sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

ADEUS AO ACADÊMICO FREDERICO OZANAN SANTOS


Por Francisco José dos Santos Braga
 
Dedico este panegírico à memória do confrade Frederico Ozanan Teixeira Santos.

Frederico Ozanan Teixeira Santos
 

O convite para eu pertencer à egrégia Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes me foi enviado por seu presidente Dr. Roque José de Oliveira Camêllo em 16 de março de 2017 em papel timbrado do sodalício por e-mail, véspera do falecimento do seu signatário e seu presidente, cujo primeiro parágrafo transcrevo com saudade:

Prezado Doutor Francisco,
Temos a honra de levar ao conhecimento de V. Sª que os Acadêmicos Dom Francisco Barroso Filho, Frederico Ozanan Santos e Roque Camêllo apresentaram seu nome para integrar o quadro efetivo da Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes, recebendo aprovação unânime da Diretoria Executiva. (...) 

O convite teve minha aquiescência imediata, confirmada no dia seguinte por e-mail, mas lamentavelmente minha resposta já chegou tarde, pois àquela hora  9h 45min  possivelmente Dr. Roque já tivesse entregue seu espírito ao Criador. 

Em seguida, em 22 de abril de 2019, honrou-me sobremodo o convite da presidente Profª Hebe Maria Rôla dos Santos para fazer parte da Casa de Alphonsus de Guimaraens Filho, endossando o convite de seu antecessor no cargo, com o seguinte teor:

Considerando que o prof. Roque empenhou-se em trazê-lo para nossa Academia, em reunião a Diretoria decidiu sugerir-lhe o nome do referido ex-presidente, Roque Camêllo, para seu patrono. Ficaremos muito gratos pela sua presença nesta Casa. 

Relembro esses fatos apenas para destacar o nome de Frederico Ozanan Santos como membro integrante do trio que me indicou para participar da plêiade de imortais que exornam a douta Casa de Cultura Marianense. 

 

 

É sob essa ótica que venho trazer, em triste despedida, meu pesar diante do falecimento do confrade imortal da Academia Marianense de Letras, Frederico Ozanan Teixeira Santos, a quem devo minha indicação para a tão honrosa posição na Academia Marianense de Letras. 

Mesmo distante de Mariana, em viagem a São Paulo, recebi na manhã deste 29 de dezembro a triste notícia de seu passamento que me tocou profundamente. 

Ozanan era filho do intelectual, jornalista, escritor e folclorista Waldemar de Moura Santos, o principal dos fundadores da Academia Marianense de Letras em 28/10/1962 e seu segundo presidente (de 1964 a 1986); além disso, seu pai foi autor dos livros In Memoriam (1947), Discursos e Conferências (1958), Sessenta Tempos (1961) e Lendas Marianenses (1967). 

Seguindo a profícua trajetória de seu pai, Ozanan, natural de Mariana, advogado, funcionário do Banco do Brasil onde se aposentou, foi membro efetivo e Diretor Executivo e Cultural da Casa de Cultura–Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes. 

Este é um momento de grande pesar para a comunidade acadêmica e cultural, pois Mariana perde não só um membro valoroso da cultura literária, mas também um cidadão que contribuiu de maneira significativa para o conhecimento, a história e a educação marianenses, atuando como editor de dois jornais impressos locais: Jornal de Mariana (de 1977 a 1981) e Folha de Mariana (1985 a 1990), onde manteve as colunas "De Olho na Cidade", "A Cidade Reclama" e "Coluna do Ozanan". Na edição eletrônica do Jornal de Mariana deu continuidade às referidas colunas de grande agrado popular. 

Ozanan, além de sua atuação jornalística, deixou um legado na forma do seu Blog do OZANAN, constantemente enriquecido com matérias atuais sobre os assuntos políticos e problemas municipais, com denúncias corajosas e independência, com muita regularidade de março de 2008 até fins de 2019 e com menor frequência nos anos de 2020 e 2021, quando foi orientado a interromper a sua atualização por recomendação médica. 

O seu amor à terra natal está estampado em praticamente todas as matérias postadas em seu Blog do Ozanan; a título de exemplo, cito a matéria intitulada "Mariana, Monumento Nacional - 70 Anos", texto extraído do livro “Breviário Histórico e Turístico da cidade de Mariana”, de autoria do grande historiador marianense Salomão de Vasconcelos e postado em 6 de julho de 2015 no Blog do OZANAN. 

Por suas grandes qualidades como Acadêmico e muitos serviços prestados à comunidade marianense, fez-se merecedor da admiração geral de seus confrades e conterrâneos. A essa admiração geral, o homenageado sempre reagiu com a maior modéstia e simpatia.

Em solene despedida, meu pensamento se volta para a família e amigos de Frederico Ozanan Teixeira Santos neste momento de luto. Seu trabalho e contribuições continuarão a ser lembrados pela sociedade marianense em geral e pela comunidade acadêmica, em particular. Que o confrade Ozanan descanse em paz!

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

O DIÁRIO DE GUERRA DE GUIMARÃES ROSA: ENIGMA E DESAFIO


Por Francisco José dos Santos Braga
 
Dedico este ensaio aos irmãos: saudoso amigo Davi Jorge de Souza, artista plástico, e Profª Laurinda Ferreira de Souza, mestra pela FGV-RJ em Psicologia da Educação, aposentada no INESP-Instituto Superior de Estudo e Pesquisa de Divinópolis (atual UEMG).
(Lydio) Bandeira de Mello: Tropeiro e sua Boiada - Crédito: Acervo de Davi Jorge de Souza


 
  
À guisa de prefácio ao seu livro O observador no escritório, Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) escreveu sobre o porquê de tantos diários, cuja maioria não foi publicada por seus autores. Aqui segue sua percepção da utilidade/inutilidade profissional e documental dos diários de escritores:
Por que se escrevem diários? Por que notadamente os escritores gostam de escrevê-los, dissipando o tempo que deveria ser consagrado a viver ou a produzir escritos públicos? Admite-se que o político e, de modo geral, o homem de ação se empenhem em manter registro continuado de fatos e conversações que possam justificá-los no futuro, se tiverem em conta o julgamento histórico. Neste caso, o diário valerá como documento de arquivo.
Mas o escritor não precisa justificar-se, a não ser pela obra. Ninguém o obriga à anotação íntima, a esse mirar-se no espelho do presente. Então, se escreve o diário, há de ser por força de motivação psicológica obscura, inerente à condição de escritor, alheia à noção de utilidade profissional.
Não pensei nisto, anos a fio, ao encher cadernos com anotações sobre o meu dia a dia, que jamais pretendi viessem a ter importância documental, como não têm. O impulso de escrever para mim mesmo, em caráter autoconfessional, ditou os feixes de palavras que fui acumulando e que um dia... destruí. Mas a própria destruição tem caprichos. Do conjunto sacrificado salvaram-se algumas páginas que hoje reúno em livro, depois de tê-las, na maior parte, colocado em minha coluna no Caderno B do Jornal do Brasil. Animou-me a ingênua presunção de que possam dar ao leitor um reflexo do tempo vivido de 1943 a 1977, menos por mim do que pelas pessoas em volta, fazendo lembrar coisas literárias e políticas daquele Brasil sacudido por ventos contrários.
Fui, talvez, observador no escritório.

Achei interessante transcrever na íntegra o texto de Drummond que considero balizador do que vem a seguir. Vale a pena conferir a conclusão a que chegou Drummond, após manter seu diário de 1943 a 1977, com a constância de um acumulador maníaco, porém entendeu parece que não convinha públicá-lo nem confiá-lo íntegro aos pósteros. Não escrevia para nenhum(a) bisbilhoteiro(a), mas "para si mesmo, em caráter autoconfessional".

Outro mineiro de quem Drummond foi contemporâneo e amigo, Guimarães Rosa (GR), decidiu diferentemente daquele, conservando seus dois diários conhecidos: o de Hamburgo e o de Paris. Conforme sabemos, por razões desconhecidas GR decidiu mantê-los impublicáveis. Questiúnculas familiares impediram a sua publicação, mesmo após a morte de seu autor. 
 
Capa do chamado Diário de guerra escrito por Rosa entre 1939 e 1941 / Crédito pela foto: Juarez Rodrigues
 
Deixou datilografado um diário que tem sido chamado de Diário de Hamburgo, durante o período de 1939 a 1941, durante sua estada (1938-1942) como cônsul-adjunto em Hamburgo. Chamado informalmente de “diário alemão” ou “diário de guerra”, este documento histórico é o caderno mais extenso em quantidade de páginas (199 páginas numeradas) de Guimarães Rosa. O próprio autor o chamava de "cadernos". Nesses "cadernos", GR narra a rotina diplomática na II Guerra Mundial: viagens ao exterior europeu e internamente na Alemanha, reuniões, filmes, teatro, bombas, judias chorando no consulado externando sua indignação com as atrocidades cotidianas cometidas contra os judeus. 
 
[MACHADO, 2006] acrescenta outro elemento digno de nota:
(...) Em agosto de 1939, data das primeiras anotações, ele não faz literatura. Sua escrita é prosaica, sem artifícios. Ainda assim, espalha pelo diário figuras de linguagem, observações e poemetos que, lidos hoje, são claramente “rosianos”. Seus flertes com a poesia são constantemente relacionados à exaltação da natureza. “A noite começa debaixo das árvores”, anota num canto, ao lado dos registros de um bombardeio e de recortes de anúncios de escritórios de advogados e de um hotel em Hamburgo.
Em outro ponto, põe no papel um poema que começa com a estrofe “As lagoas são armadilhas armadas para pegar a lua/ porque a lua não se reflete (não desce a) na mata, nem no chão (terra dura)”. Ao lado dos escritos mais pessoais, de invencionices subjetivas, ele acrescenta o sinal M%, que significaria, segundo especialistas na obra de Guimarães Rosa, “meu 100%”. O símbolo aparece, por exemplo, ao lado de um escrito intitulado A Ladeira: “A ladeira da vida inteira... Tudo é vaidade, tudo é besteira, só uma coisa é que é verdadeira: subindo a ladeira, sobe-se a ladeira da vida inteira... (...)”. 

No Diário de guerra, GR é discreto, porém, nas referências a Aracy Moebius de Carvalho, filha de pai português e mãe alemã, funcionária do consulado brasileiro responsável pela Divisão de Passaportes, por quem logo GR se apaixonou, às vezes tratando-a carinhosamente por "Ara" no diário. Ambos vinham de casamentos desfeitos (ela com um filho, ele com esposa e duas filhas). Ela tinha se casado em 1930 com o alemão Johann Eduard Ludwig Tess, com quem teve o filho Eduardo Carvalho Tess. Após cinco anos de casados, Aracy se separou do marido através de um "desquite amigável" (no Brasil não havia legislação sobre o divórcio), e partiu com seu filho para a Alemanha, onde passou uma temporada na casa de uma tia...

Consta que Aracy tenha dado uma cópia do Diário de Hamburgo a Vilma (autora de Relembramentos - João Guimarães Rosa, meu pai, pela editora Nova Fronteira, 1983). Ao mesmo tempo, em maio de 1973, Aracy, através de seu advogado Raul Floriano, encaminhou para reprodução o Diário de guerra manuscrito a Henrique Sérgio Gregori, presidente da Xerox do Brasil. Em 02/07/1973, esse senhor, em papel timbrado da Xerox, enviou uma carta datilografada ao advogado de Aracy, em que confirmava a devolução, em 14 de junho daquele ano, dos cadernos originais de GR que lhe haviam sido entregues para reprodução. Gregori era casado com a artista plástica Ana Elisa, sobrinha de Henriqueta Lisboa. Eis, portanto, uma cópia da carta enviada a Raul Floriano, onde Gregori escreveu, em papel timbrado da Xerox do Brasil S.A.-Avenida Rodrigues Alves, 261, no Cais do Porto:

Rio de Janeiro, 2 de julho de 1973,
Prezado Senhor,
Confirmando a devolução feita em 14 de junho passado, dos quatro cadernos existentes de Guimarães Rosa que V. Exª nos entregara para reprodução, temos o prazer de enviar, em anexo, 2 jogos de cópias reprográficas.  Cada jogo completo compõe-se de 2 fascículos, uma vez que 2 cadernos foram consolidados num só volume.
De acordo com sua recomendação, retivemos conosco 4 cópias que terão o seguinte destino: uma para a poetisa Henriqueta Lisboa, uma para o jovem Thomas Gregori Neto, uma para a Biblioteca de Originais da Casa de Ruy Barbosa e uma para a Biblioteca do Copicentro.
Reiteramos, aqui, nossa alegria em colaborar para a preservação e divulgação de preciosos originais de Guimarães Rosa.
Prevalecemo-nos da oportunidade para apresentar minhas
Atenciosas saudações,
Henrique Sérgio Gregori *- Presidente
Cc p/ Henriqueta Lisboa** / Maximiano de Carvalho e Silva *** / Thomas Gregori Neto / Copicentro
Ilmo. Sr. Dr. Raul Floriano
Rua do Carmo, 6 - sls. 396/412
Em mãos

Obs. Prezada D. Henriqueta, com o abraço do Sérgio." (saudação manuscrita e assinada com tinta azul em posição transversal no espaço ao final da carta)

* Gregori, onze anos depois, assumiria a presidência da José Olympio, editora original de Rosa.
** Junto com os cadernos xerocados de Guimarães Rosa, a poetisa recebeu uma cópia da carta enviada a Raul Floriano. 
*** Diretor do Centro de Pesquisas da Fundação Casa de Rui Barbosa-Rio de Janeiro 

Correspondência de Henrique Sérgio Gregori ao Dr. Raul Floriano, advogado de Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa, viúva de João Guimarães Rosa



Essa cópia dos cadernos manuscritos de GR hoje se encontra na posse da UFMG, desde agosto de 1989. É que a família de Henriqueta decidiu doar à Faculdade de Letras os fundos documentais da escritora, falecida em outubro de 1985: 4.637 livros, 3.101 periódicos e 4.205 documentos. Entre esses últimos, estava a cópia xerox dos diários de Rosa, mencionada por Gregori. Foi essa doação da família de Henriqueta que deu origem ao Acervo dos Escritores Mineiros, fundado em 2003 na UFMG, disponível para consulta pública. 
 
[MACHADO, 2006] informa antecipadamente que o leitor do Diário de guerra irá encontrar em suas páginas um processo enigmático e desafiador, principalmente em se tratando dum linguista ou pesquisador:
“(...) Entremeando as anotações, há pequenos desenhos toscos e, colados nas páginas, dezenas de recortes de jornais alemães. O conteúdo das anotações e das reportagens fornece indícios sobre a forma, a autoria, o período e o lugar em que o caderno foi feito. É um diário, escrito por um brasileiro que acompanha, na Alemanha, o começo da II Guerra Mundial.

Prof. Reinaldo Martiniano Marques da Faculdade de Letras da UFMG relembra:

Quando o material da Henriqueta chegou, em 1989, houve todo um trabalho para revitalizá-lo, dentro dos princípios arquivísticos. A existência do diário só foi indicada no final dos anos 1990.

De fato, o trabalho só foi iniciado em 2001 com a digitação do texto.  Georg Otte, professor de alemão, ficou responsável pela tradução das passagens escritas nessa língua, incluindo vários recortes de jornais alemães da época. Os professores Reinaldo Martiniano Marques e Eneida Maria de Souza ficaram de redigir as notas de rodapé. Esses três professores da UFMG trabalharam nos manuscritos de GR para a sua edição em livro. Desde 2001, essa equipe já tinha sido procurada pela Nova Fronteira com a proposta de publicação, já que desde 1984 vinha publicando a obra do escritor. Em 2005, próximo de sua conclusão, o projeto foi interrompido. Sua publicação (na época, em coedição da Nova Fronteira, então detentora da obra do escritor, com a Editora UFMG) foi vetada por Agnes (falecida em 2016) e Vilma (falecida em 2022), filhas do primeiro casamento de Rosa.

O diário é fragmentário, heterogêneo. E, por essa variedade, ele tem importância histórica, cultural e literária,

afirma Reinaldo Marques.

“O diário é de importância crucial para a compreensão da biografia e do processo de criação literária de Guimarães Rosa, além de ser muito esclarecedor sobre o cotidiano de um diplomata brasileiro na Alemanha, durante a II Guerra”,

afirma Eneida Maria de Souza apud [MACHADO, 2006]. Ainda, conforme essa professora, o Diário consiste em

um texto que ultrapassa e metaforiza os acontecimentos, sem contudo recalcar o valor documental e o estatuto da experiência que aí se inscrevem. O procedimento criativo se sustenta por meio do ritmo ambivalente produzido pela proximidade e pela distância em relação ao fato.

Embora seja do maior interesse para pesquisadores e linguistas,  o conteúdo do Diário de guerra de GR continuará inacessível por mais alguns anos, infelizmente.

Já o professor Georg Otte considera GR um "germanófilo apaixonado" que se recusa a considerar a Alemanha nazista representativa da Alemanha em geral, expressando a sua revolta através da troca da saudação nazista "Heil Hitler!" por "Heil Goethe!", uma reverência a "Goethe, o único Führer que aceita" e sua repulsa em relação ao nazismo, contrariamente a importantes membros do governo brasileiro e à disciplina diplomática, ou em suas próprias palavras:
Quando João Guimarães Rosa, numa anotação do dia 20 de março de 1940, comenta uma apresentação do Fausto com um breve “Heil Goethe!”, parodiando assim a saudação nazista “Heil Hitler!”, ele concentra em duas palavras todas as ambivalências e hesitações que marcam sua estada na Alemanha, quando exercia o cargo de cônsul adjunto no consulado brasileiro de Hamburgo.
O comentário lapidar de Rosa é, sem dúvida, uma das pérolas do seu Diário de guerra, que contém anotações feitas de agosto de 1939 a janeiro de 1942 e cuja publicação está impedida até o presente momento por uma questão de direitos autorais. (...)

Ainda, segundo Otte, em relação ao nazismo, GR chama os pilotos da Força Aérea Real britânica de brave fellows ("rapazes valentes") quando bombardeiam depósito de combustível no porto de Hamburgo, ao mesmo tempo que questiona as reportagens oficiais de uma imprensa censurada no tom da propaganda nazista, quando anexou mais de 50 notícias de jornal ao seu Diário, metade das quais minimiza os estragos causados pelos "piratas aéreos ingleses" e enaltecendo os sucessos das tropas alemãs. 
 
Continuando, Otte considera que "duas armas de defesa sua blindagem , para ficar na imagem da guerra, são os animais e as plantas, ou seja, a natureza". Para comprovar sua tese, Otte cita, por exemplo, a entrevista a Günter Lorenz em Gênova de 1965, em que este entrevistador queria colher mais informações e novos elementos sobre a façanha de GR e sua futura mulher Aracy terem salvado a vida de muitos judeus, quando o entrevistado sai-se com a sua "blindagem":
Tudo isso é verdade, mas não se esqueça de meus cavalos e de minhas vacas. As vacas e os cavalos são seres maravilhosos.

De forma conclusiva, Otte finaliza seu estudo sobre o Diário de guerra com a seguinte aguda observação:

Por mais incipientes que sejam, as encenações verbais do Diário, muitas vezes acompanhadas por desenhos, elas não demonstram a fuga da realidade de um escritor em início de carreira, mas em busca da potencialização estética dessa realidade mediante a linguagem. (...) À maneira dos recortes de jornal, que ganham uma importância própria ao entrarem na "coleção" de Rosa, as palavras são desligadas "de todas as suas funções primitivas", isto é, comunicativas, para serem reencenadas em outro contexto. O próprio Diário é o lugar dessa coleção, assim como todo diário de escritor, uma vez que sua função consiste em "desligar" as palavras do seu uso cotidiano.


 

 

II. AGRADECIMENTO

 
O gerente do Blog do Braga agradece à sua amada esposa Rute Pardini Braga a formatação e edição das fotos utilizadas neste ensaio.
 
 
 
III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
 
ANDRADE, Carlos Drummond de: O Observador no Escritório, São Paulo: Companhia das Letras, 2020, p. 13

BRUM, Eliane: O último desejo de Guimarães Rosa, revista Época, coluna Mente Aberta, edição de 18/09/2008
 
___________: A mulher mais importante da vida de Guimarães Rosa foi minha mãe, que lhe deu duas filhas,  revista Época, s/d
 
___________: Desacontecimentos: Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa, 07/03/2011 
 
___________: Desacontecimentos: A lista de Aracy, 10/09/2008

COZER, Raquel: A história não autorizada de Guimarães Rosa, jornal Folha de São Paulo,  edição de 24/10/2013
 
DECOL, René Daniel: Escritor "doou" obra à mulher Aracy, jornal Folha de São Paulo, edição de 18/12/2006 
 
GALVÃO, Valnice Nogueira: O Outro sertão de Guimarães Rosa, jornal GGN, edição de 26/04/2018  
 
GOIS, Ancelmo: Guimarães Rosa, a polêmica, jornal O Globo, edição de 19/10/2017
 
GUINZBURG, Jaime: Notas sobre o "Diário de Guerra de João Guimarães Rosa", Aletria, São Paulo, vol. 20, nº 2, maio-agosto 2010, pp. 95-107  
 
HAAG, Carlos: A Guerra dos Rosas, Revista Pesquisa Fapesp, edição 189, nov. 2011

MACHADO, Cassiano Elek: Diário arquivado - reportagem sobre o Diário de G Rosa - Piauí, revista Piauí, São Paulo, coluna Mundo Literário, edição 3, dezembro 2006 
 
MARQUES, Reinaldo. Grafias de coisas, grafias de vida. In: MARQUES, Reinaldo; SOUZA, Eneida Maria (Org.). Modernidades alternativas na América Latina. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 327-350.
 
OTTE, Georg: Entre Goethe e Hitler: o Diário de guerra de João Guimarães Rosa, revista O Eixo e a Roda, Belo Horizonte, v. 27, nº 3, pp. 135-150, 2018.
 
___________: O "Diário de Guerra" de João Guimarães Rosa, Suplemento Literário Minas Gerais, n. Especial Guimarães Rosa, maio 2006, p. 34-35.
 
___________: O “Diário alemão” de João Guimarães Rosa. Veredas de Rosa II. Belo Horizonte: PUC Minas, 2003.
 
PEIXOTO, Mariana: Leia trechos dos 'Diários de guerra', manuscrito de Guimarães Rosa, jornal Estado de Minas, coluna Cultura, 24/02/2019 
 
ROSA, Guimarães & LORENZ, Günter. Diálogo com Guimarães Rosa. In: Guimarães Rosa, COUTINHO, Eduardo (org.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 62-97. (Fortuna Crítica, vol 6) 
 
SOUSA, Roberta da Costa de: O Diário de Guimarães Rosa: visões da Alemanha nazista, Rio de Janeiro, Garrafa. vol. 16, nº 45, jul-set 2018, p. 245 – 251 
 
SOUZA, Eneida Maria de. Rosa entre duas margens. Margens/Márgenes, Belo Horizonte/Buenos  Aires,  jul.  2002. 
 
TEIXEIRA, Jerônimo: O diário de Guimarães Rosa: briga pelas jóias de família,  Blog Arquivo de Artigos etc, post de 16/02/2008