Por Francisco José dos Santos Braga
"Carlos Gomes é o maior operista das Américas." (Do etnomusicólogo José Claver Filho sobre Carlos Gomes)
"Escrevi Il Guarany para os brasileiros, Salvator Rosa para os italianos e a Fosca para os entendidos."
(frase atribuída a Carlos Gomes)
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Antonio Carlos Gomes, compositor e maestro, "o maior operista das Américas" |
(✰ Campinas-SP, 11/07/1836- ✞ Belém-PA, 16/09/1896)
"Carlos Gomes é o maior operista das Américas" foi a feliz e lapidar expressão do etnomusicólogo José Claver Filho, de cuja companhia tive a honra de privar nos seus últimos anos de vida na EMB-Escola de Música de Brasília. Partindo dele esta avaliação virtuosa sobre Carlos Gomes, merece no mínimo nosso respeito, por ter Claver acumulado experiência no campo musical, tendo granjeado pelo menos os seguintes louros durante sua vida: locutor da rádio MEC; membro fundador do "Coral de Brasília", sob a regência do maestro Reginaldo Carvalho (1962); autor do primoroso "Valdemar Henrique: o canto da Amazônia", publicado pela Funarte (1978) e jornalista responsável pelo tablóide "Arquivo Musical" que circulou no ano de 1991 na EMB.
Antônio Carlos Gomes chegou à Itália em fevereiro de 1864 para fazer estudos musicais no Conservatório de Milão, num momento de tensão interna na Itália que estava num processo de unificação. Estudante em Milão desde 1864, por obra e graça do Imperador Dom Pedro II que lhe concedeu uma bolsa de estudos, alcançou seu primeiro grande sucesso como compositor escrevendo a música para uma peça teatral que passava em revista o ano de 1866, escrita por Antonio Scalvini. Segundo [BISPO, 2016], na Revista Brasil-Europa 163, Se sa minga * foi uma "rivista" do ano de guerra nacional italiana contra a Áustria pelo Vêneto nos seus elos com a Alemanha e o compositor dedicou a obra a seu professor no Conservatório, Lauro Rossi (1812-1885). Esse sucesso abriu a Carlos Gomes caminhos à sua carreira e ao Teatro alla Scala, onde demonstraria o seu talento como compositor de uma obra de muito maior envergadura, o Il Guarany. A essa Rivista di 1866 seguir-se-ia outra em 1868: Nella Luna. Apesar dessas duas composições terem inaugurado a sua vida artística europeia, dando-lhe renome, foram ofuscadas pelo êxito de Il Guarany.
* Se sa minga (trad. "Nada se sabe", em dialeto milanês)
II. BRILHANTE ÊXITO DA ÓPERA IL GUARANY
O libreto da ópera Il Guarany, entregue aos cuidados do talentoso Antonio Scalvini e concluído por Carlo D'Ormeville, se baseou em livro homônimo do escritor José de Alencar. Com a ajuda de seu amigo André Rebouças, que Gomes ficara conhecendo por ocasião da comemoração do aniversário do imperador Dom Pedro II (2 de dezembro de 1870 e nos dias seguintes), sua ópera Il Guarany é apresentada no circuito dos grandes teatros: La Pergola (Florença), Carlo Felice (Gênova), Covent Garden (Londres), Teatro Municipal de Ferrara, Teatro Municipal de Bolonha, Teatro Eretenio (Vicenza) e Teatro Social de Treviso. Além disso, a Abertura da Exposição Industrial de Milão é feita com Il Guarany e Gomes é convidado para preparar a apresentação de Il Guarany no Teatro Apollo em Roma. No mesmo ano de 1870 a ópera foi trazida ao Brasil para estreia no Rio de Janeiro, integrando as comemorações do aniversário do Imperador D. Pedro II, alcançando rumoroso sucesso.
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Sinfonia nell'opera Il Guarany, conservada na Biblioteca Nacional
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Assim surgiu a ópera Il Guarany de Carlos Gomes, que apesar de não ser a sua maior nem a melhor obra, foi aquela que o imortalizou. Na noite de 19 de março de 1870 aconteceu, no Teatro alla Scala de Milão, na Itália, a estreia da ópera do campineiro Antônio Carlos Gomes, através da qual se consagrou como o primeiro compositor brasileiro a ser reconhecido no cenário musical internacional. A regência foi de Eugenio Terziani, maestro e ensaiador da orquestra do Scala; o tenor Giuseppe Villani e a soprano belga Maria Sass interpretaram o bravo índio Pery e a ingénue portuguesa Cecília; Enrico Storti foi o aventureiro Gonzales, e o famoso barítono francês Victor Maurel, que se tornaria um dos preferidos de Verdi e futuro intérprete de Iago em Otello e Falstaff, estreou como o cacique dos aimorés. Coube a cenografia a Carlo Ferrario e os figurinos a Luigi Zamperoni. Eis como foi a estreia do Brasil no mundo da grande ópera, e a primeira vez em que um compositor brasileiro apresentava uma ópera exótica com tema romântico e nacional. Carlos Gomes foi muito aplaudido e chamado várias vezes ao palco, conforme afirmava o jornal La Lombardia *: "Dezoito chamadas ao Maestro Gomes consagraram o sucesso de sua ópera Il Guarany, representada ontem de noite no Scala. E os fragorosos aplausos oferecidos pelos numerosíssimo e seleto auditório ao simpático jovem não eram de puro conhecimento ou cortesia, mas de arrebatamento face às numerosas belezas que a partitura realmente contém." Pela ópera, o compositor foi condecorado, na Itália, em 20 de março, como Cavaleiro da Coroa; e no Brasil, em 30 de novembro do mesmo ano, com a Ordem da Coroa, quando o compositor cá esteve para estreia de Il Guarany no Rio de Janeiro, integrando as comemorações do aniversário do Imperador D. Pedro II. Nas duas estreias (europeia e brasileira), a ópera ainda não tinha sua famosa “Protofonia”, só escrita em 1871, e que era substituída por um simples Prelúdio. Na “Protofonia” há a síntese dos principais motivos. Um que mais se destaca é o conhecido "Eu fui no Tororó", repetido, depois, na ópera, de maneira e tratamento magistrais.
* La Lombardia, edição de 21/03/1870, in Penalva, Carlos Gomes, p. 33.
Estou ciente de muitas apresentações importantes dessa ópera que merecem ser lembradas aqui. Citarei pelo menos quatro das mais empolgantes:
1) Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal de São Paulo
Regente: Armando Belardi
Coro lírico do Teatro Municipal de São Paulo
Maestro de Coro: Oreste Sinatra
Ano 1959, primeira gravação mundial
Pery: Manrico Patassini, tenor
Cecília: Niza de Castro Tank, soprano
Gonzales: Paulo Fortes, barítono
Don António de Mariz: José Perrota, baixo
Cacique aimoré: Juan Carlos Ortiz, baixo
Don Álvaro: Paschoal Raymundo, tenor
Rui Bento: Roque Lotti, tenor
Alonso: Waldomiro Furlan, baixo
Comentário: A soprano Niza de Castro Tank rouba a cena, pois a partitura pede uma soprano lírico-coloratura como ela. Sua voz é leve, seus agudos são naturais e fáceis, sem esforço. Inesquecível
a) o "recitativo" de Il Guarany: Ato II "Oh! Come e bello il ciel!" na voz de Niza Tank (1959).
seguido da ária propriamente dita: "C'era una volta un principe"
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Ensaio da ópera Il Guarany - Fonte: Revista Long Playing (nº 19, p.7, 1959: "Os técnicos aprestam-se para iniciar a mais arrojada obra da fonografia brasileira e da América Latina – O Guarani. Os músicos e o coral sob a batuta soberba do maestro Armando Belardi. A Chantecler marcou um tento admirável, ante o brilhantismo da ideia e execução.)" |
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Frontispício do álbum O Guarani, composto pelo busto de Carlos Gomes, obra do escultor Domingos Nucci, fotografada por Oswaldo Micheloni. Capa do LP da Chantecler Discos, gravado em 1959. Primeira gravação mundial completa da ópera O Guarani com a participação de Niza Tank. Crédito: https://thiagosouzarosa.wordpress.com/2009/03/page/3/
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b) Permita-me ainda recomendar ao leitor ler a crônica "Parabéns, dona Niza!", comemorando 90 anos de vida da célebre cantora, por João Luiz Sampaio, in Revista Concerto, a 1º de março de 2021, e sobretudo ouvir a soprano Niza em registro histórico.
c) Apreciemos agora o quarteto formado por Cecília, Pery, Don António e cacique aimoré (sendo solista o baixo Juan Carlos Ortiz), acompanhado pela Orquestra Sinfônica e Coro Lírico do Teatro Municipal de São Paulo, sob a regência de Armando Belardi (1959) no Ato III: "O dio degli Aimore"
d) Para baixar 2CD, cartaz, info e resumo da ópera, favor acessar:
2) Orchester der Beethovenhalle Bonn
Chor der Oper der Stadt Bonn
Regente: John Neschling - Direção: cineasta alemão Werner Herzog
Ano 1994 em Bonn
Pery: Plácido Domingo
Cecília: Verónica Villarroel
Gonzales: Carlos Álvarez
Don António de Mariz: Hao Jiang Tian
Cacique aimoré: Boris Martinovich
Don Álvaro: Markus Haddock
Rui Bento: Graham Sanders
Alonso: John Paul Bogart
Pedro: Pieris Zarmas
Apreciemos desta célebre gravação dois momentos instigantes:
a) Protofonia de Il Guarany
b) Ato II de Il Guarany: "Oh! Come e bello il ciel!" e "C'era una volta un principe" na voz da soprano chilena Verónica Villarroel (1994)
3) Münchner Rundfunkorchester
Regente: Friedrich Haider
Ato II de Il Guarany: "Oh! Come e bello il ciel!" e "C'era una volta un principe" na voz da soprano búlgara Krassimira Stoyanova (2016)
4) A ópera Il Guarany no Ginásio Nilson Nelson
O destaque da programação para as festividades em Brasília do 7 de Setembro do ano de 1996, em comemoração ao 1º Centenário da morte do compositor que se deu em 16/09/1896, foi de novo a ópera Il Guarany no Ginásio Nilson Nelson, com concepção cenográfica e direção de Joãosinho Trinta, o responsável por sua montagem "carnavalizada". O ginásio de esportes de Brasília, com capacidade para 8.000 pessoas, estava lotado. A megamontagem de Il Guarany envolveu mais de 500 pessoas. O espetáculo seria levado depois para Paulínia (SP) em 11 de outubro e Roma. Teve como solistas os italianos Anita Selvaggio (soprano), no papel de Cecília, a filha do fidalgo português Dom António de Mariz que se apaixonara pelo índio Pery, e Maurízio Graziani (tenor), que interpretou Pery.
O maestro italiano Francesco La Vecchia (da Sinfônica de Roma) regeu a Orquestra Filarmônica da Romênia, com 65 integrantes, e o coro da Universidade de Brasília, com 80 vozes.
A coreografia foi de Roger Nunes, da ópera de Avignon (França), e teve 28 bailarinos da cidade (no balé dos índios) e 150 policiais militares como figurantes, representando índios. Todas as roupas usadas pelos personagens foram feitas por índios e cedidas pela Funai. O palco consistia de 1.000 m², e o cenário teve torres de 5m e cascatas de 7m.
A concepção de Joãosinho Trinta da ópera, para a qual planejava futuras excursões até internacionais (Hungria, Itália e Grécia), prometia surpresas para aquela estreia triunfante.
Entrevista de Joãosinho Trinta à Folha de São Paulo
Folha - Quando foi sua primeira experiência com ópera?
Joãosinho Trinta - Há uns 20 anos, no Teatro Municipal do Rio, eu remontei "O Guarani", que foi o início de minha experiência com a ópera. Muita gente estranha que eu, como carnavalesco, esteja fazendo ópera, mas é o contrário.
Comecei no Teatro Municipal em 1956. Fazia parte do corpo de baile, depois percorri várias etapas dentro do teatro, fazendo figurinos, cenografia, e montei algumas óperas. Fiquei no Municipal até 1974.
Folha - Qual a sua formação?
Joãosinho - Sou diplomado como professor de dança clássica. Eu era bailarino do Municipal.
Folha - Sair da ópera e entrar no Carnaval foi um processo natural?
Joãosinho - Foi. Sempre observei que o desfile de uma escola de samba tem a mesma estrutura de uma ópera. No Carnaval, o corpo de baile são as passistas, e o coral, as alas. A proposta é a mesma: um espetáculo audiovisual.
Folha - A ópera será levada a outras cidades?
Joãosinho - Durante as negociações para trazer a orquestra da Romênia, tivemos contato com o ministro da Cultura da Hungria, e já está confirmado que nos apresentaremos lá em 97. "O Guarani" também vai ser montado na Ópera de Roma, onde haverá uma homenagem a Carlos Gomes, e também iremos à Grécia.
Folha - A estrutura da ópera é de um megaespetáculo?
Joãosinho - Sim. Em Brasília ela será encenada em um ginásio, e em Paulínia, em um Sambódromo. Estamos montando uma central cenográfica de óperas e de Carnaval em Brasília.
Folha - Qual a grande inovação da montagem?
Joãosinho - "O Guarani" sempre foi uma montagem muito realista, mas não tem nada a ver, porque tudo nela é romântico, começando pelo libreto, baseado no livro de José de Alencar.
A música é lírica, o tema é a fuga do século da razão, com a presença do herói e de castelo medieval. Vou exacerbar o aspecto romântico da obra.
Carlos Gomes escreveu na partitura que 'O Guarani' é uma ópera-balé. Isso sugere uma movimentação no palco, não um balé, mas sim uso de danças e várias cenas. Isso me dá uma liberdade muito grande de inserir muitas cenas nas árias que são longas e que tornam a ópera meio pesada para quem não é amante dela.
De acordo com Joãosinho Trinta, ele estava preparando um megacenário, que deveria envolver até o público, na montagem de "O Guarani". Todo o estádio onde haveria a apresentação de estreia seria transformado em uma grande floresta. O público, logo na entrada, iria se sentir dentro da floresta. O cenário, segundo ele, teria elementos leves, como renda nordestina, muito tecido e macramé, com índios voando em cabos de aço e com estruturas de castelos medievais em cena. De fato, a montagem de "O Guarani" por Joãosinho foi mais ágil e mais visual, com a inserção de cenas que facilitaram o entendimento do público. Mas toda aquela sonhada parafernália de cenário não foi constatada pelos 8.000 espectadores presentes ao espetáculo em Brasília.
Antes, devo confessar que, embora minha expectativa fosse de uma montagem inovadora da conhecida ópera, fiquei decepcionado porque Joãosinho Trinta de fato fez uma montagem clássica da ópera, que já havia encenado uma vez, há 25 anos atrás, no Rio de Janeiro. Ainda bem...
Apenas no final tive minha curiosidade despertada por um locutor que anunciou uma série de efeitos especiais, explosões, etc. Entretanto, os efeitos se resumiram a um jogo de luzes e uma única explosão, quando o fidalgo Don António decide explodir seu castelo, que estava prestes a ser tomado por índios aimorés. Depois da explosão, abre-se a muralha do castelo, dando lugar a uma espécie de carro alegórico, todo branco, com estátuas em tamanho natural de Pery e Ceci.
III. OS ÚLTIMOS DIAS DE CARLOS GOMES
Conforme bem se expressou [OLIVEIRA, 2007], o momento da trajetória de Carlos Gomes que nos interessa especialmente começa quando o músico desembarca em Belém do Pará, no dia 14 de maio de 1896, em seu fatídico retorno à Pátria aos 59 anos de idade. Gomes chegou à cidade para presidir o futuro Conservatório de Música do Estado, a convite do então governador do Estado do Pará, Lauro Sodré. O músico chegou a Belém já doente e com o diagnóstico de câncer, proferido em Portugal no ano anterior. Ele saiu da Europa com muitas dívidas, e o convite de Sodré lhe cabia mais como uma homenagem do que propriamente como uma oportunidade de continuar sua carreira.
O “gênio” que chega aos trópicos encarnava uma representação típica do artista romântico, além de toda uma idealização da criação romântica voltada ao indivíduo. Tal gênio desdobra-se, no caso de Carlos Gomes, num herói que, nas arestas de suas “identidades”, nutria os discursos em torno de uma ideia de nação, de povo e de espírito brasileiro. Foram esses os matizes narrativos que o próprio compositor alimentou com suas obras ambíguas, como “O Guarani” e “O Escravo”, na confecção de um ideal de totalidade onde estão conjugados os elementos da cultura popular e os valores da elite oitocentista, louvados por uma elite ávida por homens que sintetizassem sua terra, ao mesmo tempo em que propagassem fora daqui o ideal de um país civilizado (COELHO, 1995, p. 94).
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Agonia de Carlos Gomes
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Cercado por autoridades e amigos, com o governador Lauro Sodré à cabeceira, Carlos Gomes morreu às 22 horas e 20 minutos de 16 de setembro de 1896. Seu corpo foi embalsamado, fotografado e em seguida exposto à visitação pública, cercado de flores e objetos como partituras e instrumentos, bem de acordo com a idealizada "morte bela" do Romantismo.
Dois dias depois do falecimento, o corpo do maestro foi transferido para o conservatório de música. De 18 a 20 de setembro de 1896, o corpo ficou exposto em câmara ardente, nos salões do conservatório de música, que se transformou em santuário cívico e espaço para as representações do afeto coletivo pelo compositor, como registram as imagens de época. Em seguida, foi levado para o Cemitério da Soledade, um misto de panteão e cemitério-jardim, onde estavam sepultados heróis da guerra do Paraguai, como o general Henrique Gurjão, acompanhado por aproximadamente 70 mil pessoas, que levavam andores, quadros, alegorias e guirlandas.
O maestro, porém, não foi sepultado em Belém. A pedido do presidente do Estado de São Paulo, Campos Sales, o compositor foi levado para lá, com honras e transporte militares, a bordo do vapor Itaipu. Antes, na setecentista Catedral da Sé no Pará, foi celebrada uma missa de réquiem, entoando-se uma Elegia a Carlos Gomes. Seu ataúde dominava o centro de um monumento funerário de quatorze metros de altura, em um catafalco encomendado pelo governador paraense Lauro Sodré. O culto aos grandes homens dava forma à religião cívica do positivismo e exaltava os nomes reconhecidos pela humanidade. Ao final das cerimônias litúrgicas e ao deixar o porto de Belém, rumo a Santos.
Pouco antes de morrer, diante do estado de saúde do compositor, o governo de São Paulo autorizou uma pensão mensal de dois contos de réis, enquanto ele vivesse e, por sua morte, de quinhentos mil réis, aos seus filhos, até completarem a idade de 25 anos. Nessa ocasião, existiam somente dois filhos do compositor e maestro.
O corpo do compositor encontra-se hoje no magnífico monumento-túmulo, em Campinas, sua terra natal, na Praça Antônio Pompeu. Em 18 de setembro de 1903, Santos Dumont, o inventor do avião e Pai da Aviação, foi convidado para colocar a pedra fundamental no monumento-túmulo no marco zero da cidade, que ficou pronto em 1905. O monumento-túmulo de Carlos Gomes (que tem cópia no Rio de Janeiro, em
frente ao Teatro Municipal) é obra do escultor Rodolpho Bernardelli
(1852-1931), artista mexicano naturalizado brasileiro, tendo sido feita
de granito, ostentando em corpo inteiro a estátua em bronze de Carlos
Gomes, regendo; na base, uma figura de mulher, também em bronze,
representa a cidade de Campinas.
A duas quadras dali está o Museu Carlos Gomes, que reúne objetos e partituras do compositor. O museu tem a pá que foi usada para por a pedra fundamental. Santos Dumont foi convidado para colocar a pedra fundamental no túmulo. Esse convite foi feito pelo Cesar Bierrenbach, que foi a pessoa que capitaneou todas essas coisas depois que o Carlos Gomes morreu e teve a ideia de fazer um monumento em honra ao Maestro.
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Monumento-túmulo de Carlos Gomes, em Campinas |
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Detalhe do monumento-túmulo, em que Gomes se apresenta em atitude de Maestro
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Carlos Gomes faz jus também ao nosso reconhecimento pelo seu grande espírito de brasilidade, que sempre conservou, mesmo no exterior.
IV. Curiosidade acerca do monumento em honra ao Maestro na Praça Ramos de Azevedo na cidade de São Paulo
O que vem a seguir foi retirado da página 18 do Programa de Sala do Theatro Municipal de São Paulo, na ocasião em que seriam encenadas as óperas Jupyra, de Antônio Francisco Braga, e Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni, em outubro de 2013, pela Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo e Coral Lírico e Coral Paulistano sob a direção musical e regência de Victor Hugo Toro:
Durante uma de suas visitas a São Paulo, Pietro Mascagni (autor de Cavalleria Rusticana) que era amigo de Carlos Gomes, ficou intrigado com o monumento da Praça Ramos de Azevedo que acabara de ser inaugurado.
“Admirei o conjunto, mas não reconheci a fisionomia do maestro esculpida no bronze”, conta. “Soube depois que se tratava do busto do General Pinheiro Machado. Não me contive e fui procurar o Sr. Washington Luís, que a princípio se mostrou incrédulo, só se convencendo com provas. O governo mandou retirar o busto e substituí-lo pelo verdadeiro”. Graças a Mascagni, a estátua que vemos junto ao Theatro Municipal de São Paulo hoje tem a cabeça certa — a do autor de Il Guarany.”
Mais exatamente, o fato constrangedor é relembrado pelo compositor e maestro italiano Pietro Mascagni em sua autobiografia. Segundo [GÓES, 2009], o que narrou ali se deu quando de sua viagem ao Brasil para dirigir, por ocasião das comemorações do primeiro centenário da Independência em 07/09/1922 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, "uma das mais emotivas e bem sucedidas récitas de ópera de sua história", Il Guarany cantado pelo grande tenor Miguel Fleta, conforme consta de resenha que aquele fez do seu livro "Teatro Municipal do Rio de Janeiro - Cem anos de cisnes e trovadores". Na ocasião, Mascagni passou também por São Paulo, onde visitou o recém-inaugurado monumento em homenagem a Carlos Gomes, na Praça Ramos de Azevedo. Certo de que ele pouco se assemelhava à fisionomia do compositor brasileiro, que havia conhecido na Itália, pediu uma audiência com o então presidente da província de São Paulo, Washington Luís, que determinou a abertura de uma investigação. Dias depois, o resultado provocaria constrangimento: o busto reproduzia na verdade as feições do general Pinheiro Machado, troca que nenhum dos figurões presentes à inauguração havia percebido.
Cabe aqui ainda fazer algumas observações adicionais. O Theatro Municipal de São Paulo foi inaugurado em 16/09/1911 dentro de um projeto maior de modernização da cidade acompanhando a transição de uma monarquia de base escravocrata para a república baseada no trabalho assalariado, que estimulou a vinda de diversas ondas migratórias para a cidade, as quais trouxeram consigo não apenas recursos financeiros, mas também mão de obra especializada. Para inaugurar o palco lírico, construído com todas as exigências de luxo, elegância, acústica e segurança foi escolhida a ópera Il Guarany.
A figura-chave a liderar essa transformação foi o escritório do arquiteto-engenheiro Francisco de Paula RAMOS DE AZEVEDO, dotado de pessoal altamente qualificado e de apurado senso artístico, entre pintores, escultores, decoradores, entalhadores e outros artífices cuidadosamente garimpados nessa massa migratória, em que se destacaram os inúmeros italianos que fizeram de São Paulo a maior cidade italiana fora de seu país. Entre essas obras, destacaram-se a construção do Theatro Municipal, cujo projeto pertencia a CLAUDIO ROSSI, arquiteto e cenógrafo natural de Capri, e com desenhos de DOMIZIANO ROSSI, arquiteto de Gênova, e, ao lado do prédio do Theatro Municipal, a execução da obra de escultura a cargo de LUIGGI BRIZZOLARA, pondo em destaque a estátua em bronze do compositor Carlos Gomes, ladeada pelas alegorias à Música e à Poesia, esculpidas em mármore de Carrara. Abaixo, no centro da fonte, um grupo escultórico denominado Glória, formado por uma figura feminina — a República — sobre a esfera celeste com a inscrição positivista "Ordem e Progresso", conduzido por um conjunto de três cavalos alados e com nadadeiras, que jorram água pelas narinas. Em nível intermediário das escadarias, encontram-se as estátuas referentes aos principais títulos de óperas do compositor: Lo Schiavo (1887) e de Maria Tudor (1879). Junto ao guarda-corpo das escadarias, no seu ponto mais baixo, estão Fosca (1873) e o Condor (1891). Quem desce a escadaria tem a impressão de que Condor lhe estende a mão, como num cumprimento. De tanto ser tocado, o bronze perdeu a pátina e São Paulo ganhou uma lenda: teria sorte favorável o turista que, em viagem à cidade, tocasse um dos dedos de Condor. As estátuas de Salvatore Rosa (1874) e do índio Pery (1870) estão nos degraus à frente da fonte. Nas extremidades do conjunto e em primeiro plano, encontram-se duas mulheres representando a Itália e o Brasil. A Itália está representada por uma mulher ajoelhada, com uma espada na mão direita e apoiando a mão esquerda sobre uma estatueta da Vitória de Samotrácia, sustentada pelo gênio das Belas Artes — um homem sentado aos pés de Itália. Representando o Brasil, uma mulher em pé, com a bandeira do Brasil na mão esquerda. Um homem ajoelhado e beijando seus pés representa o povo brasileiro.
LUIGGI BRIZZOLARA (Chiavari, 1868-Gênova, 1937) é o responsável pela execução da obra de escultura aqui descrita. Em 1920, transferiu-se para São Paulo, onde participa do concurso para a realização do monumento em comemoração ao centenário da Independência, mas fica em 2º lugar. Durante sua permanência em São Paulo realiza diversas obras, que incluem a estátua dedicada a Fernão Dias Paes, localizada em frente ao Parque do Trianon, as estátuas de Raposo Tavares e Fernão Dias localizadas no interior do Museu Paulista, o túmulo da família Matarazzo, localizado no Cemitério da consolação e diversas outras obras. Mas o mais importante a destacar aqui é que em 1920 foi contratado pela colônia italiana para o projeto e realização do monumento em homenagem ao compositor Carlos Gomes, — obra realizada em mármore de Carrara, bronze e granito rosa — oferecido como presente à cidade no ano da comemoração do 1º Centenário da Independência do Brasil. A colônia italiana contribuiu com metade dos custos e os governos do Estado e da cidade de São Paulo com a outra metade.
O monumento foi inaugurado em 12 de outubro de 1922 com grande pompa.
Para informações mais detalhadas, queira o leitor ver a excelente matéria constante do seguinte
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Monumento atual da Praça Ramos de Azevedo, ao lado do Theatro Municipal
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V. AGRADECIMENTO
Agradeço carinhosamente à minha amada esposa Rute Pardini a captação das imagens, bem como a sua edição e formatação para fins deste post.
VI. BIBLIOGRAFIA
BISPO, Antonio Alexandre: “150 anos: Se sa minga: Rivista de 1866 de Antonio Scalvini (1835-1881) e A. Carlos Gomes (1836-1896). Rivista do ano de guerra nacional italiana contra a Áustria pelo Vêneto nos seus elos com a Alemanha”. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 163/(2016:05).
BRAGA, Francisco José dos Santos: CARLOS GOMES EM MILÃO (DE 1864 A 1896). Publicado no Blog do Braga em 06/09/2014.
— CARLOS GOMES, crônica de OLAVO BILAC de 02/07/1905. Publicado no Blog do Braga em 15/09/2014.
COELHO, Geraldo M. O brilho de supernova: a morte bela de Carlos Gomes. Rio de Janeiro: Agir, 1995.
GÓES, Marcus: Grandes momentos históricos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Artigo de Marcus Góes de 2009, reapresentado no Blog de Ópera e Ballet, em 08/04/2013.
ITÁLIA PER SAN PAOLO: PRAÇA RAMOS DE AZEVEDO
OLIVEIRA, Emerson Dionísio G.: Últimos dias de Carlos Gomes”: do mito “gomesiano” ao “nascimento” de um acervo. Revista CPC, São Paulo, nº 4, p. 87-113, maio/out. 2007.
Revista Long Playing, órgão oficial da Câmara Brasileira do Disco, nº 19, ano de 1959. A publicação trazia ilustrações e notícias, divulgação de músicas e discos LPs, música clássica e popular, etc.
WIKIPEDIA: verbete "Carlos Gomes"
10 comentários:
Prezad@,
Nesta data de 16 de setembro completam-se 125 anos da morte de um de nossos mais ilustres patrícios que dignificou e elevou o nome de sua pátria, sendo portanto merecedor da efeméride de hoje e de toda honraria.
Em homenagem ao maior operista americano de todos os tempos, MAESTRO Antônio CARLOS GOMES (1836-1896), tenho o prazer de trazer ao leitor um conjunto de anotações de cunho histórico, que refletem meu interesse em prestar o mais digno reconhecimento ao grande musicista pelo seu grande espírito de brasilidade, que sempre conservou, mesmo no exterior.
https://bragamusician.blogspot.com/2021/09/aos-125-anos-da-morte-do-maior-operista.html
Francisco Braga
Muito lindo depoimento !
Cordial abraço,
Eudóxia .
Parabéns pela publicação.
👏👏👏👏
Caro professor Braga
Emocionante artigo que juntamente com os relevantes dados e o brinde das audições cumpre inteiramente seu objetivo. Totalmente justo e merecedor. Gomes é afinal um dos expoentes máximos da arte musical brasileira e sabedor de que a alma desta terra é, antes de tudo, dignamente indígena.
Parabéns! Grato pela oportunidade da leitura e audições.
Cupertino
Que, além de brilhante, teve a dignidade de não trair D. Pedro II.
Caro amigo Braga
Mais uma vez – e como sempre! – o ilustre amigo Maestro e Compositor Francisco Braga, oferece preciosas informações aos seguidores de seu renomado Blog.
Desta feita, com grande louvor, traz-nos importantes dados histórico-biográficos sobre o mais importante compositor de óperas brasileiro, Antônio Carlos Gomes, ao ensejo dos 125 anos da morte deste grande músico, considerado o maior compositor lírico das Américas.
Parabéns amigo e Confrade Braga, por sua constante exaltação dos valores e méritos de personalidades brasileiras e mundiais.
Abraços, de Mario e Beth.
Caro Professor Francisco Braga,
Que maravilhoso esse ensaio sobre o maestro Carlos Gomes!
Gostei de saber detalhes sobre sua vida, sobre a ópera O Guarani e suas apresentações na Itália e no Brasil para o próprio Imperador, D. Pedro II.
O livro clássico de José de Alencar, com o amor impossível de Peri e Ceci, merecia tal desdobramento artístico.
Exotismo, romantismo, brasilidade.
E ter colocado os links nos leva aos palcos, à imaginação total.
Obrigada por esse presente.
Abraço fraterno,
Raquel Naveira
Parabéns, pela lembrança da data e pelo belo texto!
Dom Pedro II foi um grande benemérito dos nossos jovens talentosos.
Merania Oliveira
Instituto Roque Camêllo
No livro "ANARQUISTAS, GRAÇAS A DEUS", a autora Zélia Gattai (esposa de Jorge Amado) rememora histórias que ouviu de seu pai Ernesto Gattai, fatos que foram vivenciados por Francisco Arnaldo Gattai (imigrante italiano - 1890) , o avô de Zélia.
Dentre esses relatos, Carlos Gomes fora mencionado como "...certo Carlos Gomes, brasileiro, autor de óperas" que fazia sucesso na Itália, era apadrinhado por Dom Pedro ll, e frequentava a casa do maestro Rossi, onde se reuniam músicos de renome.
Naquela ocasião, Carlos Gomes já se dedicava, com entusiasmo, à partitura da ópera "Lo schiavo", que pretendia tocar para o imperador do Brasil, cuja chegada a Milão (1888) estava prevista. Entretanto, por possíveis motivos inerentes ao "clima" sociocultural europeu da época, tal ópera não foi levada
ao palco, tendo sua estreia tardia em 1889, no Rio de Janeiro, após a Abolição da Escravatura e dedicada à Princesa Isabel.
Há, também, no livro, alusões à Colônia Cecília (colônia experimental socialista), idealizada por Giovanni Rossi, pseudônimo Cárdias, parente do maestro Rossi; Cárdias conheceu Carlos Gomes em Milão e se apaixonou pelas belezas do Brasil, apregoadas pelo músico brasileiro. Com apoio do Imperador, tal colônia teve sua implantação por volta de 1890, e constituiu-se de imigrantes italianos de todas as classes e profissões que vieram com suas famílias. Entre Palmeiras e Santa Bárbara, no Paraná, trezentos alqueires de terra foram cedidos por Dom Pedro II. Tal empreendimento não obteve o sucesso previsto. Frustou-se por motivos evidentes e outros não claramente definidos.
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