quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O VIRTUOSE VIOLINISTA JERZY MILEWSKI


Por Francisco José dos Santos Braga


 
Violinista Jerzy Milewski morre aos 70 anos (1946-2017)



Faleceu na tarde de sexta-feira, 23 de junho, em Curitiba, o violinista Jerzy Milewski, aos 70 anos, vitimado por um câncer no sistema digestivo. Polonês de Varsóvia, Jerzy conheceu, em 1968, a pianista brasileira Aleida Schweitzer, com quem se casou vindo a morar no Brasil. Naturalizou-se brasileiro em 1972, fixando residência no Rio de Janeiro.



Durante quatro anos, de 1973 a 1977, foi spalla da Orquestra Sinfônica Brasileira. Com grande interesse pela música brasileira e popular, Jerzy tocou e gravou com importantes instrumentistas e compositores do País, como Luiz Eça, Paulo Moura, Paulinho da Viola, Sivuca, Altamiro Carrilho, Rafael Rabello, Francis Hime, Milton Nascimento e Djavan, entre outros. Dedicou grande parte de sua vida à pesquisa das obras dos compositores do Brasil.



Criador de Concertos Didáticos, Jerzy ensinava música em escolas, universidades e principalmente às crianças das comunidades do Rio de Janeiro. O violinista e sua mulher Aleida Schweitzer também formaram o Duo Milewski, para a apresentação de um vasto repertório que ia de autores da música clássica, como Mozart e Brahms, até o chorinho.



Jerzy Milewski deixa, além da viúva, duas filhas e quatro netos.


Fonte: revista Concerto, nº 241, agosto 2017, p. 8, seção Contraponto (Notícias do mundo musical), in http://www.concerto.com.br/contraponto.asp?id=3767 


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Milewski deu uma entrevista a Maciej Stasiński, publicada pela Gazeta Wyborcza em sua edição de 12/08/2011, intitulada "Só sei tocar violino", onde narrou o seguinte episódio (na minha tradução do polonês para a língua portuguesa): 

Um monte de gente. Comiam, bebiam e tocavam.
Jobim sentou-se ao piano e de tempos em tempos se virava para mim e gritava: Craque! Tocamos até a noite do dia seguinte.
Jobim é um pianista e compositor autodidata, não teve estudos superiores, sozinho aprendeu as notas. Soube que na Polônia o tocavam Wanda Warska e Andrzej Kurylewicz. Queria muito ir à Polônia. Jobim no Brasil é como Duke Ellington e Miles Davis num só. Tocar com ele é como agarrar as pernas de Deus.
No ano de 1974 (Jobim) me levou à sua orquestra de 20 membros, onde ele próprio tocava piano e flauta. Eu era spalla, ou primeiro violino. A famosa Elis Regina cantava com eles. Deram 15 concertos em São Paulo, Rio, Curitiba e Porto Alegre. Depois, gravei com Jobim mais uns discos.

Na mesma entrevista, ficamos sabendo, na seção "De Pai para Filho", que seus avós chegaram à Polônia vindos de Odessa. Seu avô foi violoncelista na Ópera de Varsóvia. Morreu em 1928. Só recentemente foi descoberto o túmulo dele no cemitério judaico em Varsóvia.



Seu pai (1904, Varsóvia-1963, Varsóvia) concluiu o curso de piano no conservatório antes da Guerra. Além disso, era acompanhador e compositor. Tocava em concertos clássicos, no cinema mudo, em navios. Na primeira viagem do “Bateau” em 1936, tinha conjunto jazzístico, tocou na orquestra de Stefan Rachon. Chamava-se Victor Miszułowicz. Era judeu. Só mais tarde mudou o sobrenome. Após a guerra,  Victor Milewski voltou para o rádio, para a orquestra de Stefan Rachon. Mandou os filhos para uma escola de música na rua Miodowa. Eles começaram pelo piano. Mas em casa acompanhava os exercícios com cantor e violinista.



Por fim, Jerzy decidiu-se pelo violino. “Eu me apaixonei por este lindo som e disse: Eu só quero tocar violino!¹



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No encarte do CD intitulado "FLAUSINO VALE: Prelúdios característicos e concertantes para violino só", cujo solista é Jerzy Milewski, achamos mais informações sobre o notável violinista polonês: 

“Nasceu em Varsóvia, de família de músicos. Iniciou seus estudos de música aos 4 anos de idade, estudando piano. Aos 6, começou a estudar violino com o Prof. Garbarski. Seu primeiro concerto público aconteceu após um ano de estudo, como solista da Orquestra da RTV de Varsóvia. Formou-se com distinção, obtendo o título de 'Master of Arts' na Academia de Música de Varsóvia, em 1970. Atuou como solista e camerista com duas Orquestas polonesas famosas: Con Moto ma Cantabile (dir. Tadeusz Ochlewski) e Orquestra de Câmara de Varsóvia (dir. de Karol Teutsch), realizando tournées por toda a Europa, Ásia, América e Oriente Médio. Foi premiado em vários concursos de violino na Europa; participou de Festivais Internacionais de Música importantes, tais como: Outono de Varsóvia, Baalbeck, Tour, México, Bogotá, etc. Reside no Brasil desde 1971, onde exerce intensa atividade artística, atuando como solista em todo o território nacional e no exterior. De alma brasileira, vem descobrindo na música brasileira a fonte maior para o desenvolvimento total de sua versatilidade musical, formando com Luis Eça, Paulo Moura e outros expoentes máximos, grupos atuantes em concertos e gravações de LPs, TVs, rádios, etc. Responsável, como idealizador e executor, pela implantação dos 'Concertos Didáticos', com o objetivo de divulgar a música erudita, em programas oficiais e extra-oficiais, atingindo todas as faixas etárias, de escolas primárias, passando por secundárias, universidades e comunidades. Entre as mais importantes gravações de Jerzy Milewski, vale destacar:
- Música Polonesa e Brasileira (com a pianista Aleida Schweitzer);
- Sonata a 4 (música barroca para 2 violinos, violoncelo, piano e órgão);
- Música Nova do Brasil (obras inéditas contemporâneas brasileiras para violino e piano - 1ª execução mundial);
- Prelúdios Característicos e Concertantes para Violino Só, de Flausino Vale (obras inéditas para violino só, do compositor mineiro - 1ª edição mundial;
CD "Flausino Vale": Prelúdios característicos e concertantes para violino só, por Jerzy Milewski - Edição comemorativa do Centenário de Flausino Vale (1894-1994) - Promoção: Prefeitura Municipal de Barbacena - Apoio Cultural: FUNDAC - Arte Gráfica: Edson Brandão e Martha-Poppe - Crédito pela imagem: Rafael dos Santos Braga
- Música para 2 Violinos (participação de Erich Lehninger e Aleida Schweitzer);
- "As Quatro Estações": Vivaldi, com a Orquestra da RTV Polonesa, sob regência de Agnieszka Duczmal;
- Villa-Lobos às crianças - obra-prima da literatura infantil, considerado "O Pequeno Príncipe" brasileiro, estória de Maria Clara Machado, adaptada por Hélio Bloch, participação de Lucinha Lins e Cláudio Cavalcanti, além de inúmeros músicos da mais alta estirpe. Peças das mais lindas do repertório de Villa-Lobos;
- Luis Eça &  Jerzy Milewski Ensemble, bossa nova e jazz, com participação de Robertinho Silva na bateria e Luis Alves no baixo acústico;
- Bach : 3 Concertos para violino e Orquestra de Câmara, com a Orquestra da RTV Polonesa, sob regência de Agnieszka Duczmal;
- "Ecos e Reflexos", sua última criação, uma coletânea de temas populares dos maiores compositores brasileiros (Tom Jobim, Milton Nascimento, Dorival Caymi, Luiz Gonzaga, etc.), em versão orquestral sinfônica, com participação de notáveis solistas nacionais, como Léo Gandelman, Sivuca, Altamiro Carrilho e outros. Foi membro do júri do Concurso Internacional de Violino Wieniawski em Poznań, na Polônia em 1986 - um dos mais importantes concursos de violino do mundo.

Sobre o CD dos "Prelúdios Característicos e Concertantes para Violino Só",  de Flausino Vale (⭐︎Barbacena, 06/01/1894-✞Belo Horizonte, 04/04/1954), por Jerzy Milewski, produzido no Rio de Janeiro (1994/1995), sob os auspícios da Prefeitura de Barbacena para homenagear o filho ilustre, cabe lembrar que o feito de Flausino permanecia pouco conhecido até recentemente, em razão de não ter conseguido editar nem gravar suas composições em vida. É também verdade que Jascha Heifetz havia gravado e divulgado nos seus concertos algumas das composições do barbacenense, tal como o prelúdio chamado "Ao pé da fogueira". Também se sabe que teve o incentivo do compositor Villa-Lobos, para quem Flausino era o "novo Paganini", e  do crítico Celso Brant, que chegou a encorajar Flausino a se candidatar à vaga de compositor na Academia Brasileira de Música, conforme registrou em artigo publicado em dezembro de 1953 em O Estado de Minas. Também são muito pouco conhecidos os estudos de Flausino Rodrigues Vale no âmbito do folclore brasileiro, que culminaram com a publicação do livro intitulado "Elementos de folclore musical brasileiro" (Companhia Editora Nacional em convênio com o Instituto Nacional do Livro/MEC, volume 57 da Coleção Brasiliana,  São Paulo, 1936). Finalmente é pouco conhecida, entre seus ínumeros ensaios dispersos em várias revistas técnicas especializadas, sua conferência "Músicos mineiros", proferida nas comemorações do cinquentenário de Belo Horizonte, e publicada em 1948.

Da discografia de Milewski consta ainda "Música brasileira para violino, violoncelo e piano", produzido pela Rioartedigital em 1996, com o seguinte repertório: 
Cláudio Santoro: Trio para violino, violoncelo e piano (1973)
Ronaldo Miranda: Recitativo, variações e fuga para violino e piano (1980)
Ricardo Tacuchian: Estruturas verdes, para violino, violoncelo e piano (1976)
Ernani Aguiar: Duo para violino e violoncelo (1976)
Dawid Korenchendler: Miniaturas para violino e piano (1981)
Marisa Rezende: Trio para violino, violoncelo e piano (1976)
Edino Krieger: 25 Sonâncias II para violino e piano (1981)
Jerzy Milewski, violino
Marcio Malard, violoncelo
Aleida Schweitzer, piano




Por todas essas realizações artísticas de alto nível que engrandecem o Brasil e a sua música, considero importante reconhecer a elevada dignidade deste cidadão polonês que tantos louros acumulou em sua breve existência.

Consternado com o desaparecimento do talentoso violinista, aproveito a oportunidade para transmitir à família enlutada, especialmente à sua viúva, pianista Aleida Schweitzer, meus sinceros pêsames pela perda irreparável de seu parceiro de jornadas artísticas, do tão simpático musicista que encantava plateias por onde quer que passasse. Tive a oportunidade de ouvi-lo acompanhado por sua esposa no Centro Cultural Yves Alves, de Tiradentes-MG, em uma apresentação antológica, em 0l/10/2011, com apoio cultural do Instituto Estrada Real/SESI/FIEMG. Naquela noite inesquecível, o Duo Milewski já prenunciava o que faria daí em diante: um concerto para um violino iídiche, com árias de Pablo Sarasate, czardas, cirandas e choros, como Naquele Tempo, de Pixinguinha e Benedito Lacerda, arranjado à moda klezmer (música não-litúrgica judaica). Na despedida Milewski presenteou meu irmão Rafael e esposa Lourdes com seu CD "Nostalgic Evenings".

CD "Nostalgic Nights" pelo Duo Milewski
Encarte do CD "Nostalgic Nights"


Encarte do CD "Nostalgic Nights"
Crédito pelas imagens: Rafael dos Santos Braga

Do encarte dedicado a Milewski, extraio dois parágrafos (traduzidos por mim do inglês) para mostrar a sua enorme generosidade: 
"(...) Milewski promoveu o violinista brasileiro e compositor Flausino Vale, que Villa-Lobos considerava o "Paganini brasileiro", produzindo um livro e gravando um CD. O Papa João Paulo II foi presenteado por um representante do governo brasileiro com um exemplar, com uma dedicatória escrita em polonês.
Milewski foi nomeado diretor e produtor para a implementação de Concertos Didáticos. O objetivo desses concertos era encorajar a apreciação musical por pessoas de todas as idades, nas escolas primárias, secundárias, universidades e comunidades. (...)
"
 
Para finalizar esta homenagem a Milewski, reitero que a sua vida dedicada à arte musical foi um verdadeiro presente para nossos ouvidos e sensibilidade, - mimo que nos foi oferecido por suas mãos generosas e talentosas. Vindo da distante Polônia, Milewski deixou-se contagiar pelo amor ao Brasil, tornando-se brasileiro. 

Quando indagado: "Por que Brasil?", Milewski costumava responder a seu interlocutor: "Porque no Brasil se aprende a viver. Se você nunca viveu no Brasil, não sabe o que a vida é." 



NOTAS  EXPLICATIVAS



¹  http://wyborcza.pl/1,76842,10107125,Umiem_tylko_na_skrzypkach.html?disableRedirects=true 
Clicando neste link, terá acesso ao vídeo com o Duo Milewski interpretando Tico-tico no Fubá e Brasileirinho. 

10 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Consternado, fiquei sabendo, através da revista Concerto, nº 241, agosto 2017, do falecimento do violinista JERZY MILEWSKI (1946-2017), que enriqueceu a música brasileira com seu toque único do violino e com suas apresentações de alto nível que encantavam as plateias, unânimes no aplauso e na consagração do grande virtuose.
Sua generosidade superava toda expectativa, como fica evidente no encarte ao CD "Nostalgic Nights" do Duo Milewski:
"(...) Milewski promoveu o violinista brasileiro e compositor Flausino Vale, que Villa-Lobos considerava o "Paganini brasileiro", produzindo um livro e gravando um CD. Um exemplar, com uma dedicatória escrita em polonês, foi apresentada ao Papa João Paulo II por um representante do governo brasileiro.
Milewski foi nomeado diretor e produtor para a implementação de Concertos Didáticos. O objetivo desses concertos era encorajar a apreciação musical por pessoas de todas as idades, nas escolas primárias, secundárias, universidades e comunidades. (...) "

João Bosco de Castro Teixeira (escritor, ex-professor/reitor da UFSJ e presidente da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Francisco, fico-lhe agradecido pelas preciosas matérias que me tem enviado. Enriquecem meus conhecimentos históricos. Obrigado mesmo. Um abraço.

João Carlos Ramos (poeta, escritor, ex-presidente da Academia Divinopolitana de Letras e sócio correspondente da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Lavrense de Letras) disse...

Maravilhoso!
Agradecido!

Edésio de Lara Melo (professor universitário de música, cantor e regente) disse...

Eu o conheçi e tive a oportunidade de ouvi-lo. Prestou-nos um grande serviço com sua arte.

Diamantino Bártolo (professor universitário Venade-Caminha-Portugal, gerente de blog que leva o seu nome http://diamantinobartolo.blogspot.com.br/) disse...

Estimado Francisco.

Infelizmente não conheci o violinista JERZY MILEWSKI porém, lamento o seu
falecimento. Paz à sua alma.

Abraço.

Diamantino

Rafael Braga disse...

Prezado irmão, seu texto é fiel e elucida a enorme importância de Milewsky para com a música dita brasileira. Foi simplesmente fantástica aquela noite de outubro, em sua companhia e nas de nossas esposas! Pude ali vislumbrar dois magníficos músicos a nos brindar com seus talentos! Foi uma noite memorável para minha vida! Agradeço-lhe pelo convite feito por você, nos chamando a acompanhá-lo naquela noite até a vizinha cidade de Tiradentes! Foi tudo muito mágico! Parabéns a você, querido irmão, por tão belas palavras! R.I.P. Jerzy Milewsky !

Prof. Cupertino Santos (professor de história aposentado de uma escola municipal em Campinas) disse...

Importante e justa nota, professor.
Todas as mortes são sentidas, especialmente daqueles que de alguma forma farão muita falta.
Grato; abraços,
Cupertino

Prof. Henryk Siewierski (professor do Departamento de Teoria Literária e Literaturas da UnB, ensaísta, escritor, poeta e tradutor) disse...

Prezado Francisco,
Também ficamos tristes com esta notícia. Obrigado por ter-nos repassado a sua comovente homenagem.
Abraços de
Małgorzata i Henryk

Cidinha Mahle (esposa do Acadêmico Ernst Mahle, da Academia Brasileira de Música) disse...

Que pena! Ele tocou também em Piracicaba uma Sonatina de meu marido.Cidinha.

Dr. Alaor Barbosa (advogado, escritor, cronista, jornalista, ex-consultor legislativo do Senado, membro do IHG do DF e da Academia Goiana de Letras) disse...

Eu não conhecia. Nem ele nem o Flausino Vale. Tenho uuma lembrança vaga de ter assistido a uma apresentação dele na TV-Senado.