terça-feira, 4 de janeiro de 2022

PARCERIA JORNALÍSTICA ENTRE FLÁVIO FARNESE E BERNARDO GUIMARÃES


Por Francisco José dos Santos Braga 
Bernardo Guimarães (1825-1884)

"O pesquisador, historiador e escritor Francisco Rodrigues de Oliveira (1932-2021), tendo iniciado sua pesquisa exploratória sobre Flávio Farnese da Paixão Júnior, enviou-me 7 parágrafos, que, após consulta, constatei tratar-se de material extraído de 4 fontes acadêmicas diferentes, bem referenciadas após o texto. Embora não tenha dito claramente, parece que me fazia chegar às mãos esse curto material com a tácita sugestão de que eu, se quisesse, poderia concluir esta pesquisa iniciada, considerando-me mais afeito a estudos históricos, mas não mencionava a razão por que interrompera o seu labor tão cedo. Estaria pouco inspirado para desenvolver o tema? Teria se desinteressado do assunto? Teria descoberto outro tema que atraíra mais a sua atenção? Ou ainda, teria sentido que plantava em terreno fértil, certo de que eu poderia desenvolver a referida pesquisa de maneira bem sucedida após seu pontapé inicial? Ou, finalmente, quem sabe teria concluído por seu lado sua inacabada pesquisa, e tivesse a merecida pretensão de ser organizador de algum livro sobre o tema, recolhendo contribuições de outros estudiosos? Não atinei com a razão, nem questionei-o a respeito. Apenas guardei o material enviado por e-mail que cabia numa folha de papel A-4, apesar de vir seguida por outra folha em branco algo incomum! , aparentemente denotando que ele próprio aguardava uma oportunidade futura de retomar a pesquisa iniciada, expandindo-a dentro de padrões mais bem estruturados. Bem vê o leitor que estamos no terreno movediço das conjecturas. Mas, independente disso, aqui está a prova de que meu saudoso amigo era, de fato, um "homem de boa vontade", com os braços abertos para distribuir seus dons e talentos sem nada pedir em troca. Portanto, por sugestão dele, estou a tratar aqui de outra bela parceria na área jornalística: desta feita, entre Flávio Farnese e Bernardo Guimarães."

 

I. DADOS BIOBIBLIOGRÁFICOS DE FLÁVIO FARNESE 

 

Infelizmente, há muito breves notícias sobre Flávio Farnese na Internet. Nem a Wikipédia, nem a wordpress.com dedicam um espaço privilegiado a este ilustre serrano, redator e cofundador do mais importante periódico que defendia teses republicanas para o Brasil a partir da Côrte: A Actualidade, em meados do século XIX. Apesar da importância de ter sido um dos mais exaltados defensores do Partido Liberal no II Reinado e um intelectual que expunha suas ideias liberalizantes em periódicos de grande circulação, aqui e no estrangeiro, infelizmente está relegado ao esquecimento. Para minha tristeza, dele não consegui nenhuma imagem na Wikipédia, nem mesmo a sua estátua em qualquer parte do Brasil. Não satisfeito com os resultados iniciais, prometo continuar na minha busca. Peço desculpas ao leitor por não poder representar dignamente a parceria entre Bernardo Guimarães e Flávio Farnese através de imagens, na abertura do trabalho. Teria sua morte prematura, aos 35 anos de idade, algo a ver com o olvido de seus concidadãos? Pelo menos, Bernardo Guimarães o homenageou com um celebrado elogio fúnebre, que apresentaremos abaixo. Conforme [SENNA, 1905, 184-5],
"Dr. Flávio Farnese da Paixão Júnior nasceu no Serro em data que ignoramos, mas, provavelmente, entre os anos de 1835-37, e faleceu no Rio de Janeiro a 6 de setembro de 1871. Formado em direito pela Faculdade de São Paulo, em 1856, antigo deputado geral pelo 4º distrito de Minas, na legislatura de 1867-68, e redator do famoso órgão liberal A Actualidade (de 1858-61), na antiga Côrte, ao lado de correligionários seus, como os Drs. Lafayette Rodrigues Pereira, Bernardo Guimarães e Pedro Luiz. Mudando de ideias, Flávio Farnese abraçou o ideal democrático e foi um dos intemeratos fundadores do jornal A República (1871) ¹, no Rio, ao lado de Quintino Bocaiuva, Aristides Lobo e outros. De 1862 a 63, Flávio foi um dos redatores do periódico de propaganda Le Brésil ², em francês, destinado à circulação na Europa, como meio de tornar melhor conhecido o nosso país, no estrangeiro. Poeta modesto, polemista de valor e escritor correto, eis Flávio Farnese, que, dotado de poderosas qualidades intelectuais, era todavia um organismo fisicamente condenado à breve existência, tão franzino, pálido e débil era o seu corpo.
É assim que o Blog Banca da Dóris marca a presença de meninos jornaleiros ou "gazeteiros mirins" pela primeira vez nas ruas da Côrte, retratados mais tarde por Marc Ferrez em preciosas fotos antigas do Rio de Janeiro: 

"Meninos jornaleiros em 1875" por Marc Ferrez - Link: https://pt-br.facebook.com/photo/?fbid=395060180572288&set=meninos-jornaleiros-marc-ferrez  👈

“A Gazeta! O Paidze! O Djornáli do Golmércio! O Prazile! A Tchidade de Rio! A Notizia da Tarde! A Tualidade!” Era essa mistura bem dosada de português e italiano que os transeuntes escutavam nas vias da capital. O ano era 1875. O centro político era a cidade de mil encantos do Rio de Janeiro, o Brasil ainda era Império, e quem lançava aos gritos as manchetes do dia eram os italianos meninos. 
Pobres, recém chegados ao novo canto, longe de seu povo e com necessidade de auxiliar as despesas domésticas, os pequeninos perambulavam pelas calçadas com pilhas de jornais nos ombros. Era preciso ter mais que boa voz e goela, lábia. Ganhavam trocados para o sustento, previamente combinado com algum sujeito importante da redação do jornal. Ou melhor, dos jornais. Com cada um deles, havia um acordo, uma cota por exemplar vendido. 
Aliás, foi com o A Actualidade que essa moda da venda ambulante começou, 50 anos após a imprensa ter sido implantada por essas bandas. Um advogado, Flávio Farnese, um jornalista, Lafaiete Rodrigues Pereira, e por que não? um poeta, Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, tiveram a lucrativa ideia: transformar o jornal “político, literário e noticioso”, num produto como qualquer outro a ser comercializado. Afinal, sua ideologia anti-monárquica deveria atingir o maior número possível de (e)leitores. 
Até o dia 29 de janeiro de 1859, quando o A Actualidade marca sua presença nas ruas, quem quisesse se informar sobre o que acontecia nas terras brasileiras e estrangeiras deveria tornar-se assinante ou estabelecer contato direto com as redações solicitando os papéis cinzentos noticiosos. Manter-se atualizado tinha alto preço que deveria ser pago adiantado. 

[GUIMARÃES, Armelim in Bernardo Guimarães, o romancista da Abolição], no capítulo No "Atualidades", do Rio, subtítulo "Marcou época", assim pontuou a presença do romancista Bernardo Guimarães, um entre outros bacharéis e mineiros célebres:

"O "Atualidade" marcou época no jornalismo brasileiro. 
Segundo Coelho Neto, é daí por diante que a "feição do jornal foi perdendo a austeridade ferrenha, modelando-se pelos principais órgãos franceses, já na parte de informações, já nas seções doutrinárias e de literatura". "Depois do 'Atualidade' , jornal político, do programa adiantadamente liberal, redigido por Lafayette Rodrigues Pereira, Flávio Farnese, Pedro Luís Pereira de Sousa e Bernardo Guimarães, a imprensa, impulsionada pelas idéias, começou a progredir, não só na capital do Império como nas Províncias". ("Compêndio de Literatura Brasileira", 1992, pág. 169). 
Informa José Luís de Almeida Nogueira nas suas clássicas "Tradições e Reminiscências Estudantes, Estudantões, Estudantadas", no 7º volume, págs. 221 e 222: "Essa folha política e literária, na qual também colaborava Bernardo Guimarães, gozou durante certo tempo das auras da popularidade e deveu essa vantagem aos princípios de adiantado liberalismo que doutrinava, ao estilo colorido e empolgante em que era escrita e ao prestígio resultante de pureza da vida pública dos seus jovens e talentosos redatores." 
Há equívoco em supor-se que ele (Bernardo) não passou, então, de simples redator-literário do 'Atualidade'. É certo que, com o seu nome, só apareceram ali produções suas em versos e, sem assinatura alguma, quatro longas críticas". (Basílio de Magalhães, "Bernardo Guimarães", pág. 38). Diz o mesmo autor, mais adiante, nas páginas 39 e 40: "Sei, entretanto, que muitos editoriais políticos do 'Atualidade', tidos como oriundos da pena de Flávio Farnese ou da de Lafayette Rodrigues Pereira, eram realmente da do autor dos "Cantos da Solidão" ³. 
O insigne jurista e conspícuo estadista (Lafayette), que depois presidiu ao Gabinete de 24 de maio de 1883, confessou a amigos, em palestra, depois da morte do escritor ouro-pretano, que não hesitaria em recorrer, muitas vezes, a este, para a elaboração de artigos de grande responsabilidade partidária e que foram estampados nas colunas daquele órgão liberal. E, não obstante a frieza com que (Lafayette) costumava julgar os homens, não vacilava em proclamar, com desusado calor de expressão: "Bernardo Guimarães foi um gênio! Se se entregasse ao estudo, ao trabalho e a uma vida regular, teria assinalado a época em que existiu, porque o seu prodigioso talento tudo supria!" 
Lafayette Rodrigues Pereira, mais conhecido como
Conselheiro Lafayette, ex-Primeiro Ministro do Brasil




O mais notável de Bernardo, nessa intensa fase jornalística, foi o desejo de "meter a lenha com vontade" a expressão é de Antônio de Alcântara Machado, em "O fabuloso Bernardo Guimarães". 
 

II. DADOS BIOBIBLIOGRÁFICOS DE BERNARDO GUIMARÃES 

 

[ZICA, 2007, 1-2] nos apresenta um bom resumo de sua atuação nos meios acadêmico, jornalístico e editorial desde 1852 a 1883:
"Bernardo Joaquim da Silva Guimarães nasceu em 1825 em Ouro Preto e, também nesta cidade, morreu em 1884. Bacharelou-se em Direito em São Paulo em 1852 quando publicou seu primeiro livro de poesias. Foi professor de Filologia e Língua Nacional em Ouro Preto de 1854 a 1858, foi jornalista na Corte de 1859 a 1860 no jornal A Actualidade, onde atuou como redator e crítico literário, foi juiz em Goiás de 1861 a 1863, e, a partir daí, professor de Retórica e Poética em Ouro Preto, Congonhas do Campo e Queluz. Nesta fase ele publicaria seus romances e só pararia em 1883, um ano antes de sua morte. O recorte temporal desta pesquisa, portanto, está diretamente ligado às fontes principais nas quais se baseara: vai de 1852 (primeiro livro publicado) a 1883 (último ano de suas publicações). Quanto ao recorte espacial, ele aqui é definido pela trajetória de vida do autor: Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Goiás. 
Como já foi citado, além de juiz, professor e escritor, Bernardo Guimarães foi também jornalista no Rio de Janeiro de 1859 a 1860. Ele, Flávio Farnese e Lafayette Rodrigues, todos três mineiros, eram os redatores do jornal A Actualidade. Este impresso semanal se apresentava como de oposição, e discutia sobre política, decisões do Império, literatura e legislação. Além de veicular noticias da Corte, publicava também de outras províncias, e, na maioria das vezes, de Minas Gerais. Todos os seus números estão micro-filmados e disponíveis na Biblioteca Nacional, onde tive oportunidade de ler e transcrever vários artigos. 
Sua produção literária (e por mim utilizada):
Maurício ou Os Paulistas em São João D’El Rey. (Primeira ed. 1877); Histórias e Tradições da província de Minas Geraes. (Primeira ed. 1872); Índio Affonso. (Primeira ed. 1873); O Ermitão de Muquém. (Primeira ed. 1869); O Seminarista. (Primeira ed. 1872); O Garimpeiro. (Primeira ed. 1872); A escrava Isaura. (Primeira ed. 1875); Lendas e romances. (Primeira ed. 1871); A ilha maldita. (Primeira ed. 1879); Rosaura, a enjeitada. (Primeira ed. 1883); 
A Voz do Pagé. (peça teatral apresentada em 1860); 
Poesias Completas (1852-1883). Rio de Janeiro: INL, 1959 (Org. Alphonsus de Guimarães Filho); Poesia erótica e satírica (1852-1853). Rio de Janeiro: Imago, 1992 (Org. Duda Machado)."

 

Farnese morreu ainda moço, com 35 anos, no Rio, em 6 de setembro de 1871. Estava Bernardo Guimarães em Ouro Preto, recém-chegado de Congonhas, aonde semanalmente ia para dar aulas no Colégio, quando soube da morte do grande amigo, por quem tinha a maior admiração. Imediatamente sentou-se à escrivaninha e compôs um longo e sentido poema: A MORTE DE FLÁVIO FARNESE, que lhe dedicou como última homenagem, tendo-o recitado ao pé do túmulo, no dia do enterro do seu saudoso amigo, abaixo transcrito. 
 
A MORTE DE FLÁVIO FARNESE 
 
Musa infeliz, ah! que sinistro fado 
Te cinge a fronte de funérea rama, 
E entre sepulcros pranto amargurado 
Hoje a chorar te chama?... 
 
Já não te é dado mais vibrar na lira 
De flores enramada 
As meigas cordas, em que amor suspira, 
Nem por valente vôo arrebatada 
Tecer hinos de glória 
Aos filhos prediletos da vitória, 
Nem por tardes formosas 
À sombra descantar entre os vergéis 
Da natureza as cenas graciosas, 
Das solidões os mágicos painéis. 
Ah! não, que o gênio, que te inspira agora, 
Por sobre as campas entre sombras mora. 
 
Nem mirtos, nem rosais bordam-te as sendas; 
Hoje te obriga inexorável sorte 
A vaguear por entre as mudas tendas 
Dos arraiais da morte. 
A cada instante lúgubre ruído 
De lápida, que tomba, 
A teus ouvidos tétrico ribomba, 
Eterno, último adeus de um ser querido. 
A cada passo um túmulo abalroas 
Nessa, que trilhas, senda tortuosa. 
Não mais canções, só fúnebres coroas 
Cumpre-te hoje tecer com mão saudosa, 
E entre gemidos do sepulcro à borda 
Estalar do alaúde a extrema corda. 
 
Despe os louros, ó musa, e do alaúde 
Arranca a última flor, 
E vem comigo ao pé de um ataúde 
Gemer trenos de dor. 
 
                           *** 
 
Quem é, que nesse chão ali repousa 
À sombra de pacíficos troféus, 
Sob essa simples lousa, 
Sem pompa de soberbos mausoléus?... 
Que nome tão saudoso 
Este arvoredo fúnebre murmura? 
Que eco doloroso 
Do seio dessa fria sepultura 
Aos ouvidos me chega, e triste vibra 
Do coração na mais sentida fibra?... 
É este de Farnese 
O derradeiro, gélido aposento; 
E bem que sobre as cinzas não lhe pese 
Custoso bronze, ou mármore opulento, 
Só esse nome vale um monumento. 
 
Que grande coração, que alma tão nobre 
Perdeu-se ali tão cedo !... 
Quanta esperança morta ali se encobre 
Debaixo desse fúnebre lajedo? 
Quanto anelo viril, que peito forte 
Jaz esmagado pelos pés da morte!... 
Hoje a família, a pátria, a liberdade 
Do ilustre morto a ínclita memória 
Pranteia com saudade 
E aos confins da mais remota idade 
Seu nome recomenda envolto em glória. 
 
A larga testa de palor tingida 
Era bem como lâmpada velada, 
Em que a luz sagrada 
Da inteligência em torno difundida 
Sem ofuscar fulgia derramando 
De sãs idéias o reflexo brando. 
 
De nobre crença apóstolo extremado 
Para guiar o povo entre as tormentas 
O havia Deus fadado. 
Do porvir pelas sendas nevoentas 
O verbo do progresso ele entrevia 
Nesta palavra só Democracia. 
 
Ninguém com mais denodo desfraldara 
A flâmula brilhante 
Da bela causa, que lhe foi tão cara; 
Ninguém mais anelante 
Em liça entrou, e deu com próprio punho 
De sua fé mais amplo testemunho. 
 
Era um atleta; desd'a verde idade 
Lutando sem cessar em liça aberta 
Nos santos arraiais da liberdade 
O vimos sempre alerta. 
Era um atleta, um lidador valente 
Esse, que aí jaz dormindo eternamente.
 
Inda no primo albor da juventude 
O austero moço via com tristeza 
Naufragar da nação toda a virtude 
No charco da baixeza; 
E embaída por pérfidos afagos 
De um poder ominoso 
Da corrução sorver a longos tragos 
O ópio venenoso. 
 
E o leão popular curvado ao solo 
Em perro humilde e vil se convertendo, 
De quem o esmaga, e lhe comprime o colo 
Submisso os pés lambendo. 
 
E os pilotos do estado em fim de contas 
Do validismo à mesa embriagados 
A nau já podre irem jogando às tontas 
Por mares desastrados. 
 
Via a pátria em letargo vergonhoso 
Adormecida à beira de um abismo, 
E a conjurar lançou-se audacioso 
Tão feio cataclismo. 
 
Dos filhos do progresso ei-lo na frente 
Contra o oculto inimigo se revolta, 
E ao perigo, que antolha-se eminente, 
Do alarma o grito solta. 
 
Ei-lo, que se dedica generoso 
De nobre luta às escabrosas lidas; 
Brande da imprensa o facho luminoso 
Ante as turbas dormidas 
Da indiferença na letal modorra. 
Como réstia de luz, que o sol enfia 
Entre as grades de lúgubre masmorra, 
Da frase sua o ardor e a valentia 
Do povo ao coração levou a crença, 
E os gelos derreteu da indiferença. 
 
Audaz empunha o cálamo de ferro, 
E com pujante frase 
Afronta a corrução, fulmina o erro, 
E ataca pela base 
Da autocracia o velho baluarte, 
Que, em mal! inda vigora em tanta parte. 
 
Por seu talento másculo movida 
A pluma se converte em férrea clava, 
Que o servilismo e a corrução trucida, 
E a sepultura ao despotismo cava. 
 
Da inteligência na sublime arena 
Muito ele pelejou; 
E no torpe convício a nobre pena 
Jamais, jamais manchou. 
 
Curto na vida foi o estádio seu; 
O astro refulgente, 
Quando luz dardejava mais ardente, 
Ao tocar no zenith se esvaeceu. 
 
Foi curto o estádio, que correu na vida; 
Foi apenas esplêndida manhã, 
Em prol da pátria rápido volvida 
Em glorioso afã. 
 
Agora à sombra de incruentos louros 
Tranqüilo ele repousa; 
Seu nome inscrito nessa simples lousa 
O recomenda aos séculos vindouros, 
Enquanto nela a pátria e a liberdade 
Vertem gemendo o pranto da saudade. 
 
Descansa pois, amigo; assaz lidaste; 
A vida foi-te só luta e provança; 
Nem um só passo deste sem contraste; 
Amigo meu, descansa. 
 
Perdoa, se o teu sono sempiterno 
Eu vim turbar no fúnebre jazigo... 
Meu pranto aceita de pesar eterno, 
E adeus, querido amigo... 
 
Fonte: GUIMARÃES, B: A morte de Flávio Farnese. In: GUIMARÃES, B. Poesias Completas (1852-1883) (Org. Alphonsus de Guimarães Filho). Rio de Janeiro: INL, 1959, p. 295-298. (Primeira ed. 1876).  

 

III. NOTAS EXPLICATIVAS 

 

¹  Em 3 de dezembro de 1870, saiu o primeiro número do jornal "A República". Ocupando quase toda a primeira página, após uma breve apresentação de qual seria sua bandeira, o jornal, mostrando uma ousadia imensa, trazia, em destaque, um MANIFESTO dedicado AOS NOSSOS CONCIDADÃOS, numa tentativa de convencê-los da necessidade da implantação de um sistema republicano e democrático de governo. A redação do documento é atribuída a Quintino Bocaiúva e Salvador de Mendonça. O Manifesto trazia os nomes de 58 subscritores, entre os quais se destacavam os mineiros Cristiano Benedito Ottoni, Flávio Farnese da Paixão Júnior e Lafayette Rodrigues Pereira.

[MEDINA, 2018, 108-11], sobre o Manifesto de 1870 assim se expressou: 

"é, em geral, tomado como marco do movimento republicano, no Brasil. Antes que esse documento fosse divulgado, no entanto, os ideais que ele expressaria já tinham seus arautos em Minas Gerais. Em 1860, Joaquim Felício dos Santos fundou, em Diamantina, um jornal de tendência republicana. Nos centros mais importantes do Estado, como Juiz de Fora, já se defendia o regime, em contraposição à monarquia, como uma aspiração democrática. O manifesto resultou da articulação dos partidários do novo regime em uma associação, criada no Rio de Janeiro – o Clube Republicano. Sua publicação verificou-se no primeiro número do jornal A República, lançado a 3 de dezembro de 1870. 
A redação do documento é atribuída a Quintino Bocaiúva e Salvador de Mendonça. O manifesto trazia os nomes de 58 subscritores, entre os quais se destacavam os mineiros Cristiano Benedito Ottoni, Flávio Farnese Paixão Júnior e Lafayette Rodrigues Pereira. 
Cristiano Ottoni, irmão de Teófilo Ottoni, como este natural da antiga vila do Príncipe (hoje, cidade do Serro), era um intelectual de grande valor. Engenheiro, especializado em transportes ferroviários, foi o primeiro presidente da Estrada de Ferro Dom Pedro II, depois Estrada de Ferro Central do Brasil. Atuou na política, como deputado e senador e, apesar de suas ideias republicanas, gozava de especial apreço do imperador. Seu ilustre irmão, Teófilo Ottoni, falecera no ano anterior. Se vivo fosse, seria, certamente, um dos signatários do Manifesto. 
Flávio Farnese, também nascido no Serro, era advogado e jornalista, muito ligado a Cristiano Ottoni e a Lafayette. Com este e com o romancista Bernardo Guimarães, fundou, em 1858, no Rio de Janeiro, o jornal A Actualidade, que circulou até 1860. Era um jovem de grande talento, que faleceu cedo, razão por que a posteridade não lhe fixou o nome, diferentemente do que sucedeu com os demais mineiros, subscritores do manifesto, que iriam desempenhar papéis de destaque na vida pública. 
Lafayette era considerado por Rui Barbosa o maior jurisconsulto do seu tempo, já havendo publicado, à época, um dos livros que o consagrariam no meio jurídico, Direitos de Família (que é de 1869), a que se seguiria, em 1877, Direito das Coisas. Era natural da Vila Real de Queluz de Minas (hoje, Conselheiro Lafaiete), onde nascera, a 28 de março de 1834, na Fazenda dos Macacos. 
Questiona-se quanto a saber se Lafayette assinou, efetivamente, o manifesto. Isso porque o grande jurista mineiro, oito anos depois, assumia o cargo de ministro da Justiça, no gabinete Sinimbu e, mais tarde, em 1883, chefiaria o governo, a convite do imperador dom Pedro II, de quem foi sempre amigo, mantendo-se, aliás, fiel a Sua Majestade, mesmo após a queda do Império. Houve quem dissesse, por isso, que Lafayette era o único caso de republicano que se convertera à monarquia... É certo, porém, que o eminente mineiro jamais negou sua concordância com o manifesto, ainda que isso houvesse representado, tão só, uma forma de protesto, na época, contra a destituição, dois anos antes, do gabinete liberal, presidido por Zacarias de Góis e Vasconcelos, sem obediência às praxes do parlamentarismo. (...) 
Com relação ao Manifesto republicano, tudo indica que o próprio imperador não o levou muito a sério. Narra Joaquim Nabuco, na biografia de seu pai, o liberal José Thomaz Nabuco de Araújo, que o então Visconde de São Vicente o insigne jurista José Antônio Pimenta Bueno, futuro Marquês de São Vicente, sucessor de Itaboraí na presidência do Conselho de Ministros, quando da divulgação do manifesto, fez ver ao imperador que, havendo Sua Majestade jurado fidelidade à Constituição monárquica, não poderia prover nos cargos públicos quem tivesse ideias republicanas, sob pena de fortalecer os que se opunham à sua permanência na chefia do Estado, ao que dom Pedro II respondeu, rindo: “Ora, se os brasileiros não me quiserem para seu imperador, irei ser professor”. 
Isso nos induz a crer que, para alguns, a aprovação do manifesto não teve o sentido de uma adesão plena ou definitiva à república. Terá sido, ao menos, o caso de Lafayette Rodrigues Pereira. 
O certo, porém, é que Lafayette, juntamente com Farnese, foi um dos primeiros propagadores das ideias republicanas, por meio do jornal que ambos editavam no Rio de Janeiro, A Actualidade. Segundo Joaquim Nabuco, “A Actualidade fora talvez o primeiro jornal nosso de inspiração puramente republicana. A semente que germinou depois, em meu tempo, foi toda espalhada por ela”. E, à frente do referido periódico, estavam “Farnese, Lafayette e Pedro Luís (Pereira de Sousa), que eram, com Tavares Bastos, os diretores da mocidade liberal”. 
²   O historiador [FONSECA, 1941, 53] dá a notícia de dois jornais dessa época dos quais sabemos muito pouco. O primeiro, publicado entre 1862 e 1863, chama-se Le Brésil, seu editor era Flávio Farnèse, e consta, segundo o autor, um exemplar do mesmo mutilado na Biblioteca Nacional brasileira e ao qual não tivemos acesso em pesquisa presencial. 
 
³  "Cantos da solidão" é uma coletânea de poesias de Bernardo Guimarães, publicada em 1852.
 
ANPUH XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - 2007. In ZICA, Matheus da Cruz: A produção jornalística e literária de Bernardo Guimarães: Educação e Formação da Nação no século XIX, 2007, p. 1-2.
 
 
IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
 
ANPUH XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - 2007. In ZICA, Matheus da Cruz: A produção jornalística e literária de Bernardo Guimarães: Educação e Formação da Nação no século XIX, 2007, 9 p.  
 
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. In MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa:  A POLÍTICA EM MINAS, Belo Horizonte, 2018, 427 p. (Coleção Minas de História e Cultura) 
 
BLOG BANCA DA DÓRIS: Ser jornaleiro é coisa de criança?, post de 25/03/2011.
Link: https://bancadadoris.wordpress.com/   👈

FONSECA, Gondin: Biografia do jornalismo carioca (1808-1908). Rio de Janeiro: Livraria Quaresma, 1941, 416 p.
 
SITE GEOCITIES. In GUIMARÃES, José Armelim Bernardo: Bernardo Guimarães, o romancista da Abolição, livro disponível na Internet. Consultado em 03/01/2022.
Link: http://www.geocities.ws/paulopes.geo/atual.htm  👈
Linkhttp://www.geocities.ws/paulopes.geo/farnese.htm  👈
 
RAPM-Revista do Arquivo Público Mineiro. In SENNA, Nelson Coelho de: Traços Biográficos de serranos ilustres, já falecidos, Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, Ano X, 1905, p. 167-210.  
 
ZICA, Matheus da Cruz: Pedagogos da Nação: reflexões sobre trajetórias e sociabilidades de bacharéis brasileiros a partir do periódico A Actualidade (1859-1861), Universidade Federal do Paraná: Educar em Revista, vol. 33, nº 65, p. 85-101, 2017.
 

8 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Tenho o prazer de trazer ao leitor do Blog do Braga meu ensaio sobre a PARCERIA JORNALÍSTICA ENTRE FLÁVIO FARNESE E BERNARDO GUIMARÃES em periódicos que fizeram expandir o talento de ambos através da sinergia de seus pontos fortes, de que resultaram uma participação intensa e crescente na vida política da Nação, por parte do primeiro, e o desenvolvimento de romances históricos e regionalistas, sempre com a preocupação de retratar os costumes e cenários mineiros e goianos, por parte do segundo.

https://bragamusician.blogspot.com/2022/01/parceria-jornalistica-entre-flavio.html

Cordial abraço,
Francisco Braga

Mario Pellegrini Cupello - Arquiteto, Diplomado em Direito, Escritor, Pres. do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto, Membro da Academia Valenciana de Letras disse...

Caro amigo Braga
Parabéns pelo seu Ensaio sobre a “PARCERIA JORNALÍSTICA ENTRE FLÁVIO FARNESE E BERNARDO GUIMARÃES” uma bela e memorialística pesquisa de uma época, no final do século XIX, quando muitas famílias italianas vieram para o Brasil, tal como minha Família “Cupello”, logo no início do século XX. Também meu pai, Antônio Cupello e meu tio Francisco Cupello, vindos da Italia ainda jovens, iniciaram suas vidas nesse tipo de “ofício”, não como jornaleiros, mas com uma agência de distribuição de jornais na cidade do Rio de Janeiro, e até no interior deste Estado, chegando até a cidade de Valença RJ.
Como você sabe, escrevi um livro sobre meu tio: “Francisco Cupello – A saga de um vencedor”, contando um pouco de sua trajetória de vida bem como a sua presença, também em Valença onde, a seguir, acabou sendo um grande empresário na área de cinematografia, construindo seu primeiro cinema em Valença em 1938 e, mais tarde, possuindo no Brasil uma importante Rede Cinematográfica que chegou a ter 40 cinemas funcionando em vários Estados de nosso País.
Aceite o meu agradecimento e felicitações.
Abraços meus e de Beth.
Mario P. Cupello

Pe. Sílvio Firmo do Nascimento (professor, escritor e editor da Revista Saberes Interdisciplinares da UNIPTAN e membro da Academia de Letras de SJDR) disse...

Muito bom!

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Bravo!

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga
Importante análise e levantamento sobre esses personagens que nos remetem à história do Jornalismo brasileiro - num momento ainda "heróico" de sua trajetória, imediatamente anterior à sua consolidação como "indústria" - e às suas relações com a Literatura.
Grato. Saudações

Cupertino

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e membro da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Grato pelo envio. Saudações para o confrade e Rute.

Benjamin Batista (fundador de diversas Academias de Letras na Bahia, presidente da Academia de Cultura da Bahia, showman e barítono de sucesso) disse...

Parabéns pela iniciativa.
Feliz ano novo
BB

Maria Francelina Silami Ibrahim Drummond (escritora, autora dos livros A Biografia de Aleijadinho e seu Contexto; Ouro Preto, Cidade em Três Séculos; e outros) disse...

Recebi o estudo do Braga sobre Farnese e quero cumprimentá-lo, através de você. Gostei muito. Gosto muito, aliás, do Farnese pela militância e pela amizade com Bernardo Guimarães, nos anos ruidosos da Actualidade. Comecei um estudo sobre Bernardo, e quero terminá-lo talvez ainda em 2022, sobre o romance que ele funda c/ O ermitão do Muquém. Por favor, mande um abraço ao Braga, com vontade de saber mais sobre o Farnese.