quarta-feira, 20 de março de 2013

Implicações da Reforma Ortográfica da Língua Grega em 1976


Por Francisco José dos Santos Braga


I. INTRODUÇÃO


O presente artigo visa alertar os responsáveis por reformas ortográficas em nosso País e em outros de língua portuguesa para pesarem com bastante critério e seriedade as suas propostas, especialmente de supressão e substituição de letras, para que não se incorra inadvertidamente em uma situação perigosa e irreversível, como já ocorreu aqui, em Portugal e em outras nações, especialmente na Grécia, onde mais se fez por aproximar a forma escrita ao som da palavra falada pelos cidadãos (mormente iletrados), sem levar em consideração os efeitos sobre a mente dos falantes. ¹

No artigo de Eléni Kaíri, em minha tradução, que se lerá abaixo, é apresentada determinada visão, "arcaizante" de certa forma, no qual alega perdas enormes com o desvirtuamento de sua língua grega, que, segundo ela, trouxe a Reforma Ortográfica de 1976, feita por gramáticos que não atentaram para as consequências sobre a mente dos falantes nativos. Fala também de uma pesquisa conduzida por cientistas alemães em 1996, segundo a qual a supressão da letra "ν" no final de substantivos e adjetivos do gênero neutro danifica (ou pelo menos não aguça) o cérebro das crianças das novas gerações gregas.

Visando enriquecer a temática aqui tratada, vou trazer ao debate com a autora grega, através das Notas Explicativas, outros atores, nacionais e estrangeiros, defendendo seus pontos de vista e fazendo suas colocações em relação a acordos e reformas ortográficas em outros contextos.

Embora tenha feito a tradução desse artigo em 2006, tendo-o distribuído então a colegas aprendizes da língua grega e à Comunidade Grega de Brasília, somente agora, com o Blog do Braga, consigo dar ampla divulgação àquele meu trabalho, agora remodelado e ampliado com notas explicativas e referências bibliográficas.



II. A LÍNGUA GREGA  E A 13ª LETRA DO ALFABETO GREGO "N" AGUÇAM O CÉREBRO                                            
Por Eléni  Kaíri ², da Revista grega "ΦΕΝΓΚ ΣΟΥΙ - Η ΤΕΧΝΗ ΤΟΥ ΕΥ ΖΗΝ" 


A riqueza da antiga língua grega - ou mais corretamente, da língua grega – aguça a mente e o “ν” final abastece com oxigênio o cérebro e torna as pessoas mais geniais, como atestaram os cientistas alemães em 1996. A conhecida revista alemã Der Spiegel publicou um artigo com as conclusões dos cientistas alemães, as quais vêm premiar a criação de uma tal língua pelos nossos antigos antepassados.

Os antigos Gregos eram pan-cientistas e cientes da eficácia da língua reta e do discurso artístico. A língua reta constituía uma seção importantíssima da sua cultura mais geral e desempenhou enorme papel para os seus feitos conhecidos e universalmente aceitos.

A letra “ν” envia oxigênio ao cérebro por meio de vibrações, as quais são criadas no palato quando a pronunciamos. Muitas palavras gregas, que têm relação com o espírito (πνεύμα) — como essa própria palavra — contêm a letra “ν” ³, por exemplo: mente (νους), intelecto (διάνοια), conceito (έννοια),  significado (νόημα) e todos os seus derivados.

A letra “ν” final e o também revogado “ς” (sigma final) são dois preciosos caracteres da língua grega, a qual se caracteriza pela polimorfia e variedade dos conceitos. Essa 18ª letra do alfabeto grego (σ, ς) possui elevada freqüência e corresponde à nota musical “si” que os antigos Gregos usavam para o hino à Lua.

Eis o que escreveu o grande Odysseus Elytis sobre o “ν” final:

                                                 Por uma Ótica do Som

"Há anos, um dia pior que o domingo, conscientizei-me disso. A capital em toda a sua extensão estava cheia de buracos. Não daqueles que abrem os trabalhadores do Município nos esgotos. Falo  dos outros buracos, nas fachadas dos altos edifícios, onde são armadas com cuidado as tabuletas das firmas, institutos e lojas: farmácia (φαρμακείΟ), café (καφενείΟ), centro de sangue (αιματολογικΌ κέντρΟ), instituto pedagógico (παιδαγωγικΌ ινστιτούτΟ), todas perderam o “ν” final depois da última reforma lingüística  de 1976. Tomara que Deus ajude.

Na estação telegráfica dos gestos predomina grande excitação em toda a vizinhança. Por acaso há algum dedo estrangeiro do tipo “Nova Makedonía” , ou será que a última letra (ν final) escapou ao pintor ou ficou incompleto por negligência ou talvez por economia? Mas é possível? Suponha que o alfaiate lhe faça um bonito casaco sem uma manga, e que você circule assim vestido, com orgulho, como o castrato que por direito entrava nos haréns, mesmo que “algo” lhe faltasse.

Parece que esta vida não foi feita para se atingir algo difícil ou algo elevado. De jeito nenhum. Foi feita para nossa facilidade. “Dói o dente, arranca o dente”, diziam os antigos. “Dói o acento circunflexo, arranca o acento circunflexo; dói o espírito áspero, arranca o espírito áspero”. E tudo fica perfeitamente bem.

Desculpe, mas você não deixa nunca a sua cueca parecer sua. Mas você a usa. Não é o lado prático das coisas que tem a primazia em nossa vida. Três quartos da humanidade passam a vida por engano. Riscam o supérfluo, mesmo que seja belo, ganhando umas 24 horas de tédio. Em outro lugar, longe desses, pinga a seiva, até mesmo como som nos lábios de uma filha de Homero.

Em dez de nossas palavras, cinco são estrangeiras.

A toda a velocidade caminhamos para um esperanto. E já em cima da hora. Nenhum Herodes ousaria ordenar tal genocídio, como este do “ν” final, a menos que lhe faltasse a ótica do som.

Bill Gates escolheu, para o futuro da Microsoft, a língua grega antiga, com o politônico (vários acentos) e a remodela há anos com uma equipe de filólogos, porque é uma língua matemática, conceitual e excepcionalmente rica em vocabulário e sentidos, a mais rica do mundo, que o computador entende completamente. A nossa língua dispõe de 6 milhões de palavras contra apenas 480 mil da língua inglesa, e 70 milhões de verbetes, isto é, derivados de outras palavras.

Os acentos na língua grega são os sinais da prosódia, isto é, da melodia, o que significa que indicam a quantidade longa e breve das sílabas. A diferenciação das sílabas cria a musicalidade da língua grega. Os antigos Gregos falavam com prosódia, e a influência das freqüências das várias letras, bem como a mina de palavras e de conceitos desenvolveram ao máximo as capacidades do cérebro.

Neste momento, no exterior, especialmente nos Estados Unidos da América e na Grã-Bretanha, há programas especiais de aprendizagem do grego antigo para os mais altos executivos das grandes empresas. A razão é que o grego antigo aguça o cérebro e os ajuda a tomarem melhores decisões e a despacharem seus assuntos mais eficientemente. Nas escolas da Grã-Bretanha são ensinados tanto  o grego antigo quanto o grego moderno. Na Rússia e na China é ensinada a língua grega antiga nas universidades com a coletiva participação dos estudantes.

Nos Estados Unidos da América, pesquisas feitas com recém-nascidos mostraram o efeito benéfico da língua grega sobre o seu cérebro. Os bebês, aos quais foram lidos Hinos Órficos, desenvolveram uma inteligência superior à dos que ficaram no ambiente habitual dos recém-nascidos.

O aprendizado ou, pelo menos, a familiarização com o grego antigo é uma exigência de nossa época e modernização, especialmente para quantos estudam ou querem estudar informática, porque chegará o dia em que outros povos o conhecerão perfeitamente e serão mais inteligentes do que nós e perfeitos operadores dos computadores, e zombarão de nós pela ignorância de nossa própria língua e de nossa herança cultural.

O espírito move o corpo, “mens sana in corpore sano”. Quanto mais inteligentes formos e quanto mais aguçarmos o nosso cérebro, tanto mais nutriremos o nosso espírito e nos compreenderemos a nós mesmos. O alimento espiritual correto é um imprescindível pressuposto para termos um real BEM VIVER.

Nota da Autora ao seu Texto

O texto de Odysseus (ou Odysseas) Elytis está escrito no politônico no original, conforme ele próprio dizia: “Quero a língua com os seus adornos”, querendo dizer os acentos. Por razões técnicas, a Revista "Feng Shui-A Arte do Bem Viver" o imprimiu no monotônico.



        
III. NOTAS DO AUTOR


¹ Reproduzirei aqui trecho de uma das correspondências de Euclides da Cunha, do dia 15 de agosto de 1907, enviada do Rio de Janeiro a Domício da Gama, abordando questão envolvendo a supressão das letras K e Y do alfabeto, em que se opunha aquele escritor à referida decisão da ABL-Academia Brasileira de Letras, quando no início do século XX resolveu tomar algumas medidas visando simplificar a escrita do nosso idioma, nos seguintes termos: 

"Não sei si já aí chegaram noticias da Reforma Orthographica... (Aí deixo, nestes maiusculos e nestes h h, o meu espanto e a minha intranzijencia etimolojica!) Realmente, depois de tantos anos de alarmante silencio, a Academia fez uma coisa assombrosa: trabalhou! Trabalhou de véras durante umas tres duzias de quintas-feiras ajitadas — e ao cabo expeliu a sua obra extranhamente mutilada, e penso que aborticia. Ha ali coisas inviaveis: a excluzão sistematica do y, tão expressivo na sua forma de ancora a ligar-nos com a civilização antiga e a eliminação completa do k, do hierático k (kapa como dizemos cabalisticamente na Algebra)...
Como poderei eu, rude enjenheiro, entender o quilometro, sem o k, o empertigado k com as suas duas pernas de infatigavel caminhante, a dominar distancias? Quilometro, recorda-me kilometro singularmente esmagado ou reduzido; alguma coisa como um relissimo decimetro, ou grosseira polegada. Mas decretou a enormidade; e terei, d'ora avante, de submeter-me aos ditames dos mestres.
Mas a discussão foi vantajosa. A importancia da Academia cresceu. As suas resoluções estenderam-se ao paiz inteiro — da rua do Ouvidor à Amazonia, da porta do Garnier ao ultimo seringal do Acre.
A próxima eleição, a que concorrem Jaceguay, João do Rio, Virgilio Varzea, anuncia-se renhida... e o achatado palacete do cais da Lapa fez-se definitivamente a kaaba (caba, deveria escrever-se pela nova ortografia!!) de todos os neophitos, ou neofitos, literarios." (No texto é mantida a ortografia de época e os grifos do próprio Euclides) (Cf.  VENANCIO Fº, F.: "Euclydes da Cunha a seus Amigos", 1938, pp. 187-9)

Também em Portugal, levantaram-se vários intelectuais contra a primeira Reforma Ortográfica de 1911, que tinha por objetivo normalizar e simplificar a escrita da língua portuguesa. Apesar das vozes discordantes, teve força de lei, infelizmente modificando por completo o aspecto da língua escrita e inspirando todos os acordos e reformas subsequentes. Por exemplo, Teixeira de Pascoaes assim se expressou a respeito da proposta de exclusão da letra y:
"Na palavra lagryma, (...) a forma do y é lacrymal; estabelece (...) a harmonia entre a sua expressão graphica ou plastica e a sua expressão psychologica; substituindo-lhe o y pelo i é offender as regras da Esthetica. Na palavra abysmo, é a forma do y que lhe dá profundidade, escuridão, mysterio... Escrevel-a com i latino é fechar a boca do abysmo, é transformal-o numa superficie banal." (PASCOAES, T.: "A Águia". Apud GOMES, F.A.: "O Acordo Ortográfico", p. 10)


² Eléni Kaíri (Ελένη Καΐρη) é escritora, professora catedrática e consultora especializada de Feng Shui. Descende do filósofo e professor Teófilo Kaíri, que é chamado de "Sócrates moderno". Cursou Administração de Empresas na Grécia e na Inglaterra, Línguas Estrangeiras, Psicologia, Aprendizado Dinâmico e Psicologia Ambiental. Estudou na escola Feng Shui Network International em Londres.
Ela é a criadora do Feng Shui Helênico, o ΕΥ ΖΗΝ (Bem Viver), baseado na Grécia antiga e adaptado à moderna realidade grega, representando a Feng Shui London Society na Grécia e em Chipre.
Ela escreveu os livros: "Feng Shui-A Arte do Bem Viver" e "O Feng Shui Helênico". Este último circulou em novembro de 2006. Também edita a revista "Feng Shui-A Arte do Bem Viver", de onde este artigo foi extraído.
Especializou-se em história grega antiga e arqueologia. Seus conhecimentos a guiaram para a ressurreição do Feng Shui Helênico, o Bem Viver, o qual foi o antigo ideal grego. Criou-o para a sua divulgação e difusão no exterior, e, segundo o seu site na Internet, é a única consultora dessa técnica no mundo, que une a sabedoria do Extremo Oriente à dos antigos Gregos. O Feng Shui Helênico é apropriado ao Ocidente, uma vez que a civilização ocidental se baseia na antiga civilização grega.
A Associação de Notáveis lhe conferiu o Prêmio da Academia de Atenas por sua notável posição internacional. (Cf. http://www.hellenicfengshui.com/fengshui/elenikairi.html)

No Prefácio ao nº 3 da Revista grega "Feng Shui - A Arte do Bem Viver", em minha tradução, Kaíri esclarece que "(...) seu objetivo é informar o público leitor sobre muitos e variados assuntos, que dizem respeito ao Bem Viver, que tem um espectro ilimitado, abraçando todos os setores da vida e todos os seus parâmetros, já que não se entende Bem Viver sem harmonia e equilíbrio em todas as manifestações da existência humana.
Para conseguir isso, é preciso dar importância à correta alimentação, ao excelente sono, à tranquilidade, calma e reanimação pessoais, ao auto-aperfeiçoamento para o equilíbrio corporal e psíquico e o desenvolvimento espiritual. 
Os estímulos, que recebemos diariamente do ambiente pessoal, profissional e social mais amplo, e a educação que os regem, definem também o nosso modo de vida.
A educação e a cultura têm diversas formas e manifestações, que forjam nossa índole e modelam nossa personalidade.
Uma delas, e fundamento em que se baseiam todas as outras, é a língua que falamos e as expressões que usamos e que enviam os estímulos e mensagens análogas ao nosso cérebro.
Em uma época, em que a velocidade define tudo e quase se diviniza, na angústia e na tensão, as pessoas quase esqueceram a comunicação correta através da língua reta, a qual enobrece a mente e o espírito. A enobrecimento da pessoa e o discurso reto constituem pressupostos básicos do Bem Viver e do desenvolvimento da nossa inteligência.
Meu artigo, no que se refere à língua grega, visa familiarizar os leitores com a riqueza ilimitada e a beleza da língua grega, a qual, como é geralmente aceito, torna as pessoas mais inteligentes. (...)"

Quando meu professor Alexandre Orfanidis e eu escrevemos à autora desse prefácio e do artigo sobre o Bem Viver, solicitando-lhe permissão para darmos publicidade a seu texto que tinha sido traduzido por mim, Kaíri nos respondeu nos seguintes termos, em 21/11/2006:

"Dear Mr. Orfanidis and dear Mr. Braga,
I should like to thank both of you for your interest concerning my article and for your praise and apologize for the delay in answering which was due to an unexpected break down of the computer, as you already know.
I am writing in English since I do not want to write Greek with Latin characters. If one day we meet, I shall explain to you many things concerning the Greek language and civilization.
As I told you, there must be a printing error in the article, which I had not yet read when you called, as the magazine had just come out and I was a few days outside Athens. I am sending you the missing part in English:

In the United States, a research carried out with newborn babies, showed the beneficial effect of the Greek language on the brain. Babies to whom the Orphic Hymns were read, developed a higher intelligence than those who remained in the usual environment of the newborn.

I give you my authorization to translate the entire article on the condition that you will name your sources, i.d. "article by Eléni Kaíri, from the Greek magazine FENG SHUI - THE ART OF EF ZIN." The article has the copyright of the magazine and the title of the magazine is also the title of my first book, which is my own exclusive copyright.
I am very glad that you wish to make the article known to the Greek community in Brazil, but don't the Greeks there speak Greek? If the people to whom you wish to present the article do not speak Greek at all, then you should need to explain what ΕΥ ΖΗΝ means. A mere translation, i.d. well being, does not convey the say meaning. ΕΥ ΖΗΝ includes an entire philosophy in itself, as I am sure you know.
Should you need any further information or help, please do not hesitate to contact me.
I should like to have the article when you have translated it into Portuguese. I can understand some Portuguese due to the fact that I speak French and many words are similar, and I also have a Brazilian friend who can translate it to me. This can also be of help to you, we could compare my article and your translation, especiallly concerning the text of Odyssefs Elytis as it is difficult to translate. The better it is the more successful it will be. Are you going to publish it or distribute it?
I should also inform you that my new book has just come out, it is the first practical guide of the Greek Feng Shui, or ΕΥ ΖΗΝ, sponsored by the well known crystal producing company SWAROWSKI. It is a pity that the Greeks in Brazil speak, apparently, only Portuguese, otherwise we could distribute the book which is already a big success. It will be in my webside.
Kind regards,
Eleni Kairi"
Obs. A autora reproduziu no seu texto as expressões em grego da forma como são pronunciadas na Grécia.

 
³  N (maiúsculo) e ν (minúsculo) são os sinais gráficos utilizados pelos Gregos para a escrita da 13ª letra do seu alfabeto, denominada "ni", equivalente ao nosso "n", não sendo fortuito o fato de localizar-se na metade do total de letras (24), a saber: α, β, γ, δ, ε, ζ, η, θ, ι, κ, λ, μ, ν, ξ, ο, π, ρ, σ (ς final), τ, υ, φ, χ, ψ, ω.  Observe que, não por mera casualidade, o formato de ν é de uma cunha. Sua classificação é: consoante dental (segundo o órgão com que a pronunciamos) e nasal (segundo a qualidade do som).


Sobre Elytis cabe mencionar que nasceu em Heraklion, na ilha de Creta, em 1911 e faleceu em Atenas em 1996. Em 1935, publicou o seu primeiro poema no jornal Novas Letras. Seu début com uma forma distintivamente natural e original ajudou a inaugurar uma nova era na poesia grega e na sua subsequente reforma após a II Grande Guerra. Estabeleceu-se em Paris em dois períodos: de 1948 a 1952, de onde partiu e subsequentemente visitou a Suíça, Inglaterra, Itália e Espanha; e de 1969 a 1972. Em Paris, ministrou seminários de filologia e literatura na Universidade de Sorbonne e foi bem recebido pelos pioneiros da vanguarda do mundo. Pelo menos, em três ocasiões, foi representante de seu país em vários encontros internacionais. É considerado o principal expoente do modernismo romântico na Grécia e no mundo. Foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1979. (Cf. Wikipedia)


Aqui Elytis se refere a uma das mais importantes reformas ortográficas do século XX: a reforma ortográfica da língua grega moderna. Na verdade, foram várias reformas que levaram da ortografia tradicional, totalmente clássica, à ortografia demótica atual. 

Depois que a Grécia se libertou do domínio turco em 1821, realizou-se uma completa re-helenização do país, adotando-se a gramática, o vocabulário e a ortografia do grego clássico, bem como a remoção de palavras turcas, num grande esforço arcaizante da língua nacional, a ponto de surgir uma forte diglossia: era uma a língua padrão, escrita e não utilizada na conversação (port. katharévusa gr. καθαρεύουσα, significando "purificada" ou "limpa", utilizada para fins formais e oficiais), e era outra a língua falada pelo povo (port. demótica gr. δημοτική, palavra procedente de demos ou δῆμος=povo). Nessa época, assistiu-se a uma controvérsia virulenta entre os "purificadores" ou arcaístas (cujo principal representante era Adamántios Koraís, que defendia a promoção de uma forma "purista" da língua grega e o combate contra a degradação linguística) e os "demoticistas" ou vernacularistas.

Em 1976, a katharévusa foi legalmente substituída pela demótica como língua nacional padrão, falada e escrita, e finalmente, em 1982, chegou-se à atual ortografia, sem os sinais diacríticos — os chamados "espíritos" ásperos e brandos —, sem o "ν" final nos substantivos e adjetivos do gênero neutro e com a adoção de um único acento.

Outras mudanças introduzidas, além das ortográficas, incluíram ainda as na gramática (em comparação com o grego clássico): a perda do caso dativo, do modo optativo, do infinitivo, do dual e dos particípios (exceto o particípio passado), da 3ª pessoa do imperativo; a adoção do gerúndio; a redução do número de declinações nos substantivos, bem como do número de formas distintas em cada declinação; a adoção da partícula modal θα para denotar os tempos futuro e condicional; a introdução do verbo auxiliar em formas de certos tempos; e a simplificação do sistema de prefixos gramaticais, tais como aumentação e reduplicação.  

HORTA (1980, pp. 19-20) é uma das vozes no Brasil a favor da Reforma Ortográfica de 1976 e, por consequência, da demotikí. Aqui ela faz um relato do intenso debate que ocorreu no seio da sociedade grega. 
"Naquele momento de profunda emoção nacional (1821), a obsessão de um passado de glórias chegou a tais extremos, que houve até quem repudiasse o falar vulgar (o demótico), e as escolas exigiam a aquisição da língua clássica (a katharévusa), dificultando a instrução das camadas populares, abafando qualquer manifestação de vida literária renovada, comprometendo, assim, paradoxalmente, de certo modo, o próprio futuro cultural do país.
Entretanto, grandes vozes ergueram-se, contra esse exclusivismo erudito, que ameaçava esclerosar o espírito criador da Nova Hélade, pois nem podia coibir uma nova floração de helenismo, o qual já despontava com um Dionísio Solomós — o autor do Hino Nacional Helênico.
Muitos outros intelectuais lhe seguiram as pegadas, até surgir, quase um século mais tarde, o ilustre poeta Costís Palamás, que viria a pugnar pela língua popular contemporânea, a "demotikí". Mas, apesar da reação das forças vivas do povo, a luta entre os partidários das duas facções — puristas e classicistas de um lado, demoticistas e populistas de outro — ainda hoje sobrevive, embora muito mais atenuada.
Contudo, em dado momento, como refere George Theotokás, essa luta chegou ao nível de verdadeira batalha: ao se fazer representar, em Atenas, pela primeira vez, em 1903, a Oréstia de Ésquilo, traduzida para o grego moderno (a demotikí, ou forma vulgar), deu-se uma revolução, em que parte da população ateniense rebelou-se contra a outra, com um saldo de mortos e feridos, após a intervenção policial, até culminar com a queda do governo!
'A Grécia terá sido, talvez', diz George Theotokás, 'o único país do mundo, em que o povo morreu nas ruas, em pleno século XX, por questões de literatura!'"


Jornal que circula diariamente, o mais antigo na República da Macedônia. Possui o estilo e longas estórias investigativas nos moldes do londrino The Guardian. A sua primeira edição apareceu em 29/10/1944 e constitui o primeiro documento escrito depois da codificação do macedônio padrão.



IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS




GOMES, F.A.: "O Acordo Ortográfico". Porto: Edições Flumen e Porto Editora, 2008, 256 p.

HORTA, G.N.B.P. : "A Luz da Hélade" (Ensaios Literários nº 1). Rio de Janeiro: Editora J. di Giogio & Cia. Ltda., 1980, 248 p.

KAÍRI, E. : "A língua grega e a letra Ν aguçam o cérebro". Revista Feng Shui - A Arte do Bem Viver, Atenas, nº 3, pp. 4-5, outono/2006.

VENANCIO Fº, F.: "Euclydes da Cunha a seus Amigos". São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre: Companhia Editora Nacional (edição ilustrada), Serie 5ª, Brasiliana, Bibliotheca Pedagogica Brasileira, Vol. 142, 1938, pp. 187-9
 

9 comentários:

Esaú Reis disse...

Obrigado Braga. Saudades de vc homi!

Muito legal o artigo, ja até conversamos sobre a mudança na lingua portuguesa que sou totalmente contra, lembra?
: )
Até divulguei o seu artigo bem como o seu blog no facebook.

grande abraço!
Esaú

José Maurício de Carvalho disse...

Ok, Francisco. De todo modo temos que ter uma única forma de escrever o português.
Maurício.

Tarcízio Dionoá Medeiros disse...

Prezado Francisco,
Excelente este artigo; parabéns por tê-lo publicado.
Eu estudei grego durante anos no seminário - não consigo imaginar esta bela língua sem o "n" no final das palavras neutras e, muito menos, sem seus sinais diacríticos...
NOTA - Nesta última reforma acordada com os outros países lusófonos, a maior perda, para mim, foi a supressão do trema (ü). Nosso povo escreve e fala errado... e agora como vai distinguir se lerá "quente" ou "qüente", "tranquilo"ou "tranqüilo", "elo quente", "eloquente" ou "eloqüente" ? Ensine a uma criança ler e pronunciar corretamente "a terra esquenta" e "minha mãe tem cinquenta anos" (e a pronúncia diferenciada das sílabas "quenta" e "quenta" (qüenta" nas duas frases)...
Tarcízio

Mário Pellegrini Cupello disse...

Caro amigo Braga

Lí -- com muita atenção e gosto -- o seu Ensaio com a tradução do artigo de Elene Kaíre, pelo que lhe felicito.
Apreciei saber que os caracteres da escrita grega acrescentam-lhe musicalidade pelas vibrações que produzem, assim como saber que a presença da letra "v", envia oxigênio ao cérebro, também por meio de vibrações.

Belíssimo trabalho que o Ilustre amigo ora divulga, de grande proveito para aqueles que se dedicam ao estudo da língua grega.
Parabéns!
Abraços, Mario.

Francisco José dos Santos Braga disse...

Prezados leitores,
Para não sobrecarregar o texto acima com informações de outra natureza, decidi postar como comentário uma piada que está circulando pela Internet, dando conta de que o Inglês foi escolhido para ser a língua oficial da União Europeia em vez do Alemão, desde que houvesse um acordo ortográfico visando a comodidade dos falantes das diversas regiões (especialmente dos alemães), simplificando sobremodo a língua inglesa segundo a conveniência deles. Não sei dizer donde veio originalmente, mas essa piada oferece aos gramáticos uma boa reforma ortográfica. (rsrsrsrs…)
Observe como o Inglês padrão é adotado logo ao início, sendo aos poucos modificado (deturpado?), acompanhando paulatinamente os requisitos da exigida simplificação. O final do texto é uma grosseira algaravia, não tendo mais qualquer semelhança com a língua inicial, mas ainda assim o alemão conseguiria entender… (rsrsrsrs…)

O texto vem a seguir:

Euro-English

"The European Commission has just announced an agreement whereby English will be the official language of the European Union rather than German, which was the other possibility.

As part of the negotiations, the British Government conceded that English spelling had some room for improvement and has accepted a 5 year phase-in plan that would become known as "Euro-English".

In the first year, "s" will replace the soft "c". Sertainly, this will make the sivil servants jump with joy. The hard "c" will be dropped in favour of "k". This should klear up konfusion, and keyboards kan have one less letter.

There will be growing publik enthusiasm in the sekond year when the troublesome "ph" will be replaced with "f". This will make words like fotograf 20% shorter.

In the 3rd year, publik akseptanse of the new spelling kan be expekted to reach the stage where more komplikated changes are possible. Governments will enkourage the removal of double letters which have always ben a deterent to akurate speling. Also, al wil agre that the horibl mes of the silent "e" in the languag is disgrasful and
it should go away.

By the 4th yer people wil be reseptiv to steps such as replasing "th" with "z" and "w" with "v". During ze fifz yer, ze unesesary "o" kan be dropd from vords kontaining "ou" and after ziz fifz yer, ve vil hav a reil sensibl riten styl. Zer vil be no mor trubl or difikultis and evrivun vil find it ezi tu understand ech oza. Ze drem of a united urop vil finali kum tru.

Und efter ze fifz yer, ve vil al be speking German like zey vunted in ze forst plas."
Francisco José dos Santos Braga

Mário Celso Rios disse...


Obrigado, FRANCISCO! Parabéns pelo artigo! Avante! M. CELSO

Hélio Petrus disse...

Caro amigo Francisco:

À medida que vamos nos conhecendo, torno-me ciente, cada vez mais, da sua dedicação integral à Cultura e às Artes: Com certeza é essa sua
vocação!

Li, com admiração, sua tradução e comentário erudito sobre a Língua Grega.

Em vez dos Livros, eu coleciono o cedro e vou fazendo nele minha leitura e interpretação pessoal.rsss... Cada qual com o que DEUS lhe
deu!...

Li também a crônica, em tom filosofal, mas achei-a um tanto prolixa: Talvez isso seja uma tônica do autor.

Só não consegui abrir, do jeito que me mandou, a "QUARESMA EM SJDR"!

A Zelia me disse que a talha está sendo bem apreciada em sua belíssima e suntuosa sala! Fico orgulhoso e agradecido pelo destaque que você e a
Distinta Lírica Rute souberam dar ao meu trabalho.

Agora é a vez dos FRANCISCOS!!!rsssss....

Abs a vocês.

Helio.

Anderson Braga Horta (poeta, cofundador da ANE e de várias outras Casas de Cultura, membro da Academia Brasiliense de Letras e da Academia de Letras do Brasil) disse...

Obrigado, meu caro, pelo interessante texto.
Mando-lhe também alguma coisa minha, de algum modo relacionada ao assunto.
São dois artiguinhos e uma “novela ortográfica” (anexos), precedidos desta mensagem:

Caros amigos:

Sou contra a nova ortografia, mas não acolho razões patrióticas (ou supostamente tais), políticas etc. Sou-o pela razão única de que o Acordo de 1990 é ruim, contraditório até mesmo em suas propostas de simplificação, pois em verdade complica, como, só para exemplificar, nas regras sobre o emprego do hífen e na admissão de grafias múltiplas. A justificativa de que seria um passo importante para a aceitabilidade do português como língua oficial da ONU parece-me improvável e pouco digna de consideração.
Sabedor de que se interessam pela questão, peço-lhes que abram os dois artiguetes que lhes envio, anexos, sob o título “Uma Dissensão Atual”.
À parte, brincando meio a sério, reinvento algumas regrinhas, embutidas num esboço de “novela ortográfica”...

Cordialmente,
Anderson Braga Horta

Pe. Wolfgang Gruen, SDB (professor de Cultura Religiosa e Língua e Literatura Inglesa na FDB-Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras) disse...

Caríssimo amigo Francisco Braga,

Primeiramente, devo agradecer as excelentes pesquisas que me tem enviado, e que sempre leio com interesse, especialmente quando abordam temas ligados a S. João del-Rei e à Grécia Antiga, sua língua, literatura e cultura. Estudei um pouco de romaico quando de meu curso de Teologia (1950-1953): entre os pedreiros que trabalhavam na construção de um novo prédio, havia dois gregos analfabetos – em grego e em português (de grego só sabiam o alfabeto e escrever o próprio nome). Como eles moravam na área da construção, todas as noites eu ia lá para alfabetizá-los, em romaico e em português; e eles me ensinavam um pouco de romaico: meia hora cada. Claro que saí perdendo, pois eu dedicava mais tempo a eles; mas valeu para eu ter ao menos uma ideia das mudanças. Depois, consegui um livrinho de conversação (romaico-italiano).
Um forte abraço do amigo
Gruen