis morreriam sem recompensa, que seus nomes se apagariam logo depois deles, que os Amantes suspirariam sem prazer & que a arte de se tornar imortal, imortalizando os outros, seria desconhecida ao mundo.
Foi dessa forma que, na História de Hesíodo, Calíope definiu a poesia para Hesíodo. (Cf Clélia, História romana, p. 801-802.)
Link: https://books.google.com.br/books?id=Kzk0AAAAMAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false
 
 
[HAIZE, 2002, 216-221], em minha tradução para o português, dá a seguinte explicação simplificada e direta do Mapa do país de Tendre inserido por Madame de Scudéry no capítulo Os jogos mundanos em Clélia:
“(...) Clélia decide desenhar para Hermínio este mapa para que evite os obstáculos do Amor, e para isso ela marca três caminhos da sedução, pois ela tinha imaginado que se poderia ter ternura por três causas diferentes: indo de “Nova Amizade” a “Tendre-sobre-Inclinação”, “Tendre-sobre-Estima” e “Tendre-sobre-Reconhecimento” *.
O Mapa do Tendre que causou o sucesso da obra e suscitou inúmeras imitações, foi muito favorável por sua engenhosidade às análises psicológicas e às trocas de ideias. O número três volta muitas vezes no traçado deste Mapa, quais sejam três percursos, três cidades de Tendre, sobre três rios, cujos nomes (Inclinação, Estima, Reconhecimento) correspondem aos três tipos de sentimentos que levam ao amor: um amor com base na ternura, na doçura, na sensibilité, e que tem por objetivo dar uma Moral de amizade. O número três talvez não seja fortuito, e atrás desse número se acha toda uma simbólica mais espiritual, a da Santísima Trindade.
Madeleine de Scudéry, inventando esse divertimento, quer nos fazer compreender que, ao tomar diferentes rotas, a pessoa que merecerá a confiança dela deverá ter mil boas qualidades, e que alguém que tenha defeitos ou vícios não poderá receber senão seu ódio ou sua indiferença. Esse Mapa desenhado com sua mão é sem dúvida o símbolo do amor-perigo, cuja intenção é que tomemos consciência, através desse simples jogo do espírito, do seu conceito de amor, e do qual ela pode não desfrutar. Esse temos e até essa angústia face ao amor se concretiza sobre uma folha de papel, quando ela esboça o Rio de Inclinação, o qual desemboca no mar chamado Mar perigoso: é certamente perigoso ultrapassar as últimas fronteiras da amizade, pois além se acham as Terras desconhecidas... (...)
Esse jogo que parecia aos olhos de Madeleine bastante perigoso, nos leva ao amor platônico que experimentava para com Pellisson (...)
Esse entretenimento toma muito depressa medidas desproporcionadas, e todas as pessoas de espírito escreveram ou comentaram com louvor esse Mapa, quer em versos, quer em prosa; ele serviu para amáveis missivas, cartas lindas e agradáveis conversações. Madame de Scudéry, embora honrada, ficou um pouco zangada com as manifestações e teria preferido conservar seu Mapa para seu pequeno círculo de amigos. Não lhe agradou que pessoas grosseiras e incapazes de aproveitar um certo galanteio falem dele duma maneira estúpida. (...)
Pode-se notar nos escritos de Madeleine esta extrema moderação: ela trata seus amigos com ternura mas também com firmeza; ela considerava esse jogo como uma loucura de um momento, mas ao mesmo tempo queria certamente passar uma mensagem: como é possível adquirir a ternura de uma pessoa honesta? Esta invenção muito sutil a nossos olhos explicava as razões pelas quais Madeleine, apesar do amor que sentia por Pellisson, queria se proteger, e não se comprometer com outro tipo de relação, diferente desta amizade terna. (...) A iconologia representada no Mapa de Tendre ajuda-nos a decodificar e a sensibilizar-nos com a linguagem. A ambivalência do termo “imagem” é significativa, pois nos serve na arte da literatura e na arte plástica. Atualmente, é o que nós chamamos de semiologia, esta ciência muito difundida não só através da literatura, mas também pelo cinema, pela publicidade, pelas caricaturas, e que representa o mundo da criatividade. Mademoiselle de Scudéry usa esse recurso, o vínculo com seu terno amigo Pellisson seria mais comprometedor se ela fosse além dos limites e atravessasse o mar perigoso. Ela não apenas mostra ingenuidade, mas nos transmite através dessa imagem simples, uma percepção, sua percepção do amor, suas ansiedades. Através de suas sensações, ela nos faz descobrir o mundo feminino ao seu redor. Essa restrição voluntária de não ir além do promontório abre um caminho para um novo poder da mulher do século XVII, uma certa liberdade para atravessar ou não as portas do desconhecido. Ela prefere não se comprometer a fim de preservar um amor terno. É o medo ou um estado de consciência perfeita que guia nossa autora nos meandros de um rio que ela deseja tranquilo e sereno. Essa recusa em atravessar as “terras desconhecidas” parece-nos deliberada: Madeleine certamente observou a vida conjugal de algumas de suas parentas e não desejava seguir as mesmas armadilhas; isto é, casamento, procriação (um filho por ano) ou até o medo de traição, parecido com o que aconteceu com Madame de Clèves no romance de Madame de Lafayette.
* Exemplo: em línguas europeias, o modelo é dado por cité-sur-fleuve (cidade-sobre-rio ou cidade banhada por determinado rio). Assim, exemplifico com Ivry-sur-Seine (cidade francesa), Frankfurt am Main (cidade alemã), Stratford-upon-Avon etc. seguem a mesma regra em três línguas europeias diferentes. Relembro que Inclinação, Estima e Reconhecimento são "rios" do "país" denominado Tendre.
Link: https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=La+volupt%C3%A9+des+mots+dans+Cl%C3%A9lie+de+Mademoiselle+de+Scud%C3%A9ry (p. 216-220)
Mapa de Tendre, nome de um país imaginário
O PAÍS DE TENDRE
TENDRE é o nome de um país imaginário, bem como de suas três capitais (Tendre-sobre-Inclinação, Tendre-sobre-Estima e Tendre-sobre-Reconhecimento). Tendre tem um rio em Inclinação, interligado em sua foz por outros dois rios: Estima e Reconhecimento. As três capitais de Tendre estão situadas sobre seus respectivos cursos d'água. Nessa espécie de geografia amorosa, o rio Inclinação escorre tranquilamente, pois é manso, enquanto que o mar é perigoso, pois representa as paixões. A única Paixão positiva é a que é a fonte de sentimentos nobres que o homem pode experimentar. O lago da Indiferença representa o tédio.
O Mapa de Tendre define o arquétipo do amor cortesão. Atribui-se a François Chauveau a gravura desse mapa, aparecendo em ilustração na primeira parte de Clélia, História romana. Trata-se de uma representação topográfica e alegórica do país do amor, onde o amante deve achar o caminho do coração de sua dama.
O ponto de partida do encaminhamento e da orientação da leitura do Mapa é a cidade de Nova-Amizade, ao Sul e no momento quando se faz o primeiro encontro. A partir daí, três caminhos são possíveis, correspondendo aos três sentimentos em questão que são representados pelas três capitais, que tomam seu nome dos três rios: Tendre-sobre-Inclinação, Tendre-sobre-Estima e Tendre-sobre-Reconhecimento. A Inclinação é esta predileção amorosa que não saberia explicar-se; basta deixar-se levar pelo rio homônimo para chegar à ternura. Por outro lado, a via terrestre é obrigatória para atingir as duas outras capitais, e as ternuras suscitadas pela Estima e pelo Reconhecimento. Etapas são representadas por aldeias, pelas quais convém passar (Complacência, Submissão, Pequenos Cuidados, Assiduidade, Cordialidade, Grandes Serviços, Sensibilidade, Ternura, Obediência e Amizade Constante) ou as que convém evitar (tais como Orgulho, Indiscrição, Traição, Maledicência e Maldade) para não cair no mar da Inimizade (a Oeste), tomando a direção de Tendre-sobre-Reconhecimento. Para chegar por terra a Tendre-sobre-Estima, igualmente convém passar pelas aldeias do Grande Espírito, Belos Versos, Carta Galante, Carta Doce, Sinceridade, Grande Coração, Probidade, Generosidade, Exatidão, Respeito e Bondade; por outro lado, convém evitar as aldeias da Negligência, Desigualdade, Frieza, Inconstância e Esquecimento, para não cair no lago da Indiferença (a Leste).
Links: https://www.etudier.com/dissertations/Carte-Du-Tendre/354228.html  
[ZINGUER, 1989, p. 504-5], no seu artigo intitulado "Em busca de uma esteganografia na obra romanesca do século XVII", usa o termo esteganografia que talvez exija um pequeno esclarecimento sobre o seu significado. Esteganografia é o ramo particular da criptologia que consiste em fazer com que uma forma escrita seja camuflada em outra a fim de mascarar o seu verdadeiro sentido. Também talvez seja importante frisar a diferença entre criptografia e esteganografia. Enquanto a primeira oculta o significado da mensagem, a segunda oculta a existência da mensagem. 
Dito isto, convido o leitor a ler parte do texto da escritora Ilona Zinguer, professora do Departamento de Língua e Literatura Francesa da Universidade de Hayfa:
(...) Eu penso no mapa célebre, o Mapa do Tendre, "este pequeno canto da terra no país da amizade", segundo os dizeres do Abade d'Aubignac. Abstração cartográfica do Império Amor, representação no interior de uma ficção que se faz representar. Ferozmente opostas ao casamento, as Preciosas não foram hostis ao prazer. E parece que a terna amizade pode reconciliar a inclinação. Esta "cosmogonia" ensina a arte de agradar. Se o homem cavalheiresco exprime seu desejo, a mulher, segundo Mademoiselle de Scudéry, pseudônimo Sapho, fica abaixo do desejo, mas não de sua expressão. O papel da linguagem fica complexa, conversação, pequenos versos, cartas doces conciliam as naturezas e as boas maneiras, mas não a predileção real. "É uma loucura dum momento, confessa Clélia". Que sua autora tenha preferido a imagem à palavra denota a que ponto a escritora galante se pôs em lugar da romancista. Claude Filteau, em Mapas e figuras da Terra examina a retórica do sentimento desse Mapa, segundo a concepção platônica (círculos concêntricos representando qualidades e defeitos), anamórfica (personagens do fundo do Mapa projetados), aristotélica. Segundo essa última concepção, o Mar Perigoso representa o prazer e o Mar da Inimizade, o ódio, "duas paixões caindo sob o apetite concupiscível", diz ele. Todas essas leituras quais sejam óticas ou ideológicas refletem a mesma preocupação, não dissimulada das Preciosas”: a expressão do desejo amoroso. Uma observação mesmo muito rápida do traçado geral do Mapa do Tendre confunde o leitor moderno. Por pouco que sejamos conscientes de que é possível uma projeção antropomórfica do inconsciente, não é surpreendente reconhecer no aspecto sugestivo desse mapa o traçado da anatomia sexual feminina. (...)”  (grifos meus)
Tendo passado a moda dos grandes romances, Madeleine de Scudéry escreveu novelas: Célinte (1661), a primeira de suas novelas, Mathilde (1667), O passeio de Versalhes (1669), e reflexões morais (Discurso da Glória, 1671: A Moral do mundo, 1686; Conversações de moral, 1688; Conversações de moral, 1692).
Pelo seu Discurso da Glória (1671), ela marcou a história tornando-se a primeira mulher a receber o prêmio de eloquência da Academia Francesa de Letras; mas a Academia, por não aceitar mulheres (tradição que foi alterada pela pressão da opinião pública apenas em 1980 a favor da admissão de Marguerite Yourcenar, a qual foi eleita pela mesma Academia para substituir Roger Caillois).
Marguerite Yourcenar (1903-1987), a primeira Notável 
a ser admitida na Academia Francesa de Letras
Em 1650, seu irmão Georges de Scudéry (autor de 16 peças teatrais, romances, entre 10 mil e 12 mil versos, Observações sobre o Cid que provocaram o exame por parte da Academia Francesa) foi eleito para a Academia, substituindo Vaugelas. Ela teve que se conformar com a Academia dos Ricovrati de Pádua-Itália, que a recebeu como membro honorário em 1684, sem direito a voto e impedida de ocupar cargos administrativos, na sequência de Elena Cornaro Piscopia (Veneza, 1646-Pádua, 1684), a qual se destacou por ter sido uma das primeiras mulheres na Europa a receber um diploma universitário (pela Universidade de Pádua) e a primeira a receber o título de PhD em 25 de junho de 1678.
Em fevereiro de 1858, o célebre filósofo espiritualista Victor Cousin, fundador do estudo da história da filosofia, acadêmico e professor emérito, publicava na Revista dos Dois Mundos uma de suas monografias sobre mulheres do século XVII, centrada então na reabilitação da memória injustamente esquecida de Madame de Scudéry.
Mademoiselle de Scudéry, controversa em sua própria época, foi satirizada por Molière em suas peças teatrais Les Précieuses Ridicules (1659) e Les Femmes Savantes (1672), bem como por Antoine Furetière em Le Roman Bourgeois (1666).
Faleceu em 1701 em Paris.
https://en.wikipedia.org/wiki/Elena_Cornaro_Piscopia

MADAME DE SÉVIGNÉ
  Nascida Marie de Rabutin-Chantal em Paris (1626), a futura MADAME DE SÉVIGNÉ é uma rica senhorita que recebe uma educação singularmente livre, moderna. Órfã e criança mimada, ocupa-se, desde cedo, com a leitura de romances, aprendizado do italiano, em que brilha, domina perfeitamente e traduzirá por escrito, e a arte da conversação, sobretudo. Casou-se muito cedo (1644) por ser um ótimo partido, detentora de 100.000 escudos. Embora tivesse muitos pretendentes, o arcebispo de Paris, o futuro cardeal de Retz, conseguiu fosse aprovado um dos parentes dele, o marquês Henri de Sévigné, cujo casamento foi celebrado sem tardar. Os recém-casados viveram primeiro em sua propriedade de Rochers em Vitré, na Bretanha, voltando a Paris no outono de 1946, quando lhe nasceu a filha Françoise, e ali permaneceram por todo o inverno. Apesar disso, teve outro bebê, o filho Charles, que veio ao mundo em Rochers em 1648. Em Paris, Madame de Sévigné frequentou o hotel de Rambouillet, no seu período de maior brilho: ali sorveu todo o requinte da preciosidade. A traição de seu marido, morto num duelo em fevereiro de 1651 pelos belos olhos de sua amante, deixou-a desiludida. Nos primeiros meses do seu luto, retirou-se para a Bretanha, mas voltou, logo que pôde, a Paris. Muito cortejada, e dando talvez um pouco de corda à maledicência por sua alegria natural, sem coqueteria mas sem recato, teve muitos admiradores suspirando por seus afagos, tais como Turenne, o príncipe de Conti e o todo-poderoso ministro das Finanças da França, Nicolas Fouquet. Ela, porém, decide ficar livre e dedicar-se de corpo e alma à sua filha Françoise Marguerite. Mas um marco que vai assinalar o início de nova fase em sua vida foi o casamento da filha com o Conde de Grignan em fevereiro de 1669, que tinha certa idade e já era viúvo de duas mulheres. No fim daquele ano, este foi nomeado comandante geral em Provença, tendo partido em abril de 1670, deixando Françoise gestante com a mãe dela até o parto da neta Françoise Marguerite.
Inicialmente, Madame de Sévigné desenvolve seu belo estilo em cartas leves, "missivas" galantes que trocavam cavalheiros e damas "de qualidade"; depois, em cartas à sua filha, Françoise Condessa de Grignan, cuja partida para Provença, autêntica ruptura em sua vida, marca seu verdadeiro nascimento para a escrita. Começa então entre a mãe e a filha Françoise uma correspondência cuja chantagem afetiva, ameaças, gritos, amor e ódio não estão nunca ausentes. Muito tempo antes, ela apostou na espontaneidade e na sinceridade. Engraçada, terna, desesperada, dividida entre sentimentos muitos terrestres e sua crença em Deus, ela ensina num gênero inédito a arte de ser mulher, mãe, avó e livre resolutamente: especialmente através de sua correspondência com sua filha Madame de Grignan.
Aos 70 anos, ela morre no castelo de Grignan. Da exuberância barroca ao despojamento jansenista, sua vida se desenrola e se lê como um romance cuja heroína, melhor que ninguém, viu e contou todo o seu século.
Hoje se colecionam 1.120 cartas de Madame de Sévigné, durante 50 anos (1646-1696) * , das quais 764 são dirigidas à sua filha Madame de Grignan, 126 a seu primo Bussy e 220 dirigidas a 29 outros destinatários. Digno de nota é uma falta fundamental nessa correspondência: só as cartas da marquesa foram conservadas. As respostas de sua família foram destruídas por sua neta, o que dá a impressão dum monólogo e nos priva da dimensão do diálogo.
Nenhuma das cartas da marquesa foi publicada enquanto viva. Apenas em 1697, alguns meses após sua morte, é que a Correspondência de Bussy trouxe a lume as respostas deste último às cartas que lhe tinha dirigido a marquesa.
As cartas dirigidas à sua filha seriam publicadas mais de 30 anos após a sua morte.
Por sorte, em 1873, um lote de cópias manuscritas, segundo os autógrafos, foi achado num antiquário, cobrindo cerca de metade das cartas dirigidas a Madame de Grignan e nos permite hoje dispor de um testemunho mais fiel e completo das cartas da marquesa. 
As Cartas de Madame de Sévigné são frequentemente utilizadas por estrangeiros, que querem aprender a língua francesa. Nada é igual à vivacidade de seu estilo e à felicidade de suas expressões. Ela tinha o talento de embelezar as menores coisas, e de dar interesse às mais ínfimas. Todas suas narrativas são quadros de Albani; seu estilo é inimitável, como o do bom La Fontaine. Ela é, no gênero epistolar, o que o fabulista é no seu, natural e original. Alguns autores pretenderam que os sentimentos de ternura que ela testemunhava à sua filha eram falsos e afetados. Essa afirmação é não só desprovida de prova, mas ainda de probabilidade. Se ela não sentisse nada, quem então a obrigava a fazer parecer o contrário? A quem serviria esta hipocrisia dolorosa e longa? O coração de uma mãe não se pode falsear assim; e se vê claramente que só ele inspirou Madame de Sévigné suas frequentes expressões de ternura, que não podiam fugir de uma monotonia enfadonha senão de tanta verdade. 
Tem-se reprovado Madame de Sévigné de não ter prestado justiça ao mérito de Racine e de ter exagerado seu entusiasmo por Corneille. Mas não se deve esquecer, para a glória da escritora, que ela fez em suas Cartas o elogio dos mais célebres homens de seu século, entre outros, La Fontaine.
Link: https://books.google.com.br/books?id=C3sOAAAAQAAJ&pg=false (p. 311-4)


  Consta que a literatura era um passatempo que MADAME DE LA FAYETTE dissimulava ao mundo em geral, sendo vista pela aristocracia como indigna de sua classe. Todas as suas obras foram então publicadas anonimamente ou ao amparo de outra figura (normalmente homem), como Zaïde, uma "história espanhola" passada na Espanha no século X, que funda o romance de análise,  publicado com autoria de Segrais, um poeta que entrou na Academia francesa em 1662, e publicado em 1669. Madame de La Fayette foi também a autora de A Princesa de Montpensier, novela publicada anonimamente ainda em 1662. Sua obra-prima foi entretanto A Princesa de Clèves, editada por um de seus amigos em março de 1678; ainda hoje este romance é considerado a primeira narrativa de análise psicológica a ponto de ingressar na prestigiosa coleção La Pléiade em 2014 como "obra completa".
Benedetta Craveri assinala: "Todas as suas obras, desde A Princesa de Montepensier a Zaïde e A Princesa de Clèves, nascerão de uma relação de colaboração e intercâmbio." Em sua correspondência com Ménage, Madame de La Fayette mencionou "nossa princesa", em referência à Princesa de Montpensier, como preito de gratidão pela ajuda recebida.
Aproximando o fim de sua vida, retirou-se das coisas mundanas para preparar sua morte, um retiro um tanto acelerado devido à morte de seu grande amigo François de La Rochefoucauld em 1680, depois pela morte de seu marido François Motier, conde de La Fayette, em 1683. Ela morreu dez anos mais tarde, em Paris, em 25 de maio de 1693.
Madame de La Fayette, nascida Marie-Madeleine Pioche de La Vergne em 1634, era parisiense, filha de Marc Pioche de La Vergne e sua esposa Isabel Péna. Quando seu pai morreu, sua mãe Isabel casou-se uma segunda vez em dezembro de 1650 com o chevalier Renaud de Sévigné. A jovem Marie Madeleine frequentou rapidamente a aristocracia de seu tempo,  ao tornar-se dama de honra da rainha Ana da Áustria na idade de 16 anos. Conheceu Marquesa de Sévigné, com quem estabeleceu ligações de amizade muito fortes até o fim de sua vida. Foi introduzida nos salões literários em voga em Paris, no palácio de Madame de Rambouillet (considerada a introdutora do movimento em seu salon, identificando suas frequentadoras com o termo salonnières) ou ainda da Marquesa du Plessis-Bellière.
Em 1655, casou-se com o viúvo pobretão Conde de La Fayette, com quem teve dois filhos. Ela o acompanhou algum tempo a Auvergne, mas retornou rapidamente a Paris, onde criou seu próprio salão literário. Madame de La Fayette aí recebeu grandes figuras do seu tempo, tais como Racine e Boileau. As informações relativas a seu marido são quase inexistentes e La Bruyère resumiu assim a situação: "Encontramos recentemente uma mulher que eclipsou tanto seu marido que não sabemos se está morto ou vivo..." Ela estabeleceu laços de amizade com Henriqueta de Inglaterra, a futura Duquesa de Orleans, cujo casamento com o irmão do rei lhe deu acesso ao círculo íntimo da Corte real. Outro encontro marcante foi com o Duque La Rochefoucauld em 1655, com quem estabeleceu uma amizade estreita, com uma constância que causava admiração em Madame de Sévigné, amiga de ambos, e que escreveu quando da morte do Duque: "nada pode ser comparado à confiança e aos encantos da amizade deles."
Madame de La Fayette figura em O Grande Dicionário das preciosas, surgido em 1661, sob o pseudônimo de Feliciana, que a descreveu como "civil, prestativa e um pouco zombeteira". Ela fazia parte dessas mulheres vanguardistas que participaram do nascimento das mulheres de letras que desejavam ser reconhecidas por sua inteligência e suas aptidões.
Essas "preciosas" tinham também a particularidade de serem assiduamente cortejadas, sem que seus admiradores fossem jamais satisfeitos. Com efeito, Madame de La Fayette era uma grande partidária do amor casto, esquivando-se da paixão até nos seus escritos.
Cf. https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=Madame+de+La+Fayette+%3A+biographie+courte+et+oeuvres+de+l%27auteur
[ASHTON, 1922, p. 22-30] informa também que "as cartas da Marquesa de Sévigné mostram que os laços de amizade entre ela e Madame de La Fayette se fortaleceram depois do casamento de Madame de La Vergne; já antes de 1652 as duas mulheres se conheciam, tendo se tornado parentas pelo segundo casamento de Madame de La Vergne. Todas as duas foram alunas de Gilles Ménage e mesmo a amizade particular do mestre por uma das duas alunas parece ter feito nascer um pouco de ciúme no coração da outra. Depois de um silêncio um pouco longo demais, Ménage escreveu à marquesa manifestando sua preferência por ela em detrimento de Madame de La Fayette. (...) Existe o costume, quando se fala das relações entre Ménage e suas alunas, de representar o mestre como um abade pedante, mulherengo, amante de todas as mulheres que ele encontrava, e perseguia as senhoritas de La Fayette e de Sévigné com suas atenções ao ponto de ser importuno e ridículo." 
Na opinião de Ashton, os documentos que apóiam essas acusações são muito frágeis.
"A verdade nos parece completamente outra. Há provas incontestáveis de que as duas moças faziam grandes esforços para reter Ménage como amigo e, sem acusá-las de terem sido elas as importunas, podemos admitir que elas provocavam o abadezinho para ter suas cartas e suas visitas."
E Ashton justifica documentalmente com base nas correspondências do abade Ménage.
Ele também calcula que foi por volta de 1650 que Marie-Madeleine começou a trabalhar sob a orientação de Ménage; essa data não combinaria bem com a carta de Madame de Sévigné escrita para reprovar Ménage por sua parcialidade em favor da nova aluna.
Além do latim e do italiano, Madame de La Fayette recebeu lições de hebraico.
Link: https://books.google.com.br/books?id=VB09AAAAIAAJ&pg=PA24&lpg=PA24&dq=.&f=false
 
MADAME DES HOULIÈRES
  Nascida Antoinette du Ligier de La Garde (1638-1694), MADAME DES HOULIÈRES  era poetisa e filósofa epicúrea defensora do naturalismo filosófico. Estudiosa de Lucrécio e Gassendi, aprendeu latim, italiano e espanhol. Casaram-na aos treze anos com o Marquês Deshoulières. Em 1658 abriu um salão em seu modesto apartamento de Paris, que Ménage frequentou. Ficou famosa por suas poesias, sobretudo por seus idílios. Foi membro da Academia dos Ricovrati de Pádua-Itália e da Academia de Arles.
Link: https://en.wikipedia.org/wiki/Antoinette_du_Ligier_de_la_Garde_Deshouli%C3%A8res 

 


III. BIBLIOGRAFIA
ASHTON, Harry: Madame de La Fayette - Sa vie e ses oeuvres, 1922, Cambridge at the University Press, 295 p.
BRIQUET, Fortune B.: Dictionnaire historique, littéraire et bibliographique des françaises, et dês étrangères naturalisées en France, Paris: Treuttel et Würtz, Libraires, 1804, 347 p.
CONLEY, John J.: The suspicion of virtue: women philosophers in neoclassical France, Ithaca (NY): Cornell University Press, 2002, cobrindo os seguintes tópicos: Capítulo I - Introdução: Filosofia de Salão (pp. 1-19) Capítulo II - Madame de Sablé (1598-1678): Um código jansenista de Moderação (pp. 20-44) Capítulo III - Madame Deshoulières: Um credo naturalista (pp. 45-74) Capítulo IV - Madame de la Sablière: A ética do deserto (pp. 75-96) Capítulo V - Mademoiselle de la Vallière: A lógica da misericórdia (pp. 97-123) Capítulo VI - Madame de Maintenon: Um pragmatismo moral (pp. 124-156) Capítulo VII - Conclusão: Virtude desmascarante Apêndice A: Máximas de Madame de Sablé (pp. 167-174) Apêndice B: Reflexões diversas de Madame Deshoulières (pp. 175-180) Apêndice C: Máximas cristãs de Madame de la Sablière (pp. 181-187) Apêndice D: Sobre as virtudes cardinais de Madame de Maintenon (pp. 188-192) Notas (pp. 193-208) Bibliografia (pp. 209-214) Índice (pp. 215-223)
CRAVERI, Benedetta: La cultura de la conversación, Madri: El ojo del Tiempo Ediciones Siruela, 615 p.
DEBROSSE, Anne: Promenades désenchantées en "mer Dangereuse": Madeleine de Scudéry, Sapho e Erinne aux prises avec le monde, Études Épistémé 27 | 2015, consultado em 1º de abril de 2020
DUCHÊNE, Roger: Madame de Sévigné, Correspondance, édition critique, texte établi, présenté et annoté par Roger Duchêne, trois volumes, Gallimard, 1973-1978, Bibliothèque de la Pléiade.
JOLY, Philippe-Louis: Remarques Critiques sur le Dictionnaire de Bayle, 1752, Paris: E. Ganeau e Dijon: François Desventes, Libraire, 820 p.
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1911 Encyclopædia Britannica: Ménage, Gilles
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WALCKENAER, Charles Athanase: Mémoires touchant la vie et les écrits de Marie Rabutin-Chantal, dame de Bourbilly, Marquise de Sévigné, Paris: Librairie de Firmin Didot Frères, 1842, p. 544.