Por Véronique Laroche-Signorile
Traduzido do francês e ilustrado por Francisco José dos Santos Braga de acordo com o original
À esquerda: pôster criado por Georges-Antoine Rochegrosse em 1902 para a ópera "Pelléas et Mélisande"; à direita: compositor Claude Debussy (1862-1918). Crédito: Rue des Archives/TAL;Lebrecht/Rue des Archives
OS ARQUIVOS DE LE FIGARO - Em 30 de abril de 1902, acontece a première em Paris do drama lírico, tirado do teatro de Maurice Maeterlinck, cuja música é de Claude Debussy. Na época, a obra suscitou fortes críticas: o compositor se defendeu nas colunas de Le Figaro.
Uma obra discutida com paixão. Há 120 anos, acontecia na Opéra Comique em Paris a primeira apresentação de Pelléas e Mélisande, com libreto de Maurice Maeterlinck e música de Claude Debussy. O evento fez muito barulho e causou polêmica pela originalidade da obra. Mas também por causa da diferença entre Maeterlinck e Debussy e Albert Carré, o diretor.
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Maurice Maeterlinck (1862-1949) é um escritor belga, poeta, dramaturgo e ensaísta. Crédito: Rue des Archives/Rue des Archives/Tallandier |
É assim que Maurice Maeterlinck se dissocia da obra antes mesmo do ensaio, quando publica uma carta na seção "Courrier des Théâtres" do Le Figaro datada de 14 de abril de 1902. Nela se lê: “A direção da Opéra Comique anuncia a representação próxima de Pelléas e Mélisande. Essa performance acontecerá contra a minha vontade, porque M.M. Carré e Debussy desrespeitaram o mais legítimo dos meus direitos. [...] Eles conseguiram assim me excluir da minha obra, e a partir de então ela foi tratada como um país conquistado. Foram feitos cortes arbitrários e absurdos que a tornam incompreensível; mantiveram o que eu pretendia suprimir ou melhorar, como fiz no libreto que acaba de ser lançado, onde se verá o quanto o texto adotado pela Opéra Comique difere do texto autêntico. Em uma palavra, o Pelléas em questão é uma peça que se tornou estranha para mim, quase hostil; e, despojado de todo o controle de minha obra, estou reduzido a desejar que sua queda seja rápida e retumbante.”
A originalidade e a novidade musicais de Claude Debussy são desconcertantes
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Cena 1 do Ato I: "Uma floresta" da ópera "Pelléas et Mélisande" de Claude Debussy. Crédito: Rue des Archives/Rue des Archives/Tallandier |
Quanto à música do compositor Claude Debussy, ela suscita opiniões contraditórias, que levam René Lara a escrever em Le Figaro de 3 de maio de 1902: "A obra do sr. Debussy nos remete, de fato, a tempos heróicos, quando Wagner, Chabrier, César Franck e Vincent D'Indy desencadeavam tempestades no santuário de tradições respeitadas. Ele despertou uma curiosidade apaixonada, polêmicas ardentes, críticas acerbas: sofre o destino das obras de combate, e imagino que isto seja, para um músico do valor de sr. Debussy, o sucesso mais nobre que poderia ter desejado".
O crítico de teatro Henry Bauër especifica de fato na edição de Le Figaro de 5 de maio de 1902 que "desde a primeira audição, o drama musical de originalidade, de novidade desconcerta e irrita muitos espectadores". Mas todas as reações e polêmicas deles são uma boa publicidade para a ópera, porque incitam inúmeros espectadores a virem descobri-la. E Henry Bauër predisse aos leitores de Le Figaro que “hoje ou amanhã a partitura de Debussy se imporá. É uma questão de tempo, de pouco tempo. Ela se imporá, eu lhes digo: em pouco tempo, Colonne ou um outro produzirá, ato por ato, o sucesso de seus concertos, e vocês consagrarão (com o pesar de não ter sido dos primeiros no teatro) esta obra tão apaixonadamente artística, tão jovem, tão pura e terna, tão original de assunto, de inspiração, de expressão”.
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Artigo aparecido em Le Figaro em 16 de maio de 1902
Crítica das críticas
Pelléas et Mélisande - A namorada
Quem foi que disse que "músicos tinham almas fechadas"? Este não estava errado. Não é pouca coisa saber o que sr. Claude Debussy pensa da crítica de Pelléas et Mélisande. Ele responde pouco e sorri mais. Ele fala bem baixinho, com uma voz abafada e melodiosa. Acham que ele odeia a propaganda por temperamento e a publicidade por higiene. Ele é de uma discrição quase conventual. É preciso bater suavemente à porta e tirar seus sapatos para não fazer barulho nesta alma onde todos os sons têm um valor profissional e uma ressonância particular.
"A luta não é igual. Os críticos têm o direito de julgar em uma hora o esforço, o trabalho, a gestação de vários anos."
Claude Debussy.
“Os críticos... os críticos?... ele murmura. São pessoas corajosas, muito corajosas, quero acreditar. São, em todo caso, pessoas muito felizes. Eu os invejo talvez — mas sente-se que o sr. Debussy não os inveja de forma alguma — com eles a luta não é igual. Eles têm o direito de julgar em uma hora o esforço, o trabalho, a gestação de vários anos.
Quase modesto, continua sr. Debussy.
"Há doze anos que tenho Pelléas e Mélisande como companheiros de existência diária, senhor. Desse longo trabalho, não me queixo. Trouxe-me acima de tudo uma alegria, um contentamento íntimo que nenhuma palavra, nenhuma culpa poderia diminuir. Além disso, alguns críticos me entenderam e adivinharam perfeitamente. Só posso agradecer ao sr. Gaston Carraud (La Liberté), sr. Camille de Sainte-Croix (La Petite République), sr. Gustave Bret (La Presse), sr. André Corneau (Le Matin), e sr. Henry Baüer pelo seu belo artigo publicado no Le Figaro.
"Eu respeitei, sobretudo, o caráter, a vida dos meus personagens, queria que eles se expressassem fora de mim, por si mesmos."
Claude Debussy.
O sr. Catulle Mendès, depois de muitos elogios com os quais me declaro
confuso, considera que não traduzi “a essência poética do drama”, e que
minha música permanece “independente dela”. No entanto, tentei com todos
os meus esforços e toda a minha sinceridade identificar uma com a
outra. Respeitei, sobretudo, o caráter, a vida dos meus personagens,
queria que eles se expressassem fora de mim, por si mesmos. Eu os deixei
cantar em mim. Tentei ouvi-los e interpretá-los fielmente. Isso é tudo.
O sr. Gauthier-Villars — admiro sua ciência técnica e a fidelidade com
que dá ao “ acorde com 9ª ” uma publicidade bastante inesperada — critica
minha partitura pelo fato de que aí o desenho melódico nunca se
encontrar na voz, e sim sempre na orquestra. De fato, eu quis que a ação
nunca parasse, fosse contínua, ininterrupta. Eu quis não carecer de
frases musicais parasitas.
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A cantora escocesa srta. Mary Garden (1874-1967) no papel de Mélisande na ópera "Pelléas et Mélisande" na Opéra Comique em 1902. Crédito: Rue des Archives/Rue des Archives/PVDE. |
Ao ouvir uma obra, o espectador está acostumado a experimentar dois tipos bem distintos de emoção: a emoção musical, por um lado; a emoção do personagem, por outro; geralmente, ele as experimenta sucessivamente. Tentei fazer com que essas duas emoções estivessem perfeitamente combinadas e simultâneas. A melodia, se assim posso dizer, é quase antilírica. É impotente para traduzir a mobilidade das almas e da vida. Ela se adequa essencialmente à canção que confirma um sentimento fixo. Eu nunca consenti que minha música apressasse ou atrasasse, como resultado de exigências técnicas, do movimento dos sentimentos e de paixões de meus personagens. Ela desaparece desde que convenha que ela lhes deixe a inteira liberdade de seus gestos, de seus gritos, de sua alegria e de sua dor. É o que um de meus juízes, sr. de Fourcaud, de Le Gaulois, compreendeu muito bem, sem querer, falando, a propósito de Pelléas e Mélisande, de "declamação com notas, acompanhada apenas..."
Sei que inspirei grandes temores ao sr. d'Harcourt ¹. Sinto muito. Ele fala a meu respeito como “arrivistas barulhentos”. Que ele fique tranquilo! Ele evoca a “Santíssima Trindade” musical: “melodia, harmonia e ritmo” cujas leis não podem ser infringidas. Está muito bem dito. Mas existe uma lei que impede o músico de misturar esses três elementos em certa proporção do que em outra. Eu penso que não. Além disso, apesar de duas leituras atentas, não consegui penetrar no sentido de todas as reflexões do sr. d'Harcourt, que devem ser infinitamente profundas. O mesmo crítico fala do “Despertar de Mélisande”. Talvez ele esteja confundindo com o Despertar de Brunnhilde?
"Meu método de trabalho, que consiste sobretudo em dispensar todos os métodos, não deve nada a Wagner."
Claude Debussy.
Imprudentemente pronuncio o nome de Richard Wagner diante de sr. Debussy, que ultimamente tem dedicado a ele, na ativa e frutífera Revue Blanche, vários artigos singularmente vivos e penetrantes!
“Sem dúvida, meu método de trabalho, que consiste sobretudo em prescindir de todos os métodos, nada deve a Wagner. Com ele, cada personagem tem, por assim dizer, seu “prospecto”, sua fotografia, seu “leitmotiv”, de que é sempre precedido. Confesso que acho este método um pouco grosseiro. Da mesma forma, o desenvolvimento sinfônico que ele trouxe ao drama lírico parece-me frustrar continuamente o conflito moral em que estão engajados os personagens, a ação passional, que é a única que importa."
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Página manuscrita de Claude Debussy, ópera "Pelléas et Mélisande". Crédito: Rue des Archives/© Granger NYC/Rue des Archives | |
Sr. Debussy fica animado. Ele perdeu sua bela timidez de agora há pouco. Ele carrega nas palavras e as martela. Sente-se que expressa uma profunda convicção, longamente ponderada, preciosamente preservada. Também é com alguma dificuldade que ele aceita voltar ao campo da discussão. “O que eu diria a você sobre outros críticos? Sem dúvida o sr. Gaston Serpette declara com admirável segurança que minha partitura é a “negação” de toda arte musical. Este escritor indulgente esquece que muito frequentemente uma negação vale várias afirmações. La Vie Parisienne e La Libre Parole não se preocupam felizmente com o ponto de vista artístico. Portanto, não posso prestar atenção a elas. Aliás, por lamentável descuido, o redator deste último jornal esqueceu-se de assinar seu artigo. Você tem que rir de tudo isso... ou melhor, sorrir disso.”
E o Sr. Claude Debussy sorri, sim, e prossegue: “Mas que alegria para mim, ter tido colaboradores como srs. Albert Carré e André Messager, intérpretes como os de Pelléas e Mélisande, e permanecer, após a batalha, seu amigo grato e dedicado.” Mas aqui está o sr. Debussy partindo para os países do Sonho e da Quimera. Ele já está longe. Sou obrigado a deixá-lo, enquanto sua alma musical e discreta retoma o curso de seus pensamentos harmoniosos, delicados e sutis.[...]
Por Robert de Flers
II. NOTA EXPLICATIVA
¹ Claude Debussy refere-se à crítica de Eugène d'Harcourt, publicada em 1º de maio de 1902 em Le Figaro, na qual evoca longamente o compositor e sua obra. Na edição de 20 de maio de 1902, o colaborador musical do jornal faz questão de especificar que não designava Claude Debussy quando falou de “arrivistas barulhentos” em seu artigo.
III. AGRADECIMENTO
Agradeço à minha amada Rute Pardini Braga a formatação e edição das fotos utilizadas neste artigo traduzido por mim.
11 comentários:
Prezad@,
Em trabalho anterior de 19/02/2022, intitulado "Odaléa/Condor (1891), última ópera de Carlos Gomes, bem elaborada, mas injustiçada", analisei o porquê de esta ópera ser tão incompreendida: entre as inúmeras razões ali discutidas, observei que "Carlos Gomes estava em busca de um caminho novo, ao aproximar-se da música francesa, embora se ressentisse de perda de espontaneidade no auto-desenvolvimento". O professor, historiador da Arte e crítico musical Jorge Coli, em artigo intitulado "Cantos Orientais" na Folha de S. Paulo, de 11/12/2005, viu que, no geral, a crítica acerba desferida contra a Odaléa reverberou com vigor por ocasião da estreia de "Pelléas et Mélisande", de Claude Debussy, 11 anos depois. E Coli foi categórico, ao afirmar que "o espírito deliquescente que habita Pelléas é, sem dúvida, o mesmo do qual emanou Côndor."
Neste meu novo trabalho de tradução do francês, da autoria de Véronique Laroche-Signorile, convido o leitor do Blog do Braga a ler o teor das críticas desferidas contra o compositor francês Claude Debussy, quando estreou sua ópera em 30/04/1902 e qual foi a reação de Debussy às ofensas recebidas na ocasião.
Com este trabalho, o Blog do Braga está prestando sua homenagem ao 120º aniversário de apresentação de "Pelléas et Mélisande", na Opéra Comique em Paris, com libreto de Maurice Maeterlinck e música de Claude Debussy.
Link: https://bragamusician.blogspot.com/2022/03/pelleas-et-melisande-claude-debussy.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Amigo, não é de fácil mensuração o valor de um trabalho como este, que vc me permite ver, nesta oportuna tradução de tema envolvendo o enormíssimo compositor de Clair de Lune. Muitíssimo obrigado, mais uma vez.
BRAVO!!!
Obrigado!
Heitor
Gostei 🙋🏻♀️
Muito bom👍🏻
Grato, Francisco e Rute.
Abraços
Anderson
Caro professor Braga
Uma polêmica que talvez reflita, como em certas épocas revolucionárias, a contradição entre a genialidade criadora e as suas errantes circunstâncias históricas. Parabéns pela publicação traduzida.
Saudações.
Cupertino
Caro amigo Braga
Agradecemos pela gentileza do envio deste seu novo trabalho, como sempre exemplar, traduzido por Vèroniqua Laroche-Ssignorile, com as criticas contra Debussy, bem como por sua bela homenagem ao 120º aniversário de apresentação de "Pelléas e et Mélisande" na Opéra Comique em Paris.
Muito interessante! Apreciamos!
Abraços dos Amigos Mario e Beth.
Grato pelo envio, caro Braga.
Parabéns, Francisco Braga!
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