Por Francisco José dos Santos Braga
Efígie de Fernand Jouteux (1866-1956), por autor desconhecido, provavelmente desenhada em Paris no 2º período francês (entre 1921-1925) |
I. INTRODUÇÃO
Em artigo publicado no Blog do Braga em 10/05/2019, intitulado Anotações sobre o 1º Conservatório de Música São-Joanense, apresentei os resultados de uma pesquisa que fiz dentro da Biblioteca Municipal Baptista Caetano de Almeida sobre o Conservatorio de Musica Sanjoannense, fundado em 04/04/1937, tendo sido nomeado seu Director Effectivo o Prof. Fernand Jouteux. A motivação para essa pesquisa foi a informação do Prof. Paulo Castagna de que no meio do acervo francês legado pelo músico e doado à Fundação Centro de Referência Musicológica José Maria Neves (F-CEREM) de São João del-Rei havia um documento dando conta de que Fernand Jouteux havia sido provável primeiro diretor do Conservatorio de Musica Sanjoannense (atual Conservatório Estadual de Música Padre José Maria Xavier) no período de sua criação, portanto entre 1951-1953. A dúvida foi dirimida por minha pesquisa nas páginas do jornal são-joanense A TRIBUNA, em edições do ano de 1937, concluindo ter existido em nossa cidade um conservatório de música anterior ao atual, que funcionou pelo menos durante o ano de 1937, sob a direção de Fernand Jouteux.
Fonte: https://bragamusician.blogspot.com/2019/05/anotacoes-sobre-o-1-conservatorio-de.html
Fonte: https://bragamusician.blogspot.com/2019/05/anotacoes-sobre-o-1-conservatorio-de.html
A partir da repercussão desse artigo, venho divulgando minha conclusão entre os historiadores e pesquisadores de meu relacionamento, residentes em outras cidades, e tenho solicitado a colaboração desses estudiosos para desvendamento da passagem de Fernand Jouteux por suas cidades e/ou instituições musicais ou, eventualmente, o seu estabelecimento em suas cidades, como ocorreu em Tiradentes-MG, de 1938 a 1952, ano em que faleceu sua esposa Magdeleine Aubry. Em meados de 1953, já fomos encontrá-lo residindo em Belo Horizonte e onde finalmente veio a falecer em 1956.
Já tive a sorte de dois pesquisadores de Barbacena terem correspondido a minhas expectativas. São eles: Dr. Luiz Mauro Andrade da Fonseca e Prof. Mário Celso Rios, especialmente este último que estendeu o meu pedido de colaboração a meu confrade Edson Brandão no IHG local.
O Dr. Luiz Mauro, informado desta minha pesquisa, em determinada reunião da Academia Barbacenense de Letras, cooperou comigo, localizando idas de Jouteux ao Rio de Janeiro noticiadas pelo jornal A MANHÃ. Entrei na hemeroteca do referido periódico e consegui material relevante que estou tornando público hoje para conhecimento dos estudiosos.
Quanto ao recorte sobre a passagem de Fernand Jouteux por Santos Dumont-MG, na primeira parte do texto, informo que foi localizado por Edson Brandão, que o repassou ao Prof. Mário Celso por e-mail, em 10/05/2019. Quando me repassou o referido recorte, Prof. Mário Celso observou que, embora não tivesse descoberto o recorte, tinha conhecido o saudoso Oswaldo Castello Branco (1906-1997, Santos Dumont), em cujo jornal – O Sol – fora publicada a matéria de 13/10/1934.
Sabe-se que o compositor francês, muito nômade, viajou demais, mesmo dentro do Brasil, sempre com a ideia fixa de encenar sua ópera "O Sertão", inicialmente intitulada "Canudos", baseada em Os Sertões, de Euclides da Cunha. A estreia da sua ópera só se deu em Belo Horizonte em 29/11/1954, no Teatro Francisco Nunes. Foram realizadas mais 2 récitas da ópera: a primeira no dia seguinte no mesmo teatro, e a outra no Cine Teatro Brasil, também em Belo Horizonte. Houve ainda uma última récita no Cine-Teatro Central de Juiz de Fora, em 30/05/1955. Fernand Jouteux morreu um ano depois, em 16/09/1956.
II. MATÉRIAS JORNALÍSTICAS SOBRE FERNAND JOUTEUX
1) PASSAGEM DE FERNAND JOUTEUX POR SANTOS DUMONT-MG
O jornal O Sol de Santos Dumont, Ano VIII, nº 216, na edição de 13/10/1934, noticia o seguinte:
É nosso hospede um ex-aluno de Massenet
Visita-nos o maestro Fernand Jouteux
A nossa cidade está tendo a honra de hospedar o grande maestro Fernand Jouteux, figura destacada da arte musical, no Brasil, ex-aluno do imortal Massenet, que a seu respeito escreveu: "O sr. Jouteux fez, na minha classe, seus estudos de Contraponto, Fuga e Composição. É um cientista, um compositôr vibrante, um Mestre em toda a acepção da palavra."
Essas expressões nós tivemos oportunidade (de) verificar em carta que lhe dirigio o imortal compositôr francêz, preciosos autografos que o maestro Jouteux possui em grande quantidade, por isso que se correspondia frequentemente com o grande Massenet.
O maestro que nos visita é o festejado compositor da opera "O Sertão", inspirada no livro de Euclydes da Cunha, para cuja montagem está excursionando pelo Brasil afim (de) conseguir recursos financeiros. O maestro Jouteux é figura festejada da musica no Brasil e provando isto lemos em seu poder carta do grande Frei Pedro Sinzig O.F.M. em que ha estes trechos: "Receba meu cordeal (sic) abraço por seus merecidos triunfos em Belo Horizonte."
2) IDAS DE FERNAND JOUTEUX AO RIO DE JANEIRO
O jornal A Manhã do Rio de Janeiro, Ano III, nº 541, na edição de 18/09/1927, p. 9, anuncia o seguinte
CONCERTO FERNAND JOUTEUX
Realiza-se, em 30 do corrente no Instituto Nacional de Musica, o grande concerto do maestro francez Fernand Jouteux, discípulo de Massenet.
O referido maestro, que conta já com muitas das suas obras executadas com sucesso em Paris, vae realizar uma audição dos trechos principaes da sua opera “Canudos”, inspirada na obra prima de Euclydes da Cunha.
O programma será brevemente anunciado com todos os detalhes. A Sra. Dolores Belchior e os Srs. Del Negri e Adacto Filho, serão os interpretes da sua opera. Os acompanhamentos ao piano serão feitos pelo competente maestro Giannetti.
Fonte: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=116408 (Matchs 1/3) ou http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=116408&PagFis=12574&Pesq=Fernand%20Jouteux
Observação: Em 1926 e 1927, Jouteux encontrava-se no Rio de Janeiro (residindo no Hotel do Russell), tentando viabilizar a representação de sua ópera.
O jornal A Manhã do Rio de Janeiro, na edição de 19/09/1941, Ano I, nº 36, p. 5, anuncia o seguinte:
O PROXIMO CONCERTO DO MAESTRO FERNAND JOUTEUX NA ESCOLA NACIONAL DE MUSICA
Uma biografia das mais curiosas nos apresenta Fernand Jouteux.
Esse grande talento musical nasceu em Chinon, na França, mas, em verdade, ele é bem brasileiro, com raízes profundas no seio de nossa terra e de nossa gente. Após ter feito os estudos de humanidades no ginásio de Pont-Levoy, Jouteux cursou o Conservatório de Paris, com Massenet, o imortal autor de “Manon” e “Thaïs”. A sua arte, no entanto, sentia atrações por motivos estranhos ao ambiente que o cercava. E Jouteux não forçou esse impulso. Trocou os encantos da Cidade-Luz pelos sertões de nosso Nordeste e os seringais da Amazônia. Durante quarenta anos viveu em nosso “hinterland”, sorvendo os motivos que haveriam de inspirá-lo numa obra que é uma vivificação profunda da alma do nosso sertanejo. Pode-se dizer que ele é um bandeirante da arte. E dentre as grandes conquistas que nos apresenta após a sua peregrinação pelo nosso interior, cumpre destacar “O Sertão”, ópera baseada na obra-prima de Euclides da Cunha. Nessa maravilhosa criação, os “leit-motiv” predominantes são o amor e o ódio. A figura de Antonio Conselheiro é apresentada aqui de maneira magistral pelo autor, que teve o cuidado de afastar toda influência, mesmo indireta, que na campanha dos Canudos teve o elemento litorâneo. O artista quis fazer obra genuinamente sertaneja. Na opinião do maestro Villa Lobos, o “assunto é palpitante”. Sobre a arte de Jouteux, figuras de renome universal na música tambem tem se expressado de forma a colocar os méritos do músico em plano elevado. Assim é que o famoso maestro Gianetti, autor de oito óperas tocadas com sucesso no Scala, de Milão, chamou-o de “herdeiro de Massenet”. Por sua vez, o grande maestro francês diz que Jouteux é um “mestre em toda a acepção da palavra”. Seus “Cantos Brasileiros” foram premiados pelo “Salon des Musiciens Français” e a cena dramática “Le Retour de Marin”, pela “Societé des Compositeurs”, de Paris. A “Sinfonia Brasileira” e “O Sertão” obtiveram na capital francesa ruidoso sucesso, proporcionando ao seu autor renome mundial. O governo francês promoveu-o a oficial da Academia de Belas Artes da França. Jouteux é também um grande poeta, circunstância esta que mais faz ressaltar o seu gênio artístico.
Com todas essas credenciais é que o harmonista de “O Sertão” se apresentará no próximo dia 17, na Escola Nacional de Música, num concerto em homenagem ao general Eurico Gaspar Dutra e exma. Senhora. É a primeira vez que a plateia do Rio terá oportunidade de ouvir harpa com banda de música e canto.
Será o seguinte o programa dessa grande noite de arte:
I PARTE
Brasil-Portugal – Hino-marcha: Francisco Braga – Banda Militar;
Sonata “Clair de Lune” – 1º Tempo – Solo de Harpa – Beethoven – Transcrição de Esther Jacobson;
Cantos Brasileiros – Fernand Jouteux
a) Meu amor não sabe ler – Canção sertaneja (letra de Alberto Marim – Sr. Machado del Negri ) – Harpa e Banda Militar;
b) Miry Pupé (O Passarinho), canção indígena em português e guarani – Machado del Negri e Banda Militar;
c) Dansa Chinesa – Inteiramente composta sobre a escala chinesa de 6 notas (dó, ré, mi, fá, sol, lá – Harpa e Banda Militar.
II PARTE
Adeus ao torrão natal – Solo de Harpa – John Thomas;
Bebê s’ endort – Berceuse – H. Oswald – Harpa e Banda Militar;
Cantos Brasileiros (– Fernand Jouteux):
a) O beijo – Serenata Sertaneja – Sr. Machado del Negri e os Saxofones da Banda Militar
b) Invocação a Rudá (Deus do Amor – Melopéa indígena em Guarani – Machado del Negri, Harpa e Banda Militar);
c) Baiano dos funâmbulos – do Bailado de “O Sertão”, grande ópera brasileira em 4 anos, inspirada na magistral obra de Euclides da Cunha “Os Sertões”, e na “Destruição de Canudos” do marechal Dantas Barreto – Fernand Jouteux – Harpa e Banda Militar.
III PARTE
Marche triomphale du roi David – Solo de Harpa – Godefroid;
Catereté – Harpa e Banda Militar;
Valsa Nostálgica (a nostalgia do sertão!) – Banda Militar – do Bailado de “O Sertão” – Fernand Jouteux;
Sarabanda dos punhais dos jagunços – Banda Militar – do Bailado de “O Sertão” – Fernand Jouteux;
Duque de Caxias – Marcha heroica, dedicada a S. Exª o general Eurico Gaspar Dutra, e ao Exército Brasileiro – Fernand Jouteux – Harpa e Banda Militar.
Fonte: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=116408 (Matchs 2/3) ou http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=116408&PagFis=12574&Pesq=Fernand%20Jouteux
O jornal A Manhã do Rio de Janeiro, na edição de 26/06/1949, Ano VIII, nº 2.417, p. 1 e 2, anuncia o seguinte:
UMA OBRA-PRIMA ESPERA HÁ 20 ANOS A SUA OPORTUNIDADE
Fernand Jouteux não desanima no propósito de realizar a montagem de “Os Sertões”- Discípulo distinguido de Massenet e autor de numerosas obras – Episódios curiosos de uma vida singular
Fernand Jouteux não trai a sua origem francesa.
O sotaque, a abundância de gestos, a conversação colorida, são características que o seu meio século de Brasil não conseguiu apagar.
A história de Fernand Jouteux é muito curiosa e nos foi contada por êle próprio quando esteve, ontem, em visita à nossa redação. Desde os fins do século passado êle vive em nosso país, habitando de preferência o interior dos Estados do Norte. Só nos últimos dez anos é que tem realizado algumas excursões ao Rio e outras capitais do Centro e do Sul do país.
Ultimamente, porém, fixou-se nesta capital.
Foi discípulo distinguido de Jules Massenet e do próprio punho do grande autor de “Manon” possui referências que honram altamente o seu talento e as suas composições.
Nasceu Fernand Jouteux na cidade de Chinon, onde Joana d’Arc pediu ao rei Carlos VII, em nome de Deus, a espada com que livrou Orleans dos ingleses e fez coroá-lo como legítimo herdeiro do trono da França; onde nasceram Rabellais, o autor de “Pantagruel”, e o cavalheiro Charles Dexaux, grande amigo de Juniparan, o chefe dos Tupinambás que, com seus companheiros da Touraine, transformou a aldeia de Tupaon-açu em S. Luiz do Maranhão, para ser a “capital da França Equinocial”.
Teria sido esse precedente que influenciou a determinação de Fernand Jouteux de ser, além de maestro, colono?...
O que há de certo é que, após ter terminado seus estudos literários no ginásio de Pont-Levoy (Loir-et-Cher) e musicais no Conservatório de Paris, com Massenet, o imortal autor de “Manon” e de “Thaïs”, êle vogou pelas águas do rio-mar para ligar sua música com o ambiente brasileiro. Durante quarenta anos percorreu o Pará, o Amazonas, os sertões do Norte, em busca de impressões novas, de assuntos exóticos.
No interior de Pernambuco escreveu a “Sinfonia Brasileira”, os “Cantos Brasileiros” e uma ópera que êle considera o seu maior trabalho: os “Sertões”, baseada na epopeia de Canudos.
Trechos dessas obras, assim como o seu oratório de São Martinho, “Bellator Domini”, e uma outra ópera “Klytis”, obtiveram em Paris um ruidoso sucesso e deram ao seu nome fama mundial. Seus “Cantos Brasileiros” foram premiados pelo Salon des Musiciens Français e sua cena dramática “Le Retour de Marin” pela Societé des Compositeurs, de Paris.
Massenet declarou, um belo dia, ao pai de Jouteux que “não tinha mais que lhe ensinar” e escreveu ao sr. Sourget, presidente da Societé de Sainte Cecile, de Bordeaux, que o seu aluno predileto era “um erudito, um compositor dos mais vibrantes, um mestre em toda a acepção da palavra”.
“OS SERTÕES”
Fernand Jouteux está, agora, à nossa frente. Já completou oitenta anos, mas não parece, apesar de sua vida agitada. E fala-nos sem reserva.
– Vivo nesta terra há muito tempo. Percorri quinze Estados a fim de me pôr ao par dos costumes do interior. Julguei quase impossível poder escrever sobre Canudos, sem ter uma idéia completa da região. Viajei, passei horas amargas e dolorosas, convivi com toda espécie de gente, experimentei satisfações e tristezas, mas realizei a maior pretensão de minha vida: a ópera “Os Sertões”, baseada na obra famosa de Euclides da Cunha.
E concluiu o maestro Fernand Jouteux:
– Até hoje, porém, não consegui a montagem de minha ópera. As despesas são grandes e somente com o auxílio de uma entidade oficial ou dos poderes públicos poderia realizar o meu intento. A luta tem sido árdua, mas ainda não desanimei. Nem desanimo. Ainda verei a montagem de “Os Sertões”.
E com estas palavras o maestro Jouteux encerrou a sua palestra com o nosso redator.
Perguntamos, então: não seria interessante que a Prefeitura, dentro do programa de atividades culturais que vem empreendendo, tomasse a frente dessa grande realização?
5 comentários:
Tenho o prazer de entregar-lhe meu segundo artigo sobre o compositor francês Fernand Jouteux (1856-1866), que elegeu nosso País para residir a partir de 1911.
Desta vez, o leitor do Blog do Braga vai encontrá-lo no Rio de Janeiro, nas páginas do periódico A Manhã, e em Santos Dumont, em O Sol.
Esta é parte de nossa peregrinação numa tentativa de acompanhá-lo em seu "destino de caminheiro errante" pelo Brasil.
https://bragamusician.blogspot.com/2019/06/fernand-jouteux-no-rio-de-janeiro-e-em.html
Abraço cordial,
Francisco Braga
JÓIA !!!
Muito bom, Braga! Mais um grande esclarecimento sobre a passagem de Jouteux pelo Brasil! Compartilhado.
Abraço,
Paulo Castagna
Caro amigo Braga
Agradecemos pelo envio.
Abraços, de Mario e Beth.
Caro BRAGA, é de suma importância descobrirmos o músico FERNAND JOUTEUX e suas vinculações com o Brasil. Você no seu blog acaba de dar seu recado sobre o tema, por isso nossos cumprimentos! Também neste ensejo gostaria de lhe fazer uma observação sobre seu texto: conheci o saudoso Oswaldo Castello Branco (1906-1997, Santos Dumont), mas não possuía o recorte sobre a passagem dele por Santos Dumont, conforme O Sol de 28-10-1934. O recorte que lhe repassei me foi enviado por Edson Brandão em e-mail de 10-5-2019.
Peço-lhe apor essa informação ao seu texto original para melhor clareza de informação e junto a este pedido nossa vontade sincera em continuarmos daqui nas pesquisas sobre Jouteux em BARBACENA que lhe poderão ser úteis!
Abraço do
MCR
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