"Decorridos oito anos da morte de Getúlio Vargas, cresce cada vez mais o seu nome na memória de todos os brasileiros. Êle está sempre presente em tôdas as reivindicações dos humildes, pelos quais morreu. José Barbosa, um dos seus amigos sinceros, conta, nestas páginas, alguns episódios que bem marcaram tôda a vida e a obra do grande líder dos trabalhadores.
Getúlio gostou da franqueza do môço que lhe dissera o que alguns "medalhões" não tinham a coragem de dizer. E, no ano seguinte, chamou-o ao Palácio Rio Negro, perguntando-lhe como iam as coisas em São Paulo. "Tudo calmo, Presidente. Apenas, com a chegada de Osvaldo Aranha, as coisas estão se complicando", respondeu Barbosa. Comentário de Getúlio: "Às vezes há quem vá prestar um serviço e presta um desserviço."
Barbosa aproveitou a oportunidade e voltou ao assunto do salário profissional dos jornalistas. "Mas o Assis (Chateaubriand)" — respondeu Vargas — "estêve comigo e me informou que êste assunto estava resolvido." Respondeu-lhe o jornalista que o Dr. Assis mandara reajustar os salários do pessoal dos Associados, mas que êle não era dono de tôda a Imprensa do Brasil." Getúlio sorriu. José Barbosa então mostrou-lhe o trabalho elaborado pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, ficando então acertado que êle e André Carrazzoni, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, se entenderiam com o Ministro do Trabalho. Dêsses encontros resultou o Decreto-Lei nº 7.037, de 10-11-1944, que regulamentou a profissão. Assinado o decreto, Getúlio perguntou a José Barbosa: "E para ti, não queres nada?" Respondeu-lhe Barbosa: "Não fiz discurso para obter emprêgo."
No dia 29 de outubro de 1945, José Barbosa se encontrava em Jaboticabal para realizar um comício trabalhista, quando soube da deposição de Getúlio. Desde aquêle momento, não saiu mais do espírito de José Barbosa o desejo e a preocupação de levar sua solidariedade ao grande líder deposto, agora no exílio de São Borja, longe dos bajuladores. Desencorajado pelos amigos, José Barbosa conseguiu, assim mesmo, algum dinheiro emprestado, e viajou para a Fazenda Santos Reis.
Gregório Fortunato, recebendo-o na casa da fazenda, disse-lhe que êle era dos primeiros a aparecer por aquêles pagos. Getúlio agradàvelmente surpreendido com a visita, comentou para Barbosa: "É... eles me surpreenderam!" Indagado sôbre o comportamento de João Alberto, respondeu Getúlio: "O João foi meu amigo." Mais tarde, João Alberto comoveu-se quando soube, através de José Barbosa, do conceito que Getúlio fazia dêle.
Trocaram idéias sôbre a sucessão presidencial. Todos disputavam o apoio do ex-Presidente. Mas os civis consultados por Getúlio não aceitaram sua indicação. Apoiar o Engenheiro Fiuza seria fazer o jôgo dos comunistas. Quanto ao Brigadeiro, estava cercado pelos mais notórios inimigos de Vargas. Assim, restava uma saída lógica: o General Dutra. Êsse, em síntese, o pensamento de Getúlio naquela fase. Na realidade, foi Getúlio quem elegeu seu ex-Ministro da Guerra.
O mês de novembro de 1945 marcou um grande êxito na vida de José Barbosa: conseguiu fazer a inscrição de Vargas no Partido Trabalhista Brasileiro. É verdade que a ficha de inscrição só ficou completa cinco meses mais tarde, com dados fornecidos pela sua filha Alzira Vargas, que escreveu as informações com sua própria letra. Convidada para alistar-se também no PTB, D. Alzira riu e respondeu: "Eu cumpro ordens."
Tendo-se aproximado de Getúlio no exílio, José Barbosa o acompanhou em suas idas e vindas pelas estâncias de Santos Reis, Espinilho e Itu, de onde Vargas saiu para voltar ao Govêrno. Nesses dias de contato mais íntimo, José Barbosa pôde, juntando aspectos isolados da personalidade do ex-Presidente, compor-lhe um retrato de corpo inteiro.
Certa vez, quando Barbosa lhe mostrou um jornal com a fotografia do Presidente Roosevelt e a notícia de sua morte, Vargas disse: "Roosevelt foi meu amigo e um grande amigo do Brasil. Sem seu auxílio, eu não poderia ter construído Volta Redonda." E contou a José Barbosa a luta pela construção da Siderúrgica, "enfrentando a resistência dos 'trusts' internacionais do aço, e a influência de grupos poderosos". A certa altura — narrou Getúlio — teve de insinuar uma ameaça de que seu Govêrno iria buscar na Alemanha os recursos necessários para que o Brasil pudesse forjar o seu aço. Roosevelt compreendeu tudo e explicou aos grandes 'trusts': ou êles cediam ou os Estados Unidos perderiam um grande aliado. Só assim é que foi possível a construção de Volta Redonda.
José Barbosa contou a Getúlio o que tinha sido a chegada de Washington Luís. Êle, mostrando grande interêsse em saber de tudo, comentou: "Tenho grande respeito pelo Washington e pelo Otávio Mangabeira. Nunca atenderam aos meus acenos diretos ou indiretos. São dois homens que merecem ser acatados."
Getúlio, segundo José Barbosa, gostava muito de animais. Muitas vêzes, interrompia as refeições para alimentar, com suas próprias mãos, o cachorrinho "Pito", deixando de lado a conversa dos figurões para atender àquele amigo de verdade.
José Barbosa relembra muitas histórias acontecidas com Vargas. Esta, por exemplo:
Certa vez, chegou à Fazenda Itu um homem simples, carregando uma mala. No bôlso, apenas Cr$ 50,00. Viera de São Paulo, por conta própria, sem ajuda de ninguém. Queria apenas saber se Getúlio Vargas era candidato à Presidência da República. Isto foi antes de 1950. Getúlio, inteirado de sua presença, não lhe deu muita esperança de se candidatar. O homem (chamava-se José) não duvidou: "Então vou ficar por aqui até o senhor se decidir. Sou jardineiro, entendo de horta, e posso ajudá-lo." Mais tarde, já em março de 1950, depois de um encontro decisivo em Itu, Getúlio saiu candidato. O homem, depois de confirmar a notícia com José Barbosa, exclamou: "Então, a minha missão está cumprida. Posso ir embora." E foi. A veneração com que os trabalhadores tratavam Getúlio assumia, muitas vêzes, êstes aspectos quase místicos.
Para José Barbosa, não é apenas o fato de Getúlio ter governado o País num período conturbado que marca a sua presença ainda hoje na vida política. "Realmente, êle continua presente em tudo: nas ruas, na vida rural, no Govêrno, enfim, na própria alma da Nação. No Govêrno, êle está presente na pessoa de João Goulart, que continua a sua luta. A mensagem deixada por êle — comunicando ao povo a pressão constante a que tinha sido submetido, tudo suportando em silêncio para defender o seu povo — é que o faz lembrado. Nas propaladas reformas de base, Getúlio está presente. No progresso do Brasil, agora caminhando para melhores dias, no alicerce de todas as grandes reivindicações nacionais, está presente a figura do homem que morreu para alertar o povo contra aquêles que queriam sugar o seu sangue. A perpetuação da figura de Getúlio reflete aquela verdade já afirmada por Augusto Comte: "Os mortos cada vez mais governam os vivos." Getúlio morto continua cada vez mais presente na alma do povo, inspirando-o e dando-lhe fôrças para reagir. O sacrifício de Vargas é e continuará sendo a grande bandeira de luta do povo. Cada gôta do seu sangue é uma chama imortal na consciência dos brasileiros, mantendo viva a chama sagrada da resistência. E — o que é importante — essa luta, essa resistência do povo que é humilhado e passa fome é uma luta sem ódios. É uma resistência tranquila e constante contra a espoliação do Brasil, contra a espoliação do povo, que "sente no peito a energia para a luta."
São estas as palavras de José Barbosa, que conclui: "Getúlio continua presente, e o seu espírito é de paz e concórdia, porque só o amor constrói para a eternidade. Aos que ainda pensam que o derrotaram, êle está respondendo com a sua vitória, a sua grande vitória, pois o continuador da obra de Vargas, João Goulart, inspira-se na luta e na experiência legadas pelo grande trabalhista."
III. BIBLIOGRAFIA
14 comentários:
Nesta semana, o Blog do Braga está dedicando seus textos, próprios ou de terceiros, ao Presidente Getúlio Vargas.
Apreciaremos no presente artigo trecho das memórias do saudoso amigo, falecido em 2010, DEPUTADO JOSÉ BARBBOSA, sobre um dos momentos políticos brasileiros: o que sucedeu a deposição de Vargas em 1945, quando ele tinha se retirado para São Borja, e em 1950, quando retornou à presidência carregado pelos braços do povo.
Importantes já na Revolução de 1930, que levou Vargas ao poder, os militares conduziram o processo de deposição de Getúlio, que por sua vez procurava protagonizar a transição e permanecer no poder. Para sucedê-lo no Palácio do Catete, o Presidente Vargas apoiava o candidato Eurico Gaspar Dutra, seu ministro, que tinha fortes convicções, apoiando o integralismo e revelando forte queda pela Alemanha Nazista, contando com o apoio do Exército. Seu oponente foi o Brigadeiro Eduardo Gomes, apoiado pela Aeronáutica, também militar e liderança tenentista da década de 1920. A disputa entre Dutra e Gomes representou, acima de tudo, uma divisão nas Forças Armadas. O pretexto para o golpe contra o Presidente Vargas foi a nomeação de seu irmão, Bejo, para chefe de polícia do DF, em substituição a João Alberto, fato corriqueiro sem maior expressão, dentro de uma normalidade política. Mas, como já visto, os tempos eram conturbados em fins de 1945.
Link: https://bragamusician.blogspot.com/2021/08/recordacoes-de-getulio.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Obrigada, meu amor. Sempre por ti.
Impressionante história de GV.
AGOSTO, MÊS AZIAGO.
ESPERO QUE HAJA UMA DURA REAÇÃO CONTRA ESSE ESTADO DE COISAS INSTAURADO PELO STF E A ESQUERDA.
ABS.
Caro professor Braga,
Interessante testemunho e não menos interessante personalidade a do Sr. Barbosa. Excelente publicação !
Grato. Cumprimentos.
Cupertino
👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽 Excelente!
Muito obrigado meu amigo.
Forte abraço.
Diamantino
Obrigado. Gilberto
Meu pai era um apaixonado pelo Getúlio Vargas,pois era operário da Marinha do Brasil, em Belém do Pará.Eu tenho uma foto do Getúlio Vargas,com 1 metro de altura e 90cm de largura e foi pintada a óleo 6 meses antes dele morrer.O meu irmão caçula, se chama Getúlio Darcilo e é afilhado de batismo de Getúlio Vargas.
Muito importante.Era menino. Lembro da repercussão da morte de GV.
Abraço
Realmente, muito interessante a matéria.
Lembro-me ainda hoje de quando tinha 9 anos (1954) e retornei da escola mais cedo. Meu pai, que não admitia falta às aulas, logo perguntou o motivo. Disse: Jetúlio morreu! Observei como a notícia o impactou.
Muito grato, Francisco.
Abraço.
Sossai
Caro confrade da ALSJDR, Francisco Braga
gratidão pela remessa do link anexo.
Abraço,
Pe. Sílvio
PARABÉNS PELA MERECIDA HOMENAGEM A GETÚLIO VARGAS. ELE REALMENTE DEIXOU-NOS PRECIOSOS EXEMPLOS
Obrigado ! 👍👍
Francisco Braga,
No dia 24 de agosto deste ano, não vi qualquer referência à morte de Vargas.
Esquecimento total.
Manoel Hygino
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