sexta-feira, 1 de maio de 2020

PRECIOSAS SIM, MAS NEM UM POUCO RIDÍCULAS













Por Francisco José dos Santos Braga



Assim como Diógenes Laércio no século III dedicou a uma filósofa platônica chamada Arria sua obra Vidas de Filósofos Ilustres em 10 livros, bem como Gilles Ménage no século XVII dedicou sua Historia Mulierum Philosopharum a uma erudita francesa Madame Dacier, sua contemporânea; eu homenageio com este trabalho minha amada esposa Rute Pardini, que, com sua dedicação, colaboração, presença constante e estímulo, sempre me inspira.



I. ANTECEDENTES


Em 1690 foi publicada em Lyon a primeira edição de uma obra singular em latim: "Historia Mulierum Philosopharum" (História de Mulheres Filósofas),  por Gilles Ménage, dedicada a Anne Lefebvre Dacier (1647-1720) ¹, “a mais sábia das mulheres atuais e do passado”, intelectual francesa, editora e tradutora de inúmeros clássicos gregos e latinos, de quem Voltaire escreveu: “Madame Dacier é um dos prodígios do século de Luís XIV”. Anne Lefebvre Dacier foi uma erudita que Ménage considerou digna de ser admitida nos organismos do saber, ocupou um lugar privilegiado na sua História como "testemunho da admiração" que suscitou em seu autor. Amante da história da filosofia, ela merecia contar-se, pois, entre as apaixonadas da sabedoria, na opinião dele.

GILLES MÉNAGE

O autor da História, Gilles Ménage, nasceu em 1613, em Angers, e morreu em Paris em 1692, onde viveu grande parte de sua vida. Em Angers estudou humanidades, filosofia e direito sob a orientação de seu pai advogado. Continuou os estudos em Paris, cidade à qual regressou anos mais tarde após uma estada em Poitiers e, de novo, Angers. A sua condição física propensa à doença obrigou-o a trocar a advocacia pela carreira eclesiástica, tornando-se prior de Montdidier, sem ordenar-se contudo. Viveu na casa de Jean-François Paul de Gondi, cardeal de Retz (então coadjutor ao Arcebispo de Paris), onde ele praticava atividades literárias de lazer. Algum tempo depois de 1648, ele se desentendeu com seu protetor ², o que o levou a mudar-se para uma dependência situada no claustro de Notre-Dame de Paris, onde fundou seu próprio salão literário, reunindo ao seu redor nas quartas-feiras assembleias literárias a que deu o nome de mercuriais. As mercuriais patrocinadas por Ménage por 30 anos começaram em 1656 e foram frequentadas por poetas e críticos. Jean Chapelain, Paul Pellisson, Valentin Conrart, Jean François Sarrazin e Du Bos estavam entre os habitués. Também desfrutaram desta sociedade a grande escritora epistolar Madame de Sévigné e a novelista Madame de La Fayette. Ménage era tanto humorístico quanto briguento e fez muitos inimigos, tais como o dramaturgo Jean Racine, que impediu sua admissão na Academia Francesa de Letras. ³
As principais contribuições de Gilles Ménage são considerados seus trabalhos no terreno filológico. Dele podem-se citar as seguintes obras mais conhecidas:
• Resposta (de Gilles Ménage) ao discurso (do Abade d'Aubignac) sobre a comédia de Terence, Heautontimorumenos, que, ocasionalmente, lida com várias perguntas no tocante ao poema dramático. Título em francês: Responce au discours sur la comédie de Térence, intitulée Heautontimorumenos, où, par occasion, sont traittées plusieus questions touchant le poëme dramatique (Paris, 1640)
• Poemata latina, gallica, graeca, et italica (1656)
Observationes et emendationes in Diogenem Laertium; Paris, 1663 (reprint: London, 1664; Amsterdam, 1692)
• Em 1664, Ménage publicou em Londres uma edição da Lives of Eminent Philosophers, by Diogenes Laërtius, que contém uma vida anônima não editada de Aristóteles; essa vida era conhecida como 'Vita Menagiana' antes da edição crítica de Ingemar Düring, Aristotle in the Ancient Biographical Tradition, Estocolmo: Almqvist & Wiksell, 1957; reimpresso New York, Garland, 1987, p. 80-93) com o título 'Vita Hesychii' (a atribuição a Hesíquio de Mileto é controversa).
• Origini della lingua italiana (1669)
• Dictionnaire étymologique, ou Origines de la langue françoise (Paris, 1650 e 1694)
• Observations sur la langue françoise (1672–1676)
• Histoire de Sablé (1686). A segunda parte dessa obra foi editada do manuscrito e publicado por J. B. Haureau em 1873.
• Anti-Baillet (1690)
Historia mulierum philosopharum (1690/1692): Este último trabalho de Gilles Ménage é uma compilação de todas as informações que pôde reunir no tocante a mulheres filósofas da Antiguidade ao século XIV. Ménage o incluiu, como sempre o pretendeu, na sua monumental e definitiva edição de Lives of the Philosophers por Diógenes Laércio, a maior fonte conhecida de informações sobre "os" filósofos da Antiguidade. Assim, a História de Ménage tornou-se um suplemento, e corretivo às Vidas de Diógenes Laércio, e foi incluída em edições posteriores e traduções do insubstituível texto grego. Deste modo, a realidade da capacidade feminina para a mais elevada realização intelectual foi incontrovertidamente estabelecida, e as mulheres foram integradas dentro da corrente convencional da história da filosofia.
Menagiana, ou Les bons mots et remarques critiques, historiques, morales & d'érudition, de Monsieur Ménage, recueillies par ses amis, publié par Bernard de La Monnoye  (1693-1715) em pelo menos 4 tomos, foi uma publicação de suas brincadeiras, anedotas e julgamentos, reunidos por seus amigos após sua morte.


Link para o 4º tomo de Menagiana: https://books.google.com.br/books?id=0IVjAAAAcAAJ&pg=PP7&lpg=PP7&dq=Menagiana+ou+les+Bons+mots+et+remarques+critiques,+...&source=bl&ots=ihHahTCOqj&sig=ACfU3U0EoN0Ld0Jjif000Vh1h3zq4vXJRQ&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwji_b6Nw8LoAhVYIrkGHR6UBB44MhDoATAHegQICRAB#v=onepage&q=Menagiana%20ou%20les%20Bons%20mots%20et%20remarques%20critiques%2C%20...&f=false

Além disso, era autoridade em grego e latim e grande conhecedor da língua italiana. Lexicógrafo, gramático, latinista e também poeta, “menor”, se apressa a assinalar a crítica, foi figura controvertida que inspirou Molière na criação do personagem Vadius, em sua peça teatral Les Femmes Savantes (1672, ato III, cena III).
Sabe-se que frequentou o círculo da paradigmática chambre bleue (inaugurada em 1618 e concebida como um refúgio e, simultaneamente, como um locus amoenus) do hotel de Catherine de Rambouillet e que foi assíduo no salão literário de Mademoiselle de Scudéry (1607-1701) . Ambos eram pontos de reunião de mulheres e homens para conversar, ler, dissertar, compor versos; também para comentar textos recém publicados ou inclusive os que estavam para ir ao prelo, o que permitia que pudessem ser discutidos antes de ganharem sua forma definitiva. Ménage também foi recebido no restrito salão da Marquesa de Sablé (1598-1678), onde se debatiam questões teológicas. Igualmente, entabulou amizade com a Duquesa de Longueville (1619-1679) e fundou seu próprio salão literário nas habitações de Notre-Dame, onde realizou suas reuniões às quartas-feiras, donde o nome que ficaram conhecidas: as mercuriais.
Pode-se considerar que a História de Mulheres Filósofas de Ménage se insere no debate já conhecido nos dois séculos anteriores chamado de Querelle des femmes. O contexto da valorização feminina na literatura em meados do século XVII conheceu um constante crescendo desde La femme heroïque de Jacques du Bosc (1645), Le triomphe des dames de François du Soucy (1646), Le cercle des femmes savantes de Jean de La Forge (1663) e De l'égalité des deux sexes de François Poulain de la Barre (1673), este último um tratado muito bem recebido pelas “preciosas”. A amiga de Ménage, Mademoiselle de Scudéry, é apresentada frequentemente como “a soberana das preciosas”. Aqui não é o espaço para discutir a conotação negativa ou não deste termo. Entretanto, é inegável que, a partir da década de 1640, um grande número de mulheres cultas ocupou um lugar principal da vida mundana parisiense.

[BRIQUET, 1804, pp. XXIX e XXXI-XXXIV do Prefácio de seu Dicionário histórico, literário e bibliográfico das francesas, e das francesas naturalizadas na França] observa bem, quando se dirige, em segunda carta, a certa leitora chamada Elisa:
“(...) L’influence des femmes ne fut peut-être jamais plus sensible que sous le règne de Louis XIV. Ce prince les aima toute sa vie, et finit par épouser sa maîtresse. (...) On ne peut guères parler du siècle de Louis XIV, sans dire un mot du mérite des ouvrages des femmes de lettres qui l’ont illustré. Vous serez charmée de l’esprit et de la fécondité de Mademoiselle de Scudéry, du style et du bon goût de Madame Lafayette, des grâces naïves de Madame Sévigné, le La Fontaine de la prose ; de la pureté de la morale de Madame Lambert, de l’érudition profonde de Madame Dacier, et de l’intérêt qui anime les Mémoires de Mademoiselle de Montpensier et de Madame de Motteville. Les Idylles de Madame Deshoulières vous offriront la peinture des mœurs de l’âge d’or. (...)  Tel est, chère Élise, tel est à-peu-près l’aperçu que vous m’aviez demandé. Si mon esquisse est fidelle, vous devez y voir que, jusqu’à présent, les siècles où les femmes ont eu le plus d’empire, sont presque toujours ceux qui ont jeté le plus d’éclat.”
(Minha tradução: "A influência das mulheres jamais foi mais sensível que sob o reinado de Luís XIV. Esse príncipe as amou por toda a sua vida, e acabou por desposar a sua amante. (...) Dificilmente se pode falar do século de Luís XIV, sem dizer uma palavra do mérito das obras das mulheres de letras que o ilustraram. Tu ficarás encantada com o espírito e fecundidade de Mademoiselle de Scudéry; com o estilo e bom gosto de Madame La Fayette; com as graças inocentes de Madame Sévigné, a “La Fontaine” da prosa; com a pureza da moral de Madame Lambert, com a erudição profunda de Madame Dacier, e com o interesse que anima as Memórias de Mademoiselle Montpensier e de Madame Motteville. Os Idílios de Madame Deshoulières te oferecerão a pintura dos costumes da idade de ouro. (...)  Tal é, querida Elisa, tal é aproximadamente a visão geral que você me pediu. Se meu esboço for fiel, você deve aí ver que, até o presente, os séculos em que as mulheres tiveram mais poder, foram quase sempre os que elas mais brilharam.”  
Links: https://books.google.com.br/books?id=C3sOAAAAQAAJ&pg=false
https://books.openedition.org/pus/4169  
Desde muito cedo, a vida do abade Ménage aparece constelada de “mulheres ilustres”. Por certo escreveu sua História para homenagear suas amigas. Começo por duas escritoras, de quem foi preceptor e amigo: Madame de Sévigné (1626-1696)  e Madame de La Fayette (1634-1693) . Ele lhes deu uma educação “não formal”, pois a educação “formal”, do ponto de vista acadêmico, estava reservada aos varões. Pode-se supor que sua formação e paixão pelo conhecimento as tenham impulsionado a um saber superior ao da maioria das mulheres de sua condição social. À Madame de Sévigné o abade dedicou em 1652 um idílio de aproximadamente duzentos versos, intitulado O pescador, ou Alexis, do qual retiro os seguintes mais pomposos versos:
Des ouvrages du ciel le plus parfait ouvrage,
Ornement de la cour, merveille de notre âge,
Aimable Sévigné, dont les charmes puissants 
Captivent la raison et maîtrisent les sens;
Mais de qui la vertu, sur le visage peinte,
(Minha tradução: Das obras do céu a obra mais perfeita, / adorno da corte, maravilha de nossa época, / amável Sévigné, cujos poderosos encantos / cativam a razão e dominam os sentidos, / porém cuja virtude, pintada no rosto, / inspira aos mais atrevidos respeito e temor.)
No verão de 1652, Gilles Ménage lançou Miscellanea, onde se acha o idílio supracitado, um livro impresso que recolhia seus últimos escritos e que consagrava a reputação de uma estrela nascente da vida mundana. Em todas as obras que Ménage publicou depois disso, aproveitou todas as ocasiões de fazer o elogio de Madame de Sévigné.
Ménage relatou ao Supplément Manuscrit ao Menagiana, coletado por Feu M. Le Goux, Conselheiro no Tribunal de Apelação de Dijon, conforme texto citado no rodapé A da p. 605 de Remarques critiques sur le Dictionnaire de Bayle, Paris, 1752, vol. 2 :
“On a proposé depuis peu dans l'Académie Françoise des Dames, & des Dames illustres par leur esprit, & par leur sçavoir; Mlle de Scudery, Madame des Houlières, Madame Dacier, & quelques autres, qui sont très capables d'enrichir notre Langue par de beaux Ouvrages, & qui en ont déjà fait de merveilleux. M. Charpentier appuyoit cette proposition par les exemples des Académies de Padouë, où l'on reçoit les femmes sçavantes. Mon Traité Mulierum Philosopharum auroit pû fournir quelques exemples plus anciens des marques de distinction qu'on a accordées aux femmes sçavantes. La proposition, qu'on avoit faite à l'Académie, n'a pourtant eu aucune suite.”
(Minha tradução: “Há pouco foram propostas à Academia Francesa damas, ilustres por seu espírito e por seu saber: Mademoiselle de Scudéry, Madame des Houlières , Madame Dacier, e algumas outras, que são muito capazes de enriquecer nossa Língua com belas Obras, tendo produzido algumas maravilhosas. M. Charpentier apoiava essa proposição pelos exemplos das Academias de Pádua, onde se admitem as mulheres sábias. Meu Tratado de Mulheres Filósofas teria podido fornecer alguns sinais mais antigos de distinção concedidos a mulheres eruditas. Porém, a proposição não recebeu qualquer encaminhamento.”) 
Poder-se-ia perguntar: de que natureza é essa História em que duas mulheres “preciosas" são apresentadas como um modelo inspirador ou como um ponto de partida? Qual é o seu conteúdo e sua forma? De que trata a História de Ménage?
Reconhecidamente a História de Ménage inovou ao reconhecer 65 nomes de filósofas que viveram entre os séculos XII a.C. e XIV d.C. Embora o seu trabalho tenha o mérito de mostrar a histórica situação de esquecimento e silêncio, não trata propriamente de apresentar o conteúdo do pensamento filosófico das mulheres filósofas que ele cita. Indica apenas o nome de cada uma delas, as fontes em que aparecem mencionadas e as escolas filosóficas às quais se filiaram. Ménage as agrupa em onze categorias e inicia sua descrição com as seguintes: 
1) Filósofas de "escola incerta", de acordo com a segunda edição de 1692: Hipo, Aristoclea, Cleobulina, Aspasia, Diotima, Beronice, Pánfila, Clea, Eurídice, Julia Domna, Miro, Sosipatra, Antusa, Aganice, Eudocia (Atenaida), Santa Catalina, Ana Comnena, Eudocia (esposa de Constantino Paleólogo), Panipersebasta, Novella e Eloísa; 
2) Filósofas platônicas: Lastenia, Axiotea, Arria, Gemina (mãe), Gemina (filha), Anfilia e Hipatia; 
3) Filósofas acadêmicas: Cerellia; 
4) Filósofas dialéticas: Argia, Teognida, Artemisia e Pantaclea; 
5) Filósofa cirenaica: Arete; 
6) Filósofa megárica: Nicarete; 
7) Filósofa cínica: Hiparquia; 
8) Filósofas peripatéticas: filha de Olimpiodoro e Teodora; 
9) Filósofas epicúreas: Temista, Leoncio e Teófila; 
10) Filósofas estóicas: Porcia, Arria (mãe), Arria (filha), Fania, Teófila (veja em epicúreas); 
11) Filósofas pitagóricas: Temistoclea, Teano (esposa de Pitágoras), Mía, Arignota, Damo, Sara, Timica, Filtis, Ocelo, Ecelo, Quilónide, Teano (esposa de Brontino), Mía (veja mais acima), Lastenia (veja em platônicas), Habrotelia, Equecratia, Tirsenis, Pisírrode, Nesteadusa, Boio, Babelima, Cleecma, Fintis, Perictione, Melisa, Ródope e Ptolemaide.
Observe que Ménage divide as filósofas por correntes de pensamento, mas começa sua descrição com aquelas que não pertencem a nenhuma escola. Ele então descreve as mulheres das escolas platônica, acadêmica, dialética, cirenaica, megárica, cínica, peripatética, epicúrea e estóica. E, curiosamente, as pitagóricas são mencionadas por último.
Houve duas edições da História de Ménage: de 1690 e de 1692. A segunda edição traz algumas modificações assim como pequenas correções. Nos poucos pontos significativos em que a edição de 1690 difere da de 1692, Ménage assinalou a variante entre colchetes duplos.
Entre a primeira edição (1690, quando contava 77 anos) e a segunda (1692), Ménage seguiu em sua busca. De fato, as principais mudanças da segunda edição têm a ver precisamente com o acréscimo de duas filósofas medievais: Eloísa (1101-1164) e Novella (século XIV), com as quais ele cruza a fronteira da Antiguidade. A segunda, a jurista Novella, o autor diz incluí-la entre as filósofas “porque é o que faz Ulpiano […] quando chama filósofos aos jurisconsultos que praticam uma verdadeira e não simulada filosofia”.
Por que era preciso que a homenagem a suas amigas fosse feita em latim? Segundo a prefaciadora da versão italiana da História (2005) de Ménage, Chiara Zamboni, o fato de que tinha escrito o livro na língua dos eruditos pode ter a ver com a intenção de dirigir-se a outros intelectuais, com o objetivo de atrair sua atenção para as pensadoras do passado para refutar, já de modo conclusivo, a generalizada e persistente opinião de que nunca tinha havido filósofas (ou, em seu caso, muito poucas). Os estudiosos tinham que saber que já na Antiguidade houve pensadoras. Por outro lado, tinham que sabê-lo as próprias mulheres que naquele preciso momento estavam construindo pensamento. Sua atuação demonstrava que não eram as primeiras; tampouco constituíam essa “exceção” frequentemente tão incômoda que nos apresentam determinados textos encomiásticos. Sabe-se a data quando foi publicado o livro pela primeira vez (1690), mas não quando começou a ser gestado nem se houve uma transmissão oral anterior. 
Ménage tem sido criticado pelo seu estilo de historiar. Curiosamente ou não, seu trabalho resultou em uma obra muito parecida com a que fez Diógenes Laércio. Ambos os estilos de historiar têm sido criticados, segundo recorda Carlos García Gual, com base
en ciertos prejuicios modernos acerca de cómo debería escribirse una buena historia filosófica. No en vano fue Hegel uno de los lectores más despectivos de nuestro autor [Laercio], al que trató de «amontonador de opiniones varias» y «chismorreador superficial y fastidioso» [...]. Se le viene a reprochar al buen Diógenes Laercio que no compusiera su historia atendiendo más a las ideas de fondo [...] y que, en cambio, gustara de demorarse en las citas de tantos nombres propios, en referencias bibliófilas de segunda y tercera manos [...] desatendiendo las ideas esenciales.
(Minha tradução: "(...) em certos preconceitos modernos sobre como se deveria escrever uma boa história filosófica. Não em vão foi Hegel um dos leitores mais depreciativos de nosso autor (Laércio), a quem tratou de “acumulador de opiniões variadas” e “fofoqueiro superficial e enfadonho” […]. O bom Laércio é censurado por não ter composto sua história da filosofia atendendo mais às ideias de fundo […] e que, ao invés, gostava de demorar-se nas citações de tantos nomes próprios, em referências bibliófilas de segunda e terceira mãos […] negligenciando as ideias essenciais.")
* GARCÍA GUAL, Carlos: «Introducción», in: Diógenes Laercio, Vidas de los filósofos ilustres, op. cit., pp. 8-9, Madrid: Alianza, 2008.
 
Ménage inovou ao reconhecer 65 nomes de filósofas que viveram entre os séculos XII a.C. e XIV d.C. Embora o seu trabalho tenha o mérito de mostrar a histórica situação de esquecimento e silêncio, não trata propriamente de apresentar o conteúdo do pensamento filosófico das mulheres filósofas que ele cita. Indica apenas o nome de cada uma delas, as fontes em que aparecem mencionadas e as escolas filosóficas às quais se filiam. Ménage as agrupa em onze categorias e inicia sua descrição com aquelas de “escola incerta”. 
Qual é o critério usado por Ménage para dizer que uma mulher tenha sido filósofa (e não por exemplo sábia, escritora ou sacerdotisa)? Ménage se baseia no que as fontes dizem e convoca determinada mulher sempre que tiver sido citada como sábia ou filósofa. Depois, há as esposas, as irmãs, as filhas, as discípulas, as amigas de um filósofo. Sobre as fontes utilizadas, Ménage citou, entre outros, Ateneu, Laércio, Aulo Gello, Cícero, Clemente de Alexandria, Jâmblico, Latâncio, Luciano, Pausânias, Plínio, Porfírio. Mas a fonte mais citada é Sudas, uma enciclopédia dos mais variados tópicos, escrita em grego por volta do ano 1000. 
"O fato de Ménage valorizar esse aspecto sugere a ideia de que o autor de uma doutrina ou escola filosófica não era tão importante para ele, mas a prática discursiva como local de produção da filosofia". (Para Pierre Hadot, é filósofo aquele que vive filosoficamente, não quem desenvolveu uma filosofia). O maior exemplo nesse sentido é o de Hipatia de Alexandria (por volta de 375-415 d.C.), sobre a qual Ménage escreve: “Filha e discípula de Teone de Alexandria, filósofo, geômetra e matemático, ela superou em sabedoria seu pai e mestre.” 
Houve duas edições da História de Ménage: de 1690 e de 1692. A segunda edição traz algumas modificações assim como pequenas correções. Nos poucos pontos significativos em que a edição de 1690 difere da de 1692, Ménage assinalou a variante entre colchetes duplos. Entre a primeira edição (1690, quando contava 77 anos) e a segunda (1692), Ménage seguiu em sua busca. De fato, as principais mudanças da segunda edição têm a ver precisamente com o acréscimo de duas filósofas medievais: Heloísa (1101-1164) e Novella (século XIV), com as quais ele cruza a fronteira da Antiguidade. A segunda, a jurista Novella, o autor diz incluí-la entre as filósofas "porque é o que faz Ulpiano […] quando chama filósofos aos jurisconsultos “que praticam uma verdadeira e não simulada filosofia”.
Por que era preciso que a homenagem a suas amigas fosse feita em latim? Segundo Chiara Zamboni, o fato de que tinha escrito o livro na língua dos eruditos pode ter a ver com a intenção de dirigir-se a outros intelectuais, com o objetivo de atrair sua atenção para as pensadoras do passado para refutar, já de modo conclusivo, a generalizada e persistente opinião de que nunca tinha havido filósofas (ou, em seu caso, muito poucas). Os estudiosos tinham que saber que já na Antiguidade houve pensadoras. Por outro lado, tinham que sabê-lo as próprias mulheres que naquele preciso momento estavam construindo pensamento. Sua atuação demonstrava que não eram as primeiras; tampouco constituíam essa “exceção” frequentemente tão incômoda que nos apresentam determinados textos encomiásticos. Sabe-se a data quando foi publicado o livro pela primeira vez (1690), mas não quando começou a ser gestado nem se houve uma transmissão oral anterior.
TRECHO DO PREFÁCIO DA “HISTÓRIA DAS MULHERES FILÓSOFAS”
O número de mulheres que escreveram é tão grande que apenas com seus nomes se poderia encher um volume extenso. Porém a maioria delas se dedicou a estudos agradáveis: retórica, poesia, história, mitologia e correspondência elegante. Entretanto, também houve algumas que se aplicaram a uma disciplina mais séria: a filosofia. Graças aos fragmentos de Sópatro, citados por Fócio, sabe-se que o estóico Apolônio escreveu um curioso livro sobre essas mulheres. Além disso, Sudas nos informa que o gramático Filocoro escreveu concretamente sobre as pitagóricas. Seguiram Platão, Plutarco, Juvenal, Clemente de Alexandria, Diógenes Laercio, Lactâncio, Focio e Sudas, entre outros.  E Juvenal explica que em sua época as mulheres cultivavam a filosofia. Por isso, é surpreendente que Dídimo, o gramático mais douto de seu tempo, somente cite Temista como filósofa, e Lactâncio, o escritor eclesiástico mais erudito, só mencione Teano. Eu, de minha parte, encontrei sessenta e cinco filósofas nos livros dos antigos. Como me propus a escrever sua história, pareceu-me dedicá-la a ti, Anne Lefebvre Dacier (1647?-1720) *, a mais sábia das mulheres atuais e do passado, para que este trabalho seja também um testemunho da admiração que me inspiras. Além disso, não considero que o fato de haver-te recentemente dedicado minha dissertação sobre o Heautontimorumenos, de Terêncio, seja suficiente mostra de minha admiração por ti. E não se surpreenderão de que te dedique esta exposição das vidas das filósofas os que sabem que Diógenes Laércio dedicou sua obra sobre a vida dos filósofos a uma mulher. (...)”
* Dela escreveu Voltaire: “Madame Dacier é um dos prodígios do século de Luís XIV”, como já vimos.


Costuma-se reprovar que Laércio não tenha composto uma história da filosofia em sentido moderno, e o mesmo sucede com Ménage. Claro, gostaríamos muito de saber mais qual era o pensamento das mulheres convocadas, além da menção de seus nomes. Por outro lado, também é verdade que, devido à escassez de informação sobre as opiniões filosóficas das pensadoras, na maioria dos casos não se pode mais do que sobrevoar seu pensamento.
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Finalmente, eu gostaria de fornecer ao leitor um julgamento muito equilibrado da contribuição de Diógenes Laércio para o nosso conhecimento da filosofia na Antiguidade, constante de uma tese de John Sellars apresentada à Universidade de Warwick para a obtenção do título de PhD e intitulada The Art of Living: Stoic Ideas Concerning the Nature and Function of Philosophy (2001).
[SELLARS, 2001, p. 42 e nota de rodapé nº 70], in The Art of Living: The Stoics on the Nature and Function of Philosophy: “As with Xenophon, it has been common to dismiss Diogenes Laertius as a superficial and unphilosophical author. Likewise, the Cynics themselves have often been dismissed as proponents of a lifestyle rather than a philosophy proper. Yet such responses presuppose a conception of philosophy that the Cynics would have completely rejected. In the case of Diogenes the Cynic, one might even say that it is only in an anecdotal history such as that of Diogenes Laertius that one can begin to approach his philosophy conceived as a way of life. Within this context, Diogenes Laertius' compendium of amusing χρεῖαι far from being philosophically trivial is, with regard to the Cynics at least, the most philosophical form of writing there can be.”
LONG: The Socratic Tradition, p. 31: “Diogenes Laertius's anecdotal style is generally an impediment to philosophical informativeness. In the case of the Cynic Diogenes, however, anecdote and aphorism should be construed as the essential vehicles of his thought.” Igualmente, FREDE: Essays in Ancient Philosophy, p. XXVII: “There is no doubt that the Lives and Views of the Philosophers of a Diogenes Laertius are bad history of philosophy, but perhaps they do capture an aspect of ancient philosophy that the scholarly history of philosophy, given its aims, passes over, but that, nonetheless, is real and of interest.” Also NIETZSCHE: Schopenhauer as Educator § 8 (KGW III 1, 413; Complete Works 2, 246): “I for one would rather read Diogenes Laertius than Zeller, because at least the spirit of ancient philosophy is alive in the former, whereas in the latter neither this spirit no any other spirit is alive.”
(Minha tradução  do trecho  constante de A Arte de Viver: Os Estóicos sobre a Natureza e Função da Filosofia, p. 42 e nota de rodapé nº 70:
“Tal como acontece com Xenofonte, tem sido comum descartar Diógenes Laércio como autor superficial e não filosófico. Da mesma forma, os próprios Cínicos têm sido frequentemente descartados mais como proponentes de um estilo de vida do que de uma filosofia propriamente dita. Porém, tais reações pressupõem uma concepção de filosofia que os Cínicos teriam rejeitado completamente. No caso de Diógenes o Cínico, poder-se-ia dizer que está APENAS numa história anedótica, tal como a de Diógenes Laércio que é possível começar a abordar sua filosofia concebida como um modo de vida. Nesse contexto, o compêndio de Diógenes Laércio de divertidos lugares comuns (anedotas e ditos), longe de ser filosoficamente trivial, é, pelo menos com relação aos Cínicos, a forma mais filosófica de escrita que possa existir.”
Igualmente, LONG: A Tradição Socrática, p. 31: “O estilo anedótico é geralmente um impedimento à informatividade filosófica. No caso de Diógenes o Cínico, contudo, a anedota e o aforismo devem ser construídos como os veículos essenciais de seu pensamento.” Ou ainda FREDE: Ensaios na Filosofia Antiga, p. XXVII: “Não há dúvida de que Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres de um Diógenes Laércio são uma má história da filosofia erudita, mas talvez captem um aspecto da filosofia antiga que a história da filosofia erudita, dados seus objetivos, passa ao largo, mas que, no entanto, é real e de interesse.” Também NIETZSCHE: Schopenhauer como Educador § 8 (KGW III 1, 413; Obras Completas 2, 246): “Eu prefiro ler Diógenes Laércio a Zeller, porque pelo menos o espírito da filosofia antiga está vivo no primeiro, enquanto no segundo nem esse espírito, nem outro espírito está vivo.”)
Link: https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=6.+The+Stoic+Division+of+Philosophy+-+WRAP%3A+Warwick+... 

 








II. NOTAS EXPLICATIVAS
    
ANNE LEFEBVRE DACIER

¹  ANNE LEFEBVRE DACIER era filha de Tanneguy Lefebvre, professor de grego e humanidades. Nasceu numa pequena cidade de Touraine, mas passou sua infância numa cidade da região de Loire. Casou-se em primeiras núpcias com Jean Lesnier, de quem se separou em 1670; em segundas núpcias, com o discípulo preferido de seu pai, André Dacier, também filólogo. Seu pai faleceu em 1672, após o que se mudou para Paris, trazendo em sua bagagem parte de uma tradução de Calímaco, que ela publicou dois anos depois. Dedicou parte de seu tempo às edições da coleção de clássicos gregos e latinos ad usum Delphini, destinados à educação do filho de Luís XIV, cuja edição estava aos cuidados de um amigo de seu pai, Pierre-Daniel Huet, então tutor assistente do Delfim e responsável pelas séries de edições ad usum Delphini (conhecidas comumente como Clássicos do Delfim). Ele encomendou suas edições de Publius Annius Florus (1674), Dictys Cretensis (1680), Sextus Aurelius Victor (1681) e Eutropius (1683). Anne participou da disputa entre os antigos e os modernos, e sua preferência recaiu nos primeiros. Traduziu Calímaco para o latim, como vimos, e para o francês sua versão em prosa de Anacreonte e Safo (1681), versões em prosa de Plauto (1683), Aristófanes (1684), Terêncio (seis comédias, 1688) e Homero. Em 1684, ela e seu marido retiraram-se para Castres, com o objetivo de dedicarem-se a estudos teológicos. Em 1685 os Daciers foram agraciados com uma pensão de Luís XIV por sua conversão ao Catolicismo Romano. Anne e André colaboraram em duas traduções: Meditações de Marco Aurélio (1691) e as primeiras seis Vidas Paralelas de Plutarco (1694). Em 1699 apareceu sua versão em prosa da Ilíada, que lhe valeu a estima em que é tida na literatura francesa. Seguiu-se, nove anos depois, idêntica versão da Odisseia, que Alexander Pope achou útil.  Essa tradução de Dacier, especialmente da Ilíada, que descobriu Homero a muitos homens de letras da França, entre os quais Houdar de la Motte, ofereceu a oportunidade de uma retomada da disputa francesa dos Clássicos e dos Modernos, encenada nos anos de 1687-8 entre Charles Perrault (a favor de uma literatura adaptada à época contemporânea e formas artísticas novas) e Boileau e Racine (que advogavam a imitação das regras e dos textos antigos). La Motte corrigiu e abreviou o original e o acompanhou de um prefácio contendo um Discurso sobre Homero, em que toma a defesa dos Modernos. Dacier replicou com o seu tratado Das causas da Corrupção do Gosto, onde debatia a questão da prioridade do original ou duma tradução. Essa polêmica, na qual intervieram autores tão diferentes como Fénelon, o abade Terrasson e Jean Boivin, acabou também em 1716 com uma reconciliação pessoal dos principais atores.  Também de Dacier foram publicadas postumamente, em 1724, anotações sobre a monumental tradução de Pope (1713-1720) dos dois poemas épicos de Homero para a língua inglesa, que Samuel Johnson considerava a mais grandiosa tradução jamais realizada em língua inglesa ou em qualquer outra.  Dacier, por sua vez, publicou em 1724 anotações sobre a monumental tradução de Pope (1713-1720) dos dois poemas de Homero para a língua inglesa. 
Cf.  https://en.wikipedia.org/wiki/Anne_Dacier https://fracademic.com/dic.nsf/frwiki/109248 https://fracademic.com/dic.nsf/frwiki/1397109 

Jean-François Paul de Gondi, Cardeal de Retz
     
²  [JOLY, 1752, 528] relata que 
(...) Feu M. Legoux, Conseiller au Parlement de Dijon a laissé un Supplément manuscrit au Menagiana. Comme cet habile Magistrat, lorsqu'il étoit à Paris, assistoit aux Conférences de Ménage, il recueillit plusieurs traits sortis de la bouche de ce Sçavant, une partie desquels a échappé aux Editeurs du Menagiana. J'en citerai ici un seul, parce qu'il concerne Ménage.
“Lorsque je quittai M. le Cardinal de Rets, M. le Prince de Conti me fit offrir quatre mille livres de pension, si je voulois être à lui. J'en fus fort tenté, ce Prince ayant alors de grands Bénéfices, & pouvant m'en faire tomber quelques-uns. Je consultai mes Amis là-dessus, & leurs avis furent partagés; mais je prononçai pour la liberté, comme les Jurisconsultes: In dubiis pro libertate pronuntiandum. Je crus que je devois demeurer libre. Lorsque je sortis de la maison du Cardinal de Rets, ma sortie fit bien du bruit. Tout le monde en parla, jusqu'au Gazetier qui faisoit alors la Gazette en Vers Burlesques:

Le Bel-Esprit, Monsieur Ménage,

Est, dit-on, en mauvais ménage

Avec le Cardinal de Rets;

  On ne sçait par quels interêts.

Ce Cardinal, qui passoit pour un grand homme, se laissoit conduire comme un enfant. Les femmes le gouvernoient, & lui avoient fait de mauvais présens. Au reste, il n'étoit pas capable d'écrire l'Histoire en Latin, quoiqu'il le fit croire. On dit qu'il en avoit composé une qui commençoit ainsi: Visa narro, audita non moror. On n'en verra jamais que ces mots-là. (...)”
(Minha tradução: “Feu M. Le Gouz, Conselheiro no Tribunal de Apelação de Dijon, deixou um Supplément Manuscrit ao Menagiana. Como este hábil Magistrado, quando estava em Paris, assistia às Conferências de Ménage, recolheu diversos traços saídos da boca deste Sábio, uma parte das quais escapou aos Editores do Menagiana. Desses, eu citarei aqui um só, porque tem relação com Ménage.” (...) Quando eu deixei Mr. Cardeal de Rets, Mr. Príncipe de Conti mandou oferecer-me 4.000 libras de pensão, se eu quisesse estar junto dele. Fui muito tentado a aceitá-lo, pois este Príncipe tinha então grandes Bens, & podia mandar cair alguns em minhas mãos. Consultei meus Amigos a respeito, & seus conselhos foram divididos; mas eu optei pela liberdade conforme os Jurisconsultos: In dubiis pro libertate pronuntiandum. Eu achei que devia ficar livre. Quando eu saí da casa do Cardeal de Rets, minha saída fez muito barulho. Todo o mundo falou dela, até o redator que fazia então a Gazeta em Versos Burlescos:
O Belo-Espírito, Senhor Ménage, 
Está, dizem, em má moradia 
Com o Cardeal de Rets;
Não se sabe por quais interesses.
Esse Cardeal, que se passava por um grande homem, se deixou conduzir como uma criança. As mulheres o dominavam, & lhe tinham feito maus presentes. De resto, ele não era capaz de escrever a História em Latim, embora o fizesse crer. Dizem que ele havia composto uma delas que começava assim: Visa narro, audita non moror. Nunca se verão a não ser essas palavras. (...)” 
Link: https://books.google.com.br/books?id=Y5daAAAAYAAJ&pg=&source=bl&ots=jRGYldZFQN&sig=ACfU3U358M8F3UEfxz1Doo7kIGdxoLOk0Q&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwi9uvzryMXoAhVeGbkGHUwCBEUQ6AEwAXoECAsQAQ#v=false    
Academia Francesa de Letras, criada por Cardeal de Richelieu em 1635
 
³ Sobre as razões que levaram à não-admissão na Academia Francesa recomendo a leitura da tese de Isabelle Leroy-Turcan, defendida na Université Jean Moulin, Lyon III, intitulada “Gilles Ménage et l'Académie Française”. Na Introdução, a autora vai direto ao ponto: Gilles Ménage foi membro, em 2 de setembro de 1654, da ilustre Academia florentina, a Accademia della Crusca, onde foram também admitidos outros franceses, tais como Chapelain (ao mesmo tempo que Ménage), depois François Seraphin Regnier Des Marais, o qual teve ainda, em 1684, a vantagem insigne de ocupar o cargo de Secretário perpétuo da Academia Francesa, e Henri-Louis Habert.
Ménage não pertenceu à Academia Francesa, nem mesmo post mortem, o que jamais se fez, e isso apesar da estima que vários Acadêmicos tinham por ele; não se deve deixar enganar pelo que poderia fazer crer uma edição holandesa do Menagiana datada de 1693 e mencionando na página de título: “da Academia Francesa”. E se é claro que ele concebeu algum despeito no começo, foi em seguida um verdadeiro título de glória não possuí-lo.
Claro que é preciso distinguir os Acadêmicos e a instituição da Academia e que os motivos de oposição entre Ménage e a Academia ultrapassavam os jogos mundanos das polêmicas sobre a boa escrita e a boa fala que preocupavam toda pessoa de qualidade, todo homem honesto, toda pessoa com entrada na corte.
O ponto fundamental da oposição era bem de ordem linguística: não somente como gramático, mas sobretudo como lexicógrafo que Ménage, sendo autor de um dicionário etimológico, que ultrapassava a bem da verdade o contexto da etimologia para se inscrever na linhagem dos dicionários de língua, se afirmou ferozmente como um adversário linguístico das principais escolhas da Academia.
Ménage também fez outros inimigos e sofreu sob a sátira de Boileau e de Molière. A figura controvertida do nosso homenageado teria inspirado Molière na criação do personagem Vadius - sua caricatura -, em sua peça teatral Les Femmes Savantes (1672, ato III, cena III).

MADAME DE SCUDÉRY
MADELEINE DE SCUDÉRY nasceu em Le Havre em 1607. Irmã de Georges de Scudéry, ela frequentou o hotel de Rambouillet a partir de 1639, depois manteve ela mesma um salão célebre (e ridicularizado). Dissimulada atrás do pseudônimo de Safo (ou Sapho) ou tomando emprestado o nome de seu irmão Georges de Scudéry, publicou volumosos romances: Ibrahim ou o ilustre Bassa em 2 volumes (1642), Artamène ou o Grande Ciro em 10 volumes (1649-1653) e Clélia, história romana em 10 volumes (1654-1660). 
Inicialmente é preciso observar que esses dois romances estão muito próximos dos romances heróicos (de Gomberville ou de La Calprenède), epopeias em prosa em decorações exóticas de fantasia, eles evoluem na direção da narrativa psicológica através da prática sistemática das conversações e dos retratos que lembram figuras reais contemporâneas (portraits à clés). Por exemplo, Ciro tem lugar na Antiguidade, onde se reconhecem facilmente os personagens de Condé, Madame de Longueville e a própria Madeleine de Scudéry que aí figura sob o nome de Safo (pseudônimo da autora), que ataca violentamente o casamento, oferecendo assim uma representação romanesca da sociedade preciosa e galante, e neles reconhecendo plenamente seus jogos, suas audácias, suas manias e suas interdições, sua concepção de arte de viver em sociedade e da arte de amar. 
Este último aspecto adquire importante relevo no final do volume I de Clélia onde se acha o Mapa dum país imaginário chamado "Tendre" (terno, em português) e inspirado por Clélia, representação topográfica e alegórica da conduta e prática amorosas. O país de Tendre não é de forma nenhuma um país de elogio insosso e de frivolidades; é um país bem real, um país de problemas reais. Entre o mar da Inimizade e o lago da Indiferença, o rio Inclinação conduz direto ao Mar perigoso e às Terras desconhecidas, mas, seguindo a via terrestre, pode-se chegar, por etapas progressivas, a Tendre-sobre-Estima ou a Tendre-sobre-Reconhecimento. Nada não está interdito, então, de reencontrar pelos rios Reconhecimento e Estima o rio Inclinação, mas pode-se ficar ao abrigo das tempestades no país da ternura. 
Esse Mapa pode funcionar como um jogo de prendas: para além desses divertimentos, é preciso ver bem o problema colocado: nascido do acaso ou de uma pulsão, o amor pode construir-se, e por lá mesmo ficar positivo? O amor é necessária e fatalmente uma paixão? O Mapa do Tendre, contra o pessimismo jansenista, finalmente vencedor (tanto em Racine como em Madame de La Fayette, que Madeleine influenciou entretanto), fala a favor de um otimismo ponderado, repousando sobre o esforço, sobre a atenção a si mesmo e aos outros, sobre a atenção dos homens para com as mulheres.
Esse Mapa, autêntica cartografia sentimental, ilustra os distintos itinerários que devem ser seguidos para se alcançar um sentimento de ternura amorosa a partir de uma nova amizade.
[MÉNAGE, 1729, in Menagiana tomo II, 8-11] tanto exaltou e louvou Madame de Scudéry com observações sobre Ciro e Clélia que chegou ao ponto de interpretar que ela  põe em evidência ligações entre o romance e a poesia épica (o que era uma provocação com respeito às  concepções de Boileau), considerando que a obra dela se enquadra na epopeia e a alça ao nível de Homero e Virgílio.
“Mademoiselle de Scudéry fez no seu Ciro uma bela descrição da pequena corte de Rambouillet. Há mil coisas nos Romances desta moça erudita, que a gente não pode estimar devidamente. Ela tomou nos Antigos tudo o que há de bom, & o tornou melhor, como aquele Príncipe da Fábula que transformava tudo em ouro. Pode-se ler suas obras com muito proveito, por pouco que se tenha o espírito bem formado & que se procure na leitura de que se instruir. Os que censuram a extensão delas, fazem ver, por tal julgamento, a pequenez de seu espírito, como se se devesse desprezar Homero e Virgílio, porque suas obras contêm vários Livros carregados de muitos episódios & de incidentes que necessariamente adiam a sua conclusão. É preciso ter bem pouco conhecimento para não ver que Ciro & Clélia estão no gênero de Poema Épico. O Poema Épico deve abraçar uma certa quantidade de acontecimentos para suspender o curso da narração, que, não comportando senão uma parte da vida do Herói que se escolheu, iria cedo demais ao final, sem isso. Não se encontraria, sem este artifício, a aprovação que produz a espécie de espetáculo formado ao final pela reunião da maioria dos episódios ao assunto principal do Romance. Mademoiselle de Scudéry manejou tão bem a matéria, & fez acontecer tão belas coisas, que nada neste gênero é comparável ao que ela fez: & apesar de algumas expressões & algumas divagações, mas de pouca consequência, que envelheceram; o resto durará sempre, & mais que as críticas que se fizeram disso.
O que se deu desde então neste gênero de escrita, é uma grande marca do mau gosto de nosso tempo & do gênio medíocre que o produz: são apenas pequenas Novelas no máximo, que só fazem conceber à nossa ideia nada de útil nem de majestoso. O que fez Madame de Scudéry forma na nossa alma os grandes sentimentos de virtude que essas espécies de peças devem inspirar.
Madame de Scudéry me disse que ela tinha ainda um Romance acabado; mas que, se ela mandasse imprimi-lo, ninguém quereria comprá-lo ou lê-lo. Ela fez vinte e quatro Volumes, todos saídos de sua cabeça, & eu deixei de lado & de outro, tudo o que tenho escrito. Michel de Marolles queria que ela não tivesse escrito nem Ciro nem Clélia, porque essas obras são impressas sob o nome de Sr. de Scudéry. Mademoiselle de Scudéry, dizia ele, me disse que ela não as fez, & Monsieur de Scudéry me garantiu que era ele quem as tinha composto. E eu lhe digo, lhe garanto que é Mademoiselle de Scudéry quem as produziu; & eu o sei bem. É Mademoiselle de Scudéry quem inventou o Amor de ternura, & o Mapa do Tendre.
Linkhttps://books.google.com.br/books?id=Kzk0AAAAMAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false  
Segundo [DEBROSSE, 2015], Ménage sugere então em várias ocasiões uma ligação entre poesia épica e o romance scuderiano. Este último se acha assim no cruzamento dos caminhos entre a poesia épica (lato sensu) e a poesia amorosa, pois a poesia em geral e o romance em particular repousam sobre esses dois pilares:  
a poesia é a linguagem dos Deuses, & que o amor & a glória a colocaram em uso entre os homens. Que sem ela os Heróis morreriam sem recompensa, que seus nomes se apagariam logo depois deles, que os Amantes suspirariam sem prazer & que a arte de se tornar imortal, imortalizando os outros, seria desconhecida ao mundo.
Foi dessa forma que, na História de Hesíodo, Calíope definiu a poesia para Hesíodo. (Cf Clélia, História romana, p. 801-802.)
Link: https://books.google.com.br/books?id=Kzk0AAAAMAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false
 
 
[HAIZE, 2002, 216-221], em minha tradução para o português, dá a seguinte explicação simplificada e direta do Mapa do país de Tendre inserido por Madame de Scudéry no capítulo Os jogos mundanos em Clélia:
“(...) Clélia decide desenhar para Hermínio este mapa para que evite os obstáculos do Amor, e para isso ela marca três caminhos da sedução, pois ela tinha imaginado que se poderia ter ternura por três causas diferentes: indo de “Nova Amizade” a “Tendre-sobre-Inclinação”, “Tendre-sobre-Estima” e “Tendre-sobre-Reconhecimento” *.
O Mapa do Tendre que causou o sucesso da obra e suscitou inúmeras imitações, foi muito favorável por sua engenhosidade às análises psicológicas e às trocas de ideias. O número três volta muitas vezes no traçado deste Mapa, quais sejam três percursos, três cidades de Tendre, sobre três rios, cujos nomes (Inclinação, Estima, Reconhecimento) correspondem aos três tipos de sentimentos que levam ao amor: um amor com base na ternura, na doçura, na sensibilité, e que tem por objetivo dar uma Moral de amizade. O número três talvez não seja fortuito, e atrás desse número se acha toda uma simbólica mais espiritual, a da Santísima Trindade.
Madeleine de Scudéry, inventando esse divertimento, quer nos fazer compreender que, ao tomar diferentes rotas, a pessoa que merecerá a confiança dela deverá ter mil boas qualidades, e que alguém que tenha defeitos ou vícios não poderá receber senão seu ódio ou sua indiferença. Esse Mapa desenhado com sua mão é sem dúvida o símbolo do amor-perigo, cuja intenção é que tomemos consciência, através desse simples jogo do espírito, do seu conceito de amor, e do qual ela pode não desfrutar. Esse temos e até essa angústia face ao amor se concretiza sobre uma folha de papel, quando ela esboça o Rio de Inclinação, o qual desemboca no mar chamado Mar perigoso: é certamente perigoso ultrapassar as últimas fronteiras da amizade, pois além se acham as Terras desconhecidas... (...)
Esse jogo que parecia aos olhos de Madeleine bastante perigoso, nos leva ao amor platônico que experimentava para com Pellisson (...)
Esse entretenimento toma muito depressa medidas desproporcionadas, e todas as pessoas de espírito escreveram ou comentaram com louvor esse Mapa, quer em versos, quer em prosa; ele serviu para amáveis missivas, cartas lindas e agradáveis conversações. Madame de Scudéry, embora honrada, ficou um pouco zangada com as manifestações e teria preferido conservar seu Mapa para seu pequeno círculo de amigos. Não lhe agradou que pessoas grosseiras e incapazes de aproveitar um certo galanteio falem dele duma maneira estúpida. (...)
Pode-se notar nos escritos de Madeleine esta extrema moderação: ela trata seus amigos com ternura mas também com firmeza; ela considerava esse jogo como uma loucura de um momento, mas ao mesmo tempo queria certamente passar uma mensagem: como é possível adquirir a ternura de uma pessoa honesta? Esta invenção muito sutil a nossos olhos explicava as razões pelas quais Madeleine, apesar do amor que sentia por Pellisson, queria se proteger, e não se comprometer com outro tipo de relação, diferente desta amizade terna. (...) A iconologia representada no Mapa de Tendre ajuda-nos a decodificar e a sensibilizar-nos com a linguagem. A ambivalência do termo “imagem” é significativa, pois nos serve na arte da literatura e na arte plástica. Atualmente, é o que nós chamamos de semiologia, esta ciência muito difundida não só através da literatura, mas também pelo cinema, pela publicidade, pelas caricaturas, e que representa o mundo da criatividade. Mademoiselle de Scudéry usa esse recurso, o vínculo com seu terno amigo Pellisson seria mais comprometedor se ela fosse além dos limites e atravessasse o mar perigoso. Ela não apenas mostra ingenuidade, mas nos transmite através dessa imagem simples, uma percepção, sua percepção do amor, suas ansiedades. Através de suas sensações, ela nos faz descobrir o mundo feminino ao seu redor. Essa restrição voluntária de não ir além do promontório abre um caminho para um novo poder da mulher do século XVII, uma certa liberdade para atravessar ou não as portas do desconhecido. Ela prefere não se comprometer a fim de preservar um amor terno. É o medo ou um estado de consciência perfeita que guia nossa autora nos meandros de um rio que ela deseja tranquilo e sereno. Essa recusa em atravessar as “terras desconhecidas” parece-nos deliberada: Madeleine certamente observou a vida conjugal de algumas de suas parentas e não desejava seguir as mesmas armadilhas; isto é, casamento, procriação (um filho por ano) ou até o medo de traição, parecido com o que aconteceu com Madame de Clèves no romance de Madame de Lafayette.
* Exemplo: em línguas europeias, o modelo é dado por cité-sur-fleuve (cidade-sobre-rio ou cidade banhada por determinado rio). Assim, exemplifico com Ivry-sur-Seine (cidade francesa), Frankfurt am Main (cidade alemã), Stratford-upon-Avon etc. seguem a mesma regra em três línguas europeias diferentes. Relembro que Inclinação, Estima e Reconhecimento são "rios" do "país" denominado Tendre.
Link: https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=La+volupt%C3%A9+des+mots+dans+Cl%C3%A9lie+de+Mademoiselle+de+Scud%C3%A9ry (p. 216-220)
Mapa de Tendre, nome de um país imaginário
O PAÍS DE TENDRE
TENDRE é o nome de um país imaginário, bem como de suas três capitais (Tendre-sobre-Inclinação, Tendre-sobre-Estima e Tendre-sobre-Reconhecimento). Tendre tem um rio em Inclinação, interligado em sua foz por outros dois rios: Estima e Reconhecimento. As três capitais de Tendre estão situadas sobre seus respectivos cursos d'água. Nessa espécie de geografia amorosa, o rio Inclinação escorre tranquilamente, pois é manso, enquanto que o mar é perigoso, pois representa as paixões. A única Paixão positiva é a que é a fonte de sentimentos nobres que o homem pode experimentar. O lago da Indiferença representa o tédio.
O Mapa de Tendre define o arquétipo do amor cortesão. Atribui-se a François Chauveau a gravura desse mapa, aparecendo em ilustração na primeira parte de Clélia, História romana. Trata-se de uma representação topográfica e alegórica do país do amor, onde o amante deve achar o caminho do coração de sua dama.
O ponto de partida do encaminhamento e da orientação da leitura do Mapa é a cidade de Nova-Amizade, ao Sul e no momento quando se faz o primeiro encontro. A partir daí, três caminhos são possíveis, correspondendo aos três sentimentos em questão que são representados pelas três capitais, que tomam seu nome dos três rios: Tendre-sobre-Inclinação, Tendre-sobre-Estima e Tendre-sobre-Reconhecimento. A Inclinação é esta predileção amorosa que não saberia explicar-se; basta deixar-se levar pelo rio homônimo para chegar à ternura. Por outro lado, a via terrestre é obrigatória para atingir as duas outras capitais, e as ternuras suscitadas pela Estima e pelo Reconhecimento. Etapas são representadas por aldeias, pelas quais convém passar (Complacência, Submissão, Pequenos Cuidados, Assiduidade, Cordialidade, Grandes Serviços, Sensibilidade, Ternura, Obediência e Amizade Constante) ou as que convém evitar (tais como Orgulho, Indiscrição, Traição, Maledicência e Maldade) para não cair no mar da Inimizade (a Oeste), tomando a direção de Tendre-sobre-Reconhecimento. Para chegar por terra a Tendre-sobre-Estima, igualmente convém passar pelas aldeias do Grande Espírito, Belos Versos, Carta Galante, Carta Doce, Sinceridade, Grande Coração, Probidade, Generosidade, Exatidão, Respeito e Bondade; por outro lado, convém evitar as aldeias da Negligência, Desigualdade, Frieza, Inconstância e Esquecimento, para não cair no lago da Indiferença (a Leste).
Links: https://www.etudier.com/dissertations/Carte-Du-Tendre/354228.html  
[ZINGUER, 1989, p. 504-5], no seu artigo intitulado "Em busca de uma esteganografia na obra romanesca do século XVII", usa o termo esteganografia que talvez exija um pequeno esclarecimento sobre o seu significado. Esteganografia é o ramo particular da criptologia que consiste em fazer com que uma forma escrita seja camuflada em outra a fim de mascarar o seu verdadeiro sentido. Também talvez seja importante frisar a diferença entre criptografia e esteganografia. Enquanto a primeira oculta o significado da mensagem, a segunda oculta a existência da mensagem. 
Dito isto, convido o leitor a ler parte do texto da escritora Ilona Zinguer, professora do Departamento de Língua e Literatura Francesa da Universidade de Hayfa:
(...) Eu penso no mapa célebre, o Mapa do Tendre, "este pequeno canto da terra no país da amizade", segundo os dizeres do Abade d'Aubignac. Abstração cartográfica do Império Amor, representação no interior de uma ficção que se faz representar. Ferozmente opostas ao casamento, as Preciosas não foram hostis ao prazer. E parece que a terna amizade pode reconciliar a inclinação. Esta "cosmogonia" ensina a arte de agradar. Se o homem cavalheiresco exprime seu desejo, a mulher, segundo Mademoiselle de Scudéry, pseudônimo Sapho, fica abaixo do desejo, mas não de sua expressão. O papel da linguagem fica complexa, conversação, pequenos versos, cartas doces conciliam as naturezas e as boas maneiras, mas não a predileção real. "É uma loucura dum momento, confessa Clélia". Que sua autora tenha preferido a imagem à palavra denota a que ponto a escritora galante se pôs em lugar da romancista. Claude Filteau, em Mapas e figuras da Terra examina a retórica do sentimento desse Mapa, segundo a concepção platônica (círculos concêntricos representando qualidades e defeitos), anamórfica (personagens do fundo do Mapa projetados), aristotélica. Segundo essa última concepção, o Mar Perigoso representa o prazer e o Mar da Inimizade, o ódio, "duas paixões caindo sob o apetite concupiscível", diz ele. Todas essas leituras quais sejam óticas ou ideológicas refletem a mesma preocupação, não dissimulada das Preciosas”: a expressão do desejo amoroso. Uma observação mesmo muito rápida do traçado geral do Mapa do Tendre confunde o leitor moderno. Por pouco que sejamos conscientes de que é possível uma projeção antropomórfica do inconsciente, não é surpreendente reconhecer no aspecto sugestivo desse mapa o traçado da anatomia sexual feminina. (...)”  (grifos meus)
Tendo passado a moda dos grandes romances, Madeleine de Scudéry escreveu novelas: Célinte (1661), a primeira de suas novelas, Mathilde (1667), O passeio de Versalhes (1669), e reflexões morais (Discurso da Glória, 1671: A Moral do mundo, 1686; Conversações de moral, 1688; Conversações de moral, 1692).
Pelo seu Discurso da Glória (1671), ela marcou a história tornando-se a primeira mulher a receber o prêmio de eloquência da Academia Francesa de Letras; mas a Academia, por não aceitar mulheres (tradição que foi alterada pela pressão da opinião pública apenas em 1980 a favor da admissão de Marguerite Yourcenar, a qual foi eleita pela mesma Academia para substituir Roger Caillois).
Marguerite Yourcenar (1903-1987), a primeira Notável 
a ser admitida na Academia Francesa de Letras
Em 1650, seu irmão Georges de Scudéry (autor de 16 peças teatrais, romances, entre 10 mil e 12 mil versos, Observações sobre o Cid que provocaram o exame por parte da Academia Francesa) foi eleito para a Academia, substituindo Vaugelas. Ela teve que se conformar com a Academia dos Ricovrati de Pádua-Itália, que a recebeu como membro honorário em 1684, sem direito a voto e impedida de ocupar cargos administrativos, na sequência de Elena Cornaro Piscopia (Veneza, 1646-Pádua, 1684), a qual se destacou por ter sido uma das primeiras mulheres na Europa a receber um diploma universitário (pela Universidade de Pádua) e a primeira a receber o título de PhD em 25 de junho de 1678.
Em fevereiro de 1858, o célebre filósofo espiritualista Victor Cousin, fundador do estudo da história da filosofia, acadêmico e professor emérito, publicava na Revista dos Dois Mundos uma de suas monografias sobre mulheres do século XVII, centrada então na reabilitação da memória injustamente esquecida de Madame de Scudéry.
Mademoiselle de Scudéry, controversa em sua própria época, foi satirizada por Molière em suas peças teatrais Les Précieuses Ridicules (1659) e Les Femmes Savantes (1672), bem como por Antoine Furetière em Le Roman Bourgeois (1666).
Faleceu em 1701 em Paris.
https://en.wikipedia.org/wiki/Elena_Cornaro_Piscopia

MADAME DE SÉVIGNÉ
  Nascida Marie de Rabutin-Chantal em Paris (1626), a futura MADAME DE SÉVIGNÉ é uma rica senhorita que recebe uma educação singularmente livre, moderna. Órfã e criança mimada, ocupa-se, desde cedo, com a leitura de romances, aprendizado do italiano, em que brilha, domina perfeitamente e traduzirá por escrito, e a arte da conversação, sobretudo. Casou-se muito cedo (1644) por ser um ótimo partido, detentora de 100.000 escudos. Embora tivesse muitos pretendentes, o arcebispo de Paris, o futuro cardeal de Retz, conseguiu fosse aprovado um dos parentes dele, o marquês Henri de Sévigné, cujo casamento foi celebrado sem tardar. Os recém-casados viveram primeiro em sua propriedade de Rochers em Vitré, na Bretanha, voltando a Paris no outono de 1946, quando lhe nasceu a filha Françoise, e ali permaneceram por todo o inverno. Apesar disso, teve outro bebê, o filho Charles, que veio ao mundo em Rochers em 1648. Em Paris, Madame de Sévigné frequentou o hotel de Rambouillet, no seu período de maior brilho: ali sorveu todo o requinte da preciosidade. A traição de seu marido, morto num duelo em fevereiro de 1651 pelos belos olhos de sua amante, deixou-a desiludida. Nos primeiros meses do seu luto, retirou-se para a Bretanha, mas voltou, logo que pôde, a Paris. Muito cortejada, e dando talvez um pouco de corda à maledicência por sua alegria natural, sem coqueteria mas sem recato, teve muitos admiradores suspirando por seus afagos, tais como Turenne, o príncipe de Conti e o todo-poderoso ministro das Finanças da França, Nicolas Fouquet. Ela, porém, decide ficar livre e dedicar-se de corpo e alma à sua filha Françoise Marguerite. Mas um marco que vai assinalar o início de nova fase em sua vida foi o casamento da filha com o Conde de Grignan em fevereiro de 1669, que tinha certa idade e já era viúvo de duas mulheres. No fim daquele ano, este foi nomeado comandante geral em Provença, tendo partido em abril de 1670, deixando Françoise gestante com a mãe dela até o parto da neta Françoise Marguerite.
Inicialmente, Madame de Sévigné desenvolve seu belo estilo em cartas leves, "missivas" galantes que trocavam cavalheiros e damas "de qualidade"; depois, em cartas à sua filha, Françoise Condessa de Grignan, cuja partida para Provença, autêntica ruptura em sua vida, marca seu verdadeiro nascimento para a escrita. Começa então entre a mãe e a filha Françoise uma correspondência cuja chantagem afetiva, ameaças, gritos, amor e ódio não estão nunca ausentes. Muito tempo antes, ela apostou na espontaneidade e na sinceridade. Engraçada, terna, desesperada, dividida entre sentimentos muitos terrestres e sua crença em Deus, ela ensina num gênero inédito a arte de ser mulher, mãe, avó e livre resolutamente: especialmente através de sua correspondência com sua filha Madame de Grignan.
Aos 70 anos, ela morre no castelo de Grignan. Da exuberância barroca ao despojamento jansenista, sua vida se desenrola e se lê como um romance cuja heroína, melhor que ninguém, viu e contou todo o seu século.
Hoje se colecionam 1.120 cartas de Madame de Sévigné, durante 50 anos (1646-1696) * , das quais 764 são dirigidas à sua filha Madame de Grignan, 126 a seu primo Bussy e 220 dirigidas a 29 outros destinatários. Digno de nota é uma falta fundamental nessa correspondência: só as cartas da marquesa foram conservadas. As respostas de sua família foram destruídas por sua neta, o que dá a impressão dum monólogo e nos priva da dimensão do diálogo.
Nenhuma das cartas da marquesa foi publicada enquanto viva. Apenas em 1697, alguns meses após sua morte, é que a Correspondência de Bussy trouxe a lume as respostas deste último às cartas que lhe tinha dirigido a marquesa.
As cartas dirigidas à sua filha seriam publicadas mais de 30 anos após a sua morte.
Por sorte, em 1873, um lote de cópias manuscritas, segundo os autógrafos, foi achado num antiquário, cobrindo cerca de metade das cartas dirigidas a Madame de Grignan e nos permite hoje dispor de um testemunho mais fiel e completo das cartas da marquesa. 
As Cartas de Madame de Sévigné são frequentemente utilizadas por estrangeiros, que querem aprender a língua francesa. Nada é igual à vivacidade de seu estilo e à felicidade de suas expressões. Ela tinha o talento de embelezar as menores coisas, e de dar interesse às mais ínfimas. Todas suas narrativas são quadros de Albani; seu estilo é inimitável, como o do bom La Fontaine. Ela é, no gênero epistolar, o que o fabulista é no seu, natural e original. Alguns autores pretenderam que os sentimentos de ternura que ela testemunhava à sua filha eram falsos e afetados. Essa afirmação é não só desprovida de prova, mas ainda de probabilidade. Se ela não sentisse nada, quem então a obrigava a fazer parecer o contrário? A quem serviria esta hipocrisia dolorosa e longa? O coração de uma mãe não se pode falsear assim; e se vê claramente que só ele inspirou Madame de Sévigné suas frequentes expressões de ternura, que não podiam fugir de uma monotonia enfadonha senão de tanta verdade. 
Tem-se reprovado Madame de Sévigné de não ter prestado justiça ao mérito de Racine e de ter exagerado seu entusiasmo por Corneille. Mas não se deve esquecer, para a glória da escritora, que ela fez em suas Cartas o elogio dos mais célebres homens de seu século, entre outros, La Fontaine.
Link: https://books.google.com.br/books?id=C3sOAAAAQAAJ&pg=false (p. 311-4)


  Consta que a literatura era um passatempo que MADAME DE LA FAYETTE dissimulava ao mundo em geral, sendo vista pela aristocracia como indigna de sua classe. Todas as suas obras foram então publicadas anonimamente ou ao amparo de outra figura (normalmente homem), como Zaïde, uma "história espanhola" passada na Espanha no século X, que funda o romance de análise,  publicado com autoria de Segrais, um poeta que entrou na Academia francesa em 1662, e publicado em 1669. Madame de La Fayette foi também a autora de A Princesa de Montpensier, novela publicada anonimamente ainda em 1662. Sua obra-prima foi entretanto A Princesa de Clèves, editada por um de seus amigos em março de 1678; ainda hoje este romance é considerado a primeira narrativa de análise psicológica a ponto de ingressar na prestigiosa coleção La Pléiade em 2014 como "obra completa".
Benedetta Craveri assinala: "Todas as suas obras, desde A Princesa de Montepensier a Zaïde e A Princesa de Clèves, nascerão de uma relação de colaboração e intercâmbio." Em sua correspondência com Ménage, Madame de La Fayette mencionou "nossa princesa", em referência à Princesa de Montpensier, como preito de gratidão pela ajuda recebida.
Aproximando o fim de sua vida, retirou-se das coisas mundanas para preparar sua morte, um retiro um tanto acelerado devido à morte de seu grande amigo François de La Rochefoucauld em 1680, depois pela morte de seu marido François Motier, conde de La Fayette, em 1683. Ela morreu dez anos mais tarde, em Paris, em 25 de maio de 1693.
Madame de La Fayette, nascida Marie-Madeleine Pioche de La Vergne em 1634, era parisiense, filha de Marc Pioche de La Vergne e sua esposa Isabel Péna. Quando seu pai morreu, sua mãe Isabel casou-se uma segunda vez em dezembro de 1650 com o chevalier Renaud de Sévigné. A jovem Marie Madeleine frequentou rapidamente a aristocracia de seu tempo,  ao tornar-se dama de honra da rainha Ana da Áustria na idade de 16 anos. Conheceu Marquesa de Sévigné, com quem estabeleceu ligações de amizade muito fortes até o fim de sua vida. Foi introduzida nos salões literários em voga em Paris, no palácio de Madame de Rambouillet (considerada a introdutora do movimento em seu salon, identificando suas frequentadoras com o termo salonnières) ou ainda da Marquesa du Plessis-Bellière.
Em 1655, casou-se com o viúvo pobretão Conde de La Fayette, com quem teve dois filhos. Ela o acompanhou algum tempo a Auvergne, mas retornou rapidamente a Paris, onde criou seu próprio salão literário. Madame de La Fayette aí recebeu grandes figuras do seu tempo, tais como Racine e Boileau. As informações relativas a seu marido são quase inexistentes e La Bruyère resumiu assim a situação: "Encontramos recentemente uma mulher que eclipsou tanto seu marido que não sabemos se está morto ou vivo..." Ela estabeleceu laços de amizade com Henriqueta de Inglaterra, a futura Duquesa de Orleans, cujo casamento com o irmão do rei lhe deu acesso ao círculo íntimo da Corte real. Outro encontro marcante foi com o Duque La Rochefoucauld em 1655, com quem estabeleceu uma amizade estreita, com uma constância que causava admiração em Madame de Sévigné, amiga de ambos, e que escreveu quando da morte do Duque: "nada pode ser comparado à confiança e aos encantos da amizade deles."
Madame de La Fayette figura em O Grande Dicionário das preciosas, surgido em 1661, sob o pseudônimo de Feliciana, que a descreveu como "civil, prestativa e um pouco zombeteira". Ela fazia parte dessas mulheres vanguardistas que participaram do nascimento das mulheres de letras que desejavam ser reconhecidas por sua inteligência e suas aptidões.
Essas "preciosas" tinham também a particularidade de serem assiduamente cortejadas, sem que seus admiradores fossem jamais satisfeitos. Com efeito, Madame de La Fayette era uma grande partidária do amor casto, esquivando-se da paixão até nos seus escritos.
Cf. https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=Madame+de+La+Fayette+%3A+biographie+courte+et+oeuvres+de+l%27auteur
[ASHTON, 1922, p. 22-30] informa também que "as cartas da Marquesa de Sévigné mostram que os laços de amizade entre ela e Madame de La Fayette se fortaleceram depois do casamento de Madame de La Vergne; já antes de 1652 as duas mulheres se conheciam, tendo se tornado parentas pelo segundo casamento de Madame de La Vergne. Todas as duas foram alunas de Gilles Ménage e mesmo a amizade particular do mestre por uma das duas alunas parece ter feito nascer um pouco de ciúme no coração da outra. Depois de um silêncio um pouco longo demais, Ménage escreveu à marquesa manifestando sua preferência por ela em detrimento de Madame de La Fayette. (...) Existe o costume, quando se fala das relações entre Ménage e suas alunas, de representar o mestre como um abade pedante, mulherengo, amante de todas as mulheres que ele encontrava, e perseguia as senhoritas de La Fayette e de Sévigné com suas atenções ao ponto de ser importuno e ridículo." 
Na opinião de Ashton, os documentos que apóiam essas acusações são muito frágeis.
"A verdade nos parece completamente outra. Há provas incontestáveis de que as duas moças faziam grandes esforços para reter Ménage como amigo e, sem acusá-las de terem sido elas as importunas, podemos admitir que elas provocavam o abadezinho para ter suas cartas e suas visitas."
E Ashton justifica documentalmente com base nas correspondências do abade Ménage.
Ele também calcula que foi por volta de 1650 que Marie-Madeleine começou a trabalhar sob a orientação de Ménage; essa data não combinaria bem com a carta de Madame de Sévigné escrita para reprovar Ménage por sua parcialidade em favor da nova aluna.
Além do latim e do italiano, Madame de La Fayette recebeu lições de hebraico.
Link: https://books.google.com.br/books?id=VB09AAAAIAAJ&pg=PA24&lpg=PA24&dq=.&f=false
 
MADAME DES HOULIÈRES
  Nascida Antoinette du Ligier de La Garde (1638-1694), MADAME DES HOULIÈRES  era poetisa e filósofa epicúrea defensora do naturalismo filosófico. Estudiosa de Lucrécio e Gassendi, aprendeu latim, italiano e espanhol. Casaram-na aos treze anos com o Marquês Deshoulières. Em 1658 abriu um salão em seu modesto apartamento de Paris, que Ménage frequentou. Ficou famosa por suas poesias, sobretudo por seus idílios. Foi membro da Academia dos Ricovrati de Pádua-Itália e da Academia de Arles.
Link: https://en.wikipedia.org/wiki/Antoinette_du_Ligier_de_la_Garde_Deshouli%C3%A8res 

 


III. BIBLIOGRAFIA
ASHTON, Harry: Madame de La Fayette - Sa vie e ses oeuvres, 1922, Cambridge at the University Press, 295 p.
BRIQUET, Fortune B.: Dictionnaire historique, littéraire et bibliographique des françaises, et dês étrangères naturalisées en France, Paris: Treuttel et Würtz, Libraires, 1804, 347 p.
CONLEY, John J.: The suspicion of virtue: women philosophers in neoclassical France, Ithaca (NY): Cornell University Press, 2002, cobrindo os seguintes tópicos: Capítulo I - Introdução: Filosofia de Salão (pp. 1-19) Capítulo II - Madame de Sablé (1598-1678): Um código jansenista de Moderação (pp. 20-44) Capítulo III - Madame Deshoulières: Um credo naturalista (pp. 45-74) Capítulo IV - Madame de la Sablière: A ética do deserto (pp. 75-96) Capítulo V - Mademoiselle de la Vallière: A lógica da misericórdia (pp. 97-123) Capítulo VI - Madame de Maintenon: Um pragmatismo moral (pp. 124-156) Capítulo VII - Conclusão: Virtude desmascarante Apêndice A: Máximas de Madame de Sablé (pp. 167-174) Apêndice B: Reflexões diversas de Madame Deshoulières (pp. 175-180) Apêndice C: Máximas cristãs de Madame de la Sablière (pp. 181-187) Apêndice D: Sobre as virtudes cardinais de Madame de Maintenon (pp. 188-192) Notas (pp. 193-208) Bibliografia (pp. 209-214) Índice (pp. 215-223)
CRAVERI, Benedetta: La cultura de la conversación, Madri: El ojo del Tiempo Ediciones Siruela, 615 p.
DEBROSSE, Anne: Promenades désenchantées en "mer Dangereuse": Madeleine de Scudéry, Sapho e Erinne aux prises avec le monde, Études Épistémé 27 | 2015, consultado em 1º de abril de 2020
DUCHÊNE, Roger: Madame de Sévigné, Correspondance, édition critique, texte établi, présenté et annoté par Roger Duchêne, trois volumes, Gallimard, 1973-1978, Bibliothèque de la Pléiade.
JOLY, Philippe-Louis: Remarques Critiques sur le Dictionnaire de Bayle, 1752, Paris: E. Ganeau e Dijon: François Desventes, Libraire, 820 p.
MÉNAGE, Gilles: Historia de las mujeres filósofas. (autor do livro e do prefácio) Trad. de Mercè Otero Vidal; introducción y notas de Rosa Rius Gatell. Barcelona: Herder Editorial, S.L., 2009, 160 p.
________. "Storia delle donne filosofe", com prefácio de Chiara Zamboni, Verona: ombre corte, 2005, 103 p.
 ________. "Histoire des femmes philosophes", Paris: Éditions Arléa (translated into French from Latin by Manuella Vaney with an introduction by Claude Tarrene), 2006, 96 p.
 ________.  The History of Women Philosophers translated from the Latin with an introduction by Beatrice H. Zedler, Lanham: University press of America (1984)
1911 Encyclopædia Britannica: Ménage, Gilles
LAERCIO, Diógenes: Vidas y opiniones de los filósofos más ilustres. Traducción y introducción de Carlos García Gual. Madrid: Alianza Editorial, 1947.
SELLARS, John: The Art of Living: The Stoics on the Nature and Function of Philosophy, The University of Warwick: Department of Philosphy, 2001, 348.  
ZINGUER, Ilana: À la recherche d'une stéganographie dans l'oeuvre romanesque du XVIIe siècle, p. 497-508. In TOBIN, Yishai: "From Sign to Text: A Semiotic View of Communication", Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company
WALCKENAER, Charles Athanase: Mémoires touchant la vie et les écrits de Marie Rabutin-Chantal, dame de Bourbilly, Marquise de Sévigné, Paris: Librairie de Firmin Didot Frères, 1842, p. 544.

13 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
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Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

É comum ouvirmos falar de nomes de mulheres francesas como introdutoras do feminismo no mundo, achando tratar-se de um assunto iniciado no século XX, e simplesmente aceitarmos a informação sem consultar a História.  Isso não é absolutamente verdadeiro, como será visto neste meu trabalho de pesquisa que lhes apresento. Pelo menos 63 mulheres da Antiguidade, a maioria de origem grega, praticaram uma atividade intelectual eminentemente masculina: a filosofia. Dessas, talvez já tenhamos ouvido falar de Aspásia de Mileto do século V a.C. (famosa por causa de Péricles) e Hipátia de Alexandria, nascida cerca 351-370 e assassinada em 415 d.C. 
Filosofia era um assunto de homens, pensava-se, até que GILLES MÉNAGE lançasse seu livro HISTORIA MULIERUM PHILOSOPHARUM (História das Mulheres Filósofas) em 1690 em Lyon, França, contestanto a opinião vigente de que mulher não dava para filósofa, lamentando-se, entretanto, de que tenha encontrado muito poucas referências a respeito das doutrinas delas e se chegaram ou não a criar seu próprio sistema filosófico. No caso de Ménage, a decisão de investigar antigas fontes em grego e latim para esclarecer se, além dos conhecidos filósofos, houve mulheres que também praticaram filosofia, talvez tenha sido para homenagear mulheres eruditas, suas contemporâneas, com quem conviveu nos salões de Paris no século XVII, na época do rei Luís XIV, que ficaram conhecidas como as "preciosas", algo um tanto pejorativo especialmente depois que Molière lançou duas peças teatrais "As Preciosas Ridículas" e "As Mulheres Sábias" (às vezes traduzida no Brasil por As Sabichonas), com grande sucesso desde seu lançamento até hoje.
É possível pensar que o próprio Ménage decidiu escrever seu trabalho inédito, depois de se certificar que os historiadores da Filosofia eram todos homens. A esse respeito Umberto Eco afirma que "não é que não tenham existido mulheres que filosofaram. É que os filósofos têm preferido esquecê-las, talvez depois de terem preferido se apropriar de suas ideias" (apud GATELL, 2009, p. 12 da Introdução de "Historia de las Mujeres Filósofas" de Gilles Ménage).
Diante do exposto, Ménage decidiu corretamente, dada a sua enorme cultura e influência, instruir discípulas pertencentes à Nobreza, colaborar com elas na produção de seus romances e divulgar o trabalho delas principalmente no seu Menagiana, uma coletânea de suas preleções e colóquios, coligido inteiramente por seus admiradores e discípulos. São especialmente esses os assuntos que veremos neste meu presente trabalho.

Cordial abraço,
Francisco Braga

Dr. Mário Pellegrini Cupello (escritor, pesquisador, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, e sócio correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caríssimo amigo Braga

Junto aos melhores agradecimentos pela gentileza do envio deste post, queremos apresentar-lhe os nossos parabéns por esse impressionante e volumoso texto de pesquisa histórica – com citações, fotos e robusta biografia! – um trabalho que dignifica sua elevada cultura.

Receba o abraço fraterno,

Dos amigos Mario e Beth.

Jorge Antunes (professor e maestro, atualmente compositor convidado pela Cité Internationale des Arts para compor uma ópera a ser dedicada à memória da Imperatriz Leopoldina) disse...

Oi, Braga:

Tua erudição e domínio do vernáculo fazem-me teu grande admirador.
Parabéns.
Adorei este teu novo texto.

Acho que você, se quisesse, poderia ser um grande libretista.
Espero que possamos fazer, juntos, alguma ópera futuramente.

Abraço,
Jorge Antunes

Diamantino Bártolo (professor universitário Venade-Caminha-Portugal, gerente de blog que leva o seu nome http://diamantinobartolo.blogspot.com.br/) disse...

Boa Tarde
Meu estimado amigo
Muito obrigado.
Bom final de semana, na medida do possível.
Abraço.
Diamantino

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e membro da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Prezado Braga, bom dia. Agradeço a matéria interessante e instigante. Saudações para a esposa. Pax tecum. Fernando Teixeira

Nicolau Bachá (baterista carioca) disse...

TEM RELAÇÃO COM A EXPRESSÃO 'MENAGE A TROIS'?

Paulo Roberto Sousa Lima (escritor, gestor cultural e presidente eleito do IHG de São João del-Rei para o triênio 2018-2020) disse...

Parabéns, Braga, pela sofisticação e exuberância do seu texto que dignifica a importância do trabalho do autor. Um grande e sensível esforço para valorizar as mulheres filósofas e um delicado elogio a Rute Pardini. Quais são mesmo as filósofas brasileiras, além da Chaui, em Sampa e Sônia Viegas, em BH?
Abraços.
Paulo Sousa Lima.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga;
Excelente apresentação sobre a vida, a obra e o ambiente cultural e social de G. Ménage, bem como das personalidades literárias femininas de sua época, em especial, a partir do tema igualmente instigante das mulheres na Filosofia Antiga e Medieval do qual foi tão original estudioso.
Grato pela oportunidade da sua leitura.
Cumprimentos
Cupertino

Évelyn Márcia Pôssa (Doutora em Geografia - UFMG, Mestre em Sensoriamento Remoto - INPE e Geógrafa - UFSJ) disse...

Agradeço, Francisco Braga, por compartilhar conhecimento.
Fruto de horas e horas de trabalho.

Évelyn Márcia Pôssa

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

ótimo, grato!

Suely Campos Franco (participa da Escola de Música / Programa de Pós-Graduação em Música Universidade Federal do Rio de Janeiro) disse...

Querido amigo!
Muito obrigada por compartilhar este texto riquíssimo. Que privilégio!!
Parabéns!
Abraços para você e Rute.
Suely

Profª Dra. Patrícia Ferreira dos Santos Silveira (pesquisadora, escritora e doutora em História Social-USP e pós-doutora em História Social da Cultura-UFMG) disse...

Estimado Dr. Braga,

Que pesquisa importante! Gostei muito de ler sobre esta faceta mal conhecida da História das Mulheres e do pensamento feminista.

É pena estarmos limitados nesse período da quarentena, embora seja muito necessário, para nos proteger de um mal maior, Pretendo convidá-.lo a palestrar para professores na Casa do Professor em Mariana, em data oportuna.
Mantenhamos contato, para projetos afins.

Esperando que esteja bem e se cuidando junto de sua família, reitero meus melhores cumprimentos pelo seu trabalho e erudição.
Forte abraço,

Patrícia Ferreira dos Santos Silveira.