sábado, 25 de dezembro de 2021

PAPAI NOEL NA RÚSSIA


Por Francisco José dos Santos Braga
 
Ded Moroz e sua neta, Sniegúrka

 

Começo este texto explicando os personagens que encantam as festas natalinas na Rússia. Lá, em vez do Papai Noel, existe outro personagem que se chama Ded Moroz (pron. Dyed Moróz). Muita gente traduz esse nome em português como Vovô Gelo ou Vovô Inverno. No caso, manterei a expressão Vovô Moroz. Ded Moroz é um senhorzinho que entrega os presentes para crianças na festa do Ano Novo, e não é no Natal que é celebração religiosa. Ded Moroz tem uma netinha Sniegúrka ou Sniegúrotchka, a heroína de muitos contos de fadas russos, a Donzela de Neve, que ajuda seu vovô. 

Vovô Moroz e sua netinha Sniegúrka, em carruagem puxada por uma Тройка (tróika) de cavalos, diferentemente das 9 renas na cultura ocidental

 

Inicialmente, apresento aqui um conto curto em russo, Мороз, Красный Нос (transliterado Moróz, Krásnyi Nós em português), que, na minha tradução um pouco livre, seria "Moroz, Nariz Vermelho". Abaixo apresento minha tradução para o breve conto¹:
 
I. Moroz, Nariz Vermelho 
 

Era uma vez o Gelo muito semelhante a Vovô Moroz, que fica embaixo da árvore de Natal. Ele era carinhoso e gostava muito de crianças. Quando estas viam Vovô Moroz, então corriam atrás dele e gritavam: 

Vovô Moroz, Nariz Vermelho! 
Vovô Moroz, Nariz vermelho! 

Assim gritavam até o porto enquanto Vovô Moroz ficava muito bravo. Ele colocou o boné da invisibilidade na cabeça, pegou a tinta vermelha e caminhou pelas ruas. As crianças não conseguiam vê-lo, porque ele tinha chapéu invisível. Vovô Moroz pegou tinta vermelha e pintou o nariz de todas. 

Desde então, ele tem caminhado e ninguém o vê. Mas quando num dia frio invernal teu nariz ficar vermelho, sabe que quem o pintou foi Vovô Moroz. 

Crédito pela imagem: BrokenSphere

 

É natural indagar donde veio essa expressão esquisita Mороз, Красный Нос. A essa excelente pergunta esclareço que tudo começou documentalmente em 1863 com um poema com o mesmo título, escrito por Nikolái Alekséievitch Nekrásov (1821-1878), dedicado às crianças russas. Além desse marcante poema, o seu autor ainda produziu um ciclo de poemas, dentre os quais vale citar "Tio Jacob", "Abelhas", "General Toptygin", "Avô Mazai e as Lebres", "Rouxinóis" e "Na véspera de um feriado brilhante". 
 
Nikolái Alekséievitch Nekrásov (1821-1878)

 

O poema "Moroz, Nariz Vermelho", escrito por Nekrásov em 1863, é o mais consistente em termos de padrões de versificação, dentre todas as obras do autor. Este poema é uma glorificação da camponesa russa, em que o autor contempla o tipo de "eslavo majestoso" em desaparecimento na sua época. O poema descreve os lados positivos da natureza camponesa, mas, devido à estrita consistência de estilo, carece de sentimentalismo. 

A seguir vou apresentar um breve resumo do poema de Nekrásov:
 
 
II. Moroz, Nariz Vermelho 
 
Na cabana do mujique há um pesar terrível: o dono e arrimo de família Proclus Sevastyanytch morreu. A mãe traz um caixão para o filho, o pai vai ao cemitério para cavar uma sepultura no chão congelado. A viúva do mujique, Dária, cose uma mortalha para seu falecido marido. 
O destino para uma moça russa comum tem três vertentes difíceis: casar-se com um servo, ser mãe do filho de um servo e se submeter a um servo até o túmulo todas elas recaíram sobre os ombros de uma camponesa russa, Dária. 
Mas, apesar do sofrimento, “há mulheres nas aldeias russas”, nas quais a sujeira de um ambiente miserável parece não grudar. Essas belezas desabrocham maravilhosamente para o mundo, suportando com paciência e uniformidade tanto a fome quanto o frio, permanecendo lindas em todas as roupas e hábeis em todo trabalho. Não gostam de ociosidade nos dias úteis da semana, mas nos feriados, quando um sorriso divertido tira a marca de trabalhadora de seus rostos, o dinheiro não compra uma risada tão sincera como a delas. 
Nas palavras de Nekrásov, em sua heroína ele caracterizou um tipo raro, já em sua época desaparecendo do povo russo, o gênero de "eslavos lindos e poderosos". Mais comumente do que em seu tempo houve a figura da mulher abandonada e humilhada:
Tu és tudo - o susto personificado
Tu és tudo - fatiga secular

diz o poeta sobre aquele tipo comum de camponesa russa.
A mulher russa "parará o cavalo a galope, ela entrará na cabana em chamas!" Ela sente força interior e experiência estrita. Ela tem certeza de que toda a salvação consiste no trabalho e, portanto, não tem pena do pobre mendigo que perambula sem trabalho. Ela é recompensada pelo seu trabalho integral: sua família não conhece a necessidade, as crianças são saudáveis ​​e bem alimentadas, há uma fatia a mais para o feriado, a cabana está sempre quentinha.  
Tal mulher era Dária também, a viúva de Proclus.
Aqui a história da camponêsa Dária é contada. Antes do casamento, ela é a moça de espírito forte, que não tem medo da vida, e bravamente entra em luta com ela. Dária casou com Proclus. Ele era um mujique que combinava com ela sério e trabalhador. E a felicidade inicialmente acompanhou este casal de trabalho duro e assim toda a sua vida aconteceria nesta "difícil tarefa". 
Mas, na adversidade, o arrimo da família, Proclus, caiu enfermo. Dando uma de cocheiro, correndo para entregar uma mercadoria no prazo, Proclus pegou um resfriado. 
Como  não iriam tratar do arrimo da família? Proclus foi submetido a um tratamento da roça: água de nove fusos, banho quente, três vezes metido através de colarinhos suados, colocado debaixo de poleiro de frangos, nada funcionou:
А плохо – не пьёт и не ест!
Vai mal - não bebe nem come!
Dária foi buscar no mosteiro vizinho e, sem medo de geada e lobos, trouxe um ícone milagroso à noite através da floresta, mas tudo o que foi feito foi em vão Proclus morreu.
Mas agora a dor a secou e, por mais que tente conter as lágrimas, elas caem involuntariamente em suas mãos rápidas, que estão cosendo a mortalha.
Os pais de Proclus, tendo levado aos vizinhos seus netos Masha e Grisha transidos de frio, agora vestem o filho falecido. Dos pais, empenhados neste triste afazer, nenhuma palavra desnecessária é dita, nenhuma lágrima sai como se a beleza rude do falecido, deitado com uma vela acesa na cabeça, não permitisse chorar. E só então, completado o último rito, chega a hora da lamentação. 
Numa manhã de inverno rigoroso, o cavalo está conduzindo o dono em sua última viagem. O cavalo serviu muito ao dono: tanto no trabalho de mujique, como no inverno, e agora parte com Proclus em carruagem. 
Todas as crianças, tanto as da unidade agrícola quanto as menores compareceram em casa de Dária para o último adeus. Ela não esteve confusa aqui neste transe, quando manteve o poder de sua poderosa alma: tendo enterrado seu marido, ela se dirige no mesmo dia à floresta para buscar lenha. Neste momento, à floresta tinha ido Moroz-Voevoda ².
Moroz viu a viúva e pôs-se a falar-lhe com suas falas doces; essas falas a enfeitiçam; e ela começa a congelar-se, as alegres visões se descortinam diante dela: então parece a ela que está beijando seu Proclus com todo o fervor da jovem paixão, então lhe são apresentados quadros da vida passada de trabalho duro, mas feliz, e ela morre. 
É assim que o triste destino de uma camponesa russa é retratado no poema "Moróz, Krásnyi Nos" de Nekrásov.

 

III. NOTAS EXPLICATIVAS 

 

¹  Este pequeno conto foi extraído de "Material didático para palestras bem desenvolvidas", um pequeno manual de pequenos textos em língua russa preparado pelo Centro de Ensino Internacional da M.G.U., Moscou , 1995, p. 36.  

²  Moróz: personagem velho fabuloso, uma personificação do frio intenso que congela tudo. Ded Moróz: Papai Noel russo. "Voevoda" é um antigo título russo para um general. Logo, resulta que Moroz-Voevoda pode ser traduzido por "General Moroz".

6 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Tenho o prazer de enviar-lhe dois textos breves sobre o personagem Moróz, personificação do intenso inverno russo. Como nosso Papai Noel, é um senhorzinho, que, acompanhado de sua netinha, presenteia as crianças. Mas há algo mais.
É o que se verá nos dois textos em minha tradução: um em prosa, e o outro, em meu resumo, em versos.

https://bragamusician.blogspot.com/2021/12/papai-noel-na-russia.html

Cordial abraço,
Francisco Braga

Eudóxia de Barros (insigne pianista, concertista e membro da Academia Brasileira de Música) disse...

Muito grata !

Sinceros votos para um Feliz 2022 !!!

Parabens sempre pelos seus trabalhos; estou sempre lendo, embora às vezes deixe de responder.

Abraço amigo,

Eudóxia.

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

MUITO BOM!

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e membro da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Grato pelo envio. Que o Menino do Natal e sua Mãe sejam luz e esperança para você e Rute!

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

Curioso registro sobre esse fascinante tema do "Papai Noel" ! Admirável a versão russa do personagem, tão estranha quanto engraçada em sua lenda ! Pungente o romantismo do escritor Nekrásov, manifestação literária contemporânea dessa tradição! Não sei se há estudos comparativos sobre a formação desses mitos similares, mas é algo naturalmente interessante.
Parabéns pela seleção e tradução !
Grato. Cumprimentos.

Cupertino

Anizabel Nunes Rodrigues de Lucas (flautista, professora de música e regente são-joanense) disse...

Muito interessante. Fantástico! Obrigada