quarta-feira, 22 de setembro de 2021

INTERCÂMBIO CULTURAL ITÁLIA-BRASIL E BRASIL-ITÁLIA


Por Francisco José dos Santos Braga


[BISPO, 2016], na Revista Brasil-Europa nº 161/02, faz interessantes considerações sobre a presença de Carlos Gomes no Scambio culturale Italia-Brasile, firmando sua convicção de que 
o intercâmbio cultural Itália-Brasil é de longa data, contou com o empenho de muitas instituições, de artistas, músicos, regentes, cantores, políticos, intelectuais e idealistas do Brasil e da Itália, sendo que, nele, o compositor Antonio Carlos Gomes sempre desempenhou papel de central importância [...] no caso da vida e obra do compositor e de sua difusão na sua época e dos empenhos posteriores para a sua promoção e da própria pesquisa, em todos esses casos foi percebido como necessariamente merecedor de atenção no início do movimento de renovação originado em São Paulo em meados da década de 60 [...]
Depois de várias considerações de grande importância para seu estudo, reporta-se à origem do movimento de intercâmbio cultural Itália-Brasil: 
Esse movimento nasceu de preocupações relativas a problemas constatados sobretudo nas áreas de História da Música e de Folclore no Conservatório Musical Carlos Gomes de São Paulo que, pela sua história, direção e corpo docente era uma das principais instituições da comunidade italiana e ítalo-brasileira de São Paulo. [...]
Esses estudos tiveram o seu início em trabalho conjunto com professores do conservatório, de propriedade do maestro Armando Belardi e dirigido por Gemma Rina Peracchi, tendo como diretor-secretário Líbero Vignoli. 
Vários professores italianos e ítalo-brasileiros colaboraram com as reflexões, fornecendo dados sobre as suas próprias experiências de vida e profissionais, entre eles: Walter Gandolfi, Dino Pedini, Lybia Piccardi, Henriqueta E. Ricardino, Sisto Mechetti, Yolanda Giovanazzi, Rina Coli, Nicola A. Gregoria e Renata M. Aventurato. 
Os trabalhos de campo, de levantamento de acervos e entrevistas foram desenvolvidos em vários bairros e cidades de São Paulo marcados pela presença italiana no âmbito do programa "Musicologia Paulista". 
Entre eles salientou-se o bairro do Brás, onde foram visitados protagonistas da vida musical do passado e associações. Importante encontro deu-se por ocasião de visita ao Teatro Colombo, já fechado, antes de sua demolição. O grande edifício no Largo da Concórdia, então também estudado por arquitetos da FAU/USP, permitia reconhecer a estrutura do mercado que lhe dera origem antes de ser arrendado para casa de espetáculos, inaugurada em 1908.
Teatro Colombo, fundado em 19/02/1908 no Brás
 
Interior do Teatro Colombo
A própria denominação do teatro testemunhava os seus elos com a Itália no seu orgulho do papel exercido pelos navegantes italianos na história dos Descobrimentos. O teatro representava, assim, o significado de Colombo para os italianos de São Paulo e para a Itália, tendo sido despertado em grande parte pelas comemorações de Colombo nas comemorações dos 400 anos do Descobrimento da América, em 1892. 
De acordo com a orientação da atenção do movimento, voltado à superação de esferas entre o erudito, o popular e o folclórico, considerou-se não só programas do teatro e outras casas de espetáculos cine-teatros , que testemunharam a presença de notáveis artistas e companhias italianas em São Paulo, como também o papel desempenhado por italianos na história da música popular urbana no Brasil.

Bispo considera um marco para essas reflexões iniciadas em meados da década de sessenta dentro do movimento de intercâmbio Itália-Brasil a visita do Teatro San Carlo de Nápoles a São Paulo em setembro de 1969 e muito contribuíram nos seus estudos as memórias de ARMANDO BELARDI ¹ que posteriormente foram publicadas em livro ("Vocação e Arte: memórias de uma vida para a Música". São Paulo: Edição Manon, 1986), o qual lhe ofereceu pormenorizados registros dessa visita e dos eventos que dela derivaram. Fundamenta suas conclusões nas seguintes evidências: 
O empresário Alfredo Gagliotti, com a sua rede de contatos na Itália e no Brasil, em particular através da amizade com a organização artística do San Carlo através de Marchese Parisi, alcançou a vinda de artistas, orquestra, coro, bailado e pessoal técnico e de montagem do renomado teatro, de tanto significado para a história da música no Brasil. Entre os cantores, encontravam-se nomes internacionalmente conhecidos, como Mario Del Monaco e Gianni Raimondi. 
De particular interesse para os estudos relativos a Carlos Gomes foi a apresentação da ópera La Gioconda de A. Ponchielli (1834-1886) ao lado de Otello e Nabucco de G. Verdi, quando veio à consciência o extraordinário significado da amizade e da colaboração artística entre Ponchielli e o compositor brasileiro. 
Essa vinda do Teatro San Carlo deveria ter sido o início de um grande programa de visita ao Brasil de outros teatros de cidades italianas, o que, porém, não se realizou.
Aos cem anos da primeira apresentação de Il Guarany em Milão (1870-1970), observou-se intensa comemoração em São Paulo. Relembrando aquele evento inesquecível, Bispo registrou o recrudescimento do espírito nacionalista despertado pelo primeiro êxito internacional de Carlos Gomes na Itália: 
O ano de 1970 foi marcado pelas comemorações paulistanas do centenário da primeira representação de Il Guarany no Teatro alla Scala de Milão. Para elas, A. Belardi preparou um concerto coral-sinfônico no qual foram executadas várias obras de Carlos Gomes. 
O concerto, realizado nas escadarias do Museu Paulista do Ipiranga, adquiriu dimensões político-culturais que foram por muitos consideradas como questionáveis. O evento realizou-se em data na qual concomitantemente comemorou-se uma Semana da Revolução de março de 1964 e, assim, do regime militar. 
Este, porém, não foi o único evento comemorativo do centenário de Il Guarany em São Paulo. 
Cumprindo finalidades de difusão cultural, o Departamento de Cultura, em 31 de maio, promoveu um concerto com obras de Carlos Gomes na Praça Roosevelt. A ópera foi apresentada como primeira récita de gala na temporada lírica oficial do Teatro Municipal de São Paulo.
Em Campinas, Bispo destaca, além do componente musical, o interesse historiográfico na comemoração dos 100 anos de Il Guarany: 
O centenário de Il Guarany foi celebrado compreensivelmente sobretudo em Campinas, destacando-se aqui o empenho do historiador José de Castro Mendes, colaborador do jornal Correio Popular. Pouco antes de falecer, antevendo a aproximação da data do centenário da primeira apresentação da ópera, Castro Mendes procurou intensamente despertar interesses para a ocorrência, realizando projetos e preparando um alentado trabalho sobre o compositor. Neste intento, incentivado por José Acchilles Faria, deu início a uma publicação que foi lançada postumamente como suplemento do jornal. 
Com esse suplemento, o Correio Popular procurou não só prestar homenagem ao compositor, que levou o nome do Brasil ao Exterior, como também celebrar a memória de José de Castro Mendes, que dedicou parte de sua vida à memória de Carlos Gomes. 
O suplemento foi aberto com uma poesia de O. Neto, no qual o autor decanta a obra como "voz da terra que canta dentro da natureza esplendorosa do Brasil". Tudo nessa página imortal seria força, vida e amor, e o Il Guarany representaria a alma de Carlos Gomes e o próprio Brasil.
Reproduzo aqui o poema de O. Neto que abriu o referido suplemento do Correio Popular
O Guarani é a voz da terra graciosa 
e forte 
que canta dentro da sua natureza 
esplendorosa. 
Tudo nessa página imortal 
de nossa arte, 
é força, 
vida e amor. 
É a alma 
de Carlos Gomes. 
É o Brasil. 
 
Bispo relata a visita do elenco do Teatro San Carlo de Nápoles ao Brasil em 1969 e mostra que a consequência dessa iniciativa dentro do intercâmbio Itália-Brasil 
despertou nos círculos líricos de São Paulo o intento de retribuição e de apresentação, na Itália, de cantores e músicos brasileiros ou ítalo-brasileiros. 
O principal motor da iniciativa foi mais uma vez o empresário Alfredo Gagliotti, que alcançou apoios de instâncias brasileiras e italianas e o interesse de artistas brasileiros. Entre êles, participaram do empreendimento Niza de Castro Tank, Assis Pacheco, Costanzo Mascitti, Wilson Carrara, Paulo Adonis Gonzáles, Assadur Kiultzian, Andréa Ramus, Benedito Silva e Carlos Ebide. A regência esteve a cargo de Armando Belardi e Henrique Morelenbaum. O corpo de baile foi formado com bailarinos de São Paulo e do Rio de Janeiro, com coreografia de Johnny Franklin. 
 Da esq. p/ dir.: Tenor César D'Ottaviano em Dom Álvaro/Soprano Niza Tank, o rouxinol do Brasil, no papel de Ceci/Tenor Assis Pacheco em Pery numa das récitas de Il Guarany no Teatro San Carlo de Nápoles (abril de 1971)
 
Interior do Teatro San Carlo de Nápoles


Foi a primeira vez que um grupo considerável de cantores, músicos, técnicos e bailarinos do Brasil dirigiu-se à Itália para a apresentar-se num dos principais teatros da terra por excelência da arte lírica. 
Foi, assim, um marco na história do intercâmbio Itália-Brasil na sua devida reciprocidade. Além do mais, o significado do empreendimento salientou-se pelo fato de ser a obra escolhida aquela de um compositor brasileiro que com ela alcançou o seu maior sucesso na Itália. 
O grupo foi recebido, em abril de 1971, com grande cordialidade em Nápoles pelas autoridades e representantes do tradicional Teatro, onde realizou quatro apresentações, com sucesso de público. Sendo filho de italianos, Armando Belardi foi recebido com simpatia pelos membros da orquestra e do coro de Nápoles, que por fim colocaram um seu retrato na sala da orquestra.
Em continuidade ao intercâmbio cultural Brasil-Itália, é desta forma que Bispo relembra a presença brasileira na apresentação de Il Guarany em Palermo, em 1974: 
O Scambio Culturale Italia-Brasile, sob os auspícios da Prefeitura Municipal de São Paulo, fez a apresentação de Il Guarany por conjunto de artistas brasileiros sob a direção de Armando Belardi e Tullio Colacioppo em Palermo, Sicília, em março de 1974. Realizaram-se sete récitas, com grande sucesso. A viagem foi de iniciativa do empresário Alfredo Gagliotti, em cooperação com Marchese Parisi, na Itália. Essa viagem retribuía, após cinco anos, a visita do Teatro San Carlo ao Brasil. 
A ópera, dentro da programação do Teatro Massimo, então em obras, deu-se no Teatro Politeama ou Politeama Garibaldi. Este teatro histórico, construído entre 1867 e 1874, cuja arquitetura traz referências a Pompeia, é um dos principais monumentos arquitetônicos da cidade. O espetáculo esteve a cargo de artistas e técnicos de ambos os países em exemplo de extraordinária cooperação bi-lateral. O corpo de baile e técnicos do Teatro Municipal de São Paulo atuaram com a orquestra e coro do Teatro Massimo. 
A coreografia esteve a cargo de Marília Franco, tendo como primeira bailarina Mariangela D'Andrea Ivonice Satie, e solistas Vera Torres, Elenice Ferreira e Waldivia Rangel. Aos componentes do corpo de baile do Teatro Municipal de São Paulo juntaram-se bailarinos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. A direção de cena esteve a cargo de Paulo Fortes e a cenografia de Francisco Giacheri com a assistência de Emmerson Eckmann. Herminia Russo e Marcel Klass atuaram como maestros substitutos. O maestro de coro foi Mario Tagini. Entre os cantores que se apresentaram em Palermo, encontravam-se Paulo Adonis Gonzales, Niza de Castro Tank, Benito Maresca, Aguinaldo de Miranda Albert, Costanzo Mascitti, Assadur Kiultzian, Andrea Ramus, Benedito Antonio Silva e Wilson Carrara. (BELARDI, 1986: 154-8)
O intercâmbio cultural entre Itália e Brasil já se encontrava em definhamento quando se comemorou o sesquicentenário da imigração italiana em 1975, anunciando o crepúsculo do que ainda estava por vir. Conforme Bispo, 
os anos de 1974/75 foram marcados por mudanças sensíveis na vida operística de São Paulo com o afastamento, por idade ou por motivos político-culturais, daqueles que durante décadas tinham-se por ela empenhado. Sem querer esmorecer, Armando Belardi constituiu, no ano da comemoração do sesquicentenário da imigração italiana ao Brasil, um Studio com artistas e amantes do bel canto. Esse Studio foi administrado por Gemma Rina Peracchi, musicista que tinha colaborado através de décadas com o seu trabalho, em particular também no secretariado do Conservatório Musical Carlos Gomes. A convite do Teatro Lírico de Equipe, organizou-se um Concerto Lírico Carlos Gomes no Museu de Arte de São Paulo. (ibidem, 159-160)
Belardi conseguiu manter-se no cargo de diretor artístico do Theatro Municipal e regente titular da Orquestra Sinfônica Municipal até 1975. [GABRIEL & IGAYARA-SOUZA, 2014], ao tratarem da destituição de Belardi, figura central considerada indispensável ao intercâmbio entre os dois países, assim se referiram ao caso em questão: 
Entre as omissões de acontecimentos (no livro de Belardi), estão as circunstâncias em que saiu da direção artística do Theatro Municipal em 1975, sem nenhuma referência direta ao acontecimento, culpando apenas a “ambição de colegas” e mudanças administrativas na prefeitura pela pouca atividade profissional do maestro naquele ano. (BELARDI, 1986: 159)
Finalizando sua monografia, [GABRIEL & IGAYARA-SOUZA, ibidem] tecem comentários sobre a constatação de Belardi, em seu livro de 1986, de uma "decadência cultural" na cidade de São Paulo, nos seguintes termos: 
Uma última temática da autobiografia é a acusação de que, à época que o livro foi escrito, vivia-se uma “decadência cultural”: “[...] Belardi se diz completamente desiludido com a cultura em São Paulo, cidade que teve tudo para ser a capital cultural do País, título hoje, para ele, irremediavelmente perdido. ‘É lutar contra o impossível. Vivemos hoje uma completa decadência cultural no Brasil inteiro. [...]’ (PENTEADO, 1986: 31) 
Essa “decadência cultural” teria como causas, segundo o maestro, a ausência de escolas de música erudita de qualidade, as poucas políticas públicas na área de Cultura, e a falta de mais salas de concerto. 
A acusação de Belardi coincide com uma época de intenso debate nos meios de comunicação a respeito dos espaços artísticos e das políticas públicas na área cultural da cidade, cujo estopim foi a segunda reforma (1980-1991) do Theatro Municipal. Eram discutidas a condução dessa reforma feita pelos órgãos governamentais, além do fato de não haver outras salas de concerto do porte do Theatro Municipal em São Paulo. A autobiografia e as memórias de Belardi sinalizam, portanto, um possível diálogo com essas questões, e suas propostas seriam a São Paulo de outrora e a construção de um teatro exclusivo para óperas na cidade. 
O retrato de São Paulo e de seus artistas feito por Belardi em Vocação e Arte é, portanto, uma necessidade de imortalizar uma São Paulo da qual há apenas alguns resquícios no momento da escrita: a São Paulo dos imigrantes italianos, dos políticos amantes da arte, de teatros que não existem mais, dos cinemas e rádios que mantinham uma programação de qualidade de música erudita, das pessoas que saíam com sua melhor roupa para assistir ópera, e do ensino de música de qualidade. 
Mas a denúncia dessa “decadência” seria também uma rejeição a ideais estéticos e artísticos diferentes dos de Belardi. Na velhice, afastado dos principais centros de produção artística, assistindo à ascensão de uma nova elite artística e política na metrópole com outra orientação artística e cultural, Belardi defende em seu discurso uma arte conservadora, europeizada, elitizada, “clássica”: o ballet clássico, a música de mestres consagrados da música europeia e da música brasileira como Carlos Gomes, e, especialmente, a ópera. A defesa dessa cultura “clássica” se faz clara no seguinte trecho sobre a gestão do então Secretário de Cultura Mario Chamie: 
[...] Na verdade o Dr. Chamie tomou certas deliberações que só serviram para descentralizar o funcionamento do nosso Teatro Municipal. De início acabou com o “Corpo de Baile do Teatro” como parte integrante dos Corpos Estáveis, criando, ou seja, transformando-o em “Ballet da Cidade de São Paulo”. Resultado: o Teatro Municipal ficou privado de seu Corpo de Bailado, e sempre que ele necessitou, teve que recorrer ou à Escola Municipal de Bailado (alunos) ou às Escolas particulares, sendo que o Ballet da Cidade de São Paulo passou a exibir-se independentemente, e mesmo abandonando a base de todas as escolas, ou seja: a clássica. (BELARDI, 1986: 167) 
Defensor da ópera na capital, neste trecho está explícito como idealizava o Theatro Municipal como uma casa de ópera à semelhança das casas europeias: 
[...] Na realidade, o que era preciso e a totalidade dos artistas e do público de São Paulo desejavam e que ainda desejam, seria transformar o Teatro Municipal num verdadeiro centro de ópera, com todos os meios necessários, ou seja: escola de canto, de representação, de arte cênica, cenografia, “ateliêr” e tudo que faz parte de uma grande organização lírica e operística, funcionando pelo menos durante 8 meses ao ano. [...] Desta forma, São Paulo teria voltado a ser a “Capital Artística” do país, igualada aos grandes teatros das principais capitais do mundo. Infelizmente, tudo isto foi um verdadeiro “sonho de uma noite de verão”[...] (BELARDI, 1986: 168)

 

II. NOTA  EXPLICATIVA

 

¹  A história da música sinfônica e lírica em São Paulo, no século XX, tem muitos pontos em comum com a história de um homem, o Maestro Armando Belardi (1898-1989), fundador da Sociedade de Concertos Sinfônicos de São Paulo (1921), atual Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, da qual foi regente-titular e diretor. Foi livre docente do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo (1915-1927); membro do Conselho de Orientação Artística de São Paulo (associação de classe) e, posteriormente, presidente do Sindicato dos Músicos Profissionais no Estado de São Paulo, onde é sócio nº 1.  Em 1939, com a colaboração de amigos e colegas, apresentou ao Prefeito Prestes Maia duas propostas: uma para a organização da orquestra oficial do Theatro Municipal e outra, para a seleção de 60 vozes que formariam o Coral Lírico daquela casa de espetáculos. As duas propostas foram aceitas e, em consequência dessa iniciativa, desde então encontram-se os Corpos Estáveis na Prefeitura Municipal de São Paulo em plena atividade. Trabalhou nas rádios Gazeta, Cultura e Record nas décadas de 1950 e 1960. No início de 1959, a convite dos dirigentes da etiqueta "Chantecler", gravou seu primeiro long play sinfônico, apresentando várias obras de autores selecionados. Em meados de 1959, pela mesma "Chantecler", num trabalho de grande envergadura, gravou na íntegra a ópera de Carlos Gomes "O Guarani". Esta gravação pode ser considerada como um prêmio ao Jubileu de Ouro de Armando Belardi, que em 1º de janeiro de 1959 completou 50 anos de profissão exercida efetivamente. Manteve frutífera convivência com vários empresários culturais, dentre os quais se destacam Walter Mocchi, Alfredo Gagliotti e João Quadros, do Cine-Teatro Paramount. Por exemplo, através da empresa de Gagliotti, o público paulistano teve a oportunidade de ouvir Maria Callas, Renata Tebaldi, Giuseppe di Stefano. Esse intercâmbio sendo bilateral, foi possível ao mesmo empresário levar um pouco da ópera do Brasil para a Itália. Assim foi o caso da apresentação de Il Guarany no Teatro San Carlo de Nápoles em abril de 1971, sob a regência de Belardi e Henrique Morelenbaum, com todo o elenco artístico dos Teatros Municipais de São Paulo e do Rio de Janeiro, inclusive o corpo de balé pertencente ao primeiro, com exceção do côro e orquestra e cenários que eram do Teatro San Carlo de Nápoles. Em 1974, no Teatro Massimo da cidade italiana de Palermo, o espetáculo foi feito com elenco, músicos e bailarinos brasileiros sob a regência de Belardi.
Em 1975, deixa a direção artística do Theatro Municipal.  
Em 1986, Edição Manon publica seu livro Vocação e arte: memórias de uma vida para a música.
 
 
  
III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



BELARDI, Armando: Vocação e arte: memórias de uma vida para a música. Edição Manon. São Paulo, 1986.
 
BISPO, Antonio Alexandre (Ed.).“Antonio Carlos Gomes (1836-1896) no Scambio culturale Italia-Brasile e os estudos de processos culturais - lembrando Armando Belardi (1900-1989)“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 161/02(2016:03).
Link: http://revista.brasil-europa.eu/161/Scambio_culturale_Italia_Brasile.html

GABRIEL, Ana Paula dos Anjos & IGAYARA-SOUZA, Susana Cecília: São Paulo, capital da Música: memória e escrita autobiográfica em VOCAÇÃO E ARTE, por Armando Belardi (1898-1989), monografia apresentada no VII Simpósio Nacional de História Cultural-Anais do Evento de 10 a 14 de novembro de 2014 e divulgada por História Cultural: Escritas, Circulação, Leituras e Recepções da USP 

PENTEADO, Sílvia. Armando Belardi: “Vivemos uma decadência cultural”. O Estado de São Paulo, São Paulo, edição 16 de fevereiro de 1986, p. 31. 

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

AOS 125 ANOS DA MORTE DO MAIOR OPERISTA DAS AMÉRICAS


Por Francisco José dos Santos Braga


"Carlos Gomes é o maior operista das Américas." (Do etnomusicólogo José Claver Filho sobre Carlos Gomes)

"Escrevi
Il Guarany para os brasileiros, Salvator Rosa para os italianos e a Fosca para os entendidos."
(frase atribuída a Carlos Gomes)
Antonio Carlos Gomes, compositor e maestro, "o maior operista das Américas"
(✰ Campinas-SP, 11/07/1836- ✞ Belém-PA, 16/09/1896)

 

I. INTRODUÇÃO

"Carlos Gomes é o maior operista das Américas" foi a feliz e lapidar expressão do etnomusicólogo José Claver Filho, de cuja companhia tive a honra de privar nos seus últimos anos de vida na EMB-Escola de Música de Brasília. Partindo dele esta avaliação virtuosa sobre Carlos Gomes, merece no mínimo nosso respeito, por ter Claver acumulado experiência no campo musical, tendo granjeado pelo menos os seguintes louros durante sua vida: locutor da rádio MEC; membro fundador do "Coral de Brasília", sob a regência do maestro Reginaldo Carvalho (1962); autor do primoroso "Valdemar Henrique: o canto da Amazônia", publicado pela Funarte (1978) e jornalista responsável pelo tablóide "Arquivo Musical" que circulou no ano de 1991 na EMB. 

Antônio Carlos Gomes chegou à Itália em fevereiro de 1864 para fazer estudos musicais no Conservatório de Milão, num momento de tensão interna na Itália que estava num processo de unificação. Estudante em Milão desde 1864, por obra e graça do Imperador Dom Pedro II que lhe concedeu uma bolsa de estudos, alcançou seu primeiro grande sucesso como compositor escrevendo a música para uma peça teatral que passava em revista o ano de 1866, escrita por Antonio Scalvini. Segundo [BISPO, 2016], na Revista Brasil-Europa 163, Se sa minga * foi uma "rivista" do ano de guerra nacional italiana contra a Áustria pelo Vêneto nos seus elos com a Alemanha e o compositor dedicou a obra a seu professor no Conservatório, Lauro Rossi (1812-1885). Esse sucesso abriu a Carlos Gomes caminhos à sua carreira e ao Teatro alla Scala, onde demonstraria o seu talento como compositor de uma obra de muito maior envergadura, o Il Guarany. A essa Rivista di 1866 seguir-se-ia outra em 1868: Nella Luna. Apesar dessas duas composições terem inaugurado a sua vida artística europeia, dando-lhe renome, foram ofuscadas pelo êxito de Il Guarany.

* Se sa minga (trad. "Nada se sabe", em dialeto milanês) 

II. BRILHANTE ÊXITO DA ÓPERA IL GUARANY

O libreto da ópera Il Guarany, entregue aos cuidados do talentoso Antonio Scalvini e concluído por Carlo D'Ormeville, se baseou em livro homônimo do escritor José de Alencar. Com a ajuda de seu amigo André Rebouças, que Gomes ficara conhecendo por ocasião da comemoração do aniversário do imperador Dom Pedro II (2 de dezembro de 1870 e nos dias seguintes), sua ópera Il Guarany é apresentada no circuito dos grandes teatros: La Pergola (Florença), Carlo Felice (Gênova), Covent Garden (Londres), Teatro Municipal de Ferrara, Teatro Municipal de Bolonha, Teatro Eretenio (Vicenza) e Teatro Social de Treviso. Além disso, a Abertura da Exposição Industrial de Milão é feita com Il Guarany e Gomes é convidado para preparar a apresentação de Il Guarany no Teatro Apollo em Roma. No mesmo ano de 1870 a ópera foi trazida ao Brasil para estreia no Rio de Janeiro, integrando as comemorações do aniversário do Imperador D. Pedro II, alcançando rumoroso sucesso.

Sinfonia nell'opera Il Guarany, conservada na Biblioteca Nacional

 

Assim surgiu a ópera Il Guarany de Carlos Gomes, que apesar de não ser a sua maior nem a melhor obra, foi aquela que o imortalizou. Na noite de 19 de março de 1870 aconteceu, no Teatro alla Scala de Milão, na Itália, a estreia da ópera do campineiro Antônio Carlos Gomes, através da qual se consagrou como o primeiro compositor brasileiro a ser reconhecido no cenário musical internacional. A regência foi de Eugenio Terziani, maestro e ensaiador da orquestra do Scala; o tenor Giuseppe Villani e a soprano belga Maria Sass interpretaram o bravo índio Pery e a ingénue portuguesa Cecília; Enrico Storti foi o aventureiro Gonzales, e o famoso barítono francês Victor Maurel, que se tornaria um dos preferidos de Verdi e futuro intérprete de Iago em Otello e Falstaff, estreou como o cacique dos aimorés. Coube a cenografia a Carlo Ferrario e os figurinos a Luigi Zamperoni. Eis como foi a estreia do Brasil no mundo da grande ópera, e a primeira vez em que um compositor brasileiro apresentava uma ópera exótica com tema romântico e nacional. Carlos Gomes foi muito aplaudido e chamado várias vezes ao palco, conforme afirmava o jornal La Lombardia *: "Dezoito chamadas ao Maestro Gomes consagraram o sucesso de sua ópera Il Guarany, representada ontem de noite no Scala. E os fragorosos aplausos oferecidos pelos numerosíssimo e seleto auditório ao simpático jovem não eram de puro conhecimento ou cortesia, mas de arrebatamento face às numerosas belezas que a partitura realmente contém."  Pela ópera, o compositor foi condecorado, na Itália, em 20 de março, como Cavaleiro da Coroa; e no Brasil, em 30 de novembro do mesmo ano, com a Ordem da Coroa, quando o compositor cá esteve para estreia de Il Guarany no Rio de Janeiro, integrando as comemorações do aniversário do Imperador D. Pedro II. Nas duas estreias (europeia e brasileira), a ópera ainda não tinha sua famosa “Protofonia”, só escrita em 1871, e que era substituída por um simples Prelúdio. Na “Protofonia” há a síntese dos principais motivos. Um que mais se destaca é o conhecido "Eu fui no Tororó", repetido, depois, na ópera, de maneira e tratamento magistrais. 

* La Lombardia, edição de 21/03/1870, in Penalva, Carlos Gomes, p. 33. 

Estou ciente de muitas apresentações importantes dessa ópera que merecem ser lembradas aqui. Citarei pelo menos quatro das mais empolgantes: 

1) Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal de São Paulo 
Regente: Armando Belardi 
Coro lírico do Teatro Municipal de São Paulo
Maestro de Coro: Oreste Sinatra
Ano 1959, primeira gravação mundial 
Pery: Manrico Patassini, tenor 
Cecília: Niza de Castro Tank, soprano 
Gonzales: Paulo Fortes, barítono 
Don António de Mariz: José Perrota, baixo 
Cacique aimoré: Juan Carlos Ortiz, baixo 
Don Álvaro: Paschoal Raymundo, tenor 
Rui Bento: Roque Lotti, tenor 
Alonso: Waldomiro Furlan, baixo 
Comentário: A soprano Niza de Castro Tank rouba a cena, pois a partitura pede uma soprano lírico-coloratura como ela. Sua voz é leve, seus agudos são naturais e fáceis, sem esforço. Inesquecível
a) o "recitativo" de Il Guarany: Ato II "Oh! Come e bello il ciel!" na voz de Niza Tank (1959).  
seguido da ária propriamente dita: "C'era una volta un principe

Ensaio da ópera Il Guarany - Fonte: Revista Long Playing (nº 19, p.7, 1959: "Os técnicos aprestam-se para iniciar a mais arrojada obra da fonografia brasileira e da América Latina – O Guarani. Os músicos e o coral sob a batuta soberba do maestro Armando Belardi. A Chantecler marcou um tento admirável, ante o brilhantismo da ideia e execução.)"

Frontispício do álbum O Guarani, composto pelo busto de Carlos Gomes, obra do escultor Domingos Nucci, fotografada por Oswaldo Micheloni. Capa do LP da Chantecler Discos, gravado em 1959. Primeira gravação mundial completa da ópera O Guarani com a participação de Niza Tank. Crédito: https://thiagosouzarosa.wordpress.com/2009/03/page/3/
 
b) Permita-me ainda recomendar ao leitor ler a crônica "Parabéns, dona Niza!", comemorando 90 anos de vida da célebre cantora, por João Luiz Sampaio, in Revista Concerto, a 1º de março de 2021, e sobretudo ouvir a soprano Niza em registro histórico. 
 
c)  Apreciemos agora o quarteto formado por Cecília, Pery, Don António e cacique aimoré (sendo solista o baixo Juan Carlos Ortiz), acompanhado pela Orquestra Sinfônica e Coro Lírico do Teatro Municipal de São Paulo, sob a regência de Armando Belardi (1959) no Ato III: "O dio degli Aimore"
 
d) Para baixar 2CD, cartaz, info e resumo da ópera, favor acessar:
 
2) Orchester der Beethovenhalle Bonn 
Chor der Oper der Stadt Bonn 
Regente: John Neschling - Direção: cineasta alemão Werner Herzog 
Ano 1994 em Bonn
Pery: Plácido Domingo 
Cecília: Verónica Villarroel 
Gonzales: Carlos Álvarez 
Don António de Mariz: Hao Jiang Tian 
Cacique aimoré: Boris Martinovich
Don Álvaro: Markus Haddock 
Rui Bento: Graham Sanders 
Alonso: John Paul Bogart 
Pedro: Pieris Zarmas 
Apreciemos desta célebre gravação dois momentos instigantes:
a) Protofonia de Il Guarany
b) Ato II de Il Guarany: "Oh! Come e bello il ciel!" e "C'era una volta un principe" na voz da soprano chilena Verónica Villarroel (1994)
 
3) Münchner Rundfunkorchester
Regente: Friedrich Haider
Ato II de Il Guarany: "Oh! Come e bello il ciel!" e "C'era una volta un principe" na voz da soprano búlgara Krassimira Stoyanova (2016)
 
4) A ópera Il Guarany no Ginásio Nilson Nelson
 
O destaque da programação para as festividades em Brasília do 7 de Setembro do ano de 1996, em comemoração ao 1º Centenário da morte do compositor que se deu em 16/09/1896, foi de novo a ópera Il Guarany no Ginásio Nilson Nelson, com concepção cenográfica e direção de Joãosinho Trinta, o responsável por sua montagem "carnavalizada". O ginásio de esportes de Brasília, com capacidade para 8.000 pessoas, estava lotado. A megamontagem de Il Guarany envolveu mais de 500 pessoas. O espetáculo seria levado depois para Paulínia (SP) em 11 de outubro e Roma. Teve como solistas os italianos Anita Selvaggio (soprano), no papel de Cecília, a filha do fidalgo português Dom António de Mariz que se apaixonara pelo índio Pery, e Maurízio Graziani (tenor), que interpretou Pery. 
O maestro italiano Francesco La Vecchia (da Sinfônica de Roma) regeu a Orquestra Filarmônica da Romênia, com 65 integrantes, e o coro da Universidade de Brasília, com 80 vozes. 
A coreografia foi de Roger Nunes, da ópera de Avignon (França), e teve 28 bailarinos da cidade (no balé dos índios) e 150 policiais militares como figurantes, representando índios. Todas as roupas usadas pelos personagens foram feitas por índios e cedidas pela Funai. O palco consistia de 1.000 m², e o cenário teve torres de 5m e cascatas de 7m. 
A concepção de Joãosinho Trinta da ópera, para a qual planejava futuras excursões até internacionais (Hungria, Itália e Grécia), prometia surpresas para aquela estreia triunfante. 
 
Entrevista de Joãosinho Trinta à Folha de São Paulo 
 
Folha - Quando foi sua primeira experiência com ópera? 
Joãosinho Trinta - Há uns 20 anos, no Teatro Municipal do Rio, eu remontei "O Guarani", que foi o início de minha experiência com a ópera. Muita gente estranha que eu, como carnavalesco, esteja fazendo ópera, mas é o contrário. Comecei no Teatro Municipal em 1956. Fazia parte do corpo de baile, depois percorri várias etapas dentro do teatro, fazendo figurinos, cenografia, e montei algumas óperas. Fiquei no Municipal até 1974. 
 
Folha - Qual a sua formação? 
Joãosinho - Sou diplomado como professor de dança clássica. Eu era bailarino do Municipal. 
 
Folha - Sair da ópera e entrar no Carnaval foi um processo natural? 
Joãosinho - Foi. Sempre observei que o desfile de uma escola de samba tem a mesma estrutura de uma ópera. No Carnaval, o corpo de baile são as passistas, e o coral, as alas. A proposta é a mesma: um espetáculo audiovisual. 
 
Folha - A ópera será levada a outras cidades? 
Joãosinho - Durante as negociações para trazer a orquestra da Romênia, tivemos contato com o ministro da Cultura da Hungria, e já está confirmado que nos apresentaremos lá em 97. "O Guarani" também vai ser montado na Ópera de Roma, onde haverá uma homenagem a Carlos Gomes, e também iremos à Grécia. 
 
Folha - A estrutura da ópera é de um megaespetáculo? 
Joãosinho - Sim. Em Brasília ela será encenada em um ginásio, e em Paulínia, em um Sambódromo. Estamos montando uma central cenográfica de óperas e de Carnaval em Brasília. 
 
Folha - Qual a grande inovação da montagem? 
Joãosinho - "O Guarani" sempre foi uma montagem muito realista, mas não tem nada a ver, porque tudo nela é romântico, começando pelo libreto, baseado no livro de José de Alencar. A música é lírica, o tema é a fuga do século da razão, com a presença do herói e de castelo medieval. Vou exacerbar o aspecto romântico da obra. 
Carlos Gomes escreveu na partitura que 'O Guarani' é uma ópera-balé. Isso sugere uma movimentação no palco, não um balé, mas sim uso de danças e várias cenas. Isso me dá uma liberdade muito grande de inserir muitas cenas nas árias que são longas e que tornam a ópera meio pesada para quem não é amante dela. 
 
De acordo com Joãosinho Trinta, ele estava preparando um megacenário, que deveria envolver até o público, na montagem de "O Guarani". Todo o estádio onde haveria a apresentação de estreia seria transformado em uma grande floresta. O público, logo na entrada, iria se sentir dentro da floresta. O cenário, segundo ele, teria elementos leves, como renda nordestina, muito tecido e macramé, com índios voando em cabos de aço e com estruturas de castelos medievais em cena. De fato, a montagem de "O Guarani" por Joãosinho foi mais ágil e mais visual, com a inserção de cenas que facilitaram o entendimento do público. Mas toda aquela sonhada parafernália de cenário não foi constatada pelos 8.000 espectadores presentes ao espetáculo em Brasília. 
Antes, devo confessar que, embora minha expectativa fosse de uma montagem inovadora da conhecida ópera, fiquei decepcionado porque Joãosinho Trinta de fato fez uma montagem clássica da ópera, que já havia encenado uma vez, há 25 anos atrás, no Rio de Janeiro. Ainda bem...
Apenas no final tive minha curiosidade despertada por um locutor que anunciou uma série de efeitos especiais, explosões, etc. Entretanto, os efeitos se resumiram a um jogo de luzes e uma única explosão, quando o fidalgo Don António decide explodir seu castelo, que estava prestes a ser tomado por índios aimorés. Depois da explosão, abre-se a muralha do castelo, dando lugar a uma espécie de carro alegórico, todo branco, com estátuas em tamanho natural de Pery e Ceci. 
 

III. OS ÚLTIMOS DIAS DE CARLOS GOMES
 
Conforme bem se expressou [OLIVEIRA, 2007], o momento da trajetória de Carlos Gomes que nos interessa especialmente começa quando o músico desembarca em Belém do Pará, no dia 14 de maio de 1896, em seu fatídico retorno à Pátria aos 59 anos de idade. Gomes chegou à cidade para presidir o futuro Conservatório de Música do Estado, a convite do então governador do Estado do Pará, Lauro Sodré. O músico chegou a Belém já doente e com o diagnóstico de câncer, proferido em Portugal no ano anterior. Ele saiu da Europa com muitas dívidas, e o convite de Sodré lhe cabia mais como uma homenagem do que propriamente como uma oportunidade de continuar sua carreira. 
O “gênio” que chega aos trópicos encarnava uma representação típica do artista romântico, além de toda uma idealização da criação romântica voltada ao indivíduo. Tal gênio desdobra-se, no caso de Carlos Gomes, num herói que, nas arestas de suas “identidades”, nutria os discursos em torno de uma ideia de nação, de povo e de espírito brasileiro. Foram esses os matizes narrativos que o próprio compositor alimentou com suas obras ambíguas, como “O Guarani” e “O Escravo”, na confecção de um ideal de totalidade onde estão conjugados os elementos da cultura popular e os valores da elite oitocentista, louvados por uma elite ávida por homens que sintetizassem sua terra, ao mesmo tempo em que propagassem fora daqui o ideal de um país civilizado (COELHO, 1995, p. 94). 
 
Agonia de Carlos Gomes

 
Cercado por autoridades e amigos, com o governador Lauro Sodré à cabeceira, Carlos Gomes morreu às 22 horas e 20 minutos de 16 de setembro de 1896. Seu corpo foi embalsamado, fotografado e em seguida exposto à visitação pública, cercado de flores e objetos como partituras e instrumentos, bem de acordo com a idealizada "morte bela" do Romantismo. Dois dias depois do falecimento, o corpo do maestro foi transferido para o conservatório de música. De 18 a 20 de setembro de 1896, o corpo ficou exposto em câmara ardente, nos salões do conservatório de música, que se transformou em santuário cívico e espaço para as representações do afeto coletivo pelo compositor, como registram as imagens de época. Em seguida, foi levado para o Cemitério da Soledade, um misto de panteão e cemitério-jardim, onde estavam sepultados heróis da guerra do Paraguai, como o general Henrique Gurjão, acompanhado por aproximadamente 70 mil pessoas, que levavam andores, quadros, alegorias e guirlandas. 
O maestro, porém, não foi sepultado em Belém. A pedido do presidente do Estado de São Paulo, Campos Sales, o compositor foi levado para lá, com honras e transporte militares, a bordo do vapor Itaipu. Antes, na setecentista Catedral da Sé no Pará, foi celebrada uma missa de réquiem, entoando-se uma Elegia a Carlos Gomes. Seu ataúde dominava o centro de um monumento funerário de quatorze metros de altura, em um catafalco encomendado pelo governador paraense Lauro Sodré. O culto aos grandes homens dava forma à religião cívica do positivismo e exaltava os nomes reconhecidos pela humanidade. Ao final das cerimônias litúrgicas e ao deixar o porto de Belém, rumo a Santos. 
Pouco antes de morrer, diante do estado de saúde do compositor, o governo de São Paulo autorizou uma pensão mensal de dois contos de réis, enquanto ele vivesse e, por sua morte, de quinhentos mil réis, aos seus filhos, até completarem a idade de 25 anos. Nessa ocasião, existiam somente dois filhos do compositor e maestro. O corpo do compositor encontra-se hoje no magnífico monumento-túmulo, em Campinas, sua terra natal, na Praça Antônio Pompeu. Em 18 de setembro de 1903, Santos Dumont, o inventor do avião e Pai da Aviação, foi convidado para colocar a pedra fundamental no monumento-túmulo no marco zero da cidade, que ficou pronto em 1905. O monumento-túmulo de Carlos Gomes (que tem cópia no Rio de Janeiro, em frente ao Teatro Municipal) é obra do escultor Rodolpho Bernardelli (1852-1931), artista mexicano naturalizado brasileiro, tendo sido feita de granito, ostentando em corpo inteiro a estátua em bronze de Carlos Gomes, regendo; na base, uma figura de mulher, também em bronze, representa a cidade de Campinas. 
A duas quadras dali está o Museu Carlos Gomes, que reúne objetos e partituras do compositor. O museu tem a pá que foi usada para por a pedra fundamental. Santos Dumont foi convidado para colocar a pedra fundamental no túmulo. Esse convite foi feito pelo Cesar Bierrenbach, que foi a pessoa que capitaneou todas essas coisas depois que o Carlos Gomes morreu e teve a ideia de fazer um monumento em honra ao Maestro.
 
Monumento-túmulo de Carlos Gomes, em Campinas
Detalhe do monumento-túmulo, em que Gomes se apresenta em atitude de Maestro

 
Carlos Gomes faz jus também ao nosso reconhecimento pelo seu grande espírito de brasilidade, que sempre conservou, mesmo no exterior. 
 
IV. Curiosidade acerca do monumento em honra ao Maestro na Praça Ramos de Azevedo na cidade de São Paulo
 
O que vem a seguir foi retirado da página 18 do Programa de Sala do Theatro Municipal de São Paulo, na ocasião em que seriam encenadas as óperas Jupyra, de Antônio Francisco Braga, e Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni, em outubro de 2013, pela Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo e Coral Lírico e Coral Paulistano sob a direção musical e regência de Victor Hugo Toro: 
Durante uma de suas visitas a São Paulo, Pietro Mascagni (autor de Cavalleria Rusticana) que era amigo de Carlos Gomes, ficou intrigado com o monumento da Praça Ramos de Azevedo que acabara de ser inaugurado.  
“Admirei o conjunto, mas não reconheci a fisionomia do maestro esculpida no bronze”, conta. Soube depois que se tratava do busto do General Pinheiro Machado. Não me contive e fui procurar o Sr. Washington Luís, que a princípio se mostrou incrédulo, só se convencendo com provas. O governo mandou retirar o busto e substituí-lo pelo verdadeiro. Graças a Mascagni, a estátua que vemos junto ao Theatro Municipal de São Paulo hoje tem a cabeça certa — a do autor de Il Guarany.
 
Mais exatamente, o fato constrangedor é relembrado pelo compositor e maestro italiano Pietro Mascagni em sua autobiografia. Segundo [GÓES, 2009], o que narrou ali se deu quando de sua viagem ao Brasil para dirigir, por ocasião das comemorações do primeiro centenário da Independência em 07/09/1922 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, "uma das mais emotivas e bem sucedidas récitas de ópera de sua história", Il Guarany cantado pelo grande tenor Miguel Fleta, conforme consta de resenha que aquele fez do seu livro "Teatro Municipal do Rio de Janeiro - Cem anos de cisnes e trovadores". Na ocasião, Mascagni passou também por São Paulo, onde visitou o recém-inaugurado monumento em homenagem a Carlos Gomes, na Praça Ramos de Azevedo. Certo de que ele pouco se assemelhava à fisionomia do compositor brasileiro, que havia conhecido na Itália, pediu uma audiência com o então presidente da província de São Paulo, Washington Luís, que determinou a abertura de uma investigação. Dias depois, o resultado provocaria constrangimento: o busto reproduzia na verdade as feições do general Pinheiro Machado, troca que nenhum dos figurões presentes à inauguração havia percebido.
 
Cabe aqui ainda fazer algumas observações adicionais. O Theatro Municipal de São Paulo foi inaugurado em 16/09/1911 dentro de um projeto maior de modernização da cidade acompanhando a transição de uma monarquia de base escravocrata para a república baseada no trabalho assalariado, que estimulou a vinda de diversas ondas migratórias para a cidade, as quais trouxeram consigo não apenas recursos financeiros, mas também mão de obra especializada. Para inaugurar o palco lírico, construído com todas as exigências de luxo, elegância, acústica e segurança foi escolhida a ópera Il Guarany
A figura-chave a liderar essa transformação foi o escritório do arquiteto-engenheiro Francisco de Paula RAMOS DE AZEVEDO, dotado de pessoal altamente qualificado e de apurado senso artístico, entre pintores, escultores, decoradores, entalhadores e outros artífices cuidadosamente garimpados nessa massa migratória, em que se destacaram os inúmeros italianos que fizeram de São Paulo a maior cidade italiana fora de seu país. Entre essas obras, destacaram-se a construção do Theatro Municipal, cujo projeto pertencia a CLAUDIO ROSSI, arquiteto e cenógrafo natural de Capri, e com desenhos de DOMIZIANO ROSSI, arquiteto de Gênova, e, ao lado do prédio do Theatro Municipal, a execução da obra de escultura a cargo de LUIGGI BRIZZOLARA, pondo em destaque a estátua em bronze do compositor Carlos Gomes, ladeada pelas alegorias à Música e à Poesia, esculpidas em mármore de Carrara. Abaixo, no centro da fonte, um grupo escultórico denominado Glória, formado por uma figura feminina a República sobre a esfera celeste com a inscrição positivista "Ordem e Progresso", conduzido por um conjunto de três cavalos alados e com nadadeiras, que jorram água pelas narinas. Em nível intermediário das escadarias, encontram-se as estátuas referentes aos principais títulos de óperas do compositor: Lo Schiavo (1887) e de Maria Tudor (1879). Junto ao guarda-corpo das escadarias, no seu ponto mais baixo, estão Fosca (1873) e o Condor (1891). Quem desce a escadaria tem a impressão de que Condor lhe estende a mão, como num cumprimento. De tanto ser tocado, o bronze perdeu a pátina e São Paulo ganhou uma lenda: teria sorte favorável o turista que, em viagem à cidade, tocasse um dos dedos de Condor. As estátuas de Salvatore Rosa (1874) e do índio Pery (1870) estão nos degraus à frente da fonte. Nas extremidades do conjunto e em primeiro plano, encontram-se duas mulheres representando a Itália e o Brasil. A Itália está representada por uma mulher ajoelhada, com uma espada na mão direita e apoiando a mão esquerda sobre uma estatueta da Vitória de Samotrácia, sustentada pelo gênio das Belas Artes um homem sentado aos pés de Itália. Representando o Brasil, uma mulher em pé, com a bandeira do Brasil na mão esquerda. Um homem ajoelhado e beijando seus pés representa o povo brasileiro. 

 
LUIGGI BRIZZOLARA (Chiavari, 1868-Gênova, 1937) é o responsável pela execução da obra de escultura aqui descrita. Em 1920, transferiu-se para São Paulo, onde participa do concurso para a realização do monumento em comemoração ao centenário da Independência, mas fica em 2º lugar. Durante sua permanência em São Paulo realiza diversas obras, que incluem a estátua dedicada a Fernão Dias Paes, localizada em frente ao Parque do Trianon, as estátuas de Raposo Tavares e Fernão Dias localizadas no interior do Museu Paulista, o túmulo da família Matarazzo, localizado no Cemitério da consolação e diversas outras obras. Mas o mais importante a destacar aqui é que em 1920 foi contratado pela colônia italiana para o projeto e realização do monumento em homenagem ao compositor Carlos Gomes, obra realizada em mármore de Carrara, bronze e granito rosa oferecido como presente à cidade no ano da comemoração do 1º Centenário da Independência do Brasil. A colônia italiana contribuiu com metade dos custos e os governos do Estado e da cidade de São Paulo com a outra metade. 
O monumento foi inaugurado em 12 de outubro de 1922 com grande pompa. 
 
Para informações mais detalhadas, queira o leitor ver a excelente matéria constante do seguinte

Monumento atual da Praça Ramos de Azevedo, ao lado do Theatro Municipal



V. AGRADECIMENTO

 

Agradeço carinhosamente à minha amada esposa Rute Pardini a captação das imagens, bem como a sua edição e formatação para fins deste post.


VI. BIBLIOGRAFIA


BISPO, Antonio Alexandre: “150 anos: Se sa minga: Rivista de 1866 de Antonio Scalvini (1835-1881) e A. Carlos Gomes (1836-1896). Rivista do ano de guerra nacional italiana contra a Áustria pelo Vêneto nos seus elos com a Alemanha”. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 163/(2016:05). 
 
BRAGA, Francisco José dos Santos: CARLOS GOMES EM MILÃO (DE 1864 A 1896). Publicado no Blog do Braga em 06/09/2014. 
 
                                                     — CARLOS GOMES, crônica de OLAVO BILAC de 02/07/1905. Publicado no Blog do Braga em 15/09/2014.
 
COELHO, Geraldo M. O brilho de supernova: a morte bela de Carlos Gomes. Rio de Janeiro: Agir, 1995.
 
GÓES, Marcus: Grandes momentos históricos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Artigo de Marcus Góes de 2009, reapresentado no Blog de Ópera e Ballet, em 08/04/2013.

ITÁLIA PER SAN PAOLO: PRAÇA RAMOS DE AZEVEDO
 
OLIVEIRA, Emerson Dionísio G.: Últimos dias de Carlos Gomes”: do mito “gomesiano” ao “nascimento” de um acervo. Revista CPC, São Paulo, nº 4, p. 87-113, maio/out. 2007.
 
Revista Long Playing, órgão oficial da Câmara Brasileira do Disco, nº 19,  ano de 1959. A publicação trazia ilustrações e notícias, divulgação de músicas e discos LPs, música clássica e popular, etc.
 
WIKIPEDIA: verbete "Carlos Gomes" 



terça-feira, 14 de setembro de 2021

BRASIL E ROMÊNIA: PONTES CULTURAIS


Por Francisco José dos Santos Braga


Resenha do livro de mesmo título desta matéria, da autoria do Prof. Dr. Ático Vilas-Boas da Mota, com foco em Curso de Letras em geral e na disciplina Filologia Românica em particular, dedicada a JOSÉ CARLOS GENTILI, escritor, pioneiro de Brasília, membro da Academia de Ciências de Lisboa e Presidente Perpétuo da Academia de Letras de Brasília. 

 

 
Acadêmico Ático Vilas-Boas da Mota (ex-ocupante da Cadeira VII da Academia de Letras de Brasília) - Crédito: livro "Academia de Letras de Brasília - 30 anos de fundação (1982-2012)" (pp. 38-41) ¹

 

I. INTRODUÇÃO 

 

A Academia de Letras de Brasília (ALB), então presidida pelo Acadêmico José Carlos Gentili, me convidou para as comemorações do 30º aniversário da fundação da entidade. Foi com muita honra que representei, em companhia de minha amada esposa Rute Pardini, a Casa da Cultura são-joanense nas solenidades na Capital Federal, comparecendo às comemorações no dia 19 e 20 de março de 2012 no Parlamundi, sede da LBV. 
Resumidamente, o evento transcorreu dentro da maior harmonia e solenidade, conforme descrição abaixo: 
No dia 19/3 (dia de São José), às 19h: recepção solene pelos Dragões da Independência-DF e sua Banda Musical que tocou o Hino Nacional, cerimônia de abertura (com discurso do presidente José Carlos Gentili), outorga de medalha comemorativa a personalidades de destaque, lançamento de Livro Comemorativo da ALB e obliteração do selo comemorativo pela ECT. 
Presença marcante na cerimônia de abertura: embaixadores dos Países de Língua Portuguesa (Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau e Timor-Leste), entre outros. 
No dia 20/3, às 9h: ao compor a Mesa, fui convidado pelo presidente José Carlos Gentili a ocupar uma das cadeiras, tendo em vista a histórica cidade de São João del-Rei gozar de excelente e merecida reputação de terra de elevada cultura e terra natal dos heróis Tiradentes e Tancredo Neves; apresentação do Coral Alegria; execução do Hino Nacional por excelente saxofonista; conferência do pioneiro de Brasília, saudoso Dr. Murilo Melo Filho (membro da Academia Brasileira de Letras, ocupante da Cadeira 20), intitulada “JK e a construção de Brasília”; outorga de medalha comemorativa aos acadêmicos da ALB e a outras personalidades do mundo literário e cultural e homenagens "in memoriam", cerimônias estas seguidas de banquete de confraternização. Cabe registrar as seguintes presenças marcantes naquele 2º dia: Acadêmicos Áureo Melo e Lindberg Cury, entre outros. Braga estreitou contatos com os Acadêmicos Ático Vilas Boas (de Macaúbas-BA), Dep. Ubiratan Aguiar, Gustavo Dourado (pseudônimo Armagedom), Tarcízio Dinoá Medeiros, Adirson Vasconcellos, bem como com a Diretoria da ALB (Presidente José Carlos Gentili, Vice-Presidente Romildo Teixeira de Azevedo, Secretário Tarcízio Dinoá Medeiros e Tesoureiro Amador de Arimathéa). ²
 
Foi neste ambiente festivo que tive o prazer de fazer amistoso contato com Ático Vilas-Boas da Mota (✰ Livramento do Brumado (BA), 1928- ✞ Macaúbas (BA), 2016). Tendo comparecido à lauta refeição na hora aprazada, tive a grata satisfação de partilhar da mesa do ilustre Acadêmico vindo de Macaúbas-BA. Apresentamo-nos e, quando ele me indagou sobre a minha procedência, informei-lhe que viera de São João del-Rei. Ele foi logo perguntando:
Você já ouviu falar da atuação do Dr. Ribeiro da Silva em São João del-Rei, um intelectual goiano nascido na Cidade de Goiás?
Informei-lhe que tomara conhecimento de ter sido importante incentivador das atividades teatrais, ter chegado a presidente do Clube Teatral Artur Azevedo (1918), e ter dado seu nome a uma das ruas são-joanenses.
Essa informação o impressionou vivamente e ele me indagou se já tinha pesquisado, nos periódicos da cidade mineira, a obra do goiano Dr. Ribeiro da Silva, literato e médico que tinha residido ali por 15 anos. Diante daquela pergunta constrangedora para mim, respondi-lhe que não.
Resumindo, fiquei sabendo que Dr. Ático era um especialista no médico e intelectual goiano, autor do prefácio da reedição de "O Apóstata", de Sérgio Guido (pseudônimo adotado por Dr. Ribeiro da Silva). Fui ainda informado que a primeira edição da obra fora incinerada pelo próprio autor, a pedido de um bispo.
Incontinênti, convidei-o para ser colaborador do Blog de São João del-Rei, pedindo-lhe que me autorizasse a publicar o seu prefácio. Para tanto, aguardei a chegada de um exemplar do livro recém-lançado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, na pessoa de seu então presidente e escritor Aidenor Aires com o prefácio assinado pelo referido Acadêmico.
Tão logo me chegou às mãos, publiquei o "Prefácio do Acadêmico Dr. Ático Vilas Boas à recente reedição de  O  APÓSTATA, da autoria de Sérgio Guido (pseudônimo do Dr. RIBEIRO DA SILVA)". ³
 
Oito anos depois. 
Na semana passada, em visita a um sebo em São Paulo, localizei a alentada obra do Prof. Ático Vilas-Boas da Mota, com 1.094 páginas, intitulada "Brasil e Romênia: Pontes Culturais" (2010). Folheando o livro com o mesmo título desta minha matéria, de imediato tive meu interesse atraído pela análise da história do Curso de Letras no Brasil, que integrava a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da sua evolução temporal e da crítica construtiva que ele apresenta para seu aperfeiçoamento, segundo seu profundo conhecimento do assunto. Como interessado nas mudanças que propõe para esse fim, coloca a serviço de sua tese toda a sua experiência de vida que não é pequena para sedimentar seus argumentos e em oposição à onda avassaladora globalista que se abateu desde os primórdios com o Decreto-Lei nº 1.190, de 04/04/1939, mas principalmente com o advento da reforma universitária de 1969 (com a criação do Curso de Letras Modernas) e, mais recentemente, com a Lei nº 9.394, de 20/12/1996 (Lei de Diretrizes e Bases), que extinguiu a obrigatoriedade de currículos mínimos e, em seu lugar, surgiram as diretrizes curriculares, flexibilizando o conceito de um curso de Letras, em que o currículo deixa de ter como foco as disciplinas e passa a ser entendido como “todo e qualquer conjunto de atividades acadêmicas que integralizam um curso”. Partindo da premissa de autonomia do discente na montagem de sua trajetória acadêmica, essa reforma mais recente dividiu a formação em três ciclos em muitos Cursos de Letras: 
(1) Introdutório; 
(2) Estudos Linguísticos e Literários e 
(3) Estágios e Práticas Curriculares. 
A carga horária foi modificada e as disciplinas foram agrupadas em Unidades Programáticas com diferentes denominações.
 
 



 
Transcorria o ano de 1952. 
Ático Vilas-Boas da Mota, baiano, licenciado em Curso de Letras Neolatinas da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia, sentia-se incomodado com o teor do Decreto Lei 1.190, de 04/04/1939, cujos efeitos permaneceriam válidos até 1962, o qual estabelecia que a seção de Letras (integrante da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras) compreendia três cursos ordinários, segundo seu art. 6º :  
Curso de Letras Clássicas, 
Curso de Letras Neolatinas e 
Curso de Letras Anglo-germânicas (inglês/alemão). 
Assim, o curso de Letras-Licenciatura foi criado em 1942 e teve autorizado seu funcionamento em 1943 com três terminalidades distintas: Curso de Letras Clássicas, Curso de Letras Neolatinas e Curso de Letras Anglo-Germânicas, tendo sido reconhecido pelo Decreto n° 17.400, de 19 de dezembro de 1944. Na primeira fase, o profissional de Letras era diplomado em Latim e Português em todos os três cursos e mais Grego no Curso de Letras Clássicas; Espanhol, Francês e Italiano no Curso de Letras Neolatinas; Inglês e Alemão no Curso de Letras Anglo-Germânicas.
 
Tendo em vista que as línguas românicas, também conhecidas como línguas neolatinas, são idiomas que integram o vasto conjunto das línguas indo-europeias que se originaram da evolução do latim, principalmente do latim vulgar, falado pelas classes mais populares, Ático não entendia a razão por que o DL 1.190, de 04/04/1939, tinha restringido a ampla gama de línguas neolatinas a apenas três idiomas: o espanhol (ou castelhano), o francês e o italiano. 
 
O latinista Mario Pei, estudando as línguas oriundas do latim vulgar, chegou a conclusões interessantes a respeito do grau de evolução das línguas românicas em relação à fonética do latim. De acordo com seus estudos, quanto maior a porcentagem, mais distante do latim se encontra foneticamente a língua neolatina estudada: 
Sardo: 8% 
Italiano: 12% 
Castelhano: 20% 
Romeno: 23,5% 
Catalão: 24% 
Occitano: 25% 
Português: 31% 
Francês: 44% 
Como resultado desses estudos, esse especialista entendia possível afirmar que o português e o francês possuem a fonética mais distante do latim. Explica esse fato com a possibilidade da existência de forte substrato céltico nessas línguas. 
 
Uma curiosidade a respeito dos falantes de alguma língua românica é que há 1,2 bilhões de pessoas que falam alguma língua românica no mundo, o que faz esse ramo ter o maior número de falantes da família indo-europeia, à frente do ramo germânico, que possui mais de 730 milhões de falantes. 
 

II. DISSERTAÇÃO COM EXCERTOS DO LIVRO "BRASIL E ROMÊNIA: PONTES CULTURAIS" 

 

Conforme eu dizia acima, Ático se sentia incomodado com o teor do DL 1.190 e desejava ver inserido no rol de línguas românicas ou neolatinas o idioma romeno. Não entendia por que o DL se restringira ao subgrupo de línguas românicas ocidentais (o francês, o espanhol e o italiano) e isolara as do subgrupo de línguas românicas orientais (isto é, o caso do romeno). 
 
Diante de todas essas evidências, [MOTA, 2010, 86-95] viu-se obrigado a fazer uma enquete junto aos professores de Filologia Românica de todo o País. Vejamos como se deu essa iniciativa em suas próprias palavras: 
Quando nós éramos aluno do Curso de Letras Neolatinas da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia, atual Universidade de Filosofia da Universidade da Bahia, já um ardoroso defensor da causa romena entre nós, apresentamos aos participantes do II Congresso Nacional de Estudantes de Filosofia e Letras, realizado em Salvador, Bahia, em julho-agosto de 1952, um projeto para que se incluísse a Cadeira de Língua e Literatura Romenas em nossos Cursos de letras. O relator foi o saudoso universitário Hermano Gouveia. 
Pouco tempo depois, já licenciado em Letras, realizamos um inquérito por correspondência junto às diversas cadeiras de Filologia Românica do País. O texto do questionário era precedido de uma carta circular vazada nos seguintes termos: 
Senhor professor, 
Com este inquérito pretendemos reunir opiniões e pareceres de conceituados romanistas e dedicados professores de Filologia Românica, em nosso país, a fim de que, apoiados em dados e opiniões científicos, possamos lançar um movimento didático-cultural junto às autoridades educacionais brasileiras, visando a criação da cadeira de Língua e Literatura Romenas nos Cursos de Letras Neolatinas de nossas Faculdades de Filosofia e Letras. 
Antes de ouvirmos e acatarmos a honrosa opinião de V. Sª, cumpre-nos informar-lhe que, à primeira vista, este movimento pareceria coisa novíssima entre nós. No entanto, suas sementes foram lançadas em 1952. Façamos um retrospecto: quando estudante, apresentamos, por ocasião do II Congresso Nacional de Estudantes de Filosofia e Letras (Salvador/Bahia, julho-agosto de 1952) um projeto para a criação da referida disciplina, o qual, para nosso gáudio, foi aprovado por unanimidade. 
Cumpre-nos informar-lhe ainda que a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (Rio de Janeiro), pioneira no desenvolvimento dos estudos desinteressados em nosso meio, acolheu com simpatia a idéia e criou um Curso Extraordinário de Língua e Civilização Romenas, que vem funcionando, ininterruptamente, até a presente data, alcançando na atual administração do prof. Eremildo Viana, o impulso dinâmico que o mesmo tem sabido dar a todos os movimentos culturais de aperfeiçoamento do nível universitário. 
Atenciosamente, 
Lic. Ático Vilas-Boas da Mota 
O questionário que acompanhava a circular acima transcrita era constituído de 9 (nove) perguntas de forma abrangente. A pergunta inicial era a seguinte: 
Como explica V. Sª o fato de o romeno, língua neo-latina por excelência, não se achar incluído num curso que se intitula: Curso de Letras Neolatinas? 
Recebemos, logo depois, uma porção de respostas, todas elas entusiastas e, até mesmo, superotimistas. Era o resultado do bom senso e da coerência. O inquérito lançara a sementinha de um futuro movimento em favor da comunhão cultural entre os povos neolatinos da qual nem sempre participava a longínqua e promissora Romênia. Mas o diabo da técnica de dominação imperialista tem olho grande e amplo alcance, bem como uma boca escancarada. Ajudada pela Guerra Fria e preocupada com a ampliação e fortificação de suas garras, lançou o seu veneno sobre o nosso trabalho que logo recrudesceu. Tinha-se a impressão de que a universidade brasileira andava mais preocupada com o seu dia imediatista e em ceder espaço, cada vez mais, aos nossos adversários de fora. E, assim, enquanto a nossa Universidade em termos gerais era desmontada, malgrado as frases estereotipadas e os “slogans” ingenuamente otimistas. Vale ainda ressaltar que alguns setores parecem ter ficado um pouco à margem desta conspiração contra a neolatinidade, por exemplo a Universidade de São Paulo (USP), entidade que teve, desde os seus primórdios, os bafejos humanistas da Universidade de Louvain (Bélgica) e, posteriormente, se deixou influenciar para o seu próprio bem e proveito pelo ideário da Missão Docente Francesa, cujas marcas até hoje podem ser detectadas e analisadas por especialistas em história da instrução brasileira. Em S. Paulo, por muito tempo, e de forma eficiente, atuaram duas personalidades exponenciais no setor da romanística: o Prof. Dr. Theodoro Henrique Maurer e seu assistente, o romanista Nicolau Salum, dedicados — como já vimos — ocupantes da Cadeira de Filologia Românica da Universidade de São Paulo. Durante todo o período que viveram, na qualidade de professores universitários e pesquisadores, prestigiaram o estudo do romeno em suas respectivas aulas. Ao longo do tempo, conseguiram formar um grupo de alunos interessados nas pesquisas comparatistas e contrastivas conforme se pode observar em outro capítulo especialmente dedicado ao estudo do romeno na USP. 
O primeiro Curso Extraordinário de Língua e Civilização Romenas funcionou, como já apreciamos, na antiga Faculdade de Filosofia (Universidade do Brasil), avenida Presidente Antônio Carlos, no velho prédio da Casa de Itália (RJ). 
Tratava-se de um curso livre, ou seja, optativo. No começo foram muitos inscritos, porém na medida em que as dificuldades iam surgindo, grande parte dos matriculados debandava. As aulas estiveram a cargo do Prof. I. G. Dimitriu (Língua romena), refugiado romeno residente em Niterói (Estado do Rio de Janeiro), bibliotecário da Fundação Getúlio Vargas. (...) 
O primeiro Curso Extraordinário de Língua e Civilização Romenas encerrou com pouquíssimos alunos, sendo nós escolhido orador da turma, numa sessão memorável no Salão Nobre da Faculdade Nacional de Filosofia, cerimônia presidida pelo então reitor Pedro Calmon. O nosso discurso foi bilíngue, isto é, uma metade em português e a outra em romeno, o que provocou muitos aplausos do auditório composto de brasileiros e romenos. 
Prof. Ático Vilas-Boas da Mota discursa em nome da 1ª turma do Curso de Língua e Civilização Romenas. Vêem-se, à mesa, da esq. p/ dir.: acadêmico Rodrigo Otávio Filho, Profª Ângela Comnène, Prof. Farias Sobrinho (representando a diretoria da Faculdade de Filosofia-RJ) e Aluísio de Castro, membro da Academia Brasileira de Letras. De costas, vêem-se representantes da colônia romena do Rio de Janeiro. (Fonte: livro "Brasil e Romênia: Pontes Culturais", p. 95)
A conclusão desse curso ampliou bastante o nosso compromisso de continuar estudando a língua romena e de prosseguir os nossos trabalhos na seara da neolatinidade tão necessitada de obreiros desinteressados. 
O referido curso funcionou de 1955 a 1957, justamente na gestão do Prof. Eremildo Viana (cf. Boletim informativo da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro 1957: 1955 (p. 19), 1956 (p. 9) e 1957 (p. 14).
Convém explicitar que a Filologia Românica é a ciência responsável pelo estudo das transformações sofridas pelo idioma Latim nas línguas românicas (português, castelhano, francês, italiano, romeno, catalão, entre outras). A Filologia caracteriza-se por ser um estudo preponderantemente histórico, enfocando o texto escrito, embora já se vislumbre a aplicação de seus procedimentos em textos orais (Blanche-Benveniste, 1997, p. 129). Essa ciência antiga focaliza a cultura de um povo que se expressa através de sua língua, em suas diferentes produções textuais. Temos, então, na essência da Filologia, uma tríade – a cultura, a língua e o texto – que justifica a sua importância no plano das Ciências Sociais. A Filologia Românica, com o advento do método histórico-comparativo, muito se firmou como ciência que analisa a trajetória da língua latina em diferentes regiões dominadas pelo poder de Roma. Os métodos dos estudos filológicos em geral se aplicaram aos estudos da Filologia Românica em particular e esta, sobretudo a partir do século XIX, foi definindo seu problema, construindo suas teorias e cristalizando seu campo de ação, a partir dos trabalhos de Friedrich Diez.
 
[MOTA, 2010, 84-6] parecia estar convicto de que a criação do Curso de Letras Neolatinas não era para valer. Como outras modas brasileiras, parece que o intento do legislador tinha sido "para inglês ver": 
O Brasil, nas décadas de 1940-1950, vivia a euforia da busca de sua identidade cultural através da implantação dos chamados Cursos de Letras Neolatinas, que floresciam em todo o território nacional, ministrados nas Faculdades de Filosofia e Letras, os quais sorrateira e lentamente foram minados em suas bases. Em vez de promover a melhoria dos métodos de ensino dos idiomas estrangeiros, em nome de uma falsa modernização, tivemos os diversos cursos desmontados, a começar pela própria terminologia curricular: o sintagma Curso de Letras Neolatinas parecia incomodar os responsáveis pelos obscuros esquemas que pretendiam ver o Brasil cada vez mais engajado nos planos anglo-saxônicos. Com outras palavras: O Brasil não deveria valorizar as suas raízes históricas, a começar pelo valor supremo e definidor que é a própria língua. Acabavam com o mencionado sintagma de base latina, à medida em que a ênfase era dada aos chamados Cursos de Letras Modernas, através dos quais se liam claramente as segundas intenções castradoras. Começava a agonizar também a Cadeira de Filologia Românica em favor de uma chamada Linguística Sincrônica com predominância dos enfoques estruturalistas. Os responsáveis pelas nossas apelidadas grades curriculares, míopes ou simplesmente inocentes úteis, deixaram-se levar pelo canto de sereia extra-universitário e não percebiam — ou fingiam não perceber — a estratégia do peixe grande pronto para engolir o pequeno e, assim, pouco a pouco, foram cedendo, cedendo, até o infinito. O romeno, o catalão e o provençal que ao longo do tempo poderiam ser introduzidos no Curso de Letras Neolatinas de algumas universidades das principais capitais do País, pelo menos no Rio e São Paulo, foram relegados ao limbo do esquecimento. E ainda há quem duvide dos tentáculos do imperialismo, multiforme, insidioso, onipresente e avassalador. Hoje encontra-se travestido sob a forma da globalização. Para os que nisso não acreditam, recomendo-lhes a assertiva cervantina: “Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay...” O Brasil continua sendo um país de cultura surgente, um espaço disponível a muitas investidas e elucubrações externas e, nesta lamentável condição de um rio em busca do seu próprio leito, tão cedo — acreditamos — não vai encontrar o rumo de SER e de se tornar autenticamente dono de seu destino, porque, para conseguir este objetivo superior — contrariando as premissas dos mais otimistas — ele teria que fortalecer a sua própria cultura a partir de dentro e formar alianças externas seletivas e duradouras numa interação cultural sobretudo com todos aqueles outros países que, com ele, formam a neolatinidade. Não se trata de uma expressão retórica, mas, o que se pretende exprimir é que haja o conhecimento mútuo profundo, vertical e horizontal de nossos valores históricos, tendo como escopo maior a assimilação da axiologia comum e capaz de fortalecer a nossa consciência étnica e ética, para que possamos, a partir do auto-conhecimento de nós mesmos como povo e nação exercitar a sonhada prática da fidelidade cultural, cujo objetivo supremo é conhecer a nós mesmos, com nossas virtudes e nossos defeitos, tudo contribuindo para tornarmo-nos inconfundíveis e, por isto mesmo, culturalmente mais fiéis, mais resistentes. 
O Brasil só tem a ganhar nesse trabalho de reconhecer-se na Romênia e esta, por sua vez só tem a ganhar ao ver-se espelhada na face do Brasil. Os nossos interesses harmonizam-se e, num trabalho de interação-inteligente e constante, eles se completam de uma maneira surpreendente. Qualquer tentativa para manter os nossos países distantes um do outro será uma tarefa vã, apesar do império dos interesses escusos e suas terríveis maquinações. (...)
O Prof. Mota deixa transparecer seu pessimismo em relação ao que se convencionou chamar de evolução, na medida em que a legislação brasileira retirava o Latim dos currículos do ensino fundamental, do que resultou o ensino de Latim nos cursos superiores de Letras empobrecido e reduzido, pouco a pouco, com tendência, lamentavelmente, à extinção total. Mesmo no curso superior de Letras, também se deve salientar a necessidade de o estudante ter cursado com aproveitamento os módulos 1 e 2 de Fundamentos da Língua Latina, antes de fazer os estudos de Filologia Românica, para que possa perceber que muitos assuntos se entrelaçam. 
Segundo Sílvio Elia (1979, p. 2-4), existe uma forte relação entre a filologia e a linguística, relação da parte para o todo, no sentido de que a linguística é mais abrangente enquanto representa o estudo das línguas em todos os seus aspectos, inclusive o filológico. Historicamente, porém, a filologia precede à linguística, mas esta acabou assumindo um aspecto mais generalizado em que se incluem todas as abordagens possíveis no terreno das línguas e, neste âmbito, situa-se, modestamente, a filologia. 
Por força dessas considerações, a expressão Linguística Românica também tem sido uma designação alternativa para a disciplina aqui estudada. Assim sendo, muitas universidades já têm vivenciado situações em que se questiona a finalidade dos conteúdos ministrados nas disciplinas de caráter filológico e já se constata uma reformulação dos cursos de Letras, para atender as Diretrizes Curriculares Nacionais. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), é salientada a necessidade de respeitarem-se as variedades do português, que se expressam na fala dos diferentes estudantes. Da mesma forma, é ressaltada a importância de o discente do ensino fundamental entender “que todas as variedades linguísticas são legítimas e próprias da história e da cultura humana” (PCN, 1998, p. 83). Ora, nos cursos de Graduação em Letras, essa reflexão é feita constantemente, desde as primeiras aulas das disciplinas do eixo linguístico. 
No entanto, na minha opinião, uma visão histórica que contemple o jogo dialético das variantes e das mudanças linguísticas é dada em disciplinas como a Filologia Românica, na qual se enfocam as conexões entre a sócio-história e a língua de um povo. Não é sem razão que a linguística — e por extensão, a filologia — recebe o nome de nobilis ancilla, serva nobre, ou seja, uma proveitosíssima ciência auxiliar da História.
 
Assim se expressou [MOTA, 2010, 49-50] na seção 1.1 A língua romena no Brasil: Generalidades do primeiro capítulo do livro, nomeado pelo autor "Ponte da linguagem e das ciências sociais":
Apesar da distância geográfica e da concorrência dos países hegemônicos, que praticamente ocupam o maior espaço nas cogitações de estudiosos e pesquisadores universitários ou extra-universitários, os valores romenos afloram, aqui e acolá, graças à curiosidade ou à formação acentuadamente universalista de determinados cientistas. Quando se trata de filologia e linguística já tivemos uma época de maior inquietação em torno do legado cultural neolatino. Atualmente com a predominância do espírito anglo-saxônico presidindo, de forma capilar todas as atividades acadêmicas e universitárias, o espaço destinado, sobretudo à Romênia, encolheu-se. Quando em nossas universidades funcionavam os Cursos de Letras com a denominação de Cursos de Letras Neolatinas, tendo como carro-chefe a cadeira de Filologia Românica, a presença cultural romena, embora esporádica, nunca foi descartada. Como já registramos em outra parte, o ensino secundário e universitário brasileiros passaram por uma terrível ingerência estrangeira e as nossas raízes românicas foram colocadas em terceiro plano. Para comprová-lo, bastaríamos citar a retirada do Latim da rede do ensino secundário (Cursos ginasial e colegial). A fim de recordarmos uma das poucas oportunidades em que a língua romena era citada em alguns estudos brasileiros, citaremos como bom exemplo o estudioso A. Tenório d’ Albuquerque em sua interessante obra, A evolução das palavras, a transformação semântica das palavras e morfologia dos vocábulos nas línguas românicas. (1942). Nessa obra o autor reservou um subcapítulo intitulado “Rumeno” (pp. 131-136), no qual analisa várias palavras romenas apoiado em Meyer – Lübke, Américo Castro, Meillet e, sobretudo, E. Bourciez. Além deste subcapítulo, em várias partes do livro há remissões aos seguintes termos romenos: Albă, ajun, apă, azi, bursă, bunic, cald, vere, deget, cumnat, faur, foaie, găină, genunchi, iapă, iarnă, iepure, închega, june, leşie, măduvă, orz, paşte, pleca, scoate, strict, sughit, strâns, ureche, usca, vechi, vecin, vie, zgaibă. Apesar de algumas palavras terem sigo registradas com pequenas falhas, o estudo do lexicógrafo brasileiro vale como boa intenção em aproveitar os testemunhos não apenas da România Ocidental, mas também os da România Oriental, ou seja, a sua visão de estudioso apóia-se no panromanismo, isto é, todo o espaço onde se falou o latim popular, uma das modalidades do latim que deu origem às línguas neolatinas.
Na subseção 1.1.9 A língua romena no Brasil: os pioneiros do estudo de língua romena do primeiro capítulo acima mencionado, [MOTA, 2010, 70-4] aborda o mérito de pioneiros no estudo da língua romena no Brasil. Em suas próprias palavras: 
O estudo da língua e literatura romena desenvolveu-se, no Brasil, de maneira intermitente e dividido em dois setores: 
a) o da iniciativa pessoal, isto, graças aos esforços autodidáticos de cada interessado; 
b) o de caráter institucional ou seja, mediante cursos oferecidos em instituições públicas ou privadas. 
Apesar do rigor desta classificação, não faltam exemplos daquelas pessoas que, primeiramente estudaram por via autodidática e, depois passaram a frequentar cursos oferecidos por instituições. Infelizmente, seria bom não esquecer que existem alguns exemplos de personalidades que se mostraram interessadas em estudar o romeno, mas o que tudo indica não conseguiram levar a bom termo o seu instinto inicial, sendo este o caso de GUSTAVO BARROSO (1888-1959) cuja correspondência arquivada no Ministério dos Negócios Estrangeiros da Romênia (Bucareste) testemunha o seu grande interesse em conhecer a língua romena e, obviamente, a respectiva literatura. Convém não esquecer que o autor, haja ou não estudado o romeno, teve a oportunidade de escrever diversos artigos sob a temática romena. 
Outro autodidata em cuja obra acha-se mencionada, ou melhor, relacionada entre os idiomas estrangeiros do seu conhecimento foi o polígrafo BASÍLIO DE MAGALHÃES (1874-1957). Outro estudioso brasileiro de que não se tem notícia quanto à aprendizagem do romeno, nas que ilustrou a sua obra A evolução das palavras (1942, 2ª edição) com muitas referências ao romeno. Foi A. TENÓRIO d' ALBUQUERQUE (1889- ), gramático carioca, lexicógrafo, enfim, polígrafo. Um dos pioneiros desse exercício, como já salientamos. Mas, pela sua paixão pelas coisas da Romênia, nenhum supera o escritor fluminense, nascido em Campos: MAX de VASCONCELOS (1891-1919) que chegou a poetar em romeno, além de, na qualidade de poeta simbolista, ter composto versos na língua romena, como já tratamos em outra parte. 
1) José B. de Oliveira China 
Outro grande admirador da cultura romena foi José B. de Oliveira China. Nasceu em Caçapava (SP) a 3 de novembro de 1874; faleceu na Capital de São Paulo a 10 de fevereiro de 1941. Bom ensaísta, professor e diretor de alguns estabelecimentos de ensino do curso secundário. Considerado também um dos pioneiros da ciganologia no Brasil. Obras: Estudos de filologia e linguística, 1924. Os ciganos do Brasil, subsídios históricos, etnográficos e linguísticos, 1936. Este último ensaio é considerado básico para o estudo da presença dos ciganos entre nós e da gíria brasileira, em geral. Mantinha contato direto com alguns intelectuais romenos. Foi um dos primeiros, entre nós, a levantar o véu sobre o mito da intraduzibilidade da palavra Saudade pois conseguiu provar que esse termo corresponde plenamente à palavra romena Dor, cuja tradução é perfeita nas diversas situações denotativas e conotativas. Este artigo foi estampado na coletânea do mesmo autor intitulada Estudos de filologia e linguística (1924) e mereceu de João Ribeiro (1860-1934) um artigo publicado no Jornal do Brasil de 25 de novembro de 1927 quando da reedição da referida matéria. Vale a pena relembrá-lo em nosso estudo na íntegra, por se tratar da opinião de um dos mais respeitados filólogos brasileiros. Ei-lo: 
"Saudade 
Um dos nossos bons estudiosos da filologia, o Sr. José d’Oliveira China, julgou descobrir que havia na língua romena um verdadeiro equivalente da palavra saudade e é o termo dor com o uso e emprego que lhe dá a mais oriental e distanciada língua latina, congênita da nossa. 
No romeno dor expressa o suave sentimento da saudade portuguesa. 
Ele o diz e não temos nenhuma razão sólida para o contestar. 
Desde o latim dolor, que é a palavra de origem, tinha ambos os sentidos, physico e moral, e em suas raízes predominava a idéia de rasgar e dilacerar. 
Daí seria fácil, como ainda hoje, a metamorfose da sensação em sentimento. Ainda menos do que dizia Voltaire, dos passos etimologicos: “peu de chose”. Não passou, todavia, despercebido o facto a um dos filhos da Rumania, secretario do consulado do Rio, o Sr. Paul Einhorn, que confirmou a argumentação de Oliveira China e escreveu uma excellente comunicação a Rampa de Bucareste. 
Paul Einhorn esclareceu que tanto lá no seu país como no Brasil e Portugal, estão todos convencidos de que nenhuma língua estrangeira possue o equivalente exato de dor e saudade. 
Não precisa dizer. É evidente que dor é também palavra portuguesa, ainda que com o sentido mais latino de dolor, dor física. 
No português antigo muitas vezes achamos a palavra empregada em frases como esta: “morreu de sua dor natural”, para significar que nenhum acidente causou ou apressou a morte. 
Em romeno – dor – exprime o sentimento que se approxima da nostalgia e é o mesmo da saudade, segundo o nosso filologo paulista. 
Devo dizer que o francês sempre ajuntou a douleur com que se comunica a noticia de morte: “Nous avons la douleur de vous annoncer”. 
Creio que a mesma translação do físico para o normal existe em todas as línguas latinas, o que diminue consideravelmente a importância da revelação feita por China. 
Contudo, as pesquisas desse nosso compatriota merecem, de razão, encômios e louvores que não ficarão perdidos. 
As questões de etimologia, como as de gramática são sempre intermináveis, e aqui mesmo puz uma pedra em cima quando se agitou a discussão a respeito dos etimos prováveis da palavra saudade; tive, porém, agora, de abrir uma excepção para encarecer o trabalho de J. Oliveira China, que naturalmente irá despertar a atenção dos competentes. 
João Ribeiro"
Um de seus artigos sobre o mesmo assunto foi publicado no periódico bucarestino Rampa. 
O seu filho Júlio, também falecido, testemunhou-me o apreço que ele nutria pela cultura romena. Aprendeu a língua sozinho, valendo-se de compêndios europeus. Eu mesmo pude adquirir de seu filho a Grammatica della lingua rumena, de Romeo Lovera, edição Hoepli. O livro bastante usado mostra-se cheio de anotações e utilizado até o final, o que significa a obstinação e a decisão do leitor em aprender a língua de Eminescu, apoiado no autodidatismo. (...)

E, finalmente na subseção 1.1.10 A língua romena no Brasil: Sua presença no ensino universitário e seus grandes arautos do primeiro capítulo acima mencionado, [MOTA, 2010, 80-4] cita vários catedráticos brasileiros que lecionaram Filologia Românica, especialmente um que mereceu seus maiores elogios:

4) Bruno Fregni Bassetto 
"Atualmente, o setor de Filologia Românica conta com um grupo de estudiosos, destacando-se o Prof. Bruno Fregni Bassetto que em suas aulas de Filologia Românica – sempre que pode – refere-se ao romeno como um elemento essencial às comparações filológicas. Aliás, os saudosos Prof. Theodoro Henrique Maurer e Isaac Nicolau Salum, ambos dedicados romanistas, adotaram em suas aulas e em seus escritos, o método contrastivo tendo sempre o romeno como referência maior. A situação da língua romena no mundo foi também abordada pelo Prof. Bassetto ao abrir o II Congresso Nacional de Filologia e Linguística por meio de uma conferência intitulada "Situação atual das línguas românicas na Europa e no mundo", proferida na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 5 de outubro de 1998. O prof. Bassetto também presidiu a Banca Examinadora do mestrando Mário Eduardo que apresentou a tese Das preposições latinas às do Português e do Romeno: derivações semânticas. (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, disciplina de Filologia Românica, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas). 
Vale a pena registrarmos o testemunho do professor Dr. Bruno Fregni Basseto, titular de Filologia Românica da Faculdade da Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), sobre o estudo do romeno naquela universidade: 
a) A Área de Filologia Românica, junto ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, existe desde 1939, integrando ininterruptamente a grade curricular  de Letras. Dentro do universo da Filologia Românica, nossa Universidade sempre estudou as línguas românicas. Com o Prof. Theodoro Henrique Maurer, o romeno passou a ocupar lugar de destaque nesses estudos dado o isolamento em que ficou desde fins do século III em relação às demais línguas românicas. O romeno não teve o permanente adstrato do latim eclesiástico e medieval, que serviam de fonte de empréstimos e ponto de referência permanentes. Por isso, manteve com mais fidelidade suas bases do latim vulgar; em que pesem as múltiplas influências eslavas, bizantinas, turcas, húngaras e albanesas, fato importante para a reconstituição do latim vulgar. Esse o ponto de vista do Prof. Maurer, que passou a dedicar estudos e especial atenção sua e de seus alunos ao romeno. Suas idéias e conclusões a respeito estão no livro “A UNIDADE DA ROMÂNIA OCIDENTAL” (São Paulo, FFLCH, 1951). A importância do romeno no contexto das línguas românicas é nítida também em seus dois outros livros “O PROBLEMA DO LATIM VULGAR” (Rio de janeiro, Livr. Acadêmica, 1962) e “GRAMÁTICA DO LATIM VULGAR” (Rio de Janeiro, Livr. Acadêmica, 1959). Essas obras infelizmente estão esgotadas. Com isso, o Prof. Maurer foi o iniciador dos estudos mais intensivos do romeno aqui na Universidade de São Paulo. 
b) Essa linha de estudos tem sido mantida pela Área de Filologia Românica. O prof. Isaac Nicolau Salum, sucessor do Prof. Maurer como titular da disciplina, continuou e incentivou os estudos da língua romena. A partir da década de 70, reunia duas vezes por semana os integrantes da área e textos romenos eram lidos e estudada sua gramática, através da velha obra de Rauta, “GRAMÁTICA RUMANA”, em castelhano. Seguindo a linha do Prof. Maurer, o estudo era eminentemente contrastivo, procurando-se ressaltar as características do romeno dentro do contexto românico. Nesse particular, contou-se com o auxílio especial da Profª Maria do Socorro Nóbrega, que havia morado na Romênia por quatro anos e aprendido bem a língua do país, dispondo de excelente biblioteca especializada, que nos foi doada no ano passado. Posteriormente, o Prof. Isaac Salum esteve na Romênia por alguns meses, fazendo cursos, cujos conteúdos nos foram transmitidos em nossos encontros semanais.  Firmou ainda convênio com o governo romeno para doação de livros; desse modo, a Universidade de São Paulo recebeu cerca de 3.000 volumes em romeno sobre todos os assuntos. Letras ficou com os de seu interesse, sendo os demais distribuídos pelas Unidades conforme suas especialidades (química, física, matemática, mineralogia, etc.) Entre as obras enviadas estão algumas dos autores mais conhecidos, como as de Mihail Eminescu. Entre outras, destaca-se a tradução para o romeno de “O feijão e o sonho” de Orígenes Lessa, inteligentemente intitulado “PÎINEA Şİ VISUL”, já que o “feijão” deles é o pão. Em um florilégio encontram-se poemas de Manuel Bandeira, Mário de Andrade e de outros autores devidamente traduzidos para o romeno. 
c) O Prof. Isaac Nicolau Salum faleceu no dia 3 de maio de 1993, tendo pouco antes recebido o título de Professor Emérito da USP. 
d) A área de Filologia Românica, buscando sanar as dificuldades dos graduandos em acompanhar as aulas, vem ministrando cursos extracurriculares, com caráter de extensão, de francês, castelhano, italiano, galego e de romeno desde 1993. Inicialmente, eram cursos livres, que foram posteriormente oficializados a fim de se poder conferir certificados oficiais. Esses cursos, entre os muitos que a Universidade de São Paulo oferece, têm tido boa aceitação e alcançado bons resultados. Dada a importância que a Área atribui ao romeno no âmbito da Filologia Românica, essa língua tem tido prioridade em nossos esforços. 
e) Há uma década aproximadamente, a Área de Filologia Românica dispunha de três docentes; era, então possível ministrar o curso completo de Romeno em quatro semestres, ou dois anos. Nos últimos tempos, porém, esse quadro se modifica (Filologia III e IV). Nesse segundo ano, com base na “Unidade da România Ocidental”, dava-se inicialmente um curso de romeno e depois procedia-se a um estudo contrastivo balcano-romance versus ibero-romance. Para esse curso de romeno, usava-se o Curs de Limbă Română de Oltea Delarascruci (Bucareste. Editura Didactică și Pedagogică, 1972), em três versões (inglês, francês e castelhano – infelizmente em português, não!) e dois volumes bem impressos, com ilustrações e três discos com as principais lições para o correto aprendizado da pronúncia. Dispomos também da Gramática oficial, editada pela Academia de Bucareste, em dois volumes, além de outras gramáticas menores, como “Gramatica Azi” de Graur. Dicionários temos vários, sendo naturalmente o mais usado pelos alunos o da Porto Editora, “Dicionário de Romeno-Português”; inicialmente, dispúnhamos apenas do pequeno “Rumänisch-Deutsch” da Langenscheidts Universal-Wörterbuch, e hoje temos romeno-castelhano, romeno-alemão e até um pequeno romeno-russo. Quando a situação da Universidade for mais favorável e contratar algum docente para a área de Filologia Românica, esse segundo ano sem dúvida será restabelecido. Enquanto isso não acontece, o romeno continua a ser abordado nas aulas de Românica I e II e, especificamente, nos cursos extracurriculares que não sofrerão solução de continuidade”.  
Carta do autor, datada de 7 de junho de 2001 (São Paulo/SP) 

 

III. NOTAS  EXPLICATIVAS

 

¹  Esta publicação está disponível na Internet e pode ser lida no seguinte link: 
 
² O segundo dia protocolar das comemorações do 30º aniversário da Academia de Letras de Brasília está registrado no YouTube e pode ser visto no seguinte link: 
 
³   A estreia do Prof. Ático Vilas-Boas da Mota no Blog de São João del-Rei deu-se em 21/07/2013, ocasião em que foi publicado o seu prefácio à reedição do livro O APÓSTATA, da autoria de Sérgio Guido (pseudônimo do Dr. Ribeiro da Silva) através do seguinte link: 
 
A sua apresentação formal aos leitores do referido blog foi feita por mim, como gerente, através do seguinte link: 
 

IV. AGRADECIMENTO
 

Agradeço carinhosamente à minha amada esposa Rute Pardini a captação das imagens, bem como a sua edição e formatação para fins deste post.


V. BIBLIOGRAFIA


BASSETTO, Bruno Fregni: Elementos de filologia românica. São Paulo: EDUSP, 2005, 380 p.
 
BLANCHE-BENVENISTE, Claire : Approches de la langue parlée en français, Paris, Ophrys, 1997, 164 p.
 
ELIA, Sílvio: Preparação à linguística românica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1979, 284 p.
 
GALVÃO, Walnice Nogueira (org.): Sobre os primórdios da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2020, 160 páginas
 
MOTA, Ático Villas-Boas: BRASIL E ROMÊNIA - PONTES CULTURAIS, Brasília: Thesaurus, 2010, 1.094 páginas
Linkhttps://docplayer.com.br/17499368-1-brasil-e-romenia-pontes-culturais.html (até a página 80)