Por Dr. Euclides Garcia de Lima Filho (nosso amado Dr."Tidinho")
Dr. Euclides Garcia de Lima Filho discursa no dia da posse de Francisco José dos Santos Braga na Cadeira nº 28 da Academia de Letras de São João del-Rei, cujo patrono é Dr. Antônio de Andrade Reis |
“Confrades preclaros,
Marina de Andrade Reis querida,
Tendo faltado a três reuniões desta Academia por motivo de ordem profissional, fui surpreendido hoje, meu querido Francisco, com a posse do nosso Confrade. E, ao ouvi-lo, eu fui tomado por uma profunda emoção: a sua fala, o seu discurso de posse me transportou para os saudosos tempos do nosso querido Colégio Santo Antônio, que, naquela ocasião, quando nós lá estudávamos na década de 40, lá moravam e trabalhavam em São João del-Rei mais de 20 frades, todos holandeses, só um brasileiro, o saudoso Frei Orlando. E foi lá, Francisco, que nós aprendemos os pilares fundamentais da cultura, da fé e do civismo.
Então, ao ouvi-lo, eu fiquei profundamente emocionado e tomado por uma saudade incomensurável. Saudade daqueles tempos onde a gente realmente amava as coisas geradas pelo espírito. Ora Deus! Quem poderia imaginar que o Colégio Santo Antônio – provavelmente um dos melhores colégios do Brasil – poderia, dirigido por frades holandeses, (você se lembra e outros ex-alunos do Santo Antônio se lembram disso), nós, para começarmos as nossas lides escolares, éramos chamados pelo apito de Frei Eugeniano, e todos caminhávamos, qual rebanho obediente e tranquilo, para o início das aulas no colégio. Você se lembra: padres holandeses... Nós, antes de entrarmos para a aula, éramos obrigados a escutar o Hino Nacional, executado por uma banda dos próprios alunos, bastante desafinada, tanto que tinha o apelido de “Furiosa”, lembra-se disso? A Furiosa tocava o Hino Nacional e um aluno era escolhido para hastear a Bandeira Nacional. Qual é o colégio hoje, qual é a escola hoje que ensina que aquele pedaço de pano verde e amarelo contém uma das mais belas histórias do universo? Aquele verde devia ser tingido de vermelho pelo sangue dos nossos heróis, aquela bandeira que nós aplaudíamos de pé inspirados pelos frades holandeses. Hoje, quando a gente ouve o Hino Nacional, os jovens de hoje nem sequer se levantam (...)
(Dirigindo-se à mãe deste neoacadêmico):
Dona Celina dos Santos Braga,
Agora que eu vi a senhora aí, me emocionei mais ainda. Eu frequentava a sua casa até como pediatra, como médico. Como eu pude ajudá-los nos momentos de alegria, nos momentos de tristeza!
Então nós estávamos, Francisco, no Colégio Santo Antônio e, antes de entrar para as aulas, – repito, – hasteávamos a Bandeira Nacional, inspirados por padres holandeses. Depois, já dentro da aula rezávamos uma prece, invocando o Divino Espírito Santo que iluminasse a nossa inteligência e o nosso espírito. Qual escola faz isso hoje em dia? Qual escola ensina amar a Deus sobre todas as coisas e a sua Pátria, como fora outra casa de seus pais? Meu Deus, a sua fala me deixou profundamente emocionado e me trouxe uma saudade incomensurável, saudade daqueles tempos em que violência não existia. Nós saíamos pelas ruas bucólicas de São João del-Rei. À noite fazíamos serenatas tranquilas, sem o risco de um assalto ou de uma agressão. Hoje não se pode mais fazer isso. Nos nossos encontros, as famílias não estavam limitadas em seu convívio pela televisão, pela novela e até mesmo pela Internet. Eu me lembro que nós andávamos assim às cinco horas da tarde e depois saíamos caminhando pelas ruas da cidade e encontrávamos, à porta da casa dos nossos amigos, cadeiras esperando por aquelas visitas. E ali discutíamos problemas bons e maus, trocando confidências. As famílias se falavam, as famílias se amavam. As famílias trocavam confidências.
E hoje? Quantas vezes nós visitamos alguém que esteja sofrendo alguma turbulência em sua vida? Nós não temos tempo, a televisão não deixa. A ânsia de ganhar dinheiro não permite. E as coisas do espírito estão então esquecidas.
Amor, meu Deus! Eu sou pediatra e médico de adolescente: dependendo do caso que eu examino, eu quase sou levado às lágrimas. Porque no meu consultório aparecem jovens, desprezados pelos seus próprios pais. (...) E aí vêm a violência, os assassinatos, os roubos e os assaltos, pessoas que roubam as mínimas coisas para satisfazerem o seu vício.
Vício – perdão! É um erro grave falar vício. A sua doença. A dependência química não é um vício, é um erro que se comete. Um alcoólatra não é alcoólatra, é um doente alcoólico. Porque um alcoólatra, pela etimologia da própria palavra, é aquele que idolatra o álcool; por isso, é alcoólatra. Mentira! Ele não idolatra, ele abomina o álcool, ele sente que o álcool destruiu a sua vida, destruiu o seu lar, tornou-o um desempregado, mas ele não consegue largar a escravidão daquela doença. Como chamar um dependente químico de alcoólatra, se ele abomina (e não idolatra) aquilo que está destruindo a sua vida? Isso é o que nós estamos vivendo hoje.
Francisco,
Eu o tenho como verdadeiro irmão. Sempre tive. Não sabia da sua posse, não sabia nem do seu ingresso na nossa Academia. Tive que faltar a três reuniões, por motivo de ordem profissional. Fui tomado de total surpresa e vou para casa hoje emocionado. Lamento e lamento muito que a nossa Academia não esteja com todas as cadeiras lotadas pelos nossos companheiros, nossos confrades. Onde estão eles? Gente, como é difícil fazer o voluntariado hoje! Como é difícil encontrar alguém que queira pertencer a uma Irmandade religiosa, a um partido político sólido e decente! Como é difícil encontrar alguém que queira ser voluntário numa Academia de Letras! Onde estão os nossos Acadêmicos? Acadêmicos deveriam estar aqui para, de pé, aplaudir esse conterrâneo ilustre, querido, dedicado, que nunca se esqueceu da sua São João del-Rei, da nossa São João del-Rei.
Encerrando esse improviso – talvez eu tenha me alongado até mais do que podia – eu quero dizer o seguinte:
Meu caro Presidente,
Acho que nós devemos marcar uma outra reunião para oficializar a posse deste grande conterrâneo (...) onde receber o diploma, porque você, meu caro Francisco, merece muito mais do que você está recebendo hoje. Você passa a ser, a partir de agora, um símbolo de inspiração para que novos são-joanenses bons sigam seu exemplo.
Querido Francisco,
Eu não poderia ficar calado diante deste seu brilhante trabalho. Serei muito rápido porque a plateia é extremamente culta e saberá absorver aquilo que eu gostaria de dizer por mais tempo.
A medicina sofre hoje um triste clima de desagregação, de mercantilização, de mediocridade. A medicina está sofrendo graves problemas.
Esse trabalho tem que ser difundido através de todas as áreas médicas do Brasil porque você enaltece aquelas pessoas que exercitaram a medicina de acordo com os postulados do maior médico da história da medicina brasileira, que se chamava Miguel Couto, professor da Faculdade de Medicina, onde eu estudei, na Praia Vermelha do Rio de Janeiro, onde também estudaram Dr. Diomedes Garcia de Lima e Dr. Antônio de Andrade Reis.
Miguel Couto escreveu um livro que se chama "Os Aforismos de Miguel Couto".
Vou citar apenas um aforismo para que a gente tenha ideia do valor do seu trabalho. Ele nos dizia nos seus Aforismos:
"Ao médico compete curar poucas vezes, aliviar muitas vezes, mas consolar sempre".
Nós médicos estaremos consolando?
Portanto, hoje esta plêiade de médicos que foram apresentados, à guisa de apresentação do Dr. Antônio de Andrade Reis, como médico da Santa Casa da Misericórdia, em nome da família Andrade Reis – permita-me Marina –, em nome da Santa Casa, eu quero cumprimentá-lo, agradecer e dizer que este trabalho merece – repito – ser difundido nesta hora em que nós precisamos resgatar a nobreza e a beleza da medicina.
Miguel Couto dizia ainda: "A medicina tem duas facetas: uma é a Arte médica, a outra é a Ciência médica. A Arte só Deus dá; a Ciência o homem adquire."
Por isso, nós temos em Dr. Antônio de Andrade Reis o grande exemplo dos aforismos de Miguel Couto.
Obrigado!”
(Discurso pronunciado em 28/10/2012 por Dr. Euclides Garcia de Lima Filho, saudando o ingresso do neoacadêmico Francisco José dos Santos Braga para ocupar a Cadeira nº 28, patroneada por Dr. Antônio de Andrade Reis, na Academia de Letras de São João del-Rei)
Obs.: A parte final do discurso pode ser vista no encerramento do vídeo no YouTube:
Link: https://youtu.be/0GGtnmt5PMQ 👈
13 comentários:
Relembro, com saudade e gratidão, ainda bem nítidas as palavras com que Dr. Euclides Garcia de Lima Filho (04/02/1932-10/10/2021), carinhosamente chamado em nossa cidade por "Dr. Tidinho", orador oficial da egrégia Academia de Letras de São João del-Rei, me saudou, com sua veemência habitual, quando pela primeira vez adentrei o pórtico daquela sexagenária Casa de Letras, numa manhã de 28 de outubro de 2012.
Usando da palavra após meu discurso de posse, em que louvei em primeiro lugar meu patrono Dr. Antônio de Andrade Reis (1882-1947), patrono da Cadeira nº 28, em seguida o corpo médico da bicentenária Santa Casa da Misericórdia, tive subida honra de ser acolhido pelo orador-mor Dr. Euclides Garcia de Lima Filho com suas inesquecíveis e doces palavras, de improviso, que brotaram de seu coração e calaram fundo no meu e no da plateia ali reunida.
Link: https://bragamusician.blogspot.com/2021/10/discurso-de-saudacao-pelo-meu-ingresso.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Meu prezado amigo FJSBraga,
achei um momento especial em sua vida esta saudação recebida quando do seu ingresso na Academia de Letras de São João Del Rey.
Parabéns!
Lúcio Flávio
Prezado Dr. Rogério,
Que seu honrado pai - Acadêmico que me saudou na chegada à Casa da Cultura são-joanense - descanse agora nos braços do nosso Pai celestial e encontre a verdadeira Luz que não se apaga!
Tudo passa, inclusive nossa vida. Reconheçamos nossa transitoriedade neste mundo. Nossa hora de reencontro com a verdadeira Origem também chegará.
Receba nosso (de Rute e meu) carinho e aceite a vontade divina.
Meu abraço fraterno,
Braga
Caro Braga,
Parabéns por tudo. Forte abraço.
Napoleão Valadares
Pelo que vejo, foi uma existência valiosa.
Infelizmente não tive oportunidade de conhecê-lo.
Estou sentindo muito a morte do acadêmico Ramiro Gregório. Era um amigo muito querido.
Vou sempre me lembrar dele. Do seu carisma, bom humor e a enorme generosidade.
Homem divertido, espirituoso, excelente profissional, grande orador, bem humorado, cumpriu sem limites o juramento de sua profissão. Para ele , não havia crianças pobres ou ricas, com plano de saúde ou sem plano, e se dedicava a todas elas, a qualquer hora do dia ou da noite, sem distinção.
Tratava-se de uma pessoa e tb um profissional maravilhosos. Vai deixar muita saudade.
Que Dr. Euclides seja recebido como grande Luz Perpétua perante o Criador!
PCarvalho
Caro amigo, Francisco Braga,
Gostei muito de ler as palavras do Dr, Euclides Garcia de Lima Filho relembrando os tempos do Colégio Santo Antônio; o amor entre as famílias, na cidade antiga de São João Del Rei; o seu estarrecimento de médico e humanista perante a triste realidade de hoje, cheia de vícios e dependência química; as lições e exemplos do Dr. Miguel Couto.
Literatura e Medicina sempre caminharam juntas, pois o médico tem maior consciência do sofrimento humano e da transitoriedade da vida. (Segue em anexo um pequeno ensaio meu sobre esse tema).
Fiquei feliz também em vê-lo e ouvi-lo no vídeo.
A tecnologia hoje é uma bênção e uma ferramenta de comunicação e trabalho.
Receba meu abraço e minha admiração,
Raquel Naveira
Bom dia, sr. Francisco !
Amigos nunca e jamais serão esquecidos, principalmente quando membros desta egrégia Academia de Letras da cidade de São João del-Rei, na qual o sr. tem sua cadeira.
Obrigado, Francisco, por compartilhar conosco um momento histórico de sua vida, onde o Dr. Tidinho brilhou com suas belas palavras! Também minha família e eu somos imensamente gratos ao Dr. Tidinho que sempre atendeu nossos filhos, com todo carinho e atenção, quando adoeciam em nossas férias aí em São João del-Rei.
Agradeçamos a Deus essa bela oportunidade de termos convivido com pessoa tão especial.
Pepê
Caro professor Braga
Posso imaginar a sua dor pela partida física de seu querido amigo e da figura humana que é e sempre será o Dr. Euclides. Muita força e muita fé para o amigo e a todos quantos se achem inconsoláveis.
Cumprimentos solidários,
Cupertino
Prezado Confrade Francisco Braga!
Prostro-me diante da beleza manifestada pela simplicidade e profunda sabedoria de nosso inesquecível Dr.Tidinho.
Com admiração.
Pe. Saulo
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