sexta-feira, 28 de julho de 2023

RECUPERE SEU LATIM > > PARTE 16: OVÍDIO: OS TRISTES, LIVRO I, 1ª ELEGIA

Argumento, tradução literal do latim, comentários e bibliografia sugerida por Francisco José dos Santos Braga 
PÚBLIO OVÍDIO NASO (✰ Sulmona, Abruzzo, Itália, 43 a.C. - ✞ Constança, Romênia, 18 d.C. / Crédito: Ancient History Encyclopedia

I. ARGUMENTO

 
O poeta infeliz e exilado em Tomis na Cítia (hoje Constança, na Romênia) aconselha a seu livro que, tendo de partir da Cítia para Roma, tome o aspecto que convém a um desterrado, recomenda o que deve responder aos que perguntarem o que ele faz. Ensina ao mesmo tempo como deverá desculpar-se, se os versos parecerem inferiores ao seu talento. Ordena finalmente que evite o palácio de César, de onde o raio lhe fora arremessado, isto é, a ordem de partir para o degredo em 8 d.C..
Nesta primeira Elegia (Tr. I, 1), de caráter programático, o eu-poético Ovídio dirige-se a seu livro, que parte para Roma, e lhe apresenta uma série de instruções sobre como se comportar durante a viagem e na Urbe. A apóstrofe ao livro  parve liber (Tr. I, 1, 1, “ó livrinho”) , uma vez que o coloca como interlocutor, já configura um primeiro elemento de sua antropomorfização, que se desenvolverá ao longo dessa elegia e da obra como um todo. A esse respeito, deve-se lembrar que a referência ao livro é um procedimento tradicional, tendo suas fontes na epopeia homérica (os σήματα λυγρά, sinais sinistros numa placa levados por Belerofonte a mando de Proetus para a Lícia in Hom. Il. 6.163-71), e na literatura latina,  em Catulo (Carm. 1 e 35) e em Horácio (Ep. I, 20). 
Nesta elegia ovidiana, porém, ele adquire um novo significado, pois o seu dominus (dono, pai ou autor) está exilado. Diante disso, o livro/carta desempenha a função de intermediário do autor, levando sua mensagem a Roma e aos destinatários distantes, e, sobretudo, assume características do poeta exilado, já que, identificando-se com ele, o substitui e o representa nos locais a ele vedados. Assim, pode-se pensar, por um lado, em uma metamorfose do poeta em "livro": transformado em sua obra, Ovídio alcança Roma. Por outro, é o livro que se metamorfoseia em poeta, ao se tornar eu-poético desta elegia.
Na elegia I, 1, o eu-poético Ovídio explicita o aspecto exterior de seu livro e defende que ele deva transparecer a situação de seu autor. Assim, enquanto livro de um exilado, deve ser incultus (“sem polimento”, v. 3) e infelix (“triste”, v. 4), cuidando de não apresentar cores vivas, inadequadas ao luto e ao sofrimento (v. 6). Quanto às semelhanças entre livro e autor, elas são intensificadas pela antropomorfização do livro. 
Logo, de início, Ovídio apresenta-se como dominus (dono, pai ou autor, v. 10) de seu livrinho, o que implica uma relação de superioridade e autoridade, bem como a ideia de posse e responsabilidade sobre a obra. Neste plano textual superior, situa-se a figura do poeta, dotado de autoconsciência literária e manipulador do texto. Essa diferenciação dos termos esclarece o jogo de alternância de personae (máscaras), que instaura na obra verdadeiras metamorfoses, entre as quais se destaca aquela em que o próprio eu-poético é transformado em livro.
Constata-se a existência de um "eu-exilado", personagem da obra, um "eu-poeta" (o exilado que afirma ter perdido suas habilidades, mas, ainda assim, escreve) e, por fim, um poeta, que se situa num nível enunciativo superior e se expressa frequentemente de forma irônica e paródica.
A esses três âmbitos, soma-se ainda o fato de que o eu-exilado, nesta e em outras elegias, veste a máscara de diversos “eus”. Essa diferenciação dos termos esclarece o jogo de alternância de personae, que instaura na obra verdadeiras metamorfoses, entre as quais se destaca aquela em que o próprio eu-poético é transformado em livro.
 
II. TRADUÇÃO LITERAL
 
Ai de mim! Ó livreto, irás à Urbe sem mim  e não impeço  aonde ir não é permitido ao teu dono. Vai, mas sem polimento, como convém ao livro de um exilado. Triste, veste a roupa que é própria desta circunstância ¹: Não te cubram os mirtilos com o seu corante purpúreo: esta cor não combina com lutos; nem será realçado o (teu) título com o mínio, nem (teu) papiro com o cedro. Também não levarás "cornos" brancos na "fronte" negra. Que esses aparatos ornem livrinhos felizes; a ti convém lembrares a minha sorte. Nem (tuas) duas capas sejam polidas pela macia pedra-pomes, para que pareças desleixado com (tua) cabeleira desgrenhada. Nem te envergonhes das manchas: quem as vir, perceberá terem sido feitas por minhas lágrimas. 
 
Vai, ó livro, e saúda em meu nome os lugares gratos a mim. Vou tocá-los pelo menos com aquele ² que me é permitido. 
 
Se (houver) ali alguém, como (é natural) na multidão, não esquecido de mim ³; se houver alguém que pergunte, por acaso, o que eu faço, dirás que eu existo; entretanto, negarás que eu viva bem; até o fato de que esteja vivo, considero um presente de deus. Afora isso, mantém-te discreto a quem buscar mais coisas —, dá-te para ler.
 
Cuidado! Não digas, por acaso, o que não é necessário: de imediato, o leitor avisado vai rememorar os meus crimes. E eu serei condenado como réu pela boca do povo. Cuidado! Não (me) defendas, mesmo que sejas atormentado por injúrias, pois (minha) má causa não se tornará melhor com a defesa. Encontrarás alguém que suspire por mim no exílio, que leia estes versos com pálpebras que não estejam secas. E, discreto, deseje consigo que nenhum perverso os ouça. Que seja atenuada a minha pena, após abrandar-se César. Eu também rogo aos deuses que não seja infeliz aquele, seja ele quem for, que deseje deuses mais indulgentes para com (este) desgraçado. E que sejam realizados seus desejos! E que a ira do príncipe apaziguada me permita morrer no seio da pátria!
 
Mesmo que cumpras essas ordens, ó livro, talvez sofrerás censura: serás julgado por estares aquém do meu talento. É dever do juiz averiguar os fatos, assim como as circunstâncias dos fatos, que, examinadas, estarás a salvo. A poesia nasce sob a inspiração de um espírito sereno: meus dias estão turvados com súbitas desgraças. A poesia exige o sossego e o ócio do escritor: sou joguete do mar, de ventos, de rigoroso inverno. Toda inquietação (me) afasta da poesia: eu, desvairado, imagino desde já que uma espada hesitará em perfurar minha garganta. Um juiz imparcial admirará também isto que faço, e vai ler quaisquer escritos meus com indulgência. Dá-me um Homero e cerque-o de tantos infortúnios; tão grandes males destruiriam todo o seu gênio.
 
Finalmente, ó livro, não te preocupes com a opinião pública, lembra-te de partir e não tenhas vergonha de haver desagradado, depois de lido. Assim como a sorte não se mostra favorável a mim, a causa da fama não deve te preocupar. Na época da minha prosperidade, eu era tocado pelo desejo da glória e tinha a paixão por ganhar renome. Ora, se não odeio a poesia e a paixão que me prejudicou, isso deve bastar: meu exílio é o fruto do meu talento para a poesia. 
 
Vai enfim, vai por mim, tu, a quem é permitido, contempla Roma. Ah! fizessem os deuses com que eu agora pudesse ser meu livro!
 
Não penses que, chegando estranho a esta imensa cidade, chegas lá desconhecido pelo seu povo; mesmo sem título, só a tua cor te fará reconhecido: mesmo que quisesses encobrir que és meu. Porém, entra secretamente, para que meus versos anteriores não te prejudiquem: não gozam mais do mesmo favor de outrora. Se houver alguém que pense que não devas ser lido, porque és meu, e te rejeite de seu seio, dize-lhe: "Olhe para meu título: não sou mestre de amor: os castigos que mereceu, aquela obra já os sofreu"

Talvez esperas que eu te mande subir ao alto Palatino e ao paço de César. Que aqueles augustos sítios e as suas divindades  me perdoem esta confissão: daquela colina partiu o raio que caiu sobre minha cabeça. Certamente, lembro que divindades muito benevolentes estão naqueles sítios, mas temos os deuses que me prejudicaram. A pomba ferida pelas tuas garras, ó falcão, fica aterrorizada com o mínimo ruído de tua asa. Se uma ovelha foi arrancada dos dentes de um lobo voraz, não ousa afastar-se para longe dos apriscos. Faetonte evitaria o céu, se vivesse, e não quereria conduzir os cavalos que desejara loucamente. Confesso também que temo as armas de Júpiter, que já senti: acho que sou atingido pelo fogo funesto, quando troveja. Qualquer barco da frota argólica evita o promontório Cafaréu, desvia sempre as velas ds águas eubóicas. E minha barca, uma vez golpeada por grande tempestade, tem horror a ir àquele local, onde foi avariada. Portanto, querido livro, considera com espírito prudente que te baste seres lido por gente comum. Enquanto Ícaro  procurava atingir as alturas com asas muito fracas, deu nome ao mar Icário. Contudo, é difícil aqui dizer se deves usar os remos ou as velas: o tempo e o lugar servirão de guias. Se puderes apresentar-te nas horas de lazer; se te parecer tudo tranquilo; se a ira tiver abrandado sua violência; se houver alguém que, ensinando-te quando te achares indeciso e tímido de se expor, e antes fale pouco, vai em frente! Em boa hora e com mais sorte do que eu, teu dono, chegarás ali e aliviarás meus infortúnios. Com efeito, ou ninguém, ou quem me feriu pode sozinho curar minhas feridas, à maneira de Aquiles . Apenas, toma cuidado para que não me prejudiques, enquanto queres me servir; pois minha esperança é menor do que o temor de meu espírito. Acautela-te para que a ira provocada e que dormia não recrudesça e tu não constitua outro motivo de castigo. 
 
Todavia, quando fores recebido em meu santuário, e chegares ao teu escrínio circular, tua morada, verás ali, depositados em ordem, teus irmãos, para todos os quais se trabalhou sem descanso com o mesmo cuidado. O grupo restante trará na fronte descoberta seus títulos. Verás longe três livros  que se ocultam num lugar escuro: também ensinam a amar, o que ninguém ignora. Ou tu os evitarás, ou, se tiveres coragem suficiente de nomear, dá-lhes as denominações de Édipo e Telégono ¹. E exorto, se tens alguma afeição por teu pai, que a nenhum dos três ames, embora ele próprio ensine (a amar). 
 
Há também quinze livros da "Metamorfose", versos há pouco arrebatados de meus funerais: encarrego-te de dizer-lhes ser possível representar, entre essas metamorfoses, a figura da minha sorte. Porquanto ela, subitamente, se tornou diferente da anterior: outrora foi alegre, agora é deplorável. 
 
OVÍDIO ENTRE OS CITAS(1859),  por Eugène Delacroix,  mostra o poeta vestido de branco em meio a figuras armadas e uma paisagem parda e entediante
Se desejas saber, certamente eu tinha mais coisas para te recomendar; mas receio ter sido a causa de retardar tua partida. E se levasses contigo todas as coisas que me vêm à mente, seria um pesado fardo para quem tiver de te levar. O caminho é longo; apressa-te: minha morada será nos confins do orbe, numa terra distante da minha Urbe.


III. NOTAS EXPLICATIVAS
 
¹ Os próximos versos de Ovídio deste parágrafo descrevem o processo que era utilizado para confeccionar livros em sua época. Inicialmente, cabe esclarecer que na Antiguidade o processo de carregar registros importantes era através de tabuletas ou placas de argila, pedra, barro, madeira e outros materiais. Mais tarde, principalmente no Egito, surgiu uma nova forma de imprimir a história. Cyperus papyrus é o nome da planta egípcia da qual, a partir do seu talo, eram extraídas as folhas de papiro.
A produção de livros de papiro foi impulsionada no século III a.C. com a criação da biblioteca de Alexandria. As obras eram tão importantes que, durante o Império Romano, os livros eram alvos constantes de saques, durante as guerras. 
Segundo [PRATA, 2007, 121, nota 1, apud POLI, 1944]
o livro era composto de folhas de papiro, tratadas com óleo de cedro para serem conservadas e tingidas de amarelo, enroladas em cilindros, cujas extremidades chamavam-se “cornos”. Esses, feitos de marfim, osso ou madeira, eram brancos e serviam de adornos; por isso, algumas vezes eram pintados com cores vivas. As “frontes”, conforme Paoli (1944, p. 169), eram as margens extremas do rolo de papiro e, como não eram coladas, podiam facilmente se desfiar. Contudo, eram polidas cuidadosamente com a pedra-pomes para tirar toda a descontinuidade e desigualdade. Também havia o costume de tingi-las com cores vivas ou cor negra, pois eram como que a “capa” do livro, em cuja extremidade superior se escrevia o nome do autor e do título da obra.
Apesar do grande sucesso, o papiro logo cedeu seu lugar na história dos livros para um novo formato. Passados dois séculos depois do processo descrito por Ovídio, o códice deu origem ao processo de encadernação. Códice nada mais era do que um livro em material mais durável, que permitia escrever de ambos os lados da folha, dobrá-la e costurá-la, formando cadernos. A encadernação só foi possível após a substituição do papiro pelo pergaminho. A principal diferença entre o pergaminho e o papiro é que enquanto este era impresso em vegetais, o pergaminho era uma técnica de escrita feita de pele curtida de animais (principalmente cabra ou cordeiro). 
Junto com o pergaminho, chegamos à Idade Média. É nessa época dos mosteiros medievais que os livros em pergaminhos ganham notoriedade, sendo a forma mais utilizada de difusão do livro. É nessa época também que surgem o manuscrito e o trabalho do copista. Na verdade, um justifica a existência do outro. Os livros medievais eram produzidos, principalmente, nos mosteiros, com objetivo de difundir a cultura clássica. Os livros eram escritos totalmente à mão, por isso o termo "manuscrito". E os livros eram copiados um a um pelos monges (copistas) e cada cópia representava um exemplar único. O sucesso do manuscrito chegou aos âmbitos laicos, como universidades. O pergaminho foi perdendo espaço até o aparecimento da imprensa no século XV. Mas, um século antes, outro fator seria determinante: por conta da influência árabe na Europa, o pergaminho começou a ser trocado pelo papel
Cf. PAOLI, Ugo Enrico: URBS: LA VIDA EN LA ROMA ANTIGUA, 1944.

² Ovídio revela-se ambíguo ao utilizar o termo , que pode se referir tanto ao livro como prolongamento do autor quanto ao pé métrico, isto é, à unidade rítmica do poema. 
Na Antiguidade, o poeta recitava seus poemas acompanhado de lira ou marcando o ritmo com o pé, de onde lhe veio o nome. O pé compõe-se de duas ou mais sílabas. Os tipos mais frequentes (básicos) são:
Troqueu – pé formado por uma sílaba longa e uma breve;
Iambo ou jambo – formado por uma sílaba breve e uma longa;
Dátilo – formado por uma sílaba longa e duas breves;
Anapesto – formado por duas sílabas breves e uma longa.
 
³ Neste verso  Si quis, ut in populo, nostro non immemor illi Ovídio alude sutilmente à sua obra anterior, Ars Amatoria (A Arte de Amar), cujo verso inicial é Si quis in hoc artem populo non novit amandi (Se existir alguém que, em meio a esta gente, não conheça a arte de amar [...])

Ovídio refere-se a seu livro A Arte de Amar, obra que foi retirada das bibliotecas públicas por ser considerada indecente.

O palácio de Augusto foi edificado sobre o Monte Palatino em Roma, onde já se encontravam vários templos de deuses protetores, como Júpiter ou Jove, sua esposa Juno, Apolo que também esteve presente na religiosidade romana com o mesmo nome, etc.

Eis a versão de Ovídio para o mito. Durante muito tempo, Faetonte ou Faéton desconheceu a identidade de seu pai verdadeiro (o Sol ou Hélio), pensando ser Mérope, e, quando sua mãe Climene lhe contou a verdade, Faetonte se dirigiu ao palácio de Hélio para perguntar-lhe se o que sua mãe lhe contara era verdadeiro. Hélio confirmou a versão de Climene e, para que não restassem dúvidas, jurou que faria qualquer desejo do filho. Então, este pediu para conduzir o carro do pai ou carro de fogo, como prova de sua filiação, o que lhe foi concedido. Faetonte lançou-se à aventura. Depois de quase esbarrar nas constelações, queimou a Terra e evaporou a água com o calor que emanava do carro. Perante um grito de desespero da Mãe Terra, Jove lançou um raio que precipitou Faetonte nas águas do rio Erídano (identificado por Políbio como o rio Pó, no norte da Itália.

Ícaro é filho de Dédalo e de uma escrava de Minos, chamada Náucrate. Expulso de Atenas por matar o seu sobrinho Pérdix, Dédalo refugiou-se na ilha de Creta junto ao rei Minos. Após a morte do Minotauro, Dédalo e seu filho Ícaro ficaram presos no labirinto. Decidiram então fabricar asas para poderem sair de lá. Depois de prontas, Dédalo recomendou a Ícaro que voasse próximo a ele. Ícaro, esquecendo-se da recomendação, voou muito alto em direção ao sol e a cera que unia as penas derreteu, levando-o a cair no mar Egeu, afogando-se na área que hoje leva o seu nome, o mar Icário, perto de Icária, uma ilha a sudoeste de Samos.

Na mitologia grega, Télefo, filho de Hércules e da sacerdotisa Auge, desempenhou um importante papel na Guerra de Tróia. Aparentemente, foi abandonado por sua mãe e recolhido por uns pastores. Quando chegou à idade adulta, retornou à Mísia em busca de seus pais. Ali reinava Teutras, que prometeu a Télefo a mão de sua filha e seu reino, caso vencesse o inimigo, os Gregos.
Na tomada de Mísia foi ferido por Aquiles. Os Gregos, por um oráculo que fazia depender de Télefo o resultado da Guerra de Tróia, convenceram Ulisses a ajudá-los. Télefo se curou com um remédio feito com a ferrugem da lança de Aquiles e contribuiu para a vitória dos Gregos.
Através dessa alusão, Ovídio compara-se a Télefo, bem como associa Augusto a Aquiles: para Ovídio, Augusto seria a única pessoa que poderia livrá-lo do exílio, uma vez que fora ele mesmo quem lhe infligira tal pena.

São os três livros que compõem A Arte de Amar.

¹ Édipo, filho de Jocasta e de Laio, matou o pai sem saber; Telégono, filho mais novo de Ulisses e de Circe, também matou o seu pai Ulisses de forma não intencional. Telégono, tendo sabido por Circe quem era seu pai, partiu à procura de Ulisses. Desembarcou em Ítaca e começou a devastar os rebanhos que encontrava. O velho e alquebrado herói saiu em socorro dos pastores, ocasião em que foi morto pelo filho. Quando este tomou conhecimento da identidade de sua vítima, chorou amargamente e, acompanhado de Penélope e Telêmaco, transportou-lhe o corpo para a ilha de sua mãe Circe. Lá a senhora da ilha de Eéia fez com que Telégono desposasse Penélope, e ela própria, Circe, se casou com Telêmaco.
No poema, Ovídio compara A Arte de Amar a esses dois personagens (Édipo e Telégono), visto ser essa obra considerada aqui como causa, não intencional, do exílio, que é para os romanos uma espécie de morte em vida, pois implica perda de direitos civis, públicos e institucionais.
 
 
IV.  TEXTO LATINO
 
Liber I, Elegia prima
 
Parve – nec invideo – sine me, liber, ibis in urbem: 
ei mihi, quod domino non licet ire tuo! 
vade, sed incultus, qualem decet exulis esse; 
infelix habitum temporis huius habe. 
nec te purpureo velent vaccinia fuco – 
non est conveniens luctibus ille color – 
nec titulus minio, nec cedro charta notetur, 
candida nec nigra cornua fronte geras. 
felices ornent haec instrumenta libelos: 
fortunae memorem te decet esse meae. 
nec fragili geminae poliantur pumice frontes, 
hirsutus sparsis ut videare comis. 
neve liturarum pudeat; qui viderit illas, 
de lacrimis factas sentiat esse meis. 
vade, liber, verbisque meis loca grata saluta: 
contingam certe quo licet illa pede. 
siquis, ut in populo, nostri non inmemor illi, 
siquis, qui, quid agam, forte requirat, erit: 
vivere me dices, salvum tamen esse negabis; 
id quoque quod vivam, munus habere dei. 
atque ita tu tacitus – quarenti plura legendus – 
ne, quae non opus est, forte loquare, cave! 
protinus admonitus repetet mea crimina lector, 
et peragar populi publicus ore reus. 
tu cave defendas, quamvis mordebere dictis; 
causa patrocinio non bona peior erit. 
invenies aliquem, qui me suspiret ademptum, 
carmina nec siccis perlegat ista genis, 
et tacitus secum, ne quis malus audiat, optet, 
sit mea lenito Caesare poena levis. 
nos quoque, quisquis erit, ne sit miser ille, precamur, 
placatos miseris qui volet esse deos; 
quaeque volet, rata sint, ablataque principis ira 
sedibus in patriis det mihi posse mori. 
ut peragas mandata, liber, culpabere forsan 
ingeniique minor laude ferere mei. 
iudicis officium est ut res, ita tempora rerum 
quaerere. quaesito tempore tutus eris. 
carmina proveniunt animo deducta sereno; 
nubila sunt subitis tempora nostra malis. 
carmina secessum scribentis et otia quaerunt; 
me mare, me venti, me fera iactat hiems. 
carminibus metus omnis obest; ego perditus ensem 
haesurum iugulo iam puto iamque meo. 
haec quoque quod facio, iudex mirabitur aequus, 
scriptaque cum venia qualicumque leget. 
da mihi Maeoniden et tot circumice casus, 
ingenium tantis excidet omne malis. 
denique securus famae, liber, ire memento, 
nec tibi sit lecto displicuisse pudor. 
non ita se nobis praebet Fortuna secundam, 
ut tibi sit ratio laudis habenda tuae. 
donec eram sospes, tituli tangebar amore, 
quaerendique mihi nominis ardor erat. 
carmina nunc si non studiumque, quod obfuit, odi, 
sit satis; ingenio sic fuga parta meo. 
tu tamen i pro me, tu, cui licet, aspice Romam. 
di facerent, possem nunc meus esse liber! 
nec te, quod venias magnam peregrinus in urbem, 
ignotum populo posse venire puta. 
ut titulo careas, ipso noscere colore; 
dissimulare velis, te liquet esse meum. 
clam tamen intrato, ne te mea carmina laedant; 
non sunt ut quondam plena favoris erant. 
siquis erit, qui te, quia sis meus, esse legendum 
non putet, e gremio reiciatque suo, 
“inspice” dic “titulum. non sum praeceptor amoris; 
quas meruit, poenas iam dedit illud opus.” 
forsitan expectes, an in alta Palatia missum 
scandere te iubeam Caesareamque domum. 
ignoscant augusta mihi loca dique locorum! 
venit in hoc illa fulmen ab arce caput. 
esse quidem memini mitissima sedibus illis 
numina, sed timeo qui nocuere deos. 
terretur minimo pennae stridore columba, 
unguibus, accipiter, saucia facta tuis. 
nec procul a stabulis audet discedere, siqua 
excussa est avidi dentibus agna lupi. 
vitaret caeleum Phaëton, si viveret, et quos 
optarat stulte, tangere nollet equos. 
me quoque, quae sensi, fateor Iovis arma timere: 
me reor infesto, cum tonat, igne peti. 
quicumque Argolica de classe Capherea fugit, 
semper ab Euboicis vela retorsit aquis; 
et mea cumba semel vasta percussa procela 
illum, quo laesa est, horret adire locum. 
ergo cave, liber, et timida circumspice mente, 
ut satis a media sit tibi plebe legi. 
dum petit infirmis nimium sublimia pennis 
Icarus, aequoreas nomine fecit aquas. 
difficile est tamen hinc, remis utaris an aura, 
dicere: consilium resque locusque dabunt. 
si poteris vacuo tradi, si cuncta videbis 
mitia, si vires fregerit ira suas, 
siquis erit, qui te dubitantem et adire timentem 
tradat, et ante tamen pauca loquatur, adi. 
luce bona dominoque tuo felicior ipso 
pervenias illuc et mala nostra leves. 
namque ea vel nemo, vel qui mihi vulnera fecit 
solus Achilleo tollere more potest. 
tantum ne noceas, dum vis prodesse, videto – 
nam spes est animi nostra timore minor – 
quaeque quiescebat, ne mota resaeviat ira 
et poenae tu sis altera causa, cave! 
cum tamen in nostrum fueris penetrale receptus, 
contigerisque tuam, scrinia curva, domum, 
aspicies illic positos ex ordine fratres, 
quos studium cunctos evigilavit idem. 
cetera turba palam titulos ostendet apertos, 
et sua detecta nomina fronte geret; 
tres procul obscura latitantes parte videbis, – 
 sic quoque, quod nemo nescit, amare docent. 
hos tu vel fugias, vel, si satis oris habebis, 
Oedipodas facito Telegonosque voces. 
deque tribos, moneo, si qua est tibi cura parentis, 
ne quemquam, quamvis ipse docebit, ames. 
sunt quoque mutatae, ter quinque volumina, formae, 
nuper ab exequiis carmina rapta meis. 
his mando dicas, inter mutata referri 
fortunae vultum corpora posse meae. 
namque ea dissimilis subito est effecta priori, 
flendaque nunc, aliquo tempora laeta fuit. 
plura quidem mandare tibi, si quaeris, habebam, 
sed vereor tardae causa fuisse morae; 
et si quae subeunt, tecum, liber, omnia ferres, 
sarcina laturo magna futurus eras. 
longa via est, propera! nobis habitabitur orbis 
ultimus, a terra terra remota mea.



V. BIBLIOGRAFIA

 
AVELLAR, Júlia Batista Castilho de: O livro-poeta e o poeta-livre: jogo de personae nos Tristia, de Ovídio, dissertação de Mestrado em Estudos Literários da Faculdade de Letras da UFMG, 2014, 25 p. (publicada in Caletroscópio - ISSN 2318-4574 - Volume 2 / nº 3 / jul/dez 2014.
 
BRAGA, Francisco José dos Santos: Autobiografia e exílio do poeta latino Ovídio, post publicado no Blog do Braga em 31/10/2017.
 
GANNIER, Odile:  Lettres d'exil: un long chemin des Tristes et des Pontiques, d'Ovide à Marie Darrieussecq, paru dans Loxias-Colloques, 13. Lettres d'exil. Autour des Tristes et des Pontiques d'Ovide.
 
NASO, Publius Ovidius: TRISTIUM. 2ª edição. Tradução literal de Augusto Velloso. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1952.
 
PANCKOUCKE, C. L.F.: OEUVRES COMPLÈTES D'OVIDE, nova tradução por M.A. Vernadé, tomo IX, 1834, 424 p.
 
OVIDE: OEUVRES CHOISIES - LES TRISTES, Paris: Librairie Garnier Frères, 1861, tradução de Émile Pessonneaux reprenant Armand-Balthasard Vernadé
 
PRATA, Patrícia: O caráter intertextual dos TRISTES de Ovídio: Uma leitura dos elementos épicos virgilianos, tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, como um dos requisitos para a obtenção de Doutora em Linguística, na área de Letras Clássicas, 2007, 421 p. (publicada na revista Sínteses, vol. 8, p. 345-362, 2003)

sexta-feira, 21 de julho de 2023

RECUPERE SEU LATIM > > PARTE 17: “TUDO MEU CARREGO COMIGO”

Por Francisco José dos Santos Braga

 
O pensamento estóico, como o de todas as escolas filosóficas gregas, ultrapassa amplamente o quadro daquilo que entendemos hoje por filosofia. Seu objeto é permitir que o homem atinja a felicidade por meio de uma ascese fundada no conhecimento. O estoicismo não é uma religião. Desprovido de ritos, de culto, de mitos e de revelação, ele se constrói sobre a razão. (...) A filosofia é, para nós, um sistema teórico, uma grade interpretativa. Os Antigos esperavam dela outra coisa, totalmente diferente. Não se tratava, para eles, de fornecer ferramentas de análise para o simples prazer de compreender, mas, antes de tudo, de, por meio dela, chegar a construir um modelo de vida e, portanto, de propor um caminho para a felicidade. Essa felicidade, que desde muito tempo desertou o campo de filosofia, constituía o seu ponto central para os Gregos. Em seu percurso ocidental, a filosofia é encontrada, seja investida, seja limitada pela religião, por tudo o que se refere à prática ou aos fins últimos. Sua laicização contemporânea a deixou um pouco desarmada. Depois de séculos de simbiose, de liberdade vigiada ou de hostilidade disfarçada em sua relação com a religião, a filosofia tem dificuldade para conceber a possibilidade de uma palavra autônoma sobre o homem que lhe permita pensar a si mesmo sem se reduzir, abrindo-lhe uma via ao mesmo tempo prática e racional para a liberdade. (...)
DUHOT, Jean-Joël: Epicteto e a Sabedoria Estóica, São Paulo: Edições Loyola, 2006, pp. 55-6. 

Filósofo Bias, de Priene

 

Três anedotas ensinam que a riqueza interior é a única que não pode ser tirada de nós, enquanto o que parece ser um grande poder é uma fonte de preocupação e infelicidade. Vejamos o que relatam dois filósofos estóicos e um historiador, todos latinos:

1) Marco Túlio CÍCERO: Paradoxos dos Estóicos, Paradoxo I, cap. I, 8-10

Quamobrem irrideat si quis vult: plus apud me vera ratio valebit quam vulgi opinio: neque ego umquam bona perdidisse dicam, si qui pecus aut supellectilem amiserit, nec non saepe laudabo sapientem illum, Biantem, ut opinor, qui numeratur in septem; cuius quom patriam Prienam cepisset hostis ceterique ita fugerent, ut multa de suis rebus asportarent, cum esset admonitus a quodam, ut idem ipse faceret, 'Ego vero', inquit, 'facio; nam omnia mecum porto mea.' Ille haec ludibria fortunae ne sua quidem putavit, quae nos appellamus etiam bona. Quid est igitur, quaeret aliquis, bonum? Si, quod recte fit et honeste et cum virtute, id bene fieri vere dicitur, quod rectum et honestum et cum virtute est, id solum opinor bonum.
 
Minha tradução: E assim, mesmo que alguém queira zombar disso, contudo a razão certa valerá mais para mim do que a opinião da plebe: nem eu jamais direi que terá perdido bens, aquele que tiver perdido o rebanho ou a mobília; nem deixarei de louvar, muitas vezes, aquele sábio, Bias, que, como penso, conta-se entre os sete. Quando o inimigo tomou Priene, a sua pátria, e os demais fugiram carregando muito das suas coisas, ao ser exortado por alguém a ele próprio fazer o mesmo, dizia: “Eu, de fato, estou fazendo-o: pois todas as minhas posses carrego comigo”. [9] Decerto, ele não considerava como sua propriedade esses joguetes da fortuna, os quais nós ainda chamamos de “bens”. Alguém perguntará: o que é, então, o bem? Se dizemos, com razão, ser bem feito algo que se faça de forma correta, honesta e com virtude, sou de opinião que somente o que é correto, honesto e com virtude é um bem.

Comentários
1) "Os sete sábios” (οἱ ἑπτὰ σοφοί) é o epíteto dado a algumas figuras gregas lendárias, que teriam vivido entre 620 e 550 a.C, e que se destacaram não somente pela excelência do caráter e pela agudeza da mente. A lista dos sete varia de acordo com os diferentes autores, mas todos incluem Sólon, Tales, Pítaco de Mitilene e Bias de Priene. Algumas das máximas a eles atribuídas, como “nada em excesso”, “conhece-te a ti mesmo” parece terem inculcado na cultura grega (e depois romana) as noções de submissão, piedade e virtude. Algumas dessas máximas foram inscritas no templo de Apolo em Delfos. 
2) Paradoxa Stoicorum, primeira obra propriamente filosófica de Cícero (ca. 46 a.C.). O texto revela um exame dos princípios da filosofia helenística – especialmente do Estoicismo –, corrente em Roma em meados do século I a.C.; quanto à forma, o texto parece seguir os princípios gerais da dispositio oratoria; daí, os Paradoxos dos Estóicos aparecerem em meio à Oratória de Cícero.
 
Priene foi uma cidade da Jônia localizada no vale do rio Meandro em frente a Mileto, atualmente em território turco na Anatólia Ocidental.

Templo de Atena em Priene - Crédito: Wikipedia

  
2) VALÉRIO MÁXIMO: Memorabília de Fatos e Ditos, Livro VII, 7.2ext3 não só valida, mas também a reelabora a versão de Cícero:
 
Bias autem, cum patriam eius Prienen hostes invasissent, omnibus, quos modo saevitia belli incolumes abire passa fuerat, pretiosarum rerum pondere onustis fugientibus interrogatus quid ita nihil ex bonis suis secum ferret 'ego vero' inquit 'bona omnia mea mecum porto': pectore enim illa gestabat, non humeris, nec oculis visenda, sed aestimanda animo. Nam si bona tua domicilio mentis inclusa habes, quae nec mortalium nec deorum manibus labefactari queunt, ea ut tibi manenti praesto sunt, ita fugienti non deserunt.  
 
Minha tradução: Depois que os inimigos tinham invadido sua pátria Priene, enquanto todos (pelo menos os que a selvageria da guerra tinha permitido escaparem ilesos) estavam fugindo equipados com o peso de seus bens preciosos, Bias, indagado sobre a razão por que não estava carregando nenhum de seus bens consigo, disse: "De fato, os meus bens eu carrego todos comigo", pois ele estava levando-os em seu coração, não sobre os ombros, não para serem vistos pelos olhos, mas para serem estimados pelo espírito. Pois, se teus bens manténs fechados na morada do pensamento, esses não podem ser danificados nem pelas mãos dos mortais nem pelas dos deuses e como estão sempre à disposição de quem fica parado, da mesma forma não abandonam o que foge.
 
Comentário
1) Valério Máximo foi um historiador latino do século I a.C. e d.C., autor de nove livros intitulados Memorabília de Fatos e Ditos, compêndio de relatos extraídos de diversos autores. Essa compilação conheceu enorme sucesso tanto na Antiguidade quanto na Idade Média.
  
3) SÊNECA: Epístolas Morais 9.18-19 coloca o célebre dito em boca de outro personagem, o filósofo Stilpon (380-300 a.C.), cuja autossuficiência e firmeza são marcantes:
 
Hic enim capta patria, amissis liberis, amissa uxore, cum ex incendio publico solus et tamen beatus exiret, interroganti Demetrio, cui cognomen ab exitio urbium Poliorcetes fuit, num quid perdidisset, 'omnia' inquit 'bona mea mecum sunt'. Ecce vir fortis ac strenuus! ipsam hostis sui victoriam vicit. 'Nihil' inquit 'perdidi': dubitare illum coegit an vicisset. 'Omnia mea mecum sunt': iustitia, virtus, prudentia, hoc ipsum, nihil bonum putare quod eripi possit. 
 
Minha tradução: Pois quando sua pátria foi capturada, seus filhos e esposa perdidos, e Stilpon estava se afastando da calamidade pública sozinho e ainda transmitindo felicidade, Demétrio (cujo apelido era Poliorcetes, depois de sua destruição de cidades) perguntou-lhe se ele havia perdido alguma coisa. Ele disse: "Todos os meus bens estão comigo." Eis um homem forte e valoroso! Ele foi vitorioso sobre a vitória de seu inimigo. "Não perdi nada", disse ele: isso fez Demétrio duvidar se realmente havia conquistado. "Todos os meus bens estão comigo": a justiça, a virtude, a prudência, o próprio fato de não considerar nada um bem que pudesse ser arrebatado.
 
Comentários:
1) Stilpon, discípulo do cínico Diógenes.
2) Demétrio I da Macedônia (falecido em 283 a.C.), filho de um general de Alexandre, o Grande, travou várias guerras no decadente império de Alexandre; daí, Poliorcetes ou "sitiante de cidades" foi o epíteto que Demétrio recebeu, por ser um rei muito violento e muito hábio na guerra de sítio.

quarta-feira, 19 de julho de 2023

SHANGRI-LA: Um paraíso terrestre ou uma prisão mascarada?

Resenha crítica por Nektaría Tcholákou *

Tradução do grego, comentários e bibliografia por Francisco José dos Santos Braga 

Horizonte Perdido (1933), traduzido para o grego por Natássa Varsáki, Atenas: Ed. Jâmblico, 2001

 

No livro de James Hilton, "Horizonte Perdido", que foi escrito em 1933, é apresentada uma comunidade ideal de pessoas localizada em um vale idílico isolado no Tibete. 

Este romance em particular foi transformado em filme duas vezes, primeiro em 1937 e depois em 1973, com a atriz Olivia Hussey, conhecida por seu papel na premiada série de Franco Zeffirelli, Jesus de Nazaré, interpretando a Virgem Maria. ¹

Enquanto os companheiros permanecem no mosteiro ², eles descobrem as belezas do lugar e visitam a pitoresca aldeia do Vale da Lua Azul, como eles o chamam, impressionados com a encantadora paisagem natural que o envolve. O modo de vida das pessoas causa um impacto emocional em Conway, que, tendo experimentado os horrores da Primeira Guerra Mundial em sua juventude, deseja passar o resto de seus dias na paz e tranquilidade do mosteiro. Isso, no entanto, não se aplica a seu jovem colega e amigo, Mallinson ³, que insiste desde o início em que deixem o mosteiro e voltem o mais rápido possível para seus entes queridos que os aguardam ansiosamente. 

Depois de algumas semanas, é combinado o encontro de Conway com o homem no topo da hierarquia em Shangri-La , o Grande Lama. O ex-monge capuchinho, padre Perrault, conta a ele a história de sua chegada ao mosteiro, bem como o modo de vida dos monges e dos habitantes do vale. Em seguida, revela a ele que, graças ao estudo duradouro de exercícios místicos de ioga e uma erva medicinal que cresce exclusivamente na área, eles conseguiram desacelerar o fluxo do tempo e alcançar uma longevidade extraordinária de séculos, com juventude e vigor perpétuos.

Os habitantes de Shangri-La, sob a supervisão e governo do grande Lama, a quem atribuíram poderes divinos, estão completamente isolados do mundo exterior e não têm permissão de deixar a segurança de seu vale. Mesmo no caso de que alguém ousasse uma tentativa de fuga, o mais provável seria que não sobrevivesse, pois além da periculosidade da área, que é isolada e inacessível, os sinais do desgaste do tempo seriam imediatamente visíveis em seu frágil corpo mortal. 

Depois de várias reuniões, Perrault encontra coragem para pedir um grande favor a Conway. Acreditando que o mundo exterior em algum momento será inevitavelmente destruído devido a sucessivas guerras e sofrimento humano, ele implora a ele, quando ele próprio falecer, que continue sua visão de fazer de Shangri-La o berço remanescente da cultura e do espírito humanos. 

Conway, terrivelmente perturbado, decide compartilhar essas revelações extremamente importantes com seu amigo Mallinson. Mas este último, depois de tudo o que lhe é contado, se exaspera, dizendo o seguinte:

Quantas coisas você realmente sabe sobre este lugar além das que lhe disseram? Você viu alguns velhos, nada mais. Fora isso, no entanto, tudo o que podemos dizer com certeza é que tem instalações muito boas e parece ser administrado por pessoas instruídas. Como e por que foi fundado, porém, não fazemos ideia e por que querem nos manter aqui, se é que querem, também é um mistério. Tudo isso, porém, não é desculpa para acreditar no primeiro conto de fadas que você ouviu! Afinal, você é uma pessoa em crise. Você hesitaria em acreditar em tudo o que eles diriam, mesmo em um mosteiro inglês. Portanto, não consigo entender por que você se tornou tão crédulo, simplesmente por estar no Tibete! 
Conway, concordando com o argumento lógico de seu amigo, dá a seguinte resposta:
Observação muito inteligente, Mallinson. A verdade é que, quando somos forçados a acreditar em algo sem evidências tangíveis, tendemos para aquilo que mais nos atrai”. 
Nos últimos anos, tem-se falado cada vez mais em "cidades inteligentes", que vão oferecer a quem para aí se mudar uma vida confortável, repleta de comodidades e segurança. Com a ajuda de tecnologia cada vez mais avançada e em conjunto com a promoção da agenda de mudanças climáticas, está sendo feito um esforço para convencer a opinião pública dos benefícios incomparáveis que esse modelo vivo tem a oferecer. Não é por acaso que na Arábia Saudita já se iniciou a construção de uma tal cidade no deserto, chamada NEOM, baseada no modelo de "crescimento sustentável", que de fora terá a aparência de uma linha de 170 km de extensão. Outro exemplo de tal cidade é TELOSA (da palavra grega τέλος que significa "fim"), que será construída em um futuro próximo pelo bilionário Marc Lore, provavelmente em algum lugar do deserto de Nevada, nos Estados Unidos. 

Considerando a escolha da localização onde as cidades acima serão construídas (ou seja, em algum lugar no meio do nada), pode-se perguntar não apenas se alguém será capaz de sair de tal lugar, mas também por quais meios. Se considerarmos o esforço de Mallinson, que, para deixar o mosteiro, desafiou os perigos da viagem e, como resultado, não sobreviveu, parece um empreendimento condenado antecipadamente. 

Além disso, o cultivo de um clima de medo dos últimos anos, via fenômenos naturais extremos, o novo surto de pandemias e todo tipo de “inimigos invisíveis”, bem como a restrição da livre circulação de pessoas, nos fazem perceber com mais facilidade que a escolha do slogan usado durante a pandemia “Fique em casa, fique seguro” não aconteceu por acaso. Portanto, é importante que qualquer nova avaliação de risco seja tratada com cautela e ceticismo. 

Será que as cidades "inteligentes" serão um lugar de felicidade, como Shangri-La, ou simplesmente uma prisão tecnocrática distópica da qual não haverá saída de emergência?
 

A PRISÃO 

Pelo poeta cipriota Cóstas Móntis


 

O pior não é 
que me trancaram nesta prisão
e tiraram as chaves e foram embora, 
mas que não sei até onde vai a minha prisão, 
cujo contorno ignoro, 
para empreender enfim 
como pessoa também eu
uma tentativa de fuga.
 
 
 
II. NOTAS EXPLICATIVAS DO TRADUTOR
 
 
¹  O filme é baseado no livro homônimo de James Hilton.
O diretor do filme de 1937 foi Frank Kapra. 
 

 
O exuberante remake do filme de 1937 saiu em versão musical em 1973 com a produção de Ross Hunter, direção de Charles Jarrott e trilha sonora de Burt Bacharach e Hal David. Apesar de seu excelente elenco (Peter Finch no papel de Richard Conway, Michael York como George Conway, repórter do London Express e irmão mais novo de Richard Conway,  Charles Boyer como Grande Lama, Sally Kellerman como Sally Hughes, Liv Ullmann como Catherine e Olivia Hussey como Maria, etc.), a refilmagem foi um fracasso de bilheteria e crítica.
 

 
Segundo a crítica de roteiros de filmes, Marg Baskin,
Ao escapar da China devastada pela guerra, o avião de um grupo de europeus é sequestrado, sofre uma pane num dos motores e cai no Himalaia, donde são resgatados e levados para o misterioso Vale da Lua Azul, Shangri-La. Escondido do resto do mundo, Shangri-La é um refúgio de paz e tranquilidade para o diplomata cansado do mundo, Richard Conway. Seu ambicioso irmão, George, vê isso como uma prisão da qual ele deve escapar, mesmo que isso signifique arriscar sua vida e destruir a antiga cultura de Shangri-La.
 
²  Mosteiro de lamas (em inglês, lamasery).
 
³  Conway é um cônsul britânico, e Mallinson, seu jovem vice-cônsul.
 
  Embora o autor não explique o significado de Shang, verifiquei que se trata do nome de uma região no oeste do Tibete. Em tibetano, ri significa "montanha" e la quer dizer "passagem". Logo, Shangri-La significaria algo como "passagem da montanha na região de Shang". 
 
Conway fica sabendo que o mosteiro de lamas foi construído na sua forma atual por padre Perrault, natural de Luxemburgo, no início do século XVIII, razão por que imagina corretamente que de fato o Grande Lama já teria completado 250 anos de idade.
 
Costas Montis (1914-2004) foi um autor emblemático do Chipre, nominado para o Prêmio Nobel de literatura em 1984 e nomeado Membro Correspondente da Academia de Atenas, a mais alta honra que a Academia pode conferir a Gregos estrangeiros. 
É muito conhecido não só por sua prosa (coletâneas de novelas, Camelos e outras contos em 1939, Vida Humilde (contos) em 1944, Contos em 1970, Portas Fechadas, romance de 1964, e Afentis Batistas e as outras coisas, romance de 1980, mas igualmente por sua poesia rica de uma dezena de coletâneas). 
Igualmente lindo é seu poema "Os Poetas Gregos":
 
Ελάχιστοι μας διαβάζουν
Ελάχιστοι ξέρουν τη γλώσσα μας 
Μένουμε αδικαίωτοι και αχειροκρότητοι 
Σ’αυτή τη μακρυνή γωνιά 
Όμως αντισταθμίζει που γράφουμε Ελληνικά. 
 
Em minha tradução:
 
Pouco numerosos são os que sabem nossa língua 
Pouquíssimos os que nos lêem 
Vivemos sem que nos tenham feito justiça, sem 
 [aplausos 
Neste recanto afastado, 
Mas isso é compensado por escrevermos em Grego.
 
Fonte: MONTIS, Costas. Obras Completas, tomo 1, Atenas: Apanta, p. 456.
 
 
III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
 
MONTIS, Costas - The official website
 
WIKIPEDIA: verbete Lost Horizon

sábado, 15 de julho de 2023

LIBERDADE, LEMA DO “DIA DE MINAS”

Por Francisco José dos Santos Braga * 
  
A matéria que será lida aqui corresponde, em certa medida, ao espaço correspondente a duas laudas que a redação de um grande jornal concede a um autor externo para comemorar a data cívica a que nós mineiros já nos acostumamos: o 44º aniversário do "DIA DE MINAS" (1979-2022), festejado conjuntamente com o aniversário de 327 anos de Mariana (1696-2023), cellula mater do Estado de Minas Gerais. 
 
A homenagem da comemoração conjunta foi uma honra prestada pelos legisladores mineiros à iniciativa do marianense Dr. Roque José de Oliveira Camêllo, ilustre idealizador da proposta "16 de Julho-Dia do Estado de Minas Gerais". Foi no seio da Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes, em 16 de julho de 1977, durante a sessão comemorativa do 281º aniversário de Mariana, que o Acadêmico Roque Camêllo, grande orador que era, lançou a ideia de se instituir o 16 de julho — então Dia de Mariana — como data cívica estadual, tendo recebido o apoio do então presidente da Casa, historiador Waldemar de Moura Santos, e dos Acadêmicos, bem como, a seguir, o aplauso das Autoridades Municipais e da comunidade marianense. Em seguida, a proposta foi entregue ao governo estadual e à Assembleia Legislativa. Roque Camêllo viu finalmente sua proposta ser coroada de êxito em 19 de outubro de 1979, quando o projeto de lei de iniciativa do deputado Domingos Lannas deu origem à Lei nº 7561, sancionada pelo governador Francelino Pereira dos Santos, instituindo o 16 de Julho como DIA DE MINAS. Eis, resumidamente, como se deu a instituição do DIA DE MINAS. 
 
Agora, sirvo-me deste espaço virtual privilegiado para relembrar com saudade um fato que o advogado e escritor Dr. Roque Camêllo (1942-2017),  cuja carreira inclui ter sido prefeito de Mariana, presidente da Academia Marianense de Letras e Diretor Executivo da FUNDARQ-Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana , costumava inserir em suas tertúlias literárias e pronunciamentos nesta data festiva. Dentre outros fatos históricos, que ele considerava fatores constitutivos de nosso sentimento de mineiridade, ele costumava destacar a Revolução Liberal de 1842. ¹ Advirto os leitores de que careço das qualidades oratórias de Roque Camêllo: sua naturalidade de falar em público, seu estilo elegante e sua capacidade de encantar auditórios com palavras emocionadas e vibrantes que fascinavam qualquer ouvinte. 
 
Apesar disso, permito-me recordar que, no relato de Roque Camêllo, após fazer um retrospecto histórico do "Golpe da Maioridade", que garantiu a ascensão de D. Pedro II ao trono em 23/07/1840, segundo ele, os liberais conseguiram maioria absoluta para a legislatura de 1842, mas foram surpreendidos pela dissolução da futura Câmara, fato que deu ensejo à articulação dos liberais das províncias de São Paulo e Minas Gerais. Na bancada mineira destacavam-se principalmente Teófilo Ottoni e o Cônego José Antônio Marinho. Na província de São Paulo, a revolta eclodiu em Sorocaba na manhã de 17 de maio de 1842, agitação que se estendeu a outras cidades. A rebelião mineira tivera início em 10 de junho de 1842, na cidade de Barbacena, escolhida como sede do governo revolucionário. Na Câmara Municipal dessa cidade, José Feliciano Pinto Coelho, depois Barão de Cocais, foi empossado na presidência revolucionária da província. Os liberais, liderados por Teófilo Ottoni, tinham conseguido a adesão da Guarda Nacional local, depondo o presidente da província. Houve refregas sangrentas nas duas províncias, principalmente em Campinas, Ouro Preto, Queluz, Cataguases, Lagoa Santa e Santa Luzia. Forçados a se render pelo vitorioso Barão de Caxias, Luís Alves de Lima e Silva, futuro Duque de Caxias, a quem coube a repressão das revoltas do Império, os rebeldes mineiros depuseram  suas armas em 20/08/1942. O Cônego Marinho se entregou à prisão e pessoalmente fez sua brilhante defesa no júri de Piranga.
 
Chegamos aqui ao ponto em que Dr. Roque Camêllo de fato bordava seu discurso com as cores mais brilhantes. E na tentativa de recuperar a força expressiva do orador marianense, recorro ao relato de Paulo Pinheiro Chagas, o grande biógrafo de Teófilo Ottoni, sobre o julgamento deste no prédio da antiga Casa de Câmara e Cadeia de Mariana: 
 
Prédio datado do século XVIII da antiga Casa de Câmara e Cadeia de Mariana, 1ª Casa Legislativa de Minas Gerais, sediada na atual PRAÇA MINAS GERAIS
 
[...] A 19 de setembro, reúne-se o júri de Mariana. O promotor recusa doze jurados. Estabelece-se a intriga na formação do conselho. E aterra-se o tribunal com a presença de numerosa força embalada. O velho casarão está repleto. Teófilo Ottoni entra na sala. Sereno, ereto, soberbamente tranquilo. Um pouco mais pálido, apenas. Não obstante o ar, guarda a velha insolência. Impassível, avizinha-se do banco dos réus, mas não se senta. E o tribunal em peso se levanta. Sem embargo das admoestações do presidente, o tribunal conserva-se de pé, enquanto o réu não toma assento. A acusação se desenvolve cerrada, abundante. O réu não tem advogado: fará a própria defesa. E fala. Responde, um por um, aos pontos da acusação. Argumenta sobre a inconstitucionalidade das leis reformistas. Mantém os velhos princípios. Não se desmente, não se nega, não recusa. O conselho de sentença, constituído promiscuamente de liberais e conservadores, delibera. Decifra “com maravilhosa habilidade, os enigmáticos quesitos”. E o réu é absolvido por unanimidade. José Mariano Pinto Monteiro (pai do futuro Senador Bernardo Monteiro), presidente do conselho de jurados, seguido de todos os membros, levanta-se e, sob profunda emoção do tribunal, vem oferecer a Teófilo Ottoni, “a fim de que a conduzisse à sua consorte, a pena com que tinham lavrado e subscrito a sentença”.
Esse julgamento, que a Reação trabalhara com má-fé, aterrando pela força e desonrando pelo suborno, valia por uma página ilustre. Vingava o réu, mas enobrecia os juízes. Era “uma das glórias, uma das maiores belezas do júri”. E era mais do que isso, porque repunha em seu lugar o sentimento da província. Definia a unidade de sua vocação constitucionalista. E ia além, biografando o espírito de seu povo.[...] 
Em suma, Ottoni, preso e processado, fez a própria defesa, foi julgado e absolvido por unanimidade em Mariana, sendo depois beneficiado pela anistia geral decretada pelo Imperador Dom Pedro II em 1844. 

Teófilo Benedito Ottoni (✰ Serro, 1807 - ✞ Rio de Janeiro, 1869). Crédito: Wikipedia.
 
Era desta forma, pouco mais ou menos, que Dr. Roque Camêllo relembrava a Revolução Liberal de 1842, realçando o sentimento de que Minas nasceu da luta pela liberdade o outro nome de Minas é liberdade, como pronunciou o governador Tancredo Neves, no seu  notório discurso de posse em 1981. 
 

 
* Membro da Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes, ocupante da Cadeira nº 23, patroneada por Dr. Roque Camêllo, e Conselheiro Honorário do Instituto Roque Camêllo.


 

II. NOTA EXPLICATIVA

 

¹  Num ensaio anterior que intitulei 16 DE JULHO: O “DIA DE MINAS”, publicado no Blog do Braga em 15/07/2022, identifiquei e analisei outros fatores ou movimentos que resultaram no típico sentimento de mineiridade encontrado no povo mineiro, dois anteriores e dois posteriores ao que é tratado aqui  Revolução Liberal de 1842 , enumerados naquele trabalho na seguinte ordem cronológica: 
1) Guerra dos Emboabas 
2) Conjuração Mineira 
3) Revolução Liberal de 1842 
4) Manifesto dos Mineiros 
5) instituição do Dia de Minas

 

III. REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS

 

BRAGA, Francisco José dos Santos: 16 DE JULHO: O “DIA DE MINAS”, postado em 15 de julho de 2022 no Blog do Braga.
 
______________________________: Falecimento do escritor dr. Roque Camêllo constitui irreparável lacuna na comunidade cultural de Minas e do Brasil. In O ROQUE CAMÊLLO QUE CONHECI (edição idealizada e coordenada por Dr. Mário de Lima Guerra), BH: Gráfica: O Lutador, pp. 9-16, 2019.
 
______________________________: O Roque Camêllo que eu conheci. In ANTOLOGIA DA ACADEMIA DIVINOPOLITANA DE LETRAS - 60 ANOS (edição organizada pelo Acadêmico Arnaldo Júnior), BH: Caravana, pp. 30-39, 2022.
 

CAMÊLLO, Roque J.O.: Mariana - Assim nasceram as Minas Gerais: Uma Visão Panorâmica da História”, Belo Horizonte: Editora Nitro, 2016, lançado em homenagem aos 305 anos da elevação de Mariana à categoria de vila, 231 p. 

___________________: 16 DE JULHO: O DIA DE MINAS” (Discursos, pronunciamentos, ensaios, crônicas e poemas sobre a data constitucional mineira), Belo Horizonte: Editora Lemi S.A., 1991, 254 p.

CHAGAS, Paulo Pinheiro: Teófilo Ottoni: Brasília: "o Homem, o Político, a Obra", 1979 (1ª edição)/2021 (2ª edição), 315 p., nº 12 e-book da série Perfil Parlamentar, Edições Câmara.