segunda-feira, 3 de março de 2025

CREDO POLÍTICO DE RUI BARBOSA

Por FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA 
Dedico este post ao são-joanense Dr. ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA, desembargador do TJ-MG e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, professor, conferencista, escritor, autor de várias obras de Direito e, ocasionalmente, de livros alheios ao mundo jurídico.
Rui Barbosa em sua biblioteca, sem data (foto: Arquivo Nacional/Fundo Correio da Manhã)-Fonte: Agência Senado

 

De seus 55 anos de vida pública, Ruy Barbosa passou 32 no Senado. Foi recordista de mandatos. Inaugurou o Senado da República, em 1890, e só o deixou em 1923, quando morreu, aos 72 anos de idade. Antes, no Império, havia sido deputado provincial e deputado geral. 

Rui assumiu o papel de professor político não somente no Parlamento. Para alertar a sociedade e tentar reverter os abusos dos governantes, ele também fez uso sistemático do habeas corpus nos tribunais (como advogado) e dos artigos de opinião na imprensa (como jornalista). 
Foi senador (pela Bahia) com mais mandatos: cinco (de 1890 a 1923), sem interrupção. Foi senador logo na primeira legislatura da República e se reelegeu quatro vezes até o fim da vida. 
O seu Credo Político foi extraído do discurso que proferiu no Senado Federal em 13 de outubro de 1896  discurso conhecido como "Resposta a César Zama", na época, adversário ferrenho de Ruy Barbosa, no governo Floriano Peixoto, em virtude de questões como a Guerra de Canudos, o encilhamento e o voto censitário. 
Nesse discurso, Rui rebate à provocação da Câmara dos Deputados, fazendo um relato de sua trajetória política dos últimos anos e produzindo um de seus textos mais icônicos, que se configura no “Credo Político” de pp. 50 a 51. 
 
CREDO POLÍTICO DE RUI BARBOSA
 
Meu país conhece o meu credo político, porque o meu credo político está na minha vida inteira. Creio na liberdade onipotente, criadora das nações robustas; creio na lei, emanação dela, o seu órgão capital, a primeira das suas necessidades; creio que, neste regime, não há poderes soberanos, e soberano é só o direito, interpretado pelos tribunais; creio que a própria soberania popular necessita de limites, e que esses limites vêm a ser as suas Constituições, por ela mesma criadas, nas suas horas de inspiração jurídica, em garantia contra os seus impulsos de paixão desordenada; creio que a República decai, porque se deixou estragar confiando-se ao regime da força; creio que a Federação perecerá, se continuar a não saber acatar e elevar a justiça; porque da justiça nasce a confiança, da confiança a tranqüilidade, da tranqüilidade o trabalho, do trabalho a produção, da produção o crédito, do crédito a opulência, da opulência a respeitabilidade, a duração, o vigor; creio no governo do povo pelo povo; creio, porém, que o governo do povo pelo povo tem a base da sua legitimidade na cultura da inteligência nacional pelo desenvolvimento nacional do ensino, para o qual as maiores liberalidades do Tesouro constituíram sempre o mais reprodutivo emprego da riqueza pública; creio na tribuna sem fúrias e na imprensa sem restrições, porque creio no poder da razão e da verdade; creio na moderação e na tolerância, no progresso e na tradição, no respeito e na disciplina, na impotência fatal dos incompetentes e no valor insuprível das capacidades. 
Rejeito as doutrinas de arbítrio; abomino as ditaduras de todo gênero, militares ou científicas, coroadas ou populares; detesto os estados de sítio, as suspensões de garantias, as razões de Estado, as leis de salvação pública; odeio as combinações hipócritas do absolutismo dissimulado sob as formas democráticas e republicanas; oponho-me aos governos de seita, aos governos de facção, aos governos de ignorância; e quando esta se traduz pela abolição geral das grandes instituições docentes, isto é, pela hostilidade radical à inteligência do País nos focos mais altos da sua cultura, a estúpida selvageria dessa fórmula administrativa impressiona-me como o bramir de um oceano de barbaria ameaçando as fronteiras de nossa nacionalidade.
 
Corolário do Credo Político de Rui Barbosa
 
Imediatamente após a exposição do seu Crédito Político, Rui dá a sua impressão sobre o que acaba de proferir, onde explicita bem as duas seções que o compõem: 
 
Vós bem o sabeis, senhores; essas são as minhas crenças, esses os meus ódios. E um homem que tem embebidos na sua vida esses ódios santos e essas crenças incorruptíveis, não pode ter programas que fazer. Seu futuro está ligado ao seu passado pelo nobre cativeiro do dever. Um refletirá o outro, por uma dessas necessidades da consciência que o interesse não amolga.
 
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Não pretendo furtar-me à oportunidade de referir-me ainda ao célebre discurso, transcrevendo uma passagem nas pp. 107-8, em que Rui fala da importância de sua vida pública, embora reconheça que esta labora em detrimento de sua banca de advocacia muito mais rentável: 
 
Não há, senhores, nem pode haver aliança entre a política e os meus interesses privados. A política é e será sempre a inimiga da minha prosperidade profissional. A minha banca de advogado seria um tesouro, se eu lhe pudesse consagrar exclusivamente o meu espírito e o meu tempo, repartidos, até hoje, com as exigências dessa rival intolerante. Mas, se o trabalho não fosse, como infelizmente creio que há de ser até ao termo de meus dias, o instrumento de minha subsistência, não é aos áridos labores forenses que eu consagraria a minha vida. A minha vocação reclamava um ideal mais alto: o das letras, o da arte, ou o da ciência desinteressada. Os que me conhecerem a natureza, hão de reconhecer que, com os meus instintos e os meus gostos, não pode ser voluntária a minha absorção no comércio dos autos.
Senhores, isto já não é um discurso: é a confidência geral da minha vida, exposta como um livro aberto aos olhos do País. (...)
 
Resposta a César Zama. Discurso no Senado Federal em 13 de outubro de 1896.
 
 
II. BIBLIOGRAFIA
 
 
BARBOSA, RUY: Discurso pronunciado no Senado Federal em sessão de 13 de outubro de 1896, Ouro Preto: Imprensa Official do Estado de Minas Geraes, 1897, 113 p. Disponível in https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/222312.

BRAGA, Francisco J.S.: Rui Barbosa em Haia (1907) e Buenos Aires (1916), post publicado em 26 de agosto de 2013
 
MARINHO, Josaphat: Rui Barbosa e o advogado,  Brasília: Revista de Informação Legislativa, v. 33, nº 132, out/dez 1996, pp. 5-9.

NOGUEIRA, Rubem: O advogado Rui Barbosa : Momentos Culminantes de sua Vida Profissional, Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica Editora, 1949, 478 p.


sábado, 1 de março de 2025

FRAUDADORES INVOLUNTÁRIOS


Por Antón Pávlovitch TCHÉKHOV
Traduzido do russo e comentado por Francisco José dos Santos Braga

"Fraudadores Involuntários" é um conto humorístico de Antón Tchékhov publicado originalmente no jornal Espectador na edição número 1 de janeiro de 1883 p. 7, com o subtítulo "Mentira de Ano Novo" literalmente, assinado pelo pseudônimo "O homem sem baço".
Ilustração para o conto de A.P. Tchékhov, "Fraudadores Involuntários". O.V. Grablevskaya. 2019.
 

Há uma festa na casa de Zakhar Kuzmitch Diádetchkin. Celebram o Ano Novo e parabenizam a dona da casa, Melánia Tikhonovna, pelo seu dia onomástico ¹.
Há muitos convidados. Um povo sempre respeitável, idôneo, sóbrio e positivo. Não há um só canalha. Em seus rostos há ternura, amizade e senso da dignidade. Sentados em um grande sofá revestido com oleado estão o senhorio Gúsev e o lojista Razmajalov, junto dos quais os Diádetchkins fazem suas compras na caderneta. Eles falam sobre noivos e filhas. 
— Hoje é difícil encontrar um homem que seja abstêmio e sensato e que trabalhe como Deus ordena. É difícil! — Gúsev assegura. 
 — O principal em uma casa é a ordem, Alexei Vasílitch. E não haverá isso enquanto em casa não haja alguém... que... na casa, a ordem... 
— Se não houver ordem em uma casa, então... tudo vai por água abaixo... Tem muita gente estúpida neste mundo... Onde vai haver ordem nele? Hum!... 
Perto deles, sentadas em cadeiras, estão três senhoras idosas que comovidas fitam suas bocas. Seus olhos expressam admiração diante da sabedoria-juízo. De pé em um canto, o padrinho Gúri Markovitch contempla os ícones. Ouvem-se vozes no quarto de casal: moças e rapazes estão jogando baralho, um copeque por carta. Ao lado da mesa, está de pé o pequeno Kólia, um aluno do primeiro ano do ensino médio, e chora. Quer jogar e não o deixam. É culpa dele ser pequeno e não ter um único copeque? 
—Não chore, seu idiota! — eles o advertem.  Por que está chorando? Quer que sua mãe bata em você? 
— Quem está chorando? Kólia? — a voz da mãe vem da cozinha.  Parece que não o surrei o bastante... Varvara Gurievna, puxa-lhe a orelha!
Duas senhoritas de vestidos de cor-de-rosa estão sentadas na cama do casal, coberta por uma colcha de percal desbotada. Diante delas, está um jovem de cerca de vinte e três anos, chamado Kopaisky, que trabalha em uma seguradora e que en face se parece muito com um gato. Ele as paquera. 
Não pretendo me casar , diz, exibindo-se, enquanto puxa da garganta as pontas afiadas da gola com os dedos.  A mulher é um ponto radiante na mente do homem; porém, pode arruiná-lo. Criatura maligna! 
— E os homens? O homem nem sabe amar. E comete cada grosseria... 
— Como és naïve! Não sou cínico nem cético; mas acredito que o homem sempre estará no ponto mais elevado no que diz respeito a sentimentos. 
 
O próprio Diádetchkin e seu filho primogênito Grisha vagam de um canto a outro, como lobos em jaula. Eles ardem de impaciência. Eles beberam muito na hora do almoço e agora desejam ardentemente curar a ressaca com outro gole... O pai vai até a cozinha. Ali a patroa está polvilhando um bolo com açúcar de confeiteiro. 
Malasha diz Diádetchkin , seria bom servir tira-gosto. Os convidados gostariam de lambiscar.... 
— Que esperem...  Se vocês beberem e comerem tudo, o que eu vou servir à meia noite? Não se preocupem. Sai daqui... Não fiques no meu caminho... 
— Seria só uma bebidinha, Malasha... Tu nem vais sentir falta dela... Podemos levar? 
— Que castigo! Eu te disse! Faz companhia aos convidados! Por que aglomeras aqui, na cozinha? 
Diádetchkin suspira fundo e vai olhar o relógio. Os ponteiros marcam onze e oito. Para o momento esperado ainda faltam cinquenta e dois minutos. Isso é horrível! Esperar por uma bebida é a mais difícil de todas as esperas. É melhor esperar por cinco horas um trem no frio do que esperar cinco minutos por uma libação... Diádetchkin olha para o relógio com raiva; e, aproximando-se um pouco mais, avança o ponteiro grande em cinco minutos... E Grisha? Grisha está determinado a, se não conseguir algo para beber imediatamente, ir se embebedar numa taverna. Ele não quer morrer de tristeza... 
— Mamãe, — ele diz —, os convidados ficam zangados porque não lhes servem uns aperitivos. É um comportamento repugnante deixá-los passar fome... Se tivessem servido um copo. 
— Espera... Falta pouco... Logo já... Não aglomeres na cozinha... 
 Grisha bate a porta; e pela centésima vez ele vai olhar o relógio. O ponteiro grande não tem piedade: está quase no mesmo lugar anterior! — Este relógio está atrasado! — Grisha se consola; e com o dedo indicador adianta o ponteiro sete minutos. 
Kólia passa correndo diante do relógio. Detém-se na frente dele e começa a contar o tempo. Ele anseia pelo momento em que os adultos gritarem: Urra! O silêncio dos ponteiros oprime seu coração. O menino sobe em uma cadeira e, tomando cuidado para não ser visto, rouba cinco minutos da eternidade. 
— Vá ver quelle heure est-il² pede uma das duas moças ao jovem Kopaisky. — Morro de impaciência: pois é Ano Novo! Nova felicidade! 
Kopaisky bate os calcanhares como um militar e corre em direção ao relógio. — Que droga! — ele murmura, olhando para os ponteiros. Ainda falta muito tempo! Estou com muita fome! Claro que vou dar um beijo na Kátia quando gritarem: Urra!
Kopaisky afasta-se do relógio, mas para; pensa por um momento e depois volta para o relógio; e encurta o Ano Velho em seis minutos. Diádetchkin bebe dois copos d'água, mas sua alma está queimando. Vai de um lado para o outro. A esposa o expulsa da cozinha várias vezes. As garrafas, esperando no parapeito da janela, dilaceram sua alma. O que fazer? Não aguenta mais. Ele recorre novamente ao último recurso: tem o relógio à sua disposição. Ele vai até o quarto das crianças, onde está o relógio, e choca-se com uma cena que desagrada o seu coração paterno: Grisha está de pé diante do relógio adiantando o ponteiro. 
— O que... o que tu estás fazendo? Ei? Para quê adiantaste o ponteiro? Que idiota! Para quê isso? 
Diádetchkin tosse, fica pensativo, franze a testa e faz um aceno com a mão. 
— Para quê estás adiantando-o? Ei, adianta-o, para que essa maldita coisa exploda! — ele diz e, empurrando o filho para o lado, adianta o ponteiro dos minutos. 
Faltam onze minutos para o Ano Novo. Pai e filho vão para a sala de jantar e começam a preparar as mesas. 
— Malasha! — grita Diádetchkin. — Agora é Ano Novo! 
Melánia Tikhonovna sai correndo da cozinha e vai certificar-se do que diz seu marido. Ela olha para o relógio demoradamente: seu marido não está mentindo. 
— Bem, o que podemos fazer aqui? — ela murmura. — E ainda não tenho as ervilhas cozidas para o presunto... Hum! Que castigo! Como servir aos convidados? 
Após uma breve reflexão, Melánia Tikhonovna, com a mão trêmula, atrasa o ponteiro grande. O Ano Velho ganha vinte minutos de volta. 
— Que esperem! — diz a patroa e corre para a cozinha. 

 
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II. BREVE ANÁLISE LITERÁRIA DE FRAUDADORES INVOLUNTÁRIOS: Mentira de Ano Novo por Francisco José dos Santos Braga
 
Tchékhov é um mestre indiscutível do conto. A genialidade de suas obras está na narração lacônica ³ de diversos contos, a graça com que o enredo é contado e, sobretudo, a exploração do tema que tem um significado filosófico profundo, à primeira vista imperceptível. Ele acreditava que a verdadeira arte deve transmitir a vida em toda a sua plenitude.
Só de ler o título Fraudadores Involuntários, já o associamos a uma história bem humorada, com personagens engraçados cometendo atos semelhantes a crimes. Isso é possível graças a um interessante recurso da retórica clássica – um oxímoro , já identificado no próprio título do conto. 
O autor também definiu o caráter do conto de uma forma inusitada: “Mentira de Ano Novo”. 
Via de regra, as obras associadas ao Ano Novo são chamadas de contos de Natal; eles costumam descrever a purificação de alguém ou a expectativa de algum tipo de milagre ou mistério, tudo envolto num clima de troca de votos de felicidade no novo ano. O título do conto  Fraudadores Involuntários: Mentira de Ano Novo está relacionado ao desejo do autor de dissipar a ideia da purificação milagrosa dos personagens principais e qualquer expectativa do mágico na véspera de Ano Novo e, ao contrário, de enfatizar suas necessidades mundanas.  
No início da descrição, o autor nos apresenta de forma irônica a sociedade que celebra o Ano Novo na casa de Diádetchkin: “Um povo sempre respeitável, idôneo, sóbrio e positivo. Não há um só canalha.” A ironia do autor para com os presentes já é perceptível. 
O autor utiliza a palavra народ (aqui traduzida por povo), que é geralmente empregada para gente comum, pertencente às classes inferiores. 
Nesta primeira seção do conto, o autor nos introduz à espécie de convidados que comparecem à festa: os seus diálogos são permeados por uma sutil ironia, em que os personagens querem parecer mais inteligentes do que são para agradar aos interlocutores, e é preciso dizer que o conseguem. 
Durante a conversa entre Gusev e Razmakhalov, três velhas, sentadas perto deles, “fitam suas bocas” em profunda admiração e ficam surpresas com sua “sabedoria-juízo”. 
Na conversa entre Kopaisky e duas senhoritas, não podemos deixar de notar a ironia do autor e a comparação do herói com um gato. Como se sabe, esse animal é muito preguiçoso e orgulhoso. Então, Kopaisky se considera o mais bonito e inteligente, e se coloca muito acima das garotas. Ao exibir palavras francesas em seu discurso, ele enfatiza sua inteligência e educação esmerada. Mas ficou claro para os leitores que toda a sua beleza exterior não correspondia de forma alguma ao seu mundo interior vazio. Kopaisky é bem jovem e, como um gato da ficção, só quer brincar com as garotas. 
A segunda seção se inicia com o anfitrião e seu filho; Tchékhov os compara a lobos em jaula por sua agitação, enfatizando seu desejo irrefreável de curar a ressaca com outro gole. Consequentemente, alguns personagens adiantam o ponteiro grande do relógio para que o momento da realização de suas caras esperanças chegue mais cedo: uns para curarem uma ressaca, outro para beijar uma garota e ainda outros para gritarem alegremente Urra!
Devido a essa mania coletiva e contagiante de adiantar o relógio para antecipar a chegada do Ano Novo, o relógio ganha uma vida e um protagonismo no conto que supera os dos outros heróis. Interessante mencionar ainda o conceito de Tchékhov para adiantar o relógio: roubar minutos da eternidade e encurtar o Ano Velho. Por essas referências, pode-se perceber como ele enxergava o mundo de uma forma muito pessoal, fazendo-o através de seu pensamento não linear.
Mas a dona da casa, que se destaca de todas as outras pessoas, faz pelo menos algo útil para todos, preparando a ceia, recolocando tudo em seu devido lugar, por exemplo, no momento em que atrasa o ponteiro para o tempo real, ou seja, o Ano Velho ganha vinte minutos.
Nesta Mentira de Ano Novo, Tchékhov ridiculariza os vícios da sociedade e os sonhos básicos dos heróis. Eles são insignificantes, vulgares, imorais.
Através desse conto humorístico, Tchékhov quer mostrar às pessoas o comportamento delas próprias, seus objetivos mundanos, para que pelo menos mudem um pouco, se tornem mais humanas, se importem não apenas consigo mesmas, mas também com seus entes queridos. Para mudar o mundo ao seu redor, primeiro é preciso começar por si mesmo, pela sua alma. Somente corrigindo seus vícios e mudando sua perspectiva de vida para melhor, alguém está contribuindo para alcançar-se a desejada harmonia geral no mundo. 
 
III. NOTAS EXPLICATIVAS
 
¹ Na Rússia, o dia onomástico, que segue o calendário religioso da Igreja Ortodoxa, é um feriado importante para cada pessoa, no qual ela deve homenagear o santo que lhe deu o nome e agradecer ao seu anjo da guarda. Daí, na Rússia, é comum chamar esse dia de День Ангела - Dia do Anjo. Assim, a cada ano o cidadão russo faz duas comemorações: o dia do aniversário (день рождения) e o dia do anjo (день ангела). O dia 31 de dezembro é a data em honra de Melánia, a romana (383-438 d.C.).
 
² Tchékhov, com essa pequena frase em francês e com outras nessa língua, mostra a enorme influência não só da língua, mas também da cultura francesa sobre a sociedade culta russa, no seu tempo. Toda pessoa com a pretensão de ser considerada culta falava duas línguas: a nativa (russa) e a francesa.
 
³ O contista parece seguir uma máxima russa de que a brevidade é irmã do talento (em russo: «Краткость – сестра таланта»). 

Oxímoro é uma figura de linguagem em que palavras de sentidos opostos são combinadas de modo a parecerem contraditórias, mas que reforçam a expressão: no caso presente, Fraudadores Involuntários. Há muitos outros casos, como os seguintes: o latino Festina lente (Apressa-te devagar) e os nossos belo horroroso, obscura claridade, silêncio ensurdecedor, ilustre desconhecido, etc.