Por Antón Pávlovitch TCHÉKHOV
Traduzido do russo e comentado por Francisco José dos Santos Braga
Traduzido do russo e comentado por Francisco José dos Santos Braga
"Alegria" é um conto humorístico de Antón Tchékhov publicado originalmente no jornal Espectador na edição número 3 de 08/01/1883 p. 7, com o título "Grande Honra!" literalmente, assinado pelo pseudônimo Antocha Tchekhonté.
Era meia noite.
Mítya ¹ Kuldárov, excitado e despenteado, penetrou no apartamento de seus pais e rapidamente correu por todos os cômodos. Seus pais já tinham ido dormir. Sua irmã estava na cama e se entretinha com a leitura da última página de um romance. Seus irmãos colegiais dormiam.
— Donde vens? — surpreenderam-se os pais. — O que há contigo?
— Ah, não perguntem! Eu nunca esperava por isso. É... é incrível.
Mítya caiu na gargalhada e sentou-se numa poltrona, incapaz de ficar de pé de tanta felicidade.
— É incrível! Vocês nem imaginam! Olhem só!
A irmã pulou da cama e, cobrindo-se com um cobertor, achegou-se ao irmão. Os colegiais acordaram.
— O que há contigo? Tua cara não é esta!
— Estou assim de tanta alegria, mamãe! Afinal, agora toda a Rússia me conhece! Toda ela! Antes, só vocês sabiam que havia no mundo o escriturário Dmitry Kuldárov, e agora toda a Rússia sabe disso! Mamãe! Oh, meu Deus!
Mítya ergueu-se de um salto, correu por todos os quartos e voltou a sentar-se.
— O que aconteceu? Fala sério!
— Vocês vivem como animais selvagens, não leem jornais, não prestam a menor atenção ao que é publicado, mas há tanta coisa maravilhosa nos jornais! Se algo acontece, tudo é conhecido agora, nada fica escondido! Como estou feliz! Oh meu Deus! Afinal, os jornais só publicam informações sobre pessoas famosas, mas aqui me tomaram como exemplo e publicaram sobre mim!
— O que dizes? Onde?
Papai ficou pálido. Mamãe olhou para o ícone e fez o sinal da cruz. Os colegiais se ergueram de um salto e, assim como estavam, em suas camisolas curtas, se aproximaram do irmão mais velho.
— Sim, senhores! Eles publicaram algo sobre mim! Toda a Rússia me conhece agora! Mamãe, guarde esta página como lembrança! Vamos lê-la algumas vezes. Olhem!
Mítya tirou do bolso a página do jornal, entregou-a ao pai e apontou com o dedo uma passagem marcada com lápis azul.
— Leiam!
O pai pôs os óculos.
— Continua lendo!
A mãe olhou para o ícone e fez o sinal da cruz. Papai tossiu e começou a ler:
“No dia 29 de dezembro, às onze horas da noite, o escriturário Dmitry Kuldárov...”
— Vocês vêem, vêem? Prossiga!
“... o escriturário Dmitry Kuldárov, saindo de um bar, na Pequena Bronnaya, na casa Kosikhin, e estando em estado de embriaguez...”
— Éramos Semyon Petróvitch e eu... Tudo é descrito em detalhes! Continua! Prossegue! Ouçam!
“... e encontrando-se bêbado, escorregou e caiu debaixo do cavalo do cocheiro que estava ali, Ivan Drótov, um camponês da aldeia Durykan, distrito de Yukhnovsky. O cavalo assustado, tendo pisoteado em cima de Kuldárov e tendo arrastado o trenó em que se encontrava Stepan Lukov, o comerciante de segundo grau da associação de Moscou, correu pela rua e foi detido pelos porteiros. Kuldárov, achando-se sem sentido no primeiro momento, foi levado para a delegacia e examinado por um médico. O golpe que ele recebeu na nuca...”
— Está falando de mim sobre o eixo (do trenó), papai. Prossegue! Continua lendo!
“... que ele recebeu na nuca, é considerado como leve. Sobre o ocorrido foi lavrado um boletim de ocorrência. A vítima recebeu assistência médica...”
— Me mandaram molhar a nuca com água fria. Já leu? Hum? Eis aí! Agora (a notícia) está se espalhando por toda a Rússia! Me deixa ficar com a página!
Mítya pegou o jornal, dobrou-o e colocou-o no bolso.
— Vou correr até os Makárov, vou mostrar a eles... Ainda preciso mostrar aos Ivanítskys, Natálya Ivánovna, Anísim Vasílyevitch... Vou correr. Adeus!
Mítya colocou seu boné com um distintivo e, triunfante, alegre, correu para a rua.
Fonte do texto em russo: https://ru.wikisource.org/wiki/%D0%A0%D0%B0%D0%B4%D0%BE%D1%81%D1%82%D1%8C_(%D0%A7%D0%B5%D1%85%D0%BE%D0%B2)
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II. BREVE ANÁLISE LITERÁRIA DE "ALEGRIA" por Francisco José dos Santos Braga
Considero que o conto “Alegria” pode servir de exemplo para se aplicar a expressão atual de “15 minutos de fama”, ou seja, a busca por visibilidade midiática de curta duração de determinado indivíduo ou fenômeno. A expressão “15 minutos de fama” é mais usada em referência a celebridades da indústria do entretenimento, como reality shows, e das redes sociais (Facebook, YouTube, WhatsApp, Instagram, Twitter, etc.). Ela teve origem numa citação atribuída a Andy Warhol em 1968. Observe que esse termo muito expressivo se aplica ao enredo do nosso conto e é simplesmente surpreendente que o autor russo tenha tido a sensibilidade e o dom de abordar, de forma irônica, a estupidez de seu herói no conto, com características atuais e, provavelmente, de todas as épocas, tendo em vista que foi escrito em 1883, quase um século antes do seu uso mais recente nas redes sociais.
O fato de existir um tipo de pessoas que querem se tornar famosas a qualquer custo é um fenômeno comum. Mas se uma pessoa tem sede de fama por qualquer meio, isso já é estupidez.
O personagem principal do conto “Alegria”, Mítya Kuldárov, também parecia engraçado quando adentrou os cômodos da casa dos pais com visível agitação.
A princípio, os pais não entenderam e ficaram surpresos por que o filho estava tão feliz. Quando lhe indagaram o motivo de tanta alegria, Mítya lhes explica que era por ver seu nome estampado em um jornal, que mereceu uma reportagem inteira sobre o seu feito.
A princípio, os pais não entenderam e ficaram surpresos por que o filho estava tão feliz. Quando lhe indagaram o motivo de tanta alegria, Mítya lhes explica que era por ver seu nome estampado em um jornal, que mereceu uma reportagem inteira sobre o seu feito.
Estavam desconfiados e incrédulos. Afinal, os jornais só publicam sobre celebridades e, de repente, voltam sua atenção para ele, uma pessoa simples e desconhecida.
A verdade é que o artigo era sobre como ele foi atropelado por um cavalo enquanto estava bêbado.
É claro que essa alegria poderia ser compreendida se houvesse uma razão real para uma pulsão tão violenta de emoções. Mas então o pai começou a ler o conteúdo da reportagem: “... estando embriagado, ele escorregou e caiu sob o cavalo de um cocheiro que estava ali, um camponês da aldeia. O cavalo assustado, tendo pisoteado Kuldárov e arrastado o trenó com um importante comerciante de Moscou "a bordo", correu pela rua e foi detido pelos porteiros...” Neste ponto, tudo mudou de figura.
É claro que essa alegria poderia ser compreendida se houvesse uma razão real para uma pulsão tão violenta de emoções. Mas então o pai começou a ler o conteúdo da reportagem: “... estando embriagado, ele escorregou e caiu sob o cavalo de um cocheiro que estava ali, um camponês da aldeia. O cavalo assustado, tendo pisoteado Kuldárov e arrastado o trenó com um importante comerciante de Moscou "a bordo", correu pela rua e foi detido pelos porteiros...” Neste ponto, tudo mudou de figura.
No final, o autor observa que, “triunfante e alegre”, o herói correu a mostrar a reportagem jornalística a outros amigos e vizinhos.
Enquanto ri do herói, o autor faz um alerta: Tchékhov quer que o leitor se reconheça através do herói, pense em si mesmo e tente se tornar uma pessoa diferente – de bom senso, inteligente, com senso de autoestima verdadeira.
Tchékhov, ao criar a história “Alegria”, abordou um problema muito relevante.
Infelizmente, em nossa época, a situação dos "15 minutos de fama" recrudesceu muito. Hoje em dia, para se tornar famoso, alguém não precisa ser o herói de alguma façanha admirável. Basta postar na internet ou, por exemplo, participar de algum reality show. Afinal, jovens estúpidos se gabam de suas piores qualidades para todo mundo, algo que deveriam esconder cuidadosamente e procurar exibir suas melhores qualidades. E nisso eles são semelhantes ao personagem principal do conto de Tchékhov.
Eu me pergunto o que os pais de Dmitry Kuldárov pensaram quando ele os acordou à meia-noite e os chocou com uma notícia tão incomum. Como um contista primoroso, Tchékhov evita falar da reação dos pais. Embora o autor não tenha mencionado a possível decepção deles com o filho, é exatamente isso que se pode deduzir pelas entrelinhas. Especialmente, a mãe é mencionada duas vezes, virando-se em direção ao ícone e persignando-se. Pode-se imaginar a sua decepção quando ficou sabendo do verdadeiro motivo da alegria de Dmitry. Houve claramente a percepção de que seu filho tinha perdido sua dignidade, ao gabar-se, não do bem, mas do mal que praticou. Em russo há um provérbio que diz: "A boa fama é a melhor riqueza." ²
Infelizmente, em nossa época, a situação dos "15 minutos de fama" recrudesceu muito. Hoje em dia, para se tornar famoso, alguém não precisa ser o herói de alguma façanha admirável. Basta postar na internet ou, por exemplo, participar de algum reality show. Afinal, jovens estúpidos se gabam de suas piores qualidades para todo mundo, algo que deveriam esconder cuidadosamente e procurar exibir suas melhores qualidades. E nisso eles são semelhantes ao personagem principal do conto de Tchékhov.
Eu me pergunto o que os pais de Dmitry Kuldárov pensaram quando ele os acordou à meia-noite e os chocou com uma notícia tão incomum. Como um contista primoroso, Tchékhov evita falar da reação dos pais. Embora o autor não tenha mencionado a possível decepção deles com o filho, é exatamente isso que se pode deduzir pelas entrelinhas. Especialmente, a mãe é mencionada duas vezes, virando-se em direção ao ícone e persignando-se. Pode-se imaginar a sua decepção quando ficou sabendo do verdadeiro motivo da alegria de Dmitry. Houve claramente a percepção de que seu filho tinha perdido sua dignidade, ao gabar-se, não do bem, mas do mal que praticou. Em russo há um provérbio que diz: "A boa fama é a melhor riqueza." ²
DESCRIÇÃO
Escola literária: realismo
Gênero: narrativo em prosa
Foco narrativo: centrado na 3ª pessoa discursiva. O narrador é onisciente.
Característica: conto humorístico
Local de ação: Rússia
Época de ação: Tempos modernos (fins do século XIX)
Enredo: Linear
III. NOTAS EXPLICATIVAS
¹ Diminutivo de Dmitry.
² Em russo: «Добрая слава – лучшее богатство».
4 comentários:
Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Prezad@,
Dando continuidade à minha tradução dos mais expressivos contos de TCHÉKHOV, tenho o prazer de enviar-lhe minha tradução do conto intitulado ALEGRIA, um conto humorístico e minha mais recente contribuição para tornar conhecida a prodigiosa produção do escritor realista russo, dotado de profundo conhecimento da alma humana, apesar de sua exígua existência (44 anos).
Acompanha a tradução minha análise literária do texto seguida de notas explicativas.
São as seguintes as outras traduções de contos de Tchékhov já postadas no Blog do Braga até o presente:
- Uma brilhante Personalidade (Conto de um Idealista)
- Vingança de uma Mulher
- Um Escândalo
- Numa Casa de Campo
- Morte de um Funcionário
- Um Hamlet moscovita
- Um Malfeitor,
além de tradução de uma entrevista feita com Blake Morrison sobre sua peça Somos Três Irmãs, baseado no texto-modelo de As Três Irmãs de Tchékhov.
Link: https://bragamusician.blogspot.com/2025/02/alegria.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo (presidente do Núcleo de Letras e Artes de Portugal) disse...
Boa Tarde.
Muito obrigado.
De momento tenho problemas de saúde e dificuldade em acompanhar todos os trabalhos literários
Bom final de semana
Melhores cumprimentos.
Diamantino Bártolo
Pedro Rogério Moreira (jornalista e sócio da Gracián Telecom, cronista e memorialista brasileiro) disse...
Obrigado, mestre Braga. Essa alegria não desejo a mim nem a ninguém…
Verônica Maria Guedes Soares (assistente editorial da Editora Vozes Ltda.) disse...
Francisco, boa tarde!
Agradecemos seu contato e oferta, mas o gênero proposto não se enquadra em nossa linha editorial.
Contando com a sua compreensão e desejando-lhe boa sorte, despedimo-nos.
Att
Francisco, boa tarde!
Agradecemos seu contato e oferta, mas o gênero proposto não se enquadra em nossa linha editorial.
Contando com a sua compreensão e desejando-lhe boa sorte, despedimo-nos.
Att
Francisco, boa tarde!
Agradecemos seu contato e oferta, mas o gênero proposto não se enquadra em nossa linha editorial.
Contando com a sua compreensão e desejando-lhe boa sorte, despedimo-nos.
Att
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