Por Jean-Christophe Klotz, cujo texto foi adaptado do artigo "Cineastas para a Acusação" por Sandra Schulberg
Traduzido por Francisco José dos Santos Braga, responsável pela tradução e por três notas explicativas
NUREMBERG: Sua Lição para Hoje retrata o drama de tribunal mais famoso dos tempos modernos e o primeiro a fazer uso extensivo de filmes como prova. Foi também o primeiro julgamento a ser extensivamente documentado, tanto auditiva quanto visualmente. Todos os procedimentos judiciais, que duraram quase 11 meses, foram gravados. E embora o julgamento tenha sido filmado enquanto acontecia, limites estritos foram impostos aos cineastas do Signal Corps do Exército americano pelo Escritório do Conselho Criminal. No final, eles foram autorizados a filmar apenas cerca de 25 horas durante todo o julgamento. Isso se revelou um grande impedimento para o escritor/diretor Stuart Schulberg e seu editor Joseph Zigman, quando foram contratados para fazer o filme oficial sobre o julgamento, em 1946, logo após sua conclusão.
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Stuart Schulberg, funcionário da OSS-Escritório de Serviços Estratégicos, examina prova em película juntamente com o fotógrafo de Hitler, Heinrich Hoffmann, que foi forçado a ceder suas 12.000 fotografias à equipe do Escritório de Serviços Estratégicos - Crédito: Arquivo da família Schulberg
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Nossa memória coletiva do período nazi baseia-se nas provas recolhidas pelos Schulberg e apresentadas durante o primeiro julgamento de Nuremberg. As imagens apresentadas no tribunal são famosas, mas a história da busca dos Schulberg não foi contada em filme até agora. A história interna de sua extraordinária missão ganha vida através de imagens nunca antes vistas dos Schulberg e de suas cartas privadas.
Setenta e cinco anos após o Julgamento de Nuremberg, o jornalista e cineasta francês Jean-Christophe Klotz regressa às minas de sal alemãs, onde Budd Schulberg descobriu imagens de filmes ainda em chamas e recria a descoberta de esconderijos secretos descrita por ambos os irmãos. Ao entrevistar figuras-chave sobreviventes da história, ele desvenda o mistério por trás do motivo pelo qual o filme resultante sobre o julgamento — Nuremberg: Sua Lição para Hoje — foi intencionalmente enterrado pelo Departamento de Guerra dos EUA. O fascinante filme de Klotz também preenche as lacunas sobre como esses materiais inovadores foram obtidos e levanta questões ainda pertinentes e profundas sobre o processo de uso do filme para escrever história.
Cineastas para a Acusação é uma adaptação da monografia homônima de Sandra Schulberg, que documenta seus anos de pesquisa sobre o trabalho da unidade cinematográfica do Escritório de Serviços Estratégicos para o julgamento de Nuremberg. Filha de Stuart e sobrinha de Budd, produziu o filme com os parceiros franceses Celine Nusse e Paul Rozenberg. A versão europeia do filme estreou no Festival de Cinema Judaico de Nova York de 2022 como O Filme Perdido de Nuremberg. Desde então, uma nova versão americana — NUREMBERG: Sua Lição para Hoje — foi produzida por Sandra Schulberg e Josh Waletzky com nova narração de Jessica DiSalvo. O filho de Budd Schulberg, Benn Schulberg, lê excertos do relato de seu pai; e o filho de Stuart Schulberg, KC Schulberg, lê trechos das cartas de seu pai. A versão americana tem mais créditos finais e maior duração, de 65 minutos.
Significado para a civilização em geral e para a comunidade judaica
O Julgamento de Nuremberg representou uma iniciativa histórica para redimir a civilização ocidental do horror e da degradação do Holocausto, ainda mais notável porque o ódio e a vingança estavam em primeiro lugar nas mentes da maioria dos sobreviventes da carnificina. Surgiu apenas porque os americanos, com a vantagem de um distanciamento ligeiramente maior do que o dos seus aliados europeus, defenderam veementemente um julgamento adequado e cuidadosamente conduzido, em oposição a execuções sumárias. Ao fazê-lo, acabaram, em última análise, por ajudar a curar as divisões devastadoras da guerra e a selar a paz. O filme documenta um exemplo extraordinário de cidadania mundial civilizada e ainda hoje tem a capacidade de nos inspirar.
Para os judeus, o julgamento teve, e ainda mantém, um significado especial. Serviu como o primeiro reconhecimento de que os judeus tinham sido as principais vítimas de Hitler.
No entanto, negadores do Holocausto ainda existem e são notícia 80 anos depois, encontrando terreno fértil. NUREMBERG: Sua Lição para Hoje recria a prova incontestável que concluiu o caso da promotoria; no entanto, praticamente ninguém jamais viu o filme. Pois embora o filme tenha sido amplamente exibido na Alemanha durante 1948 e 1949, como parte da campanha do pós-guerra para desnazificar e reeducar a sociedade alemã, os próprios funcionários do governo que pagaram pela produção do filme ficaram com medo de mostrá-lo às audiências americanas.
A Restauração Schulberg/Waletzky chega num momento oportuno, pois os “princípios de Nuremberg” estão agora a ser aplicados em todo o mundo num esforço para processar crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
O DOCUMENTÁRIO “NUREMBERG: Sua Lição para Hoje”
O maior drama de tribunal da história
Escrito e dirigido por Stuart Schulberg
Restaurado por Sandra Schulberg e Josh Waletzky
80 minutos, P&B, 35 mm, Mono, Proporção de tela 1:33;
em inglês e alemão (alguns franceses e russos) com legendas em inglês
SINOPSE
É o verão de 1945, no final da Segunda Guerra Mundial. A lenda do cinema, John Ford, chefe do ramo fotográfico de campo do Escritório de Serviços Estratégicos (agência de espionagem americana durante a guerra), designa os irmãos Budd e Stuart Schulberg para realizar uma missão especial. A sua tarefa é localizar imagens e fotografias alemãs das atrocidades nazistas, a fim de condenar os líderes nazis que deverão ser julgados em Nuremberg naquele outono.
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Os irmãos Schulberg - Stuart à esquerda, Budd à direita - trabalhavam na mesma unidade cinematográfica do Escritório de Serviços Estratégicos (OSS) ao longo da guerra e durante a preparação para o Julgamento de Nuremberg - Crédito: Arquivo da família Schulberg
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Assim começa uma investigação de alto risco que dura quatro meses e leva os dois jovens por uma Europa devastada em busca de evidências visuais dos crimes mais hediondos da história. O irmão mais velho, Budd, já tinha causado sensação com seu primeiro romance, What Makes Sammy Run?, revelado ao grande público por Hollywood, mas isso foi anos antes de ele ganhar o Oscar por escrever On The Waterfront.
Stuart, que abandonou a Universidade de Chicago, tem grandes esperanças de seguir carreira no jornalismo, mas é um humilde copiador de jornais quando sai para ingressar no Corpo de Fuzileiros Navais depois de Pearl Harbor. Isso acontecerá anos antes de ele se tornar o produtor vencedor do Emmy do David Brinkley's Journal e, em seguida, produtor de Today, trator de notícias matinais da NBC.
Criando o filme sobre o julgamento
No inverno de 1946, Stuart Schulberg e seu editor, Joe Zigman, foram contratados por Pare Lorentz (chefe da Divisão de Cinema/Teatro/Música da Divisão de Assuntos Civis do Departamento de Guerra dos EUA) para criar um documentário sobre o julgamento.
Schulberg e Zigman ficaram terrivelmente limitados pelas imagens disponíveis. A cobertura crucial simplesmente não existia. Por outro lado, foi feita uma gravação sonora completa do julgamento. Num artigo escrito por Stuart Schulberg em 1949, ele descreveu o processo frustrante:
“A maior dificuldade técnica envolveu o uso de depoimentos gravados originais do próprio julgamento. Era importante, para que a autenticidade do filme fosse convincente, que Goering e seus colegas expressassem suas fracas linhas de defesa em suas próprias e conhecidas vozes (...). Tornou-se necessário proteger as gravações de cera das acusações armazenadas em Nuremberg, para regravar as palavras pertinentes em filme e depois sincronizar essa gravação sonora com os movimentos labiais dos respectivos réus. (...) Muitas semanas depois do pedido original, as gravações chegaram de Nuremberg. Os discos foram regravados em filme em meio dia, e cerca de um mês depois o meticuloso trabalho de ‘dublagem’ das vozes originais dos réus foi concluído.” (Stuart Schulberg, Nuremberg, Boletim Informativo, nº 164, 28 de junho de 1949, Gabinete do Governo Militar para a Alemanha, Berlim).
Um campo minado político ¹
Assim como o ímpeto para o julgamento veio dos americanos, eles procuraram desde o início controlar a produção do filme sobre o julgamento. Mas, no outono de 1946, surgiram divergências sobre o roteiro e o processo de produção do filme, não apenas dentro do Grupo de Trabalho do Documentário (DFWP), de quatro potências, mas também entre o Governo Militar dos EUA para a Alemanha, em Berlim e o Departamento de Guerra em Washington.
Na primavera de 1947, Pare Lorentz, Chefe da Seção de Cinema, Teatro, Música da Divisão de Assuntos Civis do Departamento de Guerra (e criador de The Plough That Broke the Plains and The River) finalmente ganhou o controle do filme, e estava enviando seu diretor-escritor designado, Stuart Schulberg, para Berlim.
A estreia alemã
Schulberg e o editor Joseph Zigman completaram o documentário de 78 minutos em Berlim no início de 1948 e escolheram como título final, Nuremberg: Sua Lição para Hoje. Foi exibido ao público da Alemanha Ocidental pela primeira vez em novembro de 1948, na cidade de Stuttgart. Por causa do bloqueio soviético a Berlim, a estreia naquela cidade foi adiada para maio de 1949.
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As primeiras audiências saem do cine Kamera em Stuttgart, em novembro de 1948. Suas reações, conforme registradas pelos pesquisadores de opinião OMGUS, variavam de descrença a ódio, a vergonha.
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Stuart Schulberg na estreia de Nuremberg em 1948. Crédito: Arquivo da família Schulberg.
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Os três desafios da restauração
A restauração envolveu dois grandes desafios, um pictórico e outro auditivo. Pelo caminho, surgiu um terceiro desafio — este musical.
Primeiro: Criar um Novo Negativo
Foi decidido desde o início que a primeira versão do filme de 1948 seria o padrão e que nenhum elemento da imagem seria alterado. Mas com a perda do negativo original, que material mestre poderia ser usado? Sandra Schulberg vinha consultando Les Waffen, chefe de cinema da NARA (Administração Nacional de Arquivos e Registros dos EUA), sobre essa questão há vários anos, e eles planejavam usar uma impressão de 35 mm mantida em um armazenamento refrigerado no Kansas. Olhando de perto, entretanto, a imagem estava muito degradada e o contraste muito alto. Outra impressão da NARA e dois negativos duplicados também eram candidatos inferiores; e eles variavam em comprimento, o que significava que quadros ou tomadas inteiras foram cortados. Com o tempo a escassear, o Bundesarchiv de Berlim veio em socorro e enviou a sua impressão “lavanda” de 35 mm — um master positivo de grão fino — para os EUA em empréstimo.
Houve júbilo quando o relatório de inspeção mostrou que cada uma das oito bobinas estava em excelentes condições, com encolhimento mínimo. A imagem continha mais detalhes e o baixo contraste significava que a impressão lilás oferecia a melhor chance de criar um negativo de boa qualidade. A impressão alemã também era a mais completa que existia, e sua trilha sonora em alemão era nítida. No final de setembro de 2009, um novo negativo de filme 35mm foi criado sob a supervisão de Russ Suniewick no Colorlab, em Rockville, Maryland, uma instalação especializada em restauração e preservação de arquivos. O negativo foi então enviado para a DuArt Film & Video em Nova York, onde novas impressões de lançamento em 35 mm foram feitas sob a supervisão do presidente da DuArt, Irwin Young, e de seu associado Steve Blakely.
Segundo: reconstruir a trilha sonora
Enquanto isso, uma complexa reconstrução sonora estava em andamento. O objetivo de Sandra Schulberg e Josh Waletzky era criar uma trilha sonora internacional que permitisse ao público moderno ouvir as vozes dos promotores de língua inglesa, francesa e russa, e as vozes das testemunhas, réus e advogados de defesa alemães. Eles também queriam que o público ouvisse o alemão original falado em O Plano Nazista, o filme probatório apresentado no julgamento que ocorre dentro e fora de Nuremberg.
Com Lisa Hartjens duplicando as gravações do teste na NARA, Josh Waletzky começou o trabalho meticuloso de tentar combiná-las com a imagem. Aqui ele encontrou os mesmos problemas enfrentados pelos cineastas originais, Stuart Schulberg e Joe Zigman. Embora fosse desejo de Stuart Schulberg usar o máximo possível de som original do julgamento, ele era relativamente limitado. Ele e Zigman contornaram o problema usando narração e imagens extensas que não estavam sincronizadas com o som. Na versão subsequente do filme em inglês, todas as vozes — alemão, francês, russo e inglês — foram quase totalmente obscurecidas pela narração. A reconstrução sólida exigiu muita paciência — e muitos compromissos. Tornou-se óbvio que a sincronização continuaria sendo um objetivo ilusório, mesmo quando fosse possível substituir a narração pelo som ao vivo.
Enquanto Waletzky aprimorava os problemas de sincronização do som, Sandra Schulberg se concentrava na criação de legendas para combinar com a nova narração. Graças aos documentos de Stuart Schulberg, ela teve acesso às escritas originais em alemão e inglês. Com a ajuda de Jenny Levison e Lisa Hartjens, foi transcrita uma “lista de diálogos” inglês-alemão. Começou então o fascinante trabalho de comparar a lista de diálogos com os roteiros originais, com as faixas de narração em inglês e alemão de 1948, com as palavras faladas gravadas no julgamento e com a transcrição do tribunal. Surgiram muitos problemas de tradução.
Com que precisão a narração original traduziu o que foi dito no julgamento? Até que ponto a narração refletiu a interpretação da acusação sobre o testemunho e as provas textuais? Até que ponto a narração refletiu um ponto de vista perceptível de “reeducação” por parte do Governo Militar dos EUA? Quanta liberdade poderia ser tomada para limpar a sintaxe complicada e melhorar a tradução sem alterar o caráter do filme original? Deveríamos usar o termo inglês “Solução Final” para aquilo que Goering chamou de “Endlösung der Judenfrage”? Outro exemplo complicado foi a tradução da palavra “Weltanschauung”, que o filme original transmitia como “ideologia”. Schulberg e Waletzky (que falam alemão e iídiche respectivamente) ponderaram e debateram a escolha certa das palavras nas semanas que antecederam a sessão de gravação e novamente antes de as legendas serem gravadas na primeira impressão em 35 mm.
22 de setembro de 2009 foi um dia emocionante. Liev Schreiber (estrela de Taking Woodstock, Defiance, The Manchurian Candidate, etc.) gravou o roteiro de narração no Sync Sound em Nova York. Para preservar o ambiente auditivo da faixa original, um microfone RCA de época foi usado, além de um Neumann de última geração. A vitalidade de Schreiber e sua facilidade com todas as pronúncias alemãs infundiram na narração uma energia fluida.
Terceiro: recriar a partitura original
A busca pelas faixas musicais originais começou em julho. Sem elas seria impossível extrair trechos da partitura que estavam casados com a narração. Ronny Loewy, um dos especialistas no filme de Nuremberg na Alemanha, se ofereceu para pesquisar. Embora a esperança de encontrar as faixas musicais tenha diminuído rapidamente, Loewy relatou notícias surpreendentes. O compositor foi Hans-Otto Borgmann, que, em 1933, compôs a música para um filme de propaganda nazista Hitlerjunge Quex. Uma de suas canções do filme — Unsere Fahne flattert uns voran, com letra adaptada de um texto de Baldur von Schirach — tornou-se o hino oficial da Juventude Hitlerista.
Os aparentes laços de Borgmann com o Partido Nazista surpreenderam Schulberg e Waletzky. Como ele poderia ter sido autorizado a trabalhar em Nuremberg?
A pesquisadora do Bundesarchiv, Babette Heusterberg, relatou que Borgmann havia sido membro da Nationalsozialistische Betriebszellenorganisation (NSBO), do Kampfbund für deutsche Kultur (KfdK) e do Reichsfilmkammer, mas não havia evidências de sua filiação ao Partido Nazista (NSDAP). De acordo com os registros que encontrou, Borgmann foi entrevistado pelo Gabinete do Governo Militar, Seção de Controle de Informação, em Berlim, em 20 de outubro de 1946, e proibido de todas as atividades culturais. Ele esperou alguns meses antes de solicitar novamente uma autorização de trabalho, citando uma possível oferta de emprego de Eric Pommer, chefe da OMGUS Motion Picture Branch. Os arquivos mostram que o caso de Borgmann foi reconsiderado em 5 de setembro de 1947. Até então, o Exército dos EUA não tinha objeções ao seu emprego no Setor dos EUA e o reclassificou. Ele tinha seu Persilschein.
(Persil era o nome de um sabão em pó popular na Alemanha. Persilschein entrou no vocabulário do pós-guerra como uma gíria para significar um certificado de desnazificação ou autorização de trabalho emitido pelos governos ocupantes. Em termos políticos, significava um atestado de saúde limpo, mas poderia também significar uma cal.)
As faixas musicais foram perdidas, mas Schulberg encontrou as pistas musicais manuscritas e totalmente orquestradas de Borgmann para o filme de Nuremberg nos arquivos de seu pai. Com isso como guia, o compositor John Califra sintetizou a música obscurecida pela narração original. Ele trabalhou em estreita colaboração com Waletzky, ele próprio um compositor, para combinar com precisão a música reconstruída com o resto da partitura de Borgmann. Outro enorme problema tinha sido resolvido.
ESTRUTURA E CONTEÚDO DO FILME
NUREMBERG: Sua Lição para Hoje segue a estrutura do julgamento, usando as quatro acusações da promotoria como princípio organizador. Embora grande parte do filme se passe no tribunal, ele reconstrói o caso da promotoria e refuta as afirmações dos réus, baseando-se nos próprios filmes dos nazistas. Nuremberg, portanto, faz cortes desses filmes para trás e para a frente.
A PREPARAÇÃO DE “NUREMBERG: sua Lição para Hoje” (1948)
O primeiro julgamento de Nuremberg (formalmente conhecido como Tribunal Militar Internacional) foi convocado em 20 de novembro de 1945, em Nuremberg, Alemanha, para julgar os principais líderes nazistas. O veredito foi proferido em 1º de outubro de 1946.
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Foto de Robert H. Jackson, promotor-chefe dos EUA no Tribunal Militar Internacional de Nuremberg
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O juiz Jackson queria que fosse feito um filme sobre o julgamento desde o início. O seu objetivo era ser duplo: 1) mostrar ao público alemão que a liderança nazi tinha tido um julgamento justo e tinha, essencialmente, “se condenado” e 2) criar um filme para a posteridade que oferecesse uma lição duradoura para toda a humanidade.
A busca por filmagens nazistas
Uma equipe especial de cinema do Escritório de Serviços Estratégicos foi formada para esse fim, sob o comando do diretor de Hollywood John Ford. Os irmãos Budd e Stuart Schulberg, filhos do ex-chefe do estúdio da Paramount, B.P. Schulberg, foram designados para esta equipe especial de busca do Escritório de Serviços Estratégicos que foi enviada para a Europa.
Documentando o julgamento
Foi planejado que a unidade de Ford se encarregaria das filmagens, mas eles estavam tão ocupados montando as filmagens para mostrar no Julgamento que tiveram que recusar a responsabilidade. Assim, no último minuto, a responsabilidade foi transferida para outro ramo.
Os cineastas e fotógrafos do Signal Corps do Exército americano filmaram o julgamento, mas filmaram apenas 25 horas ao longo de 10 meses e meio.
OS FILMES DENTRO DO FILME
Nuremberg: Sua Lição para Hoje deriva o poder de sua cinematografia nítida em preto-e-branco, do uso que fez dos próprios filmes de propaganda nazistas, do testemunho de figuras infames como Hermann Goering e das imagens devastadoras e comoventes da crueldade humana.
A Seção Fotográfica de Campo do Escritório de Serviços Estratégicos/Equipe de Crimes de Guerra dos Schulberg preparou uma compilação de 4 horas de material alemão totalmente autenticado, que foi exibido na sala do tribunal em 13 de dezembro de 1945, sob o título O Plano Nazista. Ele traçou a ascensão nazista ao poder, começando na década de 1920 e continuando durante a guerra. Este filme probatório foi, no final, construído em conjunto com os procuradores e tornou-se um elemento importante do caso da promotoria.
Eles também compilaram um filme de 1 hora chamado Campos de Concentração Nazistas. Esta foi uma versão especialmente editada do Filme de Atrocidades do Army Signal Corps, filmado em campos que foram libertados pelos americanos e britânicos em maio de 1945, incluindo Bergen-Belsen, Buchenwald, Dachau, Mauthausen, Nordhausen, Ohrdruf e em Hadamar, onde médicos realizaram experimentos hediondos em pessoas.
Outras imagens exibidas no julgamento incluíram um filme de 8 mm de 60 segundos de homens e mulheres judeus sendo arrastados (alguns deles nus) de suas casas; e dois filmes apresentados pelo promotor soviético Roman Rudenko, Atrocidades Fascistas Alemãs na URSS e A Destruição de Lídice.
Durante o período de edição em Berlim, Stuart Schulberg localizou um filme histórico no apartamento de Berlim de um oficial SS nazista chamado Nebe, mostrando o gaseamento experimental de seres humanos em um pequeno prédio nos arredores de Mogilev, na Polônia. Schulberg optou por incluir essa filmagem no filme, embora não tenha sido exibida no julgamento.
(Os documentos de Stuart Schulberg revelaram que ele adicionou o efeito sonoro do motor do carro funcionando. Essa sequência, agora com o som removido, faz parte de uma exposição especial “Medicina Mortal” no Museu do Holocausto.)
O Plano Nazista
O principal promotor dos EUA e a força motriz por trás da organização do Julgamento foi o juiz da Suprema Corte dos EUA, Robert H. Jackson. Durante a preparação para o julgamento, Jackson tomou a decisão ousada e histórica de usar provas cinematográficas e fotográficas para condenar os nazistas. Mas esses filmes tinham que ser encontrados.
Uma equipe especial de filmagem do Escritório de Serviços Estratégicos — Seção Fotográfica de Campo/Equipe de Crimes — foi formada para esse fim. Os irmãos Budd e Stuart Schulberg, filhos do ex-chefe do estúdio da Paramount, B.P. Schulberg, foram designados para esta equipe especial de busca que foi enviada para a Europa. Budd era tenente da Marinha e seu irmão mais novo, Stuart, sargento do Corpo de Fuzileiros Navais.
Stuart Schulberg e outro escritório da unidade de cinema, Daniel Fuchs (mais tarde um autor conhecido), foram enviados primeiro, em junho de 1945. Budd Schulberg, junto com os editores de cinema do Escritório de Serviços Estratégicos, Robert Parrish e Joseph Zigman, seguiram em setembro de 1945.
A busca por filmes incriminatórios foi conduzida sob enorme pressão de tempo e eles encontraram sabotagem ao longo do caminho. Eles encontraram dois esconderijos de filmes ainda queimando, como se seus guardiões tivessem sido avisados, e começaram a suspeitar de vazamentos por parte de seus informantes alemães, dois editores de filmes da SS.
Bem na hora do início do julgamento, encontraram provas significativas, que, em estreita colaboração com a equipe de advogados de Jackson, editaram um filme de 4 horas para o tribunal chamado O Plano Nazista.
No decorrer deste trabalho, Budd Schulberg prendeu Leni Riefenstahl em sua casa de campo em Kitzbühl, na Áustria, como testemunha material, e a levou para a sala de edição de Nuremberg, para que ela pudesse ajudar Budd a identificar figuras nazistas em seus filmes e em outro material de filmes alemães que sua unidade tinha capturado.
Stuart Schulberg tomou posse do arquivo fotográfico de Heinrich Hoffmann, fotógrafo pessoal de Hitler, e tornou-se o especialista da unidade cinematográfica em evidência fotográfica. A maioria das fotos apresentadas no julgamento traz sua declaração de autenticidade.
O Plano Nazista foi apresentado como prova em 13 de dezembro de 1945, precedido por uma declaração de autenticidade assinada pelo comandante Ray Kellogg, superior imediato de Budd. Como O Plano Nazista consiste inteiramente em filmagens feitas por oficiais, cineastas e diretores do Reich (por exemplo, Riefenstahl), Budd Schulberg escreveu intertítulos em inglês para o filme da compilação.
Campos de Concentração Nazistas
O juiz Robert H. Jackson chocou o tribunal em 29 de novembro de 1945, quando decidiu apresentar Campos de Concentração Nazistas, uma compilação de 1 hora de material cinematográfico dos EUA e da Grã-Bretanha que foi filmada enquanto os Aliados libertavam alguns dos campos de concentração.
Numa carta publicada em 1947, Stuart Schulberg descreveu como, no último momento, na manhã da apresentação, colou um tubo de neon sob o descanso do braço do banco dos réus, para que fosse possível ver as reações deles ao filme na sala escura do tribunal.
Quando Stuart Schulberg e seu editor, Joseph Zigman, fizeram Nuremberg: Sua Lição para Hoje, eles entrelaçaram as cenas do tribunal com trechos de O Plano Nazista e Campos de Concentração Nazistas.
Um relato completo da busca pelas fotografias e filmagens nazistas conduzida por Budd Schulberg, Stuart Schulberg e seus colegas do Escritório de Serviços Estratégicos aparece em um próximo livro chamado The Celluloid Noose.
SUPRESSÃO AMERICANA DE NUREMBERG
NUREMBERG: Sua Lição para Hoje deveria ter sidod exibido nos Estados Unidos como um exemplo emocionante da justiça americana e dos aliados, e como uma lição para a posteridade, mas o lançamento do documentário nos EUA foi aparentemente suprimido, apesar do fato de que, em abril de 1947, o secretário adjunto da Guerra Howard C. Petersen escreveu:
“A própria forma como o Julgamento foi organizado e conduzido e as provas que produziu constituem um documento histórico que deverá ser útil, não apenas nos cinemas, mas nas escolas e universidades durante muitos anos.”
(Fonte: Cópia carbono da carta do Secretário Adjunto da Guerra Howard C. Petersen ao General Lucius D. Clay, Governador Americano Militar da Alemanha, no Arquivo da Família Schulberg.)
Substituído pelos soviéticos
Àquela altura, os soviéticos tinham decidido produzir o seu próprio filme, Sud Narodov (1947) (Julgamento das Nações, em russo Суд народов), que lançaram não só na Alemanha, mas também em Nova Iorque. Em 21 de maio de 1947, o New York Post noticiou:
“O Stanley Theatre na Times Square exibirá o filme do Julgamento de Nuremberg. Mas esta é a versão russa. O filme completo de quatro potências está sendo feito por Pare Lorentz e estará pronto em dois meses. (…) Schulberg e Zigman estão em Berlim concluindo o filme com base na transcrição oficial e enfatizando a verdadeira filosofia dos julgamentos.”
Mas naquele mesmo mês, Pare Lorentz (nos EUA) telegrafou a Schulberg (em Berlim) informando que estava renunciando ao cargo por frustração, embora esperasse continuar envolvido com o filme.
Duas semanas depois, em 8 de junho de 1947, a Variety começou a investigar atrás dos bastidores e relatou: “O rosnado no interior do Exército dos EUA alega: Deixem que os Vermelhos vençam os ianques no filme de Nuremberg”.
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Variety, edição de 11 de junho de 1947 - Arquivo da família Schulberg
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Exposição do Washington Post
Em 1949, um obstinado repórter do Washington Post chamado John Norris tentou investigar por que o Departamento de Guerra não lançaria o filme nem o venderia a Pare Lorentz para que ele pudesse completar e distribuir a versão em inglês. Ninguém se manifestaria publicamente.
Norris presumiu que a ampla divulgação de um filme que acusava a Alemanha de crimes de guerra poderia impedir a aceitação política e pública do plano de reconstrução da economia alemã, um elemento vital na abordagem do Plano Marshall à recuperação europeia.
Para complicar as coisas, em meados de 1948, os soviéticos bloquearam Berlim. ³ A nova ameaça era o expansionismo soviético. Ao tentar descobrir as razões para a censura do filme pelo governo, Norris especulou que alguns “sugeriram que há pessoas com autoridade nos Estados Unidos que acham que os americanos são tão simples que só podem odiar um inimigo de cada vez. Esqueçam os nazistas”, aconselham elas, “e concentrem-se nos Vermelhos.”
Assim, a versão em inglês nunca foi devidamente finalizada e nunca foi lançada nos cinemas dos Estados Unidos.
II. NOTAS EXPLICATIVAS (da autoria do gerente do Blog do Braga)
¹ Originalmente planejado para celebrar um evento histórico, a produção deste documentário era de fato parte da competição política e dos meios de comunicação entre o Bloco Oriental (Estados Unidos e seus aliados, Reino Unido, França, Alemanha Ocidental, Bélgica e Holanda) e o Bloco Ocidental (ex-União Soviética, Alemanha Oriental, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária e Albânia) na véspera da "Guerra Fria".
² [DELAGE, 2006, 282] fez as seguintes observações na nota nº 28 referente ao capítulo 8 do seu livro:
"Declaração de rosnado interno do Exército dos EUA: Deixa que os Reds derrotem os Ianques no filme de Nuremberg." (Variety, 11 de junho de 1947) Uma crítica publicada em 28 de maio de 1947 afirmou: "Julgamento de Nuremberg é uma versão sombria, embora ligeiramente desconexa, do noticiário soviético do julgamento dos principais criminosos de guerra nazistas. Os exibidores dos EUA há muito tem argumentado que os documentários devem ser de alto nível se [devem] poder servir como exibição regular na tela. Este [filme] dificilmente se compara a essa classificação. Além disso, [ele] dá aos russos muito crédito por vencer a guerra." O famoso crítico Bosley Crowther foi menos negativo: "Exceto por uma óbvia parcialidade em relação aos soviéticos entre os promotores e uma predominância de referência à vitimização dos russos durante a guerra, o filme poderia ter sido montado por competentes especialistas de qualquer um dos Aliados."
Cf. CROWTHER, Bosley: "Goering, com Swagger Lacking, nos Julgamentos de Nuremberg em Stanley", New York Times, 26 de maio de 1947.
³ Consta que apenas a tomada de Berlim custou ao Exército Vermelho aproximadamente 300.000 soldados, equivalente ao número de soldados americanos mortos nas frentes europeia e japonesa, de 1941 a 1945, conforme a nota nº 30, p. 282, op. cit.
III. BIBLIOGRAFIA (sugerida pelo gerente do Blog do Braga)
DELAGE, Christian: La Vérité par l'image: De Nuremberg au processo Milosevic, Paris: Éd. Denoël, 2006, 384 p.
SUMPF, Alexandre: Le procès de Nuremberg, HPI-L'Histoire Par L'Image
11 comentários:
Um documentário sobre o Julgamento de Nuremberg foi encontrado 62 anos após sua produção, permitindo pela primeira vez assistir ao maior julgamento da história, que condenou a elite do Terceiro Reich, acusada pela morte de milhões de judeus na Europa. No dia 8 de outubro de 2010, estreou finalmente nos cinemas americanos o documentário “Nuremberg: Its Lesson for Today” (NUREMBERG: Sua Lição para Hoje), filme original de 1947. Apesar de ter sido gravado a pedido do Departamento de Guerra dos Estados Unidos na época, o registro desse importante fato nunca havia sido exibido para a audiência daquele país por razões que serão exploradas no texto sobre o documentário traduzido do inglês pelo gerente do Blog do Braga.
O resgate da película só foi possível graças aos esforços de uma equipe multidisciplinar, dentre a qual vale mencionar os esforços de Sandra Schulberg, filha do diretor do documentário original, Stuart Schulberg, em parceria com seu editor, Joe Zigman.
As lições de Nuremberg continuam cada vez mais atuais, haja vista os conflitos crescentes de repercussão internacional e, até o presente, sem solução previsível.
Link: https://bragamusician.blogspot.com/2024/02/nuremberg-sua-licao-para-hoje.html 👈
Cordial abraço,
Francisco Braga
Muito importante relembrar a lição de Nuremberg nestes tempos conturbados de nova onda de antissemitismo, caro Francisco Braga.
Agradeço o compartilhamento.
Cordialmente,
Raquel Naveira
Caro professor Braga
Excelente e completo relato sobre a trajetória da preciosa documentação cinematográfica acerca dos julgamentos de Nuremberg e das atrocidades nazistas que atingiram milhões de pessoas, em especial o genocídio contra judeus. As "Lições" desse julgamento, por seu turno, continuam atuais e portanto polêmicas, dadas as tristes realidades da chamada "necropolítica", de genocídios outros e crimes contra a humanidade que teimam em se multiplicar. Desta vez, ironicamente, não há dificuldade de documentação e de provas; muito pelo contrário: a informação se transformou em desinformação. De tal forma que a barbárie se normatiza e a estupidez embota as consciências.
Cumprimentos pela tradução e publicação.
Cupertino
Obrigado!
Desconhecia a histṍria da ocultação do filme.
Prezado Braga,
Vi no começo desta semana o filme de Sandra Schulberg no canal Curta! e fiquei interessada em saber mais - seu artigo veio em boa hora. Muito bom!
Abraço
Fatima Bueno
P.S. meu interesse pelo cinema - procedimentos, processos, temas e dificuldades - está em alta. Desde o ano passado estamos em tratativas para fazer um documentário sobre música em Brasília nos primeiros 20 anos da cidade.
Prezado amigo e mestre Francisco Braga, minhas saudações! Agradeço seu texto sobre a tragédia do nazismo e o famoso julgamento de Nuremberg. Como liberal democrata, sou contra todo tipo de ditadura e totalitarismo, seja de esquerda, seja de direita. Abomino Hitler e Stálin, Mussolini e Lênin, Franco e Fidel, Salazar e Mao. Abraço amigo do seu admirador Danilo Gomes.
Precisamos de um Nuremberg em Brasília
Abs
Rogério
Realmente, Braga, Nuremberg é um grito de horror na história e uma lição permanente. Abraço.
Mais essa...
Dói.
Hilma
Meu prezado amigo, FJSBRAGA, li e reli, com muita atenção este seu magnífico trabalho sobre o "Julgamento de Nuremberg, sua lição para hoje". Seu trabalho veio num momento extremamente oportuno quando, nosso mundo vê novamente as atrocidades praticadas pelos nazistas sendo repetidas por terroristas que invadiram o Estado de Israel, em 07.10.23. Veio num momento em que assistimos estarrecidos políticos brasileiros assinando uma carta de apoio ao grupo terrorista do Hamas. Veio num momento onde alguns mentecaptos insistem em afirmar que o Holocausto nunca existiu. Veio num momento onde o mundo precisa definitivamente de resolver se segue o caminho de uma sociedade civilizada cujo comportamento seja balizado por leis e tribunais que as apliquem, ou se seguirá o caminho da barbárie preconizada por estes grupos terroristas e seus financidadores. Seu trabalho veio no momento exato.
Parabéns!
Lúcio Flávio.
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