Por Francisco José dos Santos Braga
I. INTRODUÇÃO
Com uma cerimônia inesquecível de 13 horas foi encerrado o funeral da rainha Elizabeth II, no dia 19 de setembro de 2022. Após um longo período de solenidades, 11 dias ao todo, o funeral da rainha Elizabeth II aconteceu na Abadia de Westminster, em Londres. O caixão da rainha, que estava no Palácio de Westminster desde quarta-feira (14), quando chegou de uma procissão vinda do Palácio de Buckingham, passou por mais processos fúnebres no dia 19.
Após 70 anos do reinado de Elizabeth, a Inglaterra avança oficialmente para o próximo capítulo de sua história, quando o país conduziu talvez sua monarca mais popular à sua morada final.
Com previsão de duração de até 13 horas e 20 anos de planejamento, a homenagem final à monarca que serviu o Reino Unido por 70 anos consecutivos esteve em perfeito andamento, com a presença de todos os membros da família real britânica e dignitários do Reino Unido e estrangeiros.
A cerimônia oficial, transmitida em dezenas de cinemas e telas gigantes em toda a Grã-Bretanha, foi assistida por milhares de britânicos que inundaram as ruas de Londres, convencidos de que estavam vivendo um "pedaço de história" que nunca será repetido.
O funeral de Estado que teve início na Abadia de Westminster, encerrou-se com o enterro da Rainha em lugar privado no Castelo de Windsor. Descrito como um evento histórico – é o primeiro funeral de um monarca britânico em 70 anos, um evento que pelo menos 3 gerações de pessoas estiveram assistindo pela primeira vez.
O funeral real foi transmitido ao vivo para todo o mundo e os telespectadores que assistiram a ele são incalculáveis. Por exemplo, a cobertura televisiva ao vivo do funeral da princesa Diana em 6 de setembro de 1997 ultrapassou 2,5 milhões de telespectadores.
Elizabeth havia pré-aprovado todas as etapas de seu funeral e havia solicitado um canto fúnebre específico para ser tocado pela gaita de foles escocesa em Windsor.
O objetivo deste trabalho é analisar uma das etapas finais do rito de encomendação do corpo da Rainha. Resumidamente, em Windsor, teve lugar o rito de encomendação, às 16h (12h de Brasília), na Capela Real de São Jorge no Castelo de Windsor, que também foi televisionado e encerrando o cortejo público definitivamente.
O Coro cantou o Salmo 121, musicado por Sir Henry Walford Davies (1869-1941), que também foi organista da capela. Observe que, na Bíblia católica, o salmo correspondente é o de nº 120, cujo verso de abertura diz "Para os montes levanto os olhos". Nas exéquias da Rainha Elizabeth II esta peça coral a cappella foi interpretada pelo Coro da Capela de São Jorge no Castelo de Windsor, sob a direção do regente James Vivian.
TEXTO EM INGLÊS
I will lift up mine eyes unto the hills:
from whence cometh my help.
My help cometh even from the Lord:
who hath made heaven and earth.
He will not suffer thy foot to be moved:
and he that keepeth thee will not sleep.
Behold, he that keepeth Israel:
shall neither slumber nor sleep.
The Lord himself is thy keeper:
the Lord is thy defence upon thy right hand;
So that the sun shall not burn thee by day:
neither the moon by night.
The Lord shall preserve thee from all evil:
yea, it is even he that shall keep thy soul.
The Lord shall preserve thy going out, and thy coming in:
from this time forth for evermore.
Glory be to the Father:
and to the Son, and to the Holy Ghost;
As it was in the beginning, is now, and ever shall be:
world without end. Amen.
TEXTO EM PORTUGUÊS (cf. Bíblia Sagrada "Ave Maria", 1967, p. 773)
Para os montes levanto os olhos:
De onde me virá socorrer?
O meu socorro virá do Senhor,
Criador do céu e da terra.
Ele não permitirá que teus pés resvalem;
Não dormirá aquele que te guarda.
Não, não há de dormir, nem adormecer
O guarda de Israel.
O Senhor é teu guardião,
O Senhor é teu abrigo, sempre ao teu lado,
De dia, o sol não te fará mal,
Nem a lua durante a noite.
O Senhor te resguardará de todo o mal,
Ele velará sobre tua alma.
O Senhor guardará os teus passos,
Agora e para sempre.
Ouvimos ainda o Kontákion Russo dos Defuntos, que também foi cantado no funeral de Philip, o Duque de Edimburgo e esposo da Rainha e que será apreciado em seção própria neste trabalho.
Antes do hino final da cerimônia, a coroa imperial, o cetro e o orbe foram retirados do caixão da Rainha pelo Joalheiro da Coroa.
Ao mesmo tempo, um músico escocês tocou solo, na gaita de foles, um canto fúnebre do lado de fora da capela, conforme pedido explícito da Rainha.
O caixão foi então transferido para a cripta real sob a capela, onde o corpo do príncipe Philip estava "esperando" insepulto há quase dois anos.
O enterro da rainha aconteceu de forma privada na cripta real sob a Capela de São Jorge no Castelo de Windsor, após tocante cerimônia fúnebre que durou 13 horas, sem cobertura televisiva às 17h30min (13h30min hora de Brasília), enquanto o rei Carlos III espalhava terra no caixão de sua mãe.
II. O KONTÁKION RUSSO DOS DEFUNTOS
Embora seja o título inadequado para esta seção, utilizei-o por ter sido o nome — equivocado quanto à sua origem — dado por seu arranjador Sir Walter Parratt (1841-1924), que nomeou seu arranjo com o título "The Russian Contakion of the Departed", apesar de historicamente ter sido rastreado por historiadores da Música como utilizado no século VI d.C. pela Igreja Bizantina, não sendo portanto russo, nem tampouco ucraniano, como querem alguns. Nas exéquias da Rainha Elizabeth II esta peça coral a cappella foi interpretada pelo Coro da Capela de São Jorge no Castelo de Windsor, sob a direção do regente James Vivian.
Inicialmente, consideremos a letra dessa peça, que constitui parte típica de uma Missa de Réquiem ou Missa para os Defuntos:
TEXTO EM INGLÊS
Give rest, O Christ, to thy servant with thy Saints:
Where sorrow and pain are no more;
Neither sighing but life everlasting.
Thou only art immortal, the Creator and Maker of man:
And we are mortal formed of the earth,
And unto earth shall we return:
For so thou didst ordain,
When thou createdst me, saying,
"Dust thou art and unto dust shalt thou return.
All we go down to the dust;
And, weeping o’er the grave we make our song:
Alleluia, alleluia, alleluia.
Give rest, O Christ, to thy servant with thy Saints:
Where sorrow and pain are no more;
Neither sighing but life everlasting.
TEXTO EM PORTUGUÊS (em minha tradução)
Dá o descanso, Ó Cristo, ao teu servo com teus santos:
Onde tristeza e dor não existem mais;
Nem suspiro, só a vida eterna.
Tu apenas és imortal, o criador e autor do homem:
E nós somos mortais formados da terra,
E à terra devemos voltar:
Pois assim tu ordenaste,
Quando tu me criaste, dizendo,
"Tu és pó e ao pó voltarás."
Todos nós descemos ao pó;
E, chorando sobre o túmulo, entoamos:
Alleluia, Alleluia, Alleluia.
Dá o descanso, Ó Cristo, ao teu servo com teus santos:
Onde tristeza e dor não existem mais;
Nem suspiro, só a vida eterna.
A seguir, apresento ao leitor dois espécimes de gravações existentes para a peça do rito de encomendação de defuntos intitulada "O kontákion russo dos defuntos": a primeira, para o funeral do Príncipe Philip, cantada em 17 de abril de 2021; e a outra, para o funeral de sua esposa, a Rainha Elizabeth II, cantada em 19 de ssetembro de 2022, ambas na mesma Capela de São Jorge no Castelo de Windsor:
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Excertos do kontákion original / Crédito: Alamy
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Tenho o prazer agora de propiciar ao leitor o conhecimento do arranjo intitulado Kontákion Russo dos Defuntos, originalmente composto para coro masculino a 4 vozes (2 tenores e 2 baixos) por Sir Walter Parratt sobre letra traduzida por W. J. Birkbeck (1869-1916):
III. ALGUMA INFORMAÇÃO ÚTIL SOBRE KONTÁKION NA IGREJA ORTODOXA E SUA ETIMOLOGIA
Inicialmente, vejamos o que seja a encomendação num funeral. É um ritual cristão, mais comumente associado a denominações ortodoxas e católicas, embora não exclusivamente. Segue-se ao funeral e envolve uma seleção de orações e, em alguns casos, uma despedida da pessoa que partiu da comunidade.
"O kontákion russo dos falecidos" é cantado durante os funerais como uma declaração de nossa própria mortalidade e da inevitabilidade de que a vida vá terminar.
Kontákion é geralmente chamado de início (prelúdio) dos Hinos da Igreja. Seu nome se deve ao fato de seu uso ser visto como uma “introdução” ao tema do hino que se segue, razão pela qual os hinos inteiros passaram a ser, em última análise, caracterizados como kontákia (plural de kontákion). É um tipo especial de poesia eclesiástica que historicamente se diz ter sido cultivada por volta dos séculos VI e VII. Etimologicamente, alguns derivam o nome "kontákion" de limitado ou curto, portanto, curto em comprimento. Outros acham que o nome kontákion deriva etimologicamente do banco da capela, onde os cantores deixavam, ou muitas vezes tocavam, os textos litúrgicos. Destas, a primeira acepção parece mais próxima da realidade.
O kontákion consiste em uma única volta. A estrofe ou stanza que segue o hino principal é chamada de "οἶκος" (casa, em português), que pode ser única ou ilimitada em número. Mas, ao final de cada "οἶκος" (ou seja, cada estrofe), podemos distinguir o "efymnium" que pode ser um, dois ou três versos que se repetem exatamente da mesma forma em todas as estrofes, ao longo do hino. Exemplo de "efymnia" é a tripla repetição de allelluia.
Um grande poeta desse tipo de poesia eclesiástica (kontákion referente à Natividade de Cristo) foi São Romano, o Melodista, como já vimos em trabalho anterior, mencionado na bibliografia, apresentado no festejo da Natividade de Cristo do ano de 2020.
IV. AGRADECIMENTO
O gerente do Blog do Braga agradece à sua amada esposa Rute Pardini Braga a formatação e edição das fotos utilizadas neste ensaio.
V. BIBLIOGRAFIA
BRAGA, Francisco José dos Santos: O NATAL NA GRÉCIA, postado no Blog do Braga em 24/12/2020.
CENTRO BÍBLICO DE SÃO PAULO: Bíblia Sagrada, São Paulo, Ed. Ave Maria Ltda, 10ª edição, 1967, 1.602 p.
9 comentários:
Prezad@,
Após um longo período de vigília e peregrinações por vários pontos do Reino Unido, ao todo 11 dias, finalmente no dia 19 de setembro de 2022, foi sepultado o corpo de Elizabeth II na cripta real sob a Capela de São Jorge no Castelo de Windsor, após um tocante funeral que durou 13 horas.
Uma cerimônia que me tocou mais de perto foi aquela em que o Coral da Capela entoou uma peça coral a cappella que foi apresentada nas televisões de todo o mundo como o KONTÁKION RUSSO DOS DEFUNTOS, no arranjo de SIR WALTER PARRATT (1841-1924), o qual já tinha sido cantado por ocasião do funeral de Philip, o Duque de Edimburgo e esposo da Rainha.
Esta peça da Igreja Ortodoxa será brevemente analisada no presente trabalho, tanto quanto à sua real origem, quanto à sua utilização no ritual de encomendação de defuntos, bem como será apresentada a versão do arranjador inglês.
https://bragamusician.blogspot.com/2022/09/funeral-da-rainha-elizabeth-ii.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Parabéns, Braga! Deus te abençoe com muita saúde.
Parabéns pela iniciativa! Muito legal
Muito bom, Francisco.
Ei, Francisco, como sempre, você nos oferece algo mais. Um acréscimo interessante aqui, outro ali, Uma informação histórica, uma análise e, enfim, aquela prova de que seu trabalho vai, sempre aliás, além da epiderme. Só nos resta agradecer, aplaudir e divulgar.
Bravo!
Grandiosíssimo, prezado Braga!
Obrigado, Francisco, por este artigo.
Seu trabalho é fantástico e a peça de uma riqueza imensurável.
Muito obrigado, mais uma vez.
Forte abraço
Com Dom Bosco sempre
edu
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