quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

2010 - ANO CHOPIN > > > Parte 2 > > > "CORAÇÃO DO GÊNIO", por Janusz Ekiert (1ª Parte)


Por Francisco José dos Santos Braga



Para constituir a Parte 2 da série de ensaios dedicados a 2010 - ANO CHOPIN, trago ao leitor lusófono minha tradução para um texto muito conhecido de Janusz Ekiert, intitulado "Coração do Gênio", como parte das homenagens que o Blog do Braga presta ao 200º aniversário do nascimento do grande pianista e compositor polonês.

Janusz Ekiert, autor de "Coração do Gênio", aclamado musicólogo polonês, é graduado pela Academia de Música de Cracóvia e pela Universidade de Varsóvia. Ficou popular como autor e apresentador de programas televisivos, tais como "Penetrações", "Traços Sentimentais" e "A História do Concurso Internacional Chopin de Piano". Por muitos anos prestou serviço como "expert" principal em programa de perguntas sobre música clássica na TV Pública Nacional e em muitos programas radiofônicos; já tem escrito inúmeros artigos e ensaios e publicou livros sobre música clássica, tais como "Marcos de Limite com um Amuleto", "Uma Passagem para o Paraíso", "Um Espelho de uma Époque", "Encontros mais próximos com a Música" e "Fryderyk Chopin: uma Biografia Ilustrada". Cooperou com revistas na Holanda, na Finlândia, na Áustria, na Yugoslavia, bem como contribuiu para a Enciclopédia Alemã de Música com o texto "A Música na História e no Presente".

Ekiert fez "tours" pela Europa com conferências para convenções sobre musicologia em Helsinki, Florença, Roma e Barcelona. Foi jurado em muitos concursos e festivais internacionais de música em volta do mundo. Foi entrevistado por James Mitchener para a PBC; também foi convidado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos para visitar importantes centros de música, incluindo Washington, DC; Philadelphia, Baltimore, New York, Chicago, San Francisco e Los Angeles. Atualmente, Ekiert traballha em vários projetos na Polônia e no exterior como um consultor "expert", escritor e jurado.

Eis o texto:

"CORAÇÃO DO GÊNIO" por Janusz Ekiert

Distância

No período de 150 anos desde a morte de Chopin, tem mudado a visão que se tem deste grande compositor, de sua vida, de sua obra e da interpretação destas, às vezes, inclusive indo de um extremo ao outro. Apesar da admiração, veneração e arrebatamento que o público sentia por ele tanto em vida quanto hoje, sua genialidade e questões pessoais foram vistas de maneira diferente pelos que com ele tiveram algum contato, pelas pessoas do "fin-de siècle", por aquelas que viviam no intervalo entre as duas guerras mundiais e pelas pessoas de hoje em dia.

Apesar do generalizado respeito e do amor a seu gênio, durante um longo tempo a força de sua originalidade foi incompreendida ou tratada como excentricidade. Na época do florescimento do Romantismo, interpretavam-se com frequência suas obras como se fossem elas compostas por alguém histérico que paulatinamente morria à prestação. A reação que seguiu a Primeira Guerra Mundial (estética anti-subjetiva), a busca da assim chamada fidelidade ao autor e a procura dos textos originais livres das inserções editoriais (permitindo a execução de somente o que está contido na esquemática e limitada notação musical, bem como as recomendações de não executar a música de Chopin com volume, velocidade e expressão nem de mais nem de menos), tudo isso reduzia a sensação, o encanto, o estilo e a imaginação e causava interpretações estereotipadas de suas composições.

No Romantismo, as pessoas tinham a tendência de inserir alguns conteúdos literários e episódios verdadeiros ou imaginários em suas obras e vida. Seus mais recentes biógrafos e pesquisadores livram, séria e escrupulosamente, sua música e vida desses adornos, negligenciando-os e assim indo ao outro extremo da inverdade. Desenvolveu-se um tipo de biografia científica que tendia a considerar fatos que eram difíceis de documentar como se eles nunca tivessem realmente ocorrido. O Romantismo e mesmo o Pós-Romantismo idealizavam e pintavam a cal a imagem de Chopin.

No cinema dos anos 70, estabeleceu-se um movimento que retratava o mundo, inclusive a parte mais elegante e emocionante dele, de uma perspectiva da lata de lixo e da sarjeta. Com referência a biografias de gênios, tentou-se trazer à luz do dia seus pontos fracos e ridículos, suas anomalias e os fatos mais embaraçosos e imorais.

Equívocos

Durante a vida de Chopin, não foram apreciadas suas revolucionárias harmonias e sons característicos do folclore polonês, mas que não cabiam na escala maior-menor, em vigor na época do Classicismo e do Romantismo. Foram questionadas suas hipérboles rítmicas e a composição das suas sonatas. O finale da Sonata (nº 2) em Si Bemol Menor (Op. 35), durante quase cem anos, parecia estar acima da compreensão do público. Ele era tão pouco típico, que parecia um exótico, veloz estudo, em que não se podia reconhecer nenhuma melodia, harmonia ou ritmo. A brevidade desse finale, que dura não muito mais que um minuto, parecia perturbar as proporções da forma sonata. O público precisou ainda de cem anos para se conscientizar que se tratava de uma aragem intensa do som, uma projeção de um som de cor autêntica, que aquele finale anunciava uma época em que a forma seria determinada exatamente pela cor do som (=timbre).

Na época de Chopin, o papel da cor na pintura e na música estava se tornando um assunto em moda. Berlioz já estava trabalhando no seu "Grand Traité d' Instrumentation et d' Orchestration Modernes", que, publicado em 1844, passou a ser o evangelho dos compositores. Em seus próprios Prelúdios, Estudos e Noturnos, Chopin transformou o tratamento do piano: o sistema e a concentração do som. Ele forneceu as bases para a moderna cor do som pianística. Ele descobriu a cor do som pianística nos cânones originais do acompanhamento, nos rápidos pianissimos que, no caso de Chopin, embora permanecessem uma melodia, já anunciavam aragens da cor do som. A contínua irresolução e inconstância da tonalidade em suas sonatas constituíam uma nova relação entre melodia, harmonia e estrutura. A evanescência da tonalidade e as intermináveis modulações eram sua originalidade. Vários anos mais tarde elas se tornaram a regra com Wagner. Chopin foi uma das mais fortes personalidades artísticas na história da cultura mundial, não exatamente da música. Confinou-se no piano, não escreveu óperas nem sinfonias. Não obstante, transformou a música para piano numa potência artística verdadeiramente autônoma.

A ilimitada heterogeneidade da melodia, da harmonia e da cor do som, da estrutura, bem como idéias que associam todas essas coisas são, com frequência, a causa de equívocos nos Concursos Chopin de Varsóvia: Que interpretação está de acordo com o espírito de sua música e qual não está? O pianista deve escolher e destacar certas características em detrimento de outras. Do contrário, tocar Chopin transforma-se numa média estética pedantemente dosada, em que há de tudo um pouco, mas, de fato, nada. Não se pode sem nenhuma interrupção desenvolver uma bonita ligadura, sua atmosfera e tensão, o refinamento da arte do desenhista e,"en passant", destacar o gosto por todas as interessantes consonâncias e a concatenação de acordes, uma característica rítmica ou cifra do acompanhamento, uma interessante mancha de cor , para fazer surgir uma voz interessante no baixo, para ajustar tudo isso à dinâmica e ao andamento. Eis que têm surgido muitos pianistas que destacam quão fascinante e original é essa música. Outros deleitam-se com o que é bonito e natural. Acontece que essas diferenças, também, são uma fonte de controvérsias.

Durante algum tempo, até mesmo a data do nascimento de Chopin foi uma questão de controvérsia. Se se der crédito aos documentos, placas comemorativas e enciclopédias, Chopin nasceu em 22 de fevereiro de 1810. Mas ele próprio sustentava que havia nascido em 1º de março. Sua própria mãe confirmou a última data. Ele celebrava seu aniversário em 1º de março. Essa é a data que pôs no passaporte e mencionou-a, enquanto em Paris, à "Biographie Universelle des Musiciens" de Fétis. Segundo documentos oficiais, isto é, seus atestados de nascimento e de batismo, ele veio ao mundo em 22 de fevereiro. Foi batizado tarde, porque a família queria que Fryderyk Skarbek fosse seu padrinho. Skarbek, estava estudando em Paris e os Chopins esperaram seu consentimento. O pai de Chopin tinha má memória para datas; podia esquecer a data do próprio nascimento. Lembrava que seu filho havia nascido numa quinta-feira, mas, talvez, tenha contado 8 semanas para trás no lugar de 7, quando estava cumprindo as formalidades. Eis como surgiu o erro. Afinal, dito e feito: tanto o atestado de nascimento como o de batismo contém grafia errônea do sobrenome "Szopen" (Chopyn, Choppen). Ninguém corrigiu isso.
(Continua na Parte 3 desta série)



* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...

Um comentário:

Sérgio de Vasconcellos-Corrêa (compositor e Membro da Academia Brasileira de Música) disse...

Prezado Braga,

Belo trabalho. Todos os pianistas deste pobre país deveriam ler e matutar sobre o conteúdo deste ensaio, tão bem traduzido pelo amigo que não ainda não tive o prazer de conhecer pessoalmente.
Sérgio de Vasconcellos-Corrêa