sábado, 15 de julho de 2023

LIBERDADE, LEMA DO “DIA DE MINAS”

Por Francisco José dos Santos Braga * 
  
A matéria que será lida aqui corresponde, em certa medida, ao espaço correspondente a duas laudas que a redação de um grande jornal concede a um autor externo para comemorar a data cívica a que nós mineiros já nos acostumamos: o 44º aniversário do "DIA DE MINAS" (1979-2022), festejado conjuntamente com o aniversário de 327 anos de Mariana (1696-2023), cellula mater do Estado de Minas Gerais. 
 
A homenagem da comemoração conjunta foi uma honra prestada pelos legisladores mineiros à iniciativa do marianense Dr. Roque José de Oliveira Camêllo, ilustre idealizador da proposta "16 de Julho-Dia do Estado de Minas Gerais". Foi no seio da Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes, em 16 de julho de 1977, durante a sessão comemorativa do 281º aniversário de Mariana, que o Acadêmico Roque Camêllo, grande orador que era, lançou a ideia de se instituir o 16 de julho — então Dia de Mariana — como data cívica estadual, tendo recebido o apoio do então presidente da Casa, historiador Waldemar de Moura Santos, e dos Acadêmicos, bem como, a seguir, o aplauso das Autoridades Municipais e da comunidade marianense. Em seguida, a proposta foi entregue ao governo estadual e à Assembleia Legislativa. Roque Camêllo viu finalmente sua proposta ser coroada de êxito em 19 de outubro de 1979, quando o projeto de lei de iniciativa do deputado Domingos Lannas deu origem à Lei nº 7561, sancionada pelo governador Francelino Pereira dos Santos, instituindo o 16 de Julho como DIA DE MINAS. Eis, resumidamente, como se deu a instituição do DIA DE MINAS. 
 
Agora, sirvo-me deste espaço virtual privilegiado para relembrar com saudade um fato que o advogado e escritor Dr. Roque Camêllo (1942-2017),  cuja carreira inclui ter sido prefeito de Mariana, presidente da Academia Marianense de Letras e Diretor Executivo da FUNDARQ-Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana , costumava inserir em suas tertúlias literárias e pronunciamentos nesta data festiva. Dentre outros fatos históricos, que ele considerava fatores constitutivos de nosso sentimento de mineiridade, ele costumava destacar a Revolução Liberal de 1842. ¹ Advirto os leitores de que careço das qualidades oratórias de Roque Camêllo: sua naturalidade de falar em público, seu estilo elegante e sua capacidade de encantar auditórios com palavras emocionadas e vibrantes que fascinavam qualquer ouvinte. 
 
Apesar disso, permito-me recordar que, no relato de Roque Camêllo, após fazer um retrospecto histórico do "Golpe da Maioridade", que garantiu a ascensão de D. Pedro II ao trono em 23/07/1840, segundo ele, os liberais conseguiram maioria absoluta para a legislatura de 1842, mas foram surpreendidos pela dissolução da futura Câmara, fato que deu ensejo à articulação dos liberais das províncias de São Paulo e Minas Gerais. Na bancada mineira destacavam-se principalmente Teófilo Ottoni e o Cônego José Antônio Marinho. Na província de São Paulo, a revolta eclodiu em Sorocaba na manhã de 17 de maio de 1842, agitação que se estendeu a outras cidades. A rebelião mineira tivera início em 10 de junho de 1842, na cidade de Barbacena, escolhida como sede do governo revolucionário. Na Câmara Municipal dessa cidade, José Feliciano Pinto Coelho, depois Barão de Cocais, foi empossado na presidência revolucionária da província. Os liberais, liderados por Teófilo Ottoni, tinham conseguido a adesão da Guarda Nacional local, depondo o presidente da província. Houve refregas sangrentas nas duas províncias, principalmente em Campinas, Ouro Preto, Queluz, Cataguases, Lagoa Santa e Santa Luzia. Forçados a se render pelo vitorioso Barão de Caxias, Luís Alves de Lima e Silva, futuro Duque de Caxias, a quem coube a repressão das revoltas do Império, os rebeldes mineiros depuseram  suas armas em 20/08/1942. O Cônego Marinho se entregou à prisão e pessoalmente fez sua brilhante defesa no júri de Piranga.
 
Chegamos aqui ao ponto em que Dr. Roque Camêllo de fato bordava seu discurso com as cores mais brilhantes. E na tentativa de recuperar a força expressiva do orador marianense, recorro ao relato de Paulo Pinheiro Chagas, o grande biógrafo de Teófilo Ottoni, sobre o julgamento deste no prédio da antiga Casa de Câmara e Cadeia de Mariana: 
 
Prédio datado do século XVIII da antiga Casa de Câmara e Cadeia de Mariana, 1ª Casa Legislativa de Minas Gerais, sediada na atual PRAÇA MINAS GERAIS
 
[...] A 19 de setembro, reúne-se o júri de Mariana. O promotor recusa doze jurados. Estabelece-se a intriga na formação do conselho. E aterra-se o tribunal com a presença de numerosa força embalada. O velho casarão está repleto. Teófilo Ottoni entra na sala. Sereno, ereto, soberbamente tranquilo. Um pouco mais pálido, apenas. Não obstante o ar, guarda a velha insolência. Impassível, avizinha-se do banco dos réus, mas não se senta. E o tribunal em peso se levanta. Sem embargo das admoestações do presidente, o tribunal conserva-se de pé, enquanto o réu não toma assento. A acusação se desenvolve cerrada, abundante. O réu não tem advogado: fará a própria defesa. E fala. Responde, um por um, aos pontos da acusação. Argumenta sobre a inconstitucionalidade das leis reformistas. Mantém os velhos princípios. Não se desmente, não se nega, não recusa. O conselho de sentença, constituído promiscuamente de liberais e conservadores, delibera. Decifra “com maravilhosa habilidade, os enigmáticos quesitos”. E o réu é absolvido por unanimidade. José Mariano Pinto Monteiro (pai do futuro Senador Bernardo Monteiro), presidente do conselho de jurados, seguido de todos os membros, levanta-se e, sob profunda emoção do tribunal, vem oferecer a Teófilo Ottoni, “a fim de que a conduzisse à sua consorte, a pena com que tinham lavrado e subscrito a sentença”.
Esse julgamento, que a Reação trabalhara com má-fé, aterrando pela força e desonrando pelo suborno, valia por uma página ilustre. Vingava o réu, mas enobrecia os juízes. Era “uma das glórias, uma das maiores belezas do júri”. E era mais do que isso, porque repunha em seu lugar o sentimento da província. Definia a unidade de sua vocação constitucionalista. E ia além, biografando o espírito de seu povo.[...] 
Em suma, Ottoni, preso e processado, fez a própria defesa, foi julgado e absolvido por unanimidade em Mariana, sendo depois beneficiado pela anistia geral decretada pelo Imperador Dom Pedro II em 1844. 

Teófilo Benedito Ottoni (✰ Serro, 1807 - ✞ Rio de Janeiro, 1869). Crédito: Wikipedia.
 
Era desta forma, pouco mais ou menos, que Dr. Roque Camêllo relembrava a Revolução Liberal de 1842, realçando o sentimento de que Minas nasceu da luta pela liberdade o outro nome de Minas é liberdade, como pronunciou o governador Tancredo Neves, no seu  notório discurso de posse em 1981. 
 

 
* Membro da Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes, ocupante da Cadeira nº 23, patroneada por Dr. Roque Camêllo, e Conselheiro Honorário do Instituto Roque Camêllo.


 

II. NOTA EXPLICATIVA

 

¹  Num ensaio anterior que intitulei 16 DE JULHO: O “DIA DE MINAS”, publicado no Blog do Braga em 15/07/2022, identifiquei e analisei outros fatores ou movimentos que resultaram no típico sentimento de mineiridade encontrado no povo mineiro, dois anteriores e dois posteriores ao que é tratado aqui  Revolução Liberal de 1842 , enumerados naquele trabalho na seguinte ordem cronológica: 
1) Guerra dos Emboabas 
2) Conjuração Mineira 
3) Revolução Liberal de 1842 
4) Manifesto dos Mineiros 
5) instituição do Dia de Minas

 

III. REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS

 

BRAGA, Francisco José dos Santos: 16 DE JULHO: O “DIA DE MINAS”, postado em 15 de julho de 2022 no Blog do Braga.
 
______________________________: Falecimento do escritor dr. Roque Camêllo constitui irreparável lacuna na comunidade cultural de Minas e do Brasil. In O ROQUE CAMÊLLO QUE CONHECI (edição idealizada e coordenada por Dr. Mário de Lima Guerra), BH: Gráfica: O Lutador, pp. 9-16, 2019.
 
______________________________: O Roque Camêllo que eu conheci. In ANTOLOGIA DA ACADEMIA DIVINOPOLITANA DE LETRAS - 60 ANOS (edição organizada pelo Acadêmico Arnaldo Júnior), BH: Caravana, pp. 30-39, 2022.
 

CAMÊLLO, Roque J.O.: Mariana - Assim nasceram as Minas Gerais: Uma Visão Panorâmica da História”, Belo Horizonte: Editora Nitro, 2016, lançado em homenagem aos 305 anos da elevação de Mariana à categoria de vila, 231 p. 

___________________: 16 DE JULHO: O DIA DE MINAS” (Discursos, pronunciamentos, ensaios, crônicas e poemas sobre a data constitucional mineira), Belo Horizonte: Editora Lemi S.A., 1991, 254 p.

CHAGAS, Paulo Pinheiro: Teófilo Ottoni: Brasília: "o Homem, o Político, a Obra", 1979 (1ª edição)/2021 (2ª edição), 315 p., nº 12 e-book da série Perfil Parlamentar, Edições Câmara.  

12 comentários:

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Viva Minas!
No Brasil não existe mais liberdade.
Abs

Frei Joel Postma o.f.m. (compositor sacro, autor de 5 hinários, cantatas, missas e peças avulsas) disse...

Olá, Francisco e Rute! Viva dia 16de julho! Dia de Minas!!! Grande abraço de f. Joel.

João Carlos Ramos (poeta, escritor, membro e ex-presidente da Academia Divinopolitana de Letras e sócio correspondente da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Lavrense de Letras) disse...

Obrigado, mestre Braga!

Geraldo Reis (poeta, membro da Academia Marianense de Letras e gerente do Blog O Ser Sensível) disse...

Como aquele marianense que foi a Ouro Preto para nascer ali, na Santa Casa, venho registrar o meu "muito obrigado pelo carinho".
O espírito marianense é uma coisa viva, uma coisa que pulsa e temos a obrigação de preservar, assim como o espírito de Minas, para que seja entregue como vela acesa às próximas gerações.
Eu posso dizer com orgulho que sou Marianense como os irmãos Danilo e Duílio Gomes, os irmãos Maurílio e Roque Camêllo.
Há que se destacar a sua dedicação, merecedora de aplausos, a esse espírito de Minas. Meu respeitoso cumprimento e um forte abraço poético. Geraldo Reis - da Academia Marianense de Letras.

Dr. Arnaldo de Souza Ribeiro (escritor e presidente da AILE-Academia Itaunense de Letras) disse...

Meu Prezado Amigo,
Bom dia.
Obrigado pelo envio das mensagens. Como sempre, seus escritos, além de agradáveis, são elucidativos.
Fraternal abraço.

Pe. Sílvio Firmo do Nascimento (professor, escritor e editor da Revista Saberes Interdisciplinares da UNIPTAN e membro da Academia de Letras de SJDR) disse...

Meu caro confrade da Academia de Letras de São João del-Rei,
Graça e paz!
Gratidão pela remessa do link para acesso ao seu texto Liberdade, lema do DIA DE MINAS.
Abraço,
Pe. Sílvio

Heitor Garcia de Carvalho (pós-doutorado em Políticas de Ensino Superior na Faculdade de Psciologia e Ciências da Informação na Universidade do Porto, Portugal (2008) disse...

Obrigadíssimo pelo texto...
Concordo com Tancredo:
Liberdade é o outro nome de Minas,
aliás, está na bandeira (Libertas quae sera tamen).

Paulo Roberto Sousa Lima (escritor, gestor cultural e presidente reeleito do IHG de São João del-Rei para o triênio 2021-2023) disse...

Prezado confrade, bom dia. Meus parabéns pela lembrança do Dia de Minas, uma iniciativa do saudoso auiense Roque Camello, com o decisivo apoio da nossa fraterna Merania. Viva Minas.
Paulo

Lúcio Flávio Baioneta (autor do livro "De banqueiro a carvoeiro", conferencista e proprietário da Análise Comercial Ltda em Belo Horizonte) disse...

Meu prezado amigo FJSBraga, foi com imensa curiosidade histórica que li todo seu trabalho sobre o julgamento ocorrido em Mariana-MG, do grande mineiro Teófilo Ottoni, nascido no Serro-MG e chamado pelos indios da Nova Filadelfica, como o MÃO BRANCA.
Ele recebia os indios vestido de fraque e com luvas brancas, daí o seu apelido junto aos indígenas. Era um homem extraordinário. Foi preso pelas tropas imperiais no cerco de Santa Luzia e recebeu ordem de marchar a pé para Ouro Preto, onde seria colocado a ferros. Luiz Alves de Lima e Silva, então Barão de Caxias, ao se encontrar com o Mão Branca, ficou impressionado com sua altivez e lealdade aos seus companheiros de revolta. Ofereceu-lhe um cavalo para a longa marcha a que fora imposta pelos vencedores. Teófilo Ottoni recusou a montaria e marchou a pé com seus companheiros para a prisão. Parabéns pelo seu interessante trabalho literário. Abs do Lúcio Flávio Baioneta.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

Importante data que, inspirada em Ottoni, acentua o valor da Liberdade, quando ligada - como se deve ou deveria - ao da Dignidade e da Honestidade Política.
Congratulações.
Cupertino

João Alvécio Sossai (escritor, autor de "Um homem chamado Ângelo e outras histórias, ex-salesiano da Faculdade Dom Bosco e ex-professor da UFES (1986-1996)) disse...

Muito bom aprender história.

Benjamin Batista (fundador de diversas Academias de Letras na Bahia, presidente da Academia de Cultura da Bahia, showman e barítono de sucesso) disse...

Bravo!