Por Vladimiro Giacché
(em artigo no jornal Junge Welt, edição de 03/05/2018)
Traduzido por Francisco José dos Santos Braga
Desde o início da crise, "as más notícias na Grécia eram boas notícias para a Alemanha. Toda referência negativa às evoluções econômicas em Atenas resultava analogamente em taxas de juros mais baixas para títulos do governo alemão. Ao contrário, as taxas de juros da Grécia e de outros países em crise sofriam aumento".
Isso foi escrito num artigo no jornal Junge Welt pelo economista alemão Vladimiro Giacché e membro do Instituto de Pesquisa Econômica Centro Europa Ricerche (CER) em Roma.
"O resultado foi tão favorável ao Tesouro alemão, a ponto de, mesmo no eventual caso de uma falência total da Grécia, o resultado líquido para a Alemanha seria positivo", acrescenta o economista alemão, derrubando a lenda de que os contribuintes alemães supostamente pagariam a crise no Sul da Europa.
Críticos da ordem neoliberal na União Europeia são frequentemente chamados de ‘populistas’. Tomemos, por exemplo, a política de juro zero e o programa de compra de títulos do governo conhecido por Flexibilização Quantitativa (Quantitative Easing - QE) do Banco Central Europeu (BCE). Quantas vezes ouvimos dizer que isso é um presente para os do Sul e um roubo à custa do contribuinte alemão? Quantas vezes foi feita essa acusação ao presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, a fim de reafirmar a necessidade de aumentar o juro e rapidamente pôr fim à flexibilização quantitativa (QE)?
O poupador alemão
Bem, a realidade é outra. "No Instituto de Pesquisa Econômica Centro Europa Ricerche (CER) em Roma, realizamos uma investigação simples em janeiro. Dizia respeito ao cálculo da diferença entre as taxas de juros efetivamente pagas pelos Estados europeus pela sua dívida pública no período 2007-2017 e o montante total que teriam pago, caso as taxas de juros dos títulos nacionais tivessem permanecido constantes, ao nível de 2006 (França 3,9%, Alemanha 4,1%, Itália 4,4%), também nos anos seguintes. Resultado: a Alemanha foi a que mais economizou juros (280 bilhões de euros). Seguem a França (230 bilhões de euros) e a Itália (140 bilhões de euros). A poupança total para a zona do euro é considerável: 950 bilhões de euros. Mas, com mais de 70% deste montante (cerca de 690 bilhões de euros) se beneficiou o chamado núcleo da Europa, enquanto os países periféricos, os chamados PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha), se beneficiaram com menos de 30% da poupança (cerca de 260 bilhões de euros)", destaca Giacché.
A confirmação oficial deste resultado veio em 23 de abril, quando o jornal Handelsblatt publicou o conteúdo de uma resposta escrita da secretária de finanças Bettina Hagedorn (SPD) a uma consulta do político Verde Sven-Christian Kindler, responsável pelas questões orçamentárias. Ainda por cima, o Wirtschaftszeitung publicou “novos dados do Banco Central da Alemanha”. De acordo com seus cálculos, o total acumulado de economias da união monetária aumentou cumulativamente entre 2008 e 2017 para cerca de 1,15 trilhão de euros, montante ainda superior ao calculado pelo Centro Europa Ricerche / CER (possivelmente devido aos diferentes períodos considerados). Mas isso não muda o fato principal: a Alemanha se beneficiou mais da flexibilização de juros, com uma economia acumulada de 294,1 bilhões de euros.
Más notícias são boas notícias
Por detrás desse número não está apenas a política monetária extremamente frouxa do BCE. A história começa mais cedo: com a crise grega. Em 10 de agosto de 2015, o Instituto para Pesquisas Econômicas Leibniz da cidade de Halle (IWH) tinha apontado num parecer de pesquisa que os programas de crédito de 2010 resultaram em um corte significativo nas taxas de juros para o orçamento público alemão. Entre outras coisas, isso aconteceu porque os investidores fugiram para títulos seguros, os chamados "voo para qualidade".
Os pesquisadores do IWH afirmaram: “Más notícias na Grécia eram boas notícias para a Alemanha.” Cada notícia negativa sobre a evolução econômica de Atenas resultou em taxas de juros mais baixas para os títulos do governo alemão, enquanto, ao contrário, eram aumentadas as taxas de juros dos títulos da Grécia e de outros países em crise. O resultado foi tão favorável para os cofres públicos alemães que, mesmo na eventualidade de uma falência total da Grécia, o resultado líquido para a Alemanha teria sido positivo.
O programa QE do BCE foi lançado em 2013 e foi concebido para salvar o euro. Quanto a isso, Marcel Fratzscher, presidente do Instituto Alemão para Pesquisa Econômica (DIW) de Berlim, está certo: "os governos federal, estadual e municipal - e, portanto, os contribuintes também - são os grandes ganhadores das baixas taxas de juros".
A Alemanha foi a mais favorecida, porque os títulos do governo da República Federal da Alemanha foram os mais comprados pelo BCE.
Infelizmente, a ideologia do "zero negro" operada pelo ex-Ministro da Fazenda Wolfgang Schäuble (CDU) - e agora aparentemente confirmada por seu sucessor, Olaf Scholz (SPD) - até agora impediu que esse montante considerável fosse aplicado em gastos sociais e investimento em infra-estrutura.
No entanto, isso é bastante consistente com a estratégia de longo prazo da classe dominante alemã, que insiste em um modelo de exportação baseado na deflação salarial. É o custo dessa política que a maioria dos contribuintes alemães deve, de fato, suportar.
Fonte (em grego): https://kostasxan.blogspot.com.br/2018/05/junge-welt-junge-welt.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed:+blogspot/vhzE+(Ας+μιλήσουμε+επιτέλους!)
Fonte (em alemão): https://www.jungewelt.de/artikel/331848.zinsgewinn-dank-euro-krise.html?sstr=Griechenland
Fonte (em alemão): https://www.jungewelt.de/artikel/331848.zinsgewinn-dank-euro-krise.html?sstr=Griechenland
6 comentários:
Localizei na Internet, em alemão e em grego, um artigo da autoria do economista alemão Vladimiro Giacché, que realizou uma investigação no Instituto de Pesquisa Econômica "Centro Europa Ricerche" (CER) em Roma, chegando à conclusão de que a economia alemã ganha quando há más notícias em Atenas, concluindo que a Alemanha tem sido a mais favorecida, porque seus títulos do Tesouro foram os mais comprados pelo Banco Central Europeu. E mais: não só a Grécia, mas também os restantes países periféricos do Sul da Europa, os chamados PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha), não se beneficiam com a união monetária tanto quanto os países que compõem o núcleo da Europa.
Esse estudo do referido economista alemão foi publicado no jornal alemão Junge Welt, edição de 03/05/2018 e, logo, reproduzido pela imprensa grega.
Grato pelo envio. Fernando Teixeira
Caríssimo amigo Braga
Agradecemos pelo envio desta matéria.
Esta é uma questão antiga entre a Alemanha e a Grécia, que leremos com prazer em seguida.
Abraços, de Mario e Beth.
Bom dia. É duro a gente ver que a desgraça de alguns é lucro para outros. Tenham um bom fim de semana.
Abraço.
Professor Braga,
Bastante objetiva essa avaliação de um aspecto financeiro muitas vezes encoberto ou mascarado pelo cipoal das notícias sobre as muitas crises que afetam o mundo capitalista "globalizado". No caso da "pobre" Grécia seriam duas agressões "teutônicas" em menos de um século: os brutais crimes de lesa-humanidade da invasão nazista e este agora, mais sutil ou não sangrento, digamos.
Seja lá como for, muito bom termos acesso a mais esse ponto de vista por intermédio de suas preciosas traduções. Muito grato.
Abraço.
Professor Braga,
Trago ao conhecimento dos seus leitores uma publicação da BBC-Brasil, a respeito da indenização bilionária pleiteada pela Grécia pelo crime de lesa-humanidade cometido pelos Nazistas contra a nação grega, na II Guerra Mundial:
Por que a Grécia quer indenização bilionária da Alemanha pela 2ª Guerra?
Link: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/03/150313_grecia_alemanha_segunda_guerra_fn
Abraço.
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