quinta-feira, 20 de maio de 2021

UM HAMLET MOSCOVITA



Por Antón Pávlovitch Tchékhov
Traduzido do russo e comentado por Francisco José dos Santos Braga

"Um Hamlet moscovita" é um folhetim (feuilleton) de Antón Tchékhov publicado originalmente no jornal Novoye Vremya, São Petersburgo, na edição número 5.667 de 07/12/1891, com o título "Em Moscou" (V Moskve) literalmente, assinado pelo pseudônimo Kislyaev. Também in Obras Completas por A.P. Tchékhov em 12 volumes. Literatura de Ficção. Moscou, 1963, vol. 10, p. 427-34. 

 


Eu sou um Hamlet ¹ moscovita. Sim. Onde quer que eu vá de casa em casa, em teatros, restaurantes e redações em Moscou, em toda parte digo a mesma coisa: 
Meu Deus, que chatice! Que tédio medonho! ²
E eles me respondem com simpatia:
Sim, de fato, está terrivelmente chato. 
Isso se prolonga por todo o dia, à tarde e à noite. E à noite, voltando para casa, vou para a cama e me pergunto no escuro por que sou realmente tão torturado pelo tédio, sofro palpitações em meu peito um sentimento ansioso, inquietante e pesado. 
Lembro-me de como, uma semana atrás, na casa de alguém, quando comecei a perguntar o que eu deveria fazer acerca do meu tédio, certo cavalheiro desconhecido, obviamente não um moscovita, de repente se virou para mim e disse irritado: 
Ah, pega um pedaço de fio telefônico e te pendura no primeiro poste telegráfico que topares! Não há mais nada que possas fazer! 
Sim. E nas longas noites insones, tenho a impressão de que começo a entender a razão por que estou tão entediado. De quê? De quê? Parece-me que há três razões para isso ... 
 
Em primeiro lugar, não sei absolutamente nada. Uma vez aprendi algo, raios o partam!, seja porque eu tenha esquecido tudo, seja porque meu conhecimento não prestaria para nada, mas parece que a cada minuto eu estou redescobrindo a América. Por exemplo, quando eles me dizem que Moscou precisa de um sistema de esgoto ou que mirtilos não crescem em árvores, eu pergunto surpreso: 
Será mesmo? 
Desde que nasci, moro em Moscou, mas, por Deus, não sei de onde veio Moscou. Para que serve? De que adianta? É necessária? Por quê? Em reuniões da Duma ³, eu, junto com outros, falamos sobre a administração urbana, mas eu não sei quantos quilômetros ou qual a população de Moscou, ou quantos nascem e morrem, ou quanto arrecadamos e gastamos, quanto e com quem fazemos comércio... Qual cidade é mais rica: Moscou ou Londres? Se Londres for mais rica, então por quê? Vá saber! E quando uma questão é levantada na Duma, estremeço e sou o primeiro a gritar: “Encaminha à comissão! À comissão!" 
Bisbilhoto com os comerciantes que já era hora de Moscou estabelecer relações comerciais com a China e a Pérsia, mas não sabemos onde estão essas China e Pérsia e se precisam de algo mais, além de matéria-prima podre e encharcada. Da manhã à noite como no restaurante Testov e eu mesmo não sei para que estou comendo. Estou representando um papel em alguma peça, cujo conteúdo desconheço. Vou assistir a "A Dama de Espadas" e só quando a cortina já foi levantada é que me lembro de que, ao que parece, não li a história de Pushkin ou a esqueci. Escrevo uma peça e a enceno, e só quando ela falha terrivelmente, fico sabendo que exatamente a mesma peça já havia sido escrita por Vl. Aleksandrov , e antes dele Fedotov, e antes de Fedotov Shpazhinsky. Não posso falar, nem discutir, nem manter uma conversa. Quando as pessoas na sociedade falam comigo sobre algo que não sei, começo a trapacear. Dou ao meu rosto uma expressão um tanto triste, zombeteira, seguro o interlocutor pelo colarinho e digo: "Isso, meu amigo, é velho" ou "Tu te contradizes, meu caro ... Nas horas vagas vamos de alguma forma resolver essa questão interessante e comer. Agora diz-me pelo amor de Deus: já compareceste à Imogênia?  " A esse respeito, aprendi certas coisas com os críticos de Moscou. Quando falam comigo, por exemplo, sobre teatro e drama contemporâneo, não compreendo nada, mas quando me fazem uma pergunta, não hesito em responder. “Isso mesmo, senhores ... Digamos, tudo isso é assim ... Mas onde está a ideia? Onde estão os ideais? " ou, suspirando, exclamo: "Oh, imortal Molière, onde estás?!" e, com um aceno triste de minha mão, saio para outra sala. Também tem qualquer coisa de Lope de Vega, parece o dramaturgo dinamarquês. Eis, então, às vezes, surpreendo o público com eles. "Vou lhe contar um segredo", cochicho para meu vizinho, "Calderón pegou emprestado essa frase de Lope de Vega ..." E eles acreditam em mim ... Vai em frente, verifica! 
Porque eu nada sei, sou completamente incivilizado. É verdade que me visto de acordo com a moda, cortei o cabelo no Theodore's e os móveis são chiques, mas ainda sou asiático e mal-educado. Tenho uma escrivaninha marchetada de quatrocentos rublos, móveis de veludo, quadros, tapetes, bustos, pele de tigre, mas olha!, a abertura do fogão está tapada com suéter de mulher ou não tem escarradeira, e eu, junto com meus convidados, cuspo no tapete. Na escada sinto cheiro de ganso frito, o lacaio tem cara de sono, a cozinha é suja e fedorenta, e embaixo da cama e atrás dos armários há poeira, teias de aranha, botas velhas cobertas de mofo verde e papéis que cheiram a gato. Sempre tenho algum tipo de incidente: ou os fogões estão soltando fumaça, ou as comodidades estão frias, ou o postigo da janela não está calafetado, e para que a neve da rua não entre no escritório, apresso-me em tampar o postigo com um travesseiro. E acontece que moro em quartos mobiliados. Tu te deitas no sofá em teu quarto de hotel e pensas no tédio, e no quarto ao lado, à direita, uma mulher alemã está fritando costeletas em um fogão a querosene, e à esquerda as meninas estão batendo garrafas de cerveja na mesa. Do meu quarto estudo a “vida”, vejo tudo do ponto de vista dos quartos mobiliados e escrevo apenas sobre a alemã, sobre as raparigas, sobre guardanapos sujos, contraceno só bêbados com idealistas ossificados e a questão mais importante que considero é a dos dormitórios e do proletariado intelectual ... E eu não sinto ou noto nada. Suporto muito facilmente tetos baixos, baratas, umidade e amigos bêbados que se deitam na minha cama com botas sujas. Nem as calçadas cobertas de creme amarelo-amarronzado, nem os cantos de ervas daninhas, nem os portões fedorentos, nem os letreiros analfabetos, nem os mendigos esfarrapados nada ofende minha estética. No trenó estreito, encolhi-me todo como uma kikímora , o vento penetra-me por completo, o cocheiro chicoteia-me na cabeça, o cavalo nojento mal anda, mas não percebo. Eu não me importo com nada! Eles me disseram que os arquitetos de Moscou, em vez de casas, construíram algumas caixas de sabão e arruinaram Moscou. Mas não acho essas "caixas" ruins. Disseram-me que nossos museus são mal mobiliados, não são científicos e são inúteis. Mas não vou a museus. Eles reclamam que só havia uma galeria de arte decente em Moscou, e que Tretyakov a fechou também. Fechou; bem, deixa estar ... 
 
Mas vamos voltar à segunda causa do meu tédio: acho que sou muito inteligente e extremamente importante. Ao entrar numa casa, ao falar, ao manter-me calado, ao recitar num sarau literário, ou ao comer no restaurante Testov o que quer que eu faça é com esplêndida desenvoltura! Não há disputa em que eu não intervenha. É verdade que não sei expressar-me; neste caso, posso sorrir ironicamente, encolher os ombros, interromper. Eu, um asiático ignorante e sem cultura, em essência, estou feliz com tudo, mas finjo que não estou satisfeito com nada. O problema é que o faço tão sutilmente que às vezes até eu mesmo acredito nisso. Quando eles colocam algo engraçado no palco, eu realmente quero rir, mas estou com pressa de assumir um olhar sério e concentrado; Deus me livre!, eu rio, o que meus vizinhos dirão? Alguém atrás de mim está rindo, eu olho severamente: o infeliz tenente, tão Hamlet quanto eu, está constrangido e, como se desculpando por sua risada inesperada, diz: 
Que feio! Que palhaçada! 
E durante o intervalo, falo alto no bufê: 
Que peça mais desgraçada esta! É ultrajante! 
Sim, peça de feira, alguém me responde, mas, você sabe, não sem ideias ... 
Alto lá! Este motivo foi desenvolvido por Lope de Vega e, claro, não pode haver comparação! Mas que chatice! Que tédio opressor! 
Em "Imogênia" , porque seguro um bocejo, minhas mandíbulas querem se deslocar; por tédio, meus olhos vão para minha testa, minha boca seca ... Mas tenho um sorriso feliz em meu rosto. 
"Há algo gratificante", digo em voz baixa. "Há muito tempo, há muito tempo já não sentia um prazer tão grande!" 
Às vezes tenho vontade de fazer travessuras, de representar em vaudeville; e adoraria representar, e sei que isso seria muito útil nos tempos sombrios de hoje, mas ... o que vão dizer na equipe editorial do "Artista"
Não, Deus me guarde! 
Em exposições de arte, geralmente aperto os olhos, balanço a cabeça significativamente e digo em voz alta: 
Parece que há de tudo: tanto há muito ar, quanto expressão, e cor ... Mas o principal está onde? Onde está a ideia? Qual é a ideia aqui? 
Exijo uma orientação honesta das revistas e, principalmente, que os artigos sejam assinados por professores ou pessoas que tenham visitado a Sibéria. Quem não é professor e quem não esteve na Sibéria não pode ser um verdadeiro talento. Exijo que M.N. Ermolova interprete apenas garotas ideais, com não mais de 21 anos. Exijo que as peças clássicas do Teatro Maly sejam encenadas pelo professor... Com certeza! Exijo que até os menores atores leiam a literatura sobre Shakespeare antes de assumirem o papel; quando um ator diz, por exemplo, “Boa noite, Bernardo!, então todos devem sentir como se tivessem lido oito volumes. 
Eu publico muito, muito frequentemente. Ainda ontem, fui à redação de uma grossa revista perguntar se meu romance daria certo (56 folhas impressas). 
“Na verdade, não sei o que fazer”, disse o editor, constrangido. "Você sabe, muito longo e... chato." “Sim,” eu digo, “mas exatamente por isso! 
“Sim, você tem razão”, concorda o editor, ainda mais envergonhado. "Claro, vou imprimir ..."
As garotas e damas que conheço também são excepcionalmente inteligentes e importantes. Elas são todas iguais; igualmente se vestem, falam, andam, e a única diferença é que os lábios de uma tem coração, e a outra, quando sorri, tem a boca larga, como de um burbot ¹⁰
"Você leu o último artigo de Protopópov?" os lábios me perguntam com o coração. "É uma revelação!" 
“E você, é claro, concordará”, diz a boca de burbot, “que Ivan Ivanytch Ivanov, com sua paixão e poder de persuasão, se parece com Bielínski. Ele é meu deleite." 
Confesso que já estava na minha... Lembro-me perfeitamente da nossa declaração de amor. Ela está sentada no sofá. Lábios com coração. Mal vestida, "sem pretensões", penteada estupidamente, pré-estupidamente; eu a pego pela cintura o espartilho estala; eu lhe beijo a face face salgada. Ela está confusa, atordoada e perplexa; perdão, como combinar uma orientação respeitável com esta vulgaridade, como o amor? O que Protopópov diria se visse? Oh não, nunca! Deixe-me! Eu te ofereço minha amizade! Mas eu digo que só uma amizade não é suficiente para mim ... 
Então ela coquetemente sacudiu o dedo para mim e disse: 
Bem, eu vou te amar, mas com a condição de que você segure a bandeira bem alto. 
E quando eu a seguro em meus braços, ela sussurra: 
Vamos lutar juntos ... 
Depois, morando com ela, fico sabendo que ela também tem uma tomada no fogão plugada a uma jaqueta, e que embaixo da cama papéis cheiram a gato, e que ela também trapaceia em discussões, e em exposições de arte, como um papagaio balbucia sobre ar e expressão. Dê uma ideia a ela também! Ela bebe vodca secretamente e, indo para a cama, passa creme azedo no rosto para parecer mais jovem. Na cozinha ela tem baratas, panos sujos, um fedor, e a cozinheira, ao fazer um bolo, antes de colocá-lo no forno, tira um pente da cabeça e faz sulcos na crosta superior; ela, enquanto faz bolos, saliva as passas para que fiquem mais fortes na massa. E estou correndo! Estou correndo! Meu romance está voando para o inferno, e ela, importante, inteligente, desprezível, vai a todos os lugares e reclama de mim: 
Ele mudou suas crenças! 
 
A terceira razão para o tédio é minha inveja violenta e excessiva. Quando me dizem que fulano escreveu um artigo muito interessante, que a jogada de fulano foi um sucesso, que X ganhou 200 mil e que a fala de N causou uma forte impressão, então meus olhos começam a olhar de esguelha, eu fico completamente vesgo e digo: 
Estou muito feliz por ele, mas, sabe, no ano de 74 ele foi processado por roubo! 
Minha alma vira um pedaço de chumbo, odeio aquele que teve sucesso com todo o meu ser e continuo: “Ele tortura a esposa e tem três amantes e sempre alimenta os críticos com jantares. Em geral, um bruto sofrível na prova ... Esta novela não é ruim, mas, provavelmente, ele a roubou em algum lugar. A flagrante mediocridade ... E, francamente, também não encontro nada de especial nesta novela ..."
Mas, por outro lado, suponha que, se a peça de alguém falhou, fico terrivelmente feliz e com pressa de ficar do lado do autor. 
Não, senhores, não! eu grito. Há algo na peça. Em qualquer caso, ela é literária. 
Saibam que tudo o que é mau, baixo, infame, falando das pessoas famosas, por pouco que seja, fui eu que espalhei em Moscou. Que o prefeito saiba que se conseguir arrumar, por exemplo, boas calçadas, irei odiá-lo e espalhar o boato de que ele está roubando viajantes na rodovia! ... Se me disserem que algum jornal já tem 50 mil assinantes, direi por toda a parte que o redator recebeu para sustento. O sucesso alheio é uma vergonha para mim, uma humilhação, uma lasca no coração ... Que tipo de conversa pode haver sobre sentimento público, cívico ou político? Se alguma vez também houve esse sentimento em mim, foi há muito consumido por inveja dele. 
E assim, sem saber nada, inculto, muito inteligente e incomumente importante, vesgo de inveja, com um fígado enorme, amarelo, cinza, calvo, vagueio por Moscou de casa em casa, dou o tom da vida e para todo lugar levo algo amarelo, cinza, calvo... 
"Oh, que chatice!", eu digo com desespero em minha voz. "Que tédio medonho!" 
Sou infeccioso como a gripe. Reclamo do tédio, respiro e, por inveja, calunio os meus vizinhos e amigos, e olha você! algum estudante adolescente já ouviu, é importante passar a mão pelos cabelos e, atirando um livro longe de si, diz : 
Palavras, palavras, palavras ... Deus, que tédio! 
Seus olhos piscam, ele também fica vesgo, como eu, e diz: 
Nossos professores agora estão dando palestras em favor dos famintos. Mas receio que eles coloquem metade do dinheiro no bolso. 
Eu vagueio como uma sombra, não faço nada, meu fígado cresce e cresce ... Enquanto o tempo passa, eu envelheço, me enfraqueço; olha!, ou hoje ou amanhã vou pegar gripe e morrer, e vão me arrastar para Vagankovo; amigos vão se lembrar de mim por três dias, e então eles vão esquecer, e meu nome deixará de ser mesmo um som ... A vida não se repete, e se não viveste naqueles dias que te foram dados uma vez, então escreve perdido ... Sim, perdido, perdido! 
E mesmo assim eu poderia ter ¹¹ aprendido tudo; se eu tivesse tirado o asiático de mim, poderia ter estudado e amado a cultura europeia, comércio, artesanato, agricultura, literatura, música, pintura, arquitetura, higiene; eu poderia ter construído magníficas vias em Moscou, negociado com a China e a Pérsia, reduzido a taxa de mortalidade, lutado contra a ignorância, a corrupção e todas as abominações que nos impedem de viver. Eu poderia ter sido modesto, cortês, alegre, amável; eu poderia sinceramente ter-me alegrado com cada sucesso dos outros, pois cada sucesso, mesmo que pequeno, sempre é um passo em direção à felicidade e à verdade. 
Sim, eu poderia! Poderia! Mas eu sou um trapo podre, lixo inútil. Sou um Hamlet moscovita. Remove-me para o cemitério de Vagankovo! 
Eu me reviro sob meu cobertor, virando de um lado para o outro. Não consigo dormir. Ao mesmo tempo fico me perguntando por que estou tão entediado, e essas palavras soam em meus ouvidos até o amanhecer: 
Pega um pedaço de fio telefônico e te pendura no primeiro poste telegráfico que topares! Não há mais nada que possas fazer.
 
 

 
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BREVE ANÁLISE LITERÁRIA DE "UM HAMLET MOSCOVITA"

 
 
Permitam-me reproduzir aqui a reflexão de A.D. Stepanov sobre PROBLEMAS DE COMUNICAÇÃO DE TCHÉKHOV, onde trata dos gêneros expressivos dos quais se utiliza o escritor para comover o leitor. Assim inicia Stepanov o seu ensaio: 
"Como já escrevemos, os gêneros expressivos são tipos de enunciados que expressam as emoções do falante e representam sua palavra sobre si mesmo e seus sentimentos. São “centrípetas”, centradas no sujeito, e a linguagem às vezes permite fazer distinções bastante sutis nas gradações dessa orientação: “Uma reclamação difere de um lamento, porque a primeira pressupõe o envolvimento do evento na esfera pessoal do autor, enquanto o segundo não contém tal condição”. No entanto, o luto também é um gênero expressivo. Como já enfatizamos no primeiro capítulo, a fala de si é indissociável da fala sobre o mundo, aqui só podemos falar do domínio da função expressiva, e mesmo assim nem sempre é distinta. Como nas letras, emoções e reflexões sobre si mesmo podem ser expressas por meio de uma palavra sobre um objeto externo, e o falante pode nem mesmo usar a palavra "eu". Os gêneros das letras e da eloquência epidêmica fazem parte dos gêneros expressivos e, em alguns casos, é possível indicar uma correspondência direta entre os gêneros primários e secundários: a tristeza se expressa em elegia, reclamação, condolências e uma série de gêneros retóricos (elogio, obituário); deleite em ode e oração elogiosa; indignação em condenação e sátira. É claro que os objetivos secundários, assim como todo ato ilocutório ¹² de fala, a estrutura do "plano do falante", serão diferentes para esses gêneros. 
 
As formas de discurso em que uma pessoa expressa seus estados emocionais são geralmente monólogos. No diálogo real, uma pessoa atordoada pelas emoções não está inclinada a ouvir o outro e medir seus sentimentos com a realidade e, portanto, situações dominadas por gêneros expressivos invariavelmente atraíram Tchékhov. O monólogo persiste mesmo com a aparência externa do diálogo: a confissão retratada na literatura pode ser interrompida pelas perguntas do interlocutor, mas tal intervenção está completamente subordinada às intenções do participante "principal". Por "monólogo", é claro, entendemos não apenas a camada externa de um monólogo, mas também "monologismo" no sentido bakhtiniano: como a unidade da avaliação final do falante sobre o sujeito da fala. O próprio nome "gêneros expressivos" enfatiza a inevitável valorização desses gêneros em oposição, digamos, aos informativos. No entanto, a avaliação final do herói não precisa coincidir (e a de Tchékhov nunca coincide) com a avaliação do autor. 
 
A confissão (e, portanto, o enorme papel dos gêneros expressivos), como você sabe, é altamente característica dos clássicos russos. No entanto, isso não pode ser dito sobre A.P. Tchékhov: a contenção é uma de suas atitudes criativas conscientes, que o aproxima da prosa do século XX (Camus, Hemingway, várias formas de eliminar a avaliação do autor no pós-modernismo). No entanto, ao contrário dos modernistas e pós-modernistas, a reserva do narrador Tchékhov é principalmente um pano de fundo contrastante escolhido deliberadamente para os incontáveis ​​monólogos emocionais dos heróis: 
"Quando a sra. retratar o infeliz e medíocre e quiser ter pena do leitor, tente ser mais fria - isso dá à dor de outra pessoa, por assim dizer, um pano de fundo contra o qual aparecerá mais proeminente <...> Sim, seja fria (carta de 19 de março de 1892 para Lidia Alekseievna Avilova; P 4, 26); 
Uma vez eu lhe escrevi que é preciso ser indiferente ao escrever contos lamentosos. E a sra. não me entendeu. É possível que eu chore e gema por causa dos contos, é possível sofrer junto com meus heróis, mas, suponho,  preciso fazer de modo que o leitor não perceba. Quanto mais objetivo, mais forte é a impressão (carta de 29 de abril de 1892 para a mesma Lidia; P 4, 58). 
Mas a atenção de Tchékhov aos gêneros expressivos é condicionada não só e não tanto pela compaixão pelos heróis como por seu interesse pelos paradoxos da comunicação. Os gêneros expressivos, junto com os fáticos, são os mais “privados”, não oficiais em todo o continuum dos gêneros da fala. Uma pessoa que está focada em suas próprias emoções geralmente se afasta (tanto quanto possível) do comportamento de papel. A autoexpressão é irrepresentável em situações formais que requerem moderação e, portanto, os quadros usuais para gêneros expressivos são situações privadas. Podemos dizer que são esses gêneros e situações que igualam as pessoas. É fácil rastrear a partir dos textos de Tchékhov como reclamações e condenações semelhantes e às vezes literalmente coincidentes soam na boca de heróis de diferentes idades e status sociais, incluindo aqueles em extremos opostos da escala social. Isso reflete o senso inerente de igualdade de Tchékhov com as pessoas em luto (em parte, já tocamos nesse tópico no terceiro capítulo). Mas há igualdade em outra coisa: nas palavras de quase todos os heróis, você pode encontrar sinais de que Tchékhov sente as limitações da linguagem humana ao expressar emoções. (...) A razão para isso não é tanto a falta de alma das pessoas ou a "vulgaridade" circundante, mas a incapacidade de uma pessoa de palavras adequadamente "reais" dizer sobre seus sentimentos e a inadequação da esmagadora maioria das situações cotidianas para tal tipo de desabafo. Esses obstáculos à comunicação são mais sérios do que uma ordem social específica ou os costumes de um determinado grupo de pessoas. A pessoa fica com a língua presa mas, por outro lado, ela sempre tem à sua disposição muitas formas prontas para expressar sentimentos pré-fabricados. Os heróis se voltam para ele, e com tanta frequência que a retórica os "corrói", e qualquer discurso não fica livre dela. E a retórica de Tchékhov, como já vimos, é fundamentalmente oposta a qualquer sentimento genuíno. 
 
É impossível que o coração se expresse: o interlocutor é indiferente ou hostil, as efusões da vida cotidiana são inadequadas, as palavras prontas não bastam e, portanto, a pessoa é obrigada a conter suas emoções. Essa contenção muitas vezes se mostra mais expressiva do que palavras, é ela quem gera a "corrente subterrânea" de Tchékhov, aumenta o papel das conotações em detrimento do significado direto. O surgimento da "corrente subterrânea" no drama de Tchékhov foi gradualmente preparado na prosa, mesmo na prosa inicial, embora a introspecção fosse pouco característica dela. Em muitos casos, a palavra do herói contém uma conotação expressiva: uma fala sobre o mundo se transforma em uma fala sobre si mesmo. 
 
Como já dissemos, os gêneros expressivos são sempre avaliativos. No mundo de Tchékhov, essas avaliações são em sua maioria negativas e, portanto, antes de tudo, consideraremos a reclamação e a confissão. Esses dois gêneros são os mais frequentes de todos os usados ​​nos textos de Tchékhov, que os pesquisadores notaram mais de uma vez. A confissão e a reclamação, embora convergem como processo de autoexpressão, ou seja, possam ser atribuídas a gêneros expressivos do discurso, são opostas em suas intenções: a confissão reconhece a culpa do próprio sujeito, a reclamação costuma culpar um objeto externo (embora uma reclamação paradoxal sobre si mesmo também seja possível). Por outro lado, uma confissão é sempre dirigida a alguém, e uma reclamação pode ser uma expressão “pura” de emoção. No entanto, em Tchékhov estão quase sempre combinadas, misturadas, e nem sempre é possível traçar uma fronteira entre elas. Elas podem ser identificadas: uma reclamação é frequentemente chamada de confissão e, inversamente, uma reclamação é uma confissão. (...) Tudo isso sugere que os nomes dos gêneros estão misturados nas mentes dos falantes nativos, e os próprios gêneros são misturados na prática de vida. No entanto, tentaremos considerá-los separadamente, começando com a reclamação. 
 
A reclamação formou a base verbal das histórias engraçadas e sérias de Tchékhov: essa semelhança não muito óbvia une muitos textos que não são semelhantes entre si. (...) E assim foi com Tchékhov quase sempre: nas histórias e peças majoritárias, começando pelas primeiras, a reclamação ou domina, ou pelo menos está contida nas falas dos heróis. Portanto, os textos de Tchékhov demonstram uma enorme variedade de razões, modos de expressão, reações intencionais, personagens de destinatários e destinatários de uma reclamação. A queixa "costura" todo o corpus dos textos de Tchékhov e, portanto, é óbvia: se existem padrões mesmo aproximados, admitindo muitas exceções, na representação desse gênero de discurso, eles são de grande importância para a compreensão da obra de Tchékhov como um todo. Isso é ainda mais importante porque, na crítica, o próprio Tchékhov foi creditado com uma atitude muito diferente em relação aos infortúnios e reclamações de seus heróis: de simpatia abrangente à posição de um observador imparcial com "sangue frio". (...) 
 
A mais detalhada de todas as "reclamações falsas" foi escrita por Tchékhov após o afastamento do humor: este é o folhetim "Em Moscou" (1891). Este texto parece claro e inequívoco em suas intenções, mas se levarmos em conta o fato de que, na época em que foi escrito, muitas histórias sobre o "tédio da vida" já haviam sido criadas, e o fato de que ainda mais histórias e peças de teatro fosse escrito por Tchékhov, então seria paradoxal. 
O moscovita "Kislyaev" reclama principalmente de tédio, e essa reclamação ressoa instantaneamente junto daqueles ao seu redor: 
Eu sou o Hamlet moscovita. Sim. Em Moscou, vou de casa em casa, em teatros, restaurantes e redações, e em todos os lugares digo a mesma coisa:
Meu Deus, que chatice! Que tédio medonho! 
E eles me respondem com simpatia: 
Sim, terrivelmente chato. 
Neste caso, a falsidade da reclamação está fora de dúvida, porque o texto fala diretamente da monotonia, ignorância e licenciosidade do próprio malandro Kislyaev. Uma pessoa entediante reclama de tédio, a reclamação sobre si mesma é substituída por uma reclamação sobre o mundo. A situação é muito mais complicada com os heróis do falecido Tchékhov: muitos deles reclamam do tédio da mesma maneira (Ragin, Vera Kardina, Startsev, Voinitsky, irmãs e muitos outros), da mesma forma que suas palavras são prontamente captadas por outros, mas decidir se suas reclamações são justificadas, é bastante difícil. O leitor muitas vezes percebe que se livrar do tédio mudar-se para outra cidade, procurar algo para fazer, etc. é muito simples, e se pergunta: por que os heróis apenas “reclamam”, mas não tentam mudar suas vidas? As razões para as reclamações de muitos heróis parecem quase tão rebuscadas quanto as de "Um Hamlet de Moscou", daí as inúmeras paródias, cujo fluxo não para em nossa época, e onde o princípio básico de construção é bastante "de Tchékhov": para exagerar a falsidade e a intensidade da reclamação, transforme-a em "chata". Essas paródias, é claro, têm um cerne racional, mas são sempre unilaterais: os textos do falecido Tchékhov são ambíguos, dão motivos para simpatia pelo herói, que percebe sua posição como desesperadora, e para ironia em relação a ele. Um traço especificamente tchekhoviano, como tentaremos mostrar a seguir, é a indefinição da linha entre o subjetivo e o objetivo, entre o que "parece" intransponível e o que "é". Portanto, a “simpatia abrangente” e a “crueldade total” de que falaram os contemporâneos são definições igualmente incorretas. (...)  (grifos nossos)
 

 

NOTAS  EXPLICATIVAS por Francisco José dos Santos Braga




¹  Shakespeare e Cervantes escreveram respectivamente a tragédia "Hamlet" e o romance de cavalaria "Don Quixote" na mesma época: bem no início do século XVII. Nas últimas décadas do século XIX, houve uma revivescência dos dois heróis na Rússia, mormente a partir de um discurso proferido em 10 de janeiro de 1860 por Ivan Turguêniev, numa leitura pública, em favor da Sociedade para Subvenção de Literatos e Cientistas em necessidade. 
Conforme este ensaio "Hamlet e Don Quixote" contido no discurso de Turguêniev, ele faz a seguinte indagação: "O que Hamlet representa? Primeiro e acima de tudo, análise e egoísmo, e então descrença. Ele vive todo para si mesmo, é um egoísta; mas nem mesmo um egoísta consegue acreditar em si mesmo; pois nós só podemos crer naquilo que está fora e acima de nós. Mas este "eu", no qual Hamlet não acredita, é-lhe caro. Este é o ponto inicial ao qual retorna continuamente, porque não encontra nada no mundo inteiro a que ele possa se apegar com sua alma; ele é cético, dedica-se a si mesmo e se paparica o tempo todo; está constantemente ocupado não com sua obrigação, mas com a sua posição. Duvidando de tudo, Hamlet, obviamente, não poupa nem a si mesmo; seu intelecto é desenvolvido demais para se contentar com o que ele encontra em si (...). Hamlet repreende a si mesmo exageradamente com satisfação, observa-se continuamente, olhando todo o tempo para dentro de si; conhece com exatidão todos os seus defeitos, despreza-os, despreza a si e, ao mesmo tempo, pode-se dizer, vive, alimenta-se desse desprezo. Ele não acredita em si e é vaidoso, não sabe o que quer e para que vive e é apegado à vida. (...)" 
 
Como nos interessa tratar do tipo literário de Hamlet presente em Shakespeare e Tchékhov, observa-se que "Shakespeare usou o personagem como uma representação do homem renascentista, e a tragédia como um símbolo do impacto da Renascença sobre a cultura inglesa. Por sua vez, Tchékhov criativamente usou, adaptou, ou transformou um tipo literário existente de Hamlet de acordo com as tradições artísticas, princípios intelectuais, e os recursos teatrais da sua época. Shakespeare o anglicizou, mas Tchékhov o russificou", conforme Muttaleb. 
 
No folhetim de Tchékhov intitulado "Um Hamlet moscovita", o protagonista (o próprio Tchékhov com o pseudônimo Kislyaev) na verdade se afigura na tradição da concepção russificada de Hamlet, seguindo de perto o ensaio de Turguêniev. Ou seja, não se trata do conhecido Hamlet de Shakespeare, mas da ideia popular russa do século XIX que Turguêniev analisou e difundiu em seu ensaio de 1860, a saber: Hamlet foi considerado passivo, resignado, incapaz de ação, e representado como personagens como Ivanov de Tchékhov, o qual "não resolve problemas", porém "desaba sob o peso". O folhetim "Um Hamlet moscovita" demonstra a falta de objetivo de tal personagem, no conto em que Tchékhov continuamente esvazia o "Hamlet moscovita" através das causas ridículas e desnecessárias para o seu tédio: primeiro, sua absoluta ignorância; segundo, sua crença de que é "muito inteligente e extraordinariamente importante"; e, finalmente, sua inveja violenta e excessiva. Porém, esse tédio tem seus aspectos perigosos é um sintoma de uma insatisfação social, ocasionando passividade e resignação, tornando-se uma desculpa para letargia, frustração e desespero, além de constituir um fator capaz de contaminar como a influenza. 
 
Outra observação curiosa refere-se à análise psicológica do herói Hamlet shakespeareano feita por Freud, muito próxima à versão de Tchékhov. Para o pai da psicologia, "Hamlet é capaz de matar Polônio sem remorsos, mas não seu tio (assassino de seu pai), por causa do complexo de Édipo. Freud crê que a hesitação de Hamlet em vingar seu pai matando seu assassino seria devido à sua identificação com o tio e o medo de praticar uma ação injusta e imoral com a figura paterna que este representa para ele. Por que Hamlet demorou tanto a agir? A ideia do homem que pensa sobre o seu próprio agir é referida por muitos como um paradigma dos tempos modernos. (...) Ou seja, Hamlet é uma alma delicada e gentil esmagada sob o peso de uma tarefa colossal. 
 
Como vemos, há uma coincidência entre a análise proposta por Freud para o herói Hamlet e "Um Hamlet moscovita" de Tchékhov na sua versão russificada de Hamlet. Tchékhov, com este ensaio, fez uma representação da vida e personagens dos intelectuais russos das duas últimas décadas do século XIX. Seria interessante verificar como essa versão do Hamlet moscovita contribui para avaliar, crítica e comparativamente, o tipo de Hamlet que foi manipulado pelos dois dramaturgos,  tanto por Shakespeare quanto por Tchékhov, cada um a seu modo, para expressar seus próprios sentimentos, questionamentos intelectuais e preocupações artísticas. 
 
A admiração de Tchékhov pelo ensaio de Turguêniev pode ser apreciada na carta a seu irmão Mikhail. Esta carta foi escrita ainda em Taganrog, datada de 01/07/1876 quando Tchékhov estava na 5ª classe do colégio da cidade. Eis minha tradução da referida carta: 
"Prezado irmão Misha, 
Recebi sua carta quando eu estava horrivelmente entediado e estava sentado no portão bocejando, e então podes julgar quão bem-vinda foi aquela tua imensa carta. Sua escrita é boa, e em toda a carta não encontrei nenhum erro ortográfico. Mas de uma coisa eu não gosto: por que te chamas de "teu irmão inútil e insignificante"? Reconheces tua insignificância?... Reconhece-a diante de Deus; talvez, também, na presença da beleza, inteligência, natureza, mas não perante pessoas. Entre pessoas tu precisas estar cônscio de tua dignidade. Porque tu não és um patife, tu és uma pessoa honesta, não és? Bem, respeita-te como uma pessoa honesta e sabe que uma pessoa honesta não é algo inútil. Não confundas "ser humilde" com "reconhecer a inutilidade de alguém." (...) 
É bom que leias. Adquire o hábito de fazê-lo. Com o tempo virás a valorizar esse hábito. Madame Beecher-Stowe espremeu lágrimas de seus olhos? Eu a li uma vez, e seis meses atrás li-a de novo com o objetivo de estudá-la e depois da leitura tive uma sensação desagradável que mortais sentem depois de comer demais passas e groselhas... Lê "Don Quixote. É uma coisa excelente. Seu autor é Cervantes, que dizem está quase no nível de Shakespeare. Eu aconselho meus irmãos a ler caso já não tenham feito isso "Hamlet e Don Quixote" de Turguêniev. Caso não o entenda, meu querido, se quiseres ler um livro de viagem que não vai te chatear, lê "A Fragata Pallada" de Gontcharov. (...)" 
 
²  O tédio, o spleen e a melancolia são considerados le mal du siècle (o mal do século XIX), associado com a novela René de Chateaubriand (1802). René é o personagem-título do autor romântico francês. Outros autores franceses registraram essa fraqueza, mal-estar ou enfermidade que atacou toda uma geração, presentes em Musset: La Confession d'un enfant du siècle (1836). 
O spleen é melhor expresso pelos poemas reunidos por Baudelaire em Les Fleurs du Mal (1857). No caso deste último, o spleen vem associado com o estado de tristeza pensativa, um profundo sentimento de desânimo, isolamento, angústia e tédio existencial. 
Há também quem veja em "Sofrimentos do jovem Werther" (1774) de Goethe a origem deste sentimento de melancolia que contaminou todas as gerações do século XIX; neste caso, o seu estado de espírito era resultado de um amor não correspondido por uma mulher casada (Charlotte), que levou Werther ao suicídio. 
Sabe-se que os intelectuais russos dominavam perfeitamente o francês e o intercâmbio cultural entre França e Rússia era muito intenso. 
Os críticos vêem algumas semelhanças entre os dois realistas Guy de Maupassant (1850-1893) e Antón Tchékhov (1860-1904). Ambos revelam predileção para análise psicológica de seus heróis e crítica social como técnica de produção de sua obra realista de ficção. 
 
 
Tchékhov e Maupassant

 
Há um conhecido poema humorístico (haikai) de Janis Grimms chamado "Tchékhov e Maupassant", que mostra a influência mútua entre os dois autores. Eis a minha tradução:
 
"Tchékhov francês" 
os críticos diziam 
sobre Maupassant 
 
"Maupassant russo" 
chamavam a Tchékhov 
aqueles mesmos críticos 
 
Em russo: 
Чехов и Мопассан 
Янис Гриммс
 
“французский Чехов” 
говорили критики 
о Мопассане 
 
“русский Мопассан” 
называли Чехова 
те же критики 
 
Principalmente, com base no seu estudo de "A.P. TCHÉKHOV: Cartas para uma poética", por S. Angelides, [SACHS, 2011, 25 e 26] aponta uma diferença fundamental entre os dois autores realistas: 
"(...) surge Maupassant, já na segunda metade do século XIX, cujos contos são considerados exemplares como realização do gênero. São contos com progressão dramática, em que todos os aspectos da narrativa convergem para um efeito determinado. Além de informar o leitor de tudo o que ele precisa saber sobre o assunto, Maupassant termina seus contos com frases nitidamente conclusivas, dando um fechamento à história. 
Tchékhov vai noutra direção. Escreve sobre todo o tipo de acontecimentos e não esgota a narrativa com explicações definitivas. A narrativa de Tchékhov não tem partes bem definidas, visando um desenlace, conforme preconizava a teoria até então estabelecida. Ele também não utilizava seus contos como um veículo de ideias sociais ou filosóficas, pelo menos não diretamente. Tchékhov abria novos caminhos, mostrando novas possibilidades de representação da realidade. 
A farta correspondência trocada por Tchékhov com seu irmão e com alguns de seus contemporâneos permite-nos, hoje, elaborar o que seria a “poética” de Tchékhov e, consequentemente, do realismo, ou melhor, da sua forma de representar a realidade. Diferentemente de Poe e de outros escritores que teorizaram sobre sua prática de escrita, Tchékhov nunca escreveu artigos teóricos sobre a arte de escrever. Suas opiniões sobre o fazer artístico encontram-se apenas em cartas, em comentários de artistas da época e em algumas anotações feitas por ele."
Cfr. SACHS, Karin: "Realismos de Periferia: Machado e Tchekhov", trabalho de conclusão de curso de graduação e obtenção do diploma de Licenciado em Letras apresentado ao Instituto de Letras da UFRGS, 2011, 44 p. 
 
Outra característica do storytelling de Tchékhov, que difere da técnica praticada por Maupassant, anotei-a na minha tradução do conto de Tchékhov intitulado Um Escândalo: A crítica normalmente aponta a irresolução característica de Tchékhov na sua ficção muito curta e assinala que essa é uma marca de sua grandeza, bem distinta da que era praticada por seus contemporâneos russos no referido gênero (e também por Guy de Maupassant, vale acrescentar). Normalmente, o fim do conto, além de possuir sua irresolução, deixa ao leitor completar a história. O próprio Tchekhov costumava repetir: 
“Quando eu escrevo, confio inteiramente no leitor, supondo que ele próprio vai acrescentar os elementos subjetivos que faltam ao conto.”
³  A Assembleia Federal substituiu o Soviete Supremo como parlamento da Rússia. O Soviete Supremo, por sua vez, havia substituído a Duma do Império Russo. De tendência bicameral, a Assembleia é composta pelo Soviete da Federação, a câmara alta, e pela Duma, a câmara baixa. Ambas as câmaras são sediadas na capital Moscou.
 
 
  Vl. Aleksandrov: Vladimir Stepanovitch Alexandrov (1825 - 1894) - escritor ucraniano, médico, músico, folclorista, etnógrafo. Doutor em Medicina.
 
 
  Imogênia é personagem da tragicomédia "Cimbelino" de Shakespeare, filha do Rei Cimbelino.
 
  Kikímora é uma criatura lendária, uma entidade doméstica na mitologia eslava. Seu papel na casa costuma ser justaposto ao do mordomo, onde um deles é considerado um espírito "mau", e o outro, um espírito "bom". Quando a kikímora habita em uma casa, ela mora atrás do fogão ou no porão, e geralmente produz ruídos semelhantes aos dos ratos quando buscam comida. 
Kikimory (no plural) foram a primeira explicação tradicional para a paralisia do sono no folclore russo.
 
⁷   Imogênia é filha do rei Cimbelino com sua primeira mulher, herdeira do trono odiada pela madrasta, na tragicomédia "Cimbelino" de Shakespeare. Ela foi descrita por William Hazlitt como "talvez a mais delicada e a mais sem arte" de todas as mulheres de Shakespeare. Cimbelino é uma de suas peças mais execradas pelos críticos - de Samuel Johnson a Harold Bloom, passando por Bernard Shaw - que ali não reconhecem a densidade e o realismo psicológico tão representativos do grande dramaturgo.
 
⁸   Revista de teatro, música e arte "Artista", fundada em 1889. 
 
  Do diálogo entre Francisco e Bernardo (Ato 1, cena 1 de "Hamlet" de Shakespeare). Nessa peça teatral, o Castelo de Elsinore é o palácio real da Dinamarca. Hamlet é o Príncipe da Dinamarca. Ele é filho do já morto Rei Hamlet, e sobrinho do presente Rei dinamarquês, Cláudio (irmão do falecido Rei Hamlet, que se casa com a Rainha Gertrudes, então viúva, mãe do Príncipe Hamlet). Um fantasma, que o Príncipe Hamlet acreditava ser seu pai ("sou o espírito de teu pai"), contou-lhe o que teria acontecido e como morreu pelas mãos de Cláudio, pedindo vingança. O príncipe concorda e decide fingir-se de louco para não levantar suspeitas. 
O Príncipe Hamlet é o símbolo da indecisão. 
São as seguintes as principais citações de Hamlet pelos autores: "Há algo de podre no reino da Dinamarca", "Ser ou não ser, eis a questão...", "Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a sua filosofia", "Não existe nada bom nem mau, mas o pensamento o faz assim", "Embora seja loucura, há nela certo método", "Palavras, palavras, palavras" empregada no texto de Tchékhov, etc.)
 
¹⁰  Burbot é o único peixe comprido do gênero Lota lota (família cod) que vive em água doce de rios e lagos, que tem barbas em torno de sua boca e ocorre na Europa, Ásia e América do Norte. 
 
¹¹  O refrão "eu poderia ter" é um que se repete de diferentes modos em inúmeros personagens nas peças teatrais de Tchékhov. Nessas, apenas Ivanov e Konstantin (por diferentes razões) tomaram a "solução" do suicídio, enquanto Vanya, na falta da solução do suicídio, toma a alternativa do trabalho, mesmo que como remédio. 
 
¹²  Ato ilocutório de fala corresponde ao ato que o locutor realiza quando pronuncia um enunciado em certas condições comunicativas e com certas intenções, tais como ordenar, avisar, criticar, perguntar, convidar, ameaçar, etc. Assim, num ato ilocutório, a intenção comunicativa de execução vem associada ao significado de determinado enunciado.

9 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Dando continuidade à minha tradução dos mais expressivos contos de TCHÉKHOV, tenho o prazer de enviar-lhe o folhetim UM HAMLET MOSCOVITA, um trabalho de maior envergadura do autor e minha mais recente contribuição para tornar conhecida a prodigiosa produção do escritor realista russo, dotado de profundo conhecimento da alma humana, apesar de sua exígua existência (44 anos). Acompanha a tradução uma análise literária do texto acompanhada de minhas notas explicativas.
São as seguintes as outras traduções de contos de Tchékhov já postadas no Blog do Braga até o presente:
- Uma brilhante Personalidade (Conto de um Idealista)
- Vingança de uma Mulher
- Um Escândalo
- Numa Casa de Campo
- Morte de um Funcionário

https://bragamusician.blogspot.com/2021/05/um-hamlet-moscovita.html

Cordial abraço,
Francisco Braga

Heitor Garcia de Carvalho (graduado em Pedagogia pela Faculdade Dom Bosco (1968), mestre em Educação UFMG (1982), Ph.D em Educational Technology - Concordia University (1987 Montreal, Canada); MBA Gestão Tecnologia da Informação, Fundação Getúlio Vargas (2004); pós-doutorado em Políticas de Ensino Superior na Faculdade de Psciologia e Ciências da Informação na Universidade do Porto, Portugal (2008); professor associado do CEFET-MG) disse...

Muito apropriado!!!
Parece - com alguma "nova geolocalização" para "Abaixo do Equador" e mudança de datas, escrito agora... com alguns outros "personagens" atuais!
Claro que não temos a verve e categoria de um tal escritor!

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

BRAVO !!!

Gilberto Mendonça Teles (autor de O terra a terra da linguagem e Hora Aberta-Poemas Reunidos e é membro da Academia Goiana de Letras) disse...

Excelente tudo. Tradução em português e os comentários eruditos. A minha admiração é total, meu caro Francisco Braga. Grande abraço do Gilberto Mendonça Teles

Anderson Braga Horta (poeta, escritor, ex-presidente da ANE-Associação Nacional de Escritores e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal) disse...

Muito bem, Francisco.

Obrigado.

Anderson

Dr. Mário Pellegrini Cupello (escritor, pesquisador, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, e sócio correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro amigo Braga

Muito interessante, pelo que agradecemos a gentileza do envio.

Abraços, de Mario e Beth.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga;
Acho que o mais denso conto até agora, algo opressivo, como um romance existencialista. Bem escolhidas as notas explicativas. Parabéns pela publicação e exposição de mais esse estudo!
Grato. Cumprimentos.
Cupertino

Maria Auxiliadora Muffato (poetisa são-joanense) disse...

Parece-me que esse Hamlet moscovita é mesmo um chato.
Tudo me leva a crer que ele, debaixo daquele tédio enjoado,
sofria do mal do século, que nada mais é do que o que hoje
recebeu o nome de depressão.
A meu ver, o conto não passa sofrimento, nem mesmo compaixão.
A narração é interessante e engraçada em certas passagens.
Obrigada, Braga, por mais esse conto de Tchékhov.
Maria Auxiliadora Muffato

João Victor Vilas Boas Militani (Chefe de Serviços do Museu Regional de São João del-Rei) disse...

Prezado,

fico grato pela indicação.

Atenciosamente,

João Victor