Por Francisco José dos Santos Braga
Ilmo. Sr. Presidente do IHG-SJDR, Sr. Paulo Roberto Sousa Lima,
Vice-presidente Artur Cláudio da Costa Moreira,
Confrades Bruno Nascimento Campos e Alex Lombello Amaral, envolvidos com o Projeto da 5ª récita da ópera O Sertão de Fernand Jouteux em SJDR, em nome de quem cumprimento todos os meus confrades de IHG ,
Amigos e amigas,
Tive o prazer de ser mais uma vez convocado pelo nosso presidente Paulo Roberto Sousa Lima para discorrer nesta manhã sobre Fernand Jouteux, um dentre muitos músicos esquecidos na história da música em São João del-Rei. Tarefa difícil, mas não impossível para quem puder escrever vários tomos sobre o tema, se não quiser ser leviano ou ingênuo no enfrentamento da questão. Daí resulta que, numa palestra de 40 minutos, somente os nomes mais em evidência poderão ser mencionados lamentavelmente, já que não cabe aqui citá-los apenas, mas discorrer um pouco sobre a sua importância no âmbito da historiografia musical, havendo inevitavelmente muitas omissões da minha parte.
No Correio da Manhã, Ano LX, nº 20740, de O4/11/1960, José do Carmo Barbosa, proprietário da Farmácia "Ouro Preto", secretário do C.A.C.-Centro Artístico e Cultural, locutor e diretor da ZYI-7 Rádio São João del-Rei, além de secretário geral e professor do Conservatório Estadual de Música Pe. José Maria Xavier, publicou um artigo intitulado "Uma cidade vive há 2 séculos mergulhada nas ondas musicais", referindo-se à cidade de São João del-Rei. Este artigo encontra-se reproduzido e comentado no Blog de São João del-Rei, com a ressalva de que o seu título hoje teria o transcurso atualizado para 3 em vez de 2 séculos (1717-2021) ¹.
Nesse artigo, ele constata que as crianças são-joanenses nascem ouvindo os sinos e a melodia que emana dos campanários dos seus templos coloniais, para explicar os pendores musicais do povo de São João del-Rei, a "Cidade da Música".
No seu aprendizado um pouco sistemático da música, encontram-se disponíveis à criança são-joanense:
1) o Conservatório Estadual de Música Pe. José Maria Xavier
2) as "furiosas" bandas civis com seu repertório variado
3) as orquestras Lira Sanjoanense e Ribeiro Bastos com seu repertório sacro
4) a Sociedade de Concertos Sinfônicos ("Sinfônica") com seu repertório profano.
Modernamente, já não se estabelece uma distinção tão rígida entre música erudita e música popular, então presente nos anos 60. Os próprios cursos de Música das Universidades já oferecem currículo para as duas modalidades, dependendo da opção do interessado em cursar licenciatura em Música na graduação. Até a pós-graduação em Música já conta com ambas as vertentes da música: popular e erudita.
Por isso, especialmente dois dos fundadores de Escolas de Samba, nos anos cinquenta a oitenta do século XX, merecem aqui ser lembrados pois fizeram do carnaval são-joanense o 3º melhor carnaval do Brasil, só atrás do Rio e de Olinda. São essas as suas escolas de samba: "Qualquer Nome Serve" (1957-1986) do Jota Dângelo e "Depois eu Digo" de João da Cruz Magalhães, Ginego. Contribuíram também para esta posição ocupada por São João del-Rei no ranking nacional: Falem de Mim, Unidos do Largo da Cruz, Irmãos Metralhas, Bate Paus e Rancho Custa Mais Vai, entre outras agremiações carnavalescas são-joanenses.
A lista dos grandes músicos produzidos por São João del-Rei é extensa, especialmente no ramo da música sacra. O primeiro lugar cabe ao padre José Maria Xavier, autor de famosas e discutíveis partituras da "Semana Santa", que anualmente atrai centenas de turistas. Entretanto, poucos sabem que ele produziu muita música profana e até de salão.
[VIEGAS, 1987, 53-65] comenta o seguinte a respeito da música profana de Xavier:
“[...] O ter utilizado melodia de Rossini, adaptando-a para um texto religioso, porém empregando harmonização e instrumentação próprias, era fato comum na Corte do Rio de Janeiro, onde os compositores como Pedro Teixeira de Seixas, Fortunato Mazziotti, e outros, sofreram a influência da música operística em voga, principalmente de Rossini, a ponto de enxertar em suas obras para igreja reminiscências de óperas em voga. (...) Empregando o mesmo artifício, o Pe. José Maria Xavier escreve algumas obras das quais cito: Missa do Cerco de Corinto, solos ao pregador, e hinos para as novenas, usando melodias das óperas Moisés e Semiramide, todas de Rossini. Do gênero profano, o Padre José Maria Xavier compôs valsas, minuetos, aberturas, e fez arranjos orquestrais de diversas aberturas de óperas como: Recreio dos Clérigos, de Herold, Les Bacchantes ², de Generali; árias, duetos e coros de óperas, e escreve fantasias para o instrumento muito em voga na época, o oficleide. Para banda de música, escreveu algumas marchas processionais, destacando-se a que compôs para a procissão de Nossa Senhora da Boa Morte, que se realiza em 14 de agosto. (...)”
Música profana do Pe. José Maria Xavier normalmente citada por seus biógrafos: Minueto em ré, 1852; Ofertório para cordas, 1875; Valsa, 1868, Minueto, 1865, Les Bacchantes de Pietro Generali, em orquestração de J.M. Xavier.
Conforme [NEVES, 1984, 5], o início do povoamento do lugar, que em 1713 passou a chamar-se vila de São João d’EI-Rey, começou a partir de 1701, quando o bandeirante Tomé Portes del-Rei radicou-se na região, com a incumbência de cobrar taxa pela travessia do Rio das Mortes, no local conhecido como Porto Real da Passagem. A descoberta de ouro nos morros circunvizinhos atraiu grande afluência de pessoas, de todas as castas e profissões, que se agruparam em dois núcleos: Arraial Velho do Rio das Mortes ³, no local conhecido como Santo Antônio da Ponta do Morro, e o Arraial Novo do Rio das Mortes, onde ficava o Porto Real da Passagem. Em pouco tempo, no Arraial Novo foi erigida a primeira capela, dedicada a Nossa Senhora do Pilar, e, também, o primeiro quartel, uma casa da câmara e uma cadeia.
É curioso constatar o seguinte fato:
Essa nova situação levou, em 1717, o Governador D. Pedro de Almeida e Portugal, o conde de Assumar, a uma visita de inspeção na Vila de São João d'El-Rey, criada em 08/12/1713. E é por essa ocasião que se tem a primeira referência de atividade musical. O pesquisador [GUERRA, 1968, 15] apresenta o relato de Samuel Soares de Almeida, sobre as comemorações acerca do dia dessa visita:
“Na entrada da Villa se achava construído por ordem deste Senado da Camara um excellente pavilhão, ornado com riqueza e decência possível, aonde se achava o Ouvidor presidente do Senado e mais vereadores para pegarem nas varas do pallio, debaixo do qual foi conduzido o governador Conde de Assumar, precedido dos homens bons, nobreza e povo desta Villa, e seguido das companhias das Ordenanças, que marchavam ao som de uma muzica organisada pelo mestre Antonio do Carmo à igreja Matriz aonde o rev. vigário da vara Manoel Cabral Camello, entoou o hymno Te Deum, que foi seguido por todo o clero e muzica [...]”
O mestre Antonio do Carmo também aparece no “Livro de Accordão da Camara Municipal de São João d’EI-Rey”, de 1727 a 1736, no dia 12-6-1728 registrado sob o título Mestre de Muzica:
“Accordarão estes que fosse chamado Antonio do Carmo para que desse o que se lhe havia de dar pela muzica para a festa que se hade fazer a 24 de Junho e por ocasião de acção de graças, e com efeitto veio logo a este Senado e se lhe prometeu quarenta oitavas de ouro de que daria Muzica boa com dois coros” [GUERRA, idem,16].
A partir daí, as referências são constantes, inclusive nos livros das irmandades, confrarias e ordens terceiras, nos quais se encontram registrados os “ajustes” para as músicas das celebrações religiosas. Fato relevante foram as exéquias reais de D. João V, realizadas na Matriz do Pilar, no dia 28 de dezembro de 1750, quando a parte musical contou com “quatro coros” acompanhados com instrumentos, colocados em diferentes partes da igreja [NEVES, 1997, 15].
São João del-Rei conta com duas orquestras centenárias, ainda em plena atividade.
A "Lira Sanjoanense", fundada em 1776 pelo mestre José Joaquim de Miranda, é a mais antiga orquestra sacra são-joanense e inclusive das Américas. Presume-se que seja remanescente dos coros de igreja de 1728. A orquestra e coro "Lira Sanjoanense" é responsável por abrilhantar principalmente as festividades da Confraria de Nossa Senhora do Rosário, da Boa Morte, de São Miguel e Almas, de São Gonçalo Garcia, da Arquiconfraria de Nossa Senhora das Mercês, além de responder pela Novena Solene de São Sebastião de responsabilidade da Irmandade do SS. Sacramento na Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar. Desde 2015, vem ocupando o cargo de diretor regente da Orquestra Lira Sanjoanense o Prof. Dr. Modesto Flávio Chagas Fonseca.
A Orquestra Ribeiro Bastos, por sua vez, se originou bem mais tarde. Foi fundada em 1840 pelo mestre Francisco José das Chagas. Substituindo o Mestre Chagas na direção da corporação, em 1859, Ribeiro Bastos (1834-1912) organizou o acervo e ampliou-o sobremaneira. A Ribeiro Bastos é responsável por abrilhantar principalmente as festividades de responsabilidade da Irmandade do Santíssimo Sacramento (especialmente da Semana Santa), da Irmandade do Senhor dos Passos (especialmente da Festa de Passos), da Ordem Terceira do Carmo e da Ordem Terceira Franciscana. O seu atual nome é uma homenagem ao maestro Martiniano Ribeiro Bastos que a regeu durante mais de meio século. Em 1912, quando ele morreu, o grupo adotou o seu nome: de Orquestra "do" Ribeiro Bastos até então, tornou-se Orquestra Ribeiro Bastos. Atualmente, o seu diretor é Rodrigo Sampaio. A parte musical das imponentes comemorações da "Semana Santa" em São João del Rei, estão sob a sua responsabilidade, numa tradição, assim, de um século e meio.
Pelo vultoso acervo, pode-se afirmar que o Maestro Ribeiro Bastos passou grande parte de sua vida copiando música e encadernando partes, tendo sido esse capricho o responsável pela preservação de muitas obras e manuscritos únicos que hoje se constituem em fontes importantes para a historiografia musical brasileira. Juntamente com o material sacro, Ribeiro Bastos possuiu importante biblioteca de partituras de óperas, a maioria em edições princeps para canto e piano, óperas reduzidas para quarteto de cordas, música de câmera e música de salão (valsas, polcas, mazurcas, etc.) e aberturas de óperas para grande e pequena orquestra. Fundou e dirigiu o "Club Musical Ribeiro Bastos" ⁴, um conjunto de câmara e coral para acompanhamento de solistas.
Quanto ao acesso aos arquivos citados, [VIEGAS, 1998, 110-130] esclarece que depende da autorização de seus proprietários. Por exemplo, o Museu da Música da Arquidiocese de Mariana, para o qual ele e o Prof. Paulo Castagna prestaram serviço, está hoje sediado no andar térreo da residência arquiepiscopal. Duas funcionárias catalogam o material e orientam os pesquisadores. Para pesquisas, é necessária licença e autorização especial, já que está sendo evitado o uso de cópia xerox para reprodução de documentos originais.
A Coleção Curt Lange, do Museu da Inconfidência, resguardada na Casa do Pilar, em Ouro Preto, não estava aberta à pesquisa até há bem pouco tempo atrás. Segundo a direção do Museu, a coleção (adquirida em 1982) estava sendo catalogada e microfilmada, estando já publicados dois dos três volumes previstos do seu catálogo temático. Hoje, no entanto, já é possível consultar os documentos musicais dessa coleção e iniciar sua pesquisa no âmbito musicológico.
A consulta ao acervo da Orquestra Lira Sanjoanense depende da autorização da Direção da entidade e da disponibilidade do responsável pelo arquivo. (...) A consulta ao acervo da Orquestra Ribeiro Bastos depende da autorização da Direção da entidade para pesquisas.
MUSICÓLOGOS SÃO-JOANENSES
Antes de abordar seus nomes, convém frisar o conceito que faço da Musicologia. Para mim, ela é a ciência que cobre todo o estudo da música, exceto aquele direcionado à proficiência em performance ou em composição — embora mesmo um estudo como este tenha que recorrer à Musicologia para esclarecer alguns de seus problemas. Para simplificar, pode-se tentar restringir o alcance da Musicologia a termos mais compreensíveis, começando pela classificação quádrupla da Música com base no fim para o qual está sendo estudada: Performance, Composição, Pedagogia e Pesquisa. Para facilitar a compreensão, é em algum lugar nesta última divisão — no caso, a Pesquisa — que incide a Musicologia. Quando um músico é capaz de orientar os estudos musicais de outros pesquisadores, conhecendo bastante a história da Música, os estilos de cada época, dominando as escolas a que pertencem os compositores estudados, tendo uma visão crítica sobre o produto final assim obtido, tal pessoa pode ser chamada de musicólogo. Outra definição para Musicologia pode ser: ciência que se dedica às questões teóricas e ao conhecimento alcançado por várias áreas correlatas à música. Dito isto e apenas para sugerir uma baliza para nosso estudo, considero Mário de Andrade o fundador da Musicologia brasileira. Em continuação, vou tratar de dois musicólogos nascidos em São João del-Rei, com os quais tive a honra de conviver:
1) Aluízio José Viegas (São João del-Rei, 1941-Nova Lima, 2015) era um pesquisador apaixonado pelo conhecimento, lia sistematicamente e apreciava uma discussão crítica. Embora não tenha cursado a universidade de forma regular, nem possuísse formação docente para a educação superior, colaborou na orientação de centenas de teses e dissertações na área da Música sem ocupar a cátedra em nenhuma universidade brasileira. Seu notório saber era reconhecido por todos os catedráticos em Musicologia e considerado por todos um dos nomes mais importantes na pesquisa sobre a música sacra mineira. Tornou-se nacionalmente conhecido por mérito próprio, através de um estudo bem direcionado da música sacra do Brasil Colônia e Império. Filho caçula de 12 filhos de uma família morou na rua Santo Antônio, nas proximidades das sedes da Lira Sanjoanense e da Orquestra Ribeiro Bastos. Em 1960, portanto aos 19 anos de idade, recebeu convite do maestro Dr. Pedro de Souza para tomar parte do corpo de instrumentistas da Orquestra Ribeiro Bastos, como violoncelista, flautista e contrabaixista. Igualmente, na mesma época, se firmou como o maior copista (na época de penas de aço e tinta; só bem mais tarde aconteceria o advento da fotocópia) de partituras do arquivo da Lira Sanjoanense. É provável que date desta época uma informação que [VIEGAS, 2003, 294] fornece a respeito de uma estratégia imaginada para ouvir atentamente o que constava do acervo da Lira Sanjoanense e decidir sobre o que copiar ou não:
Visando a seleção do material que deveria receber novas cópias, eu e Geraldo Barbosa de Souza organizamos uma estratégia peculiar: aos domingos, um pequeno grupo composto de dois violinos, violoncelo, flauta, clarineta, e quatro cantores (SATB) reunia-se na sede da Lira Sanjoanense e, usando as partes antigas, fazíamos a leitura de algumas obras, para então selecionar as que melhor soassem. A partir disso, montávamos a partitura e extraíamos novas partes. Isso também aguçou, nesse grupo, uma maneira de identificar até mesmo a autoria e a época da composição, quando se tratava de autor anônimo. O grupo não chegou a estabelecer a autoria de tais obras, mas apenas levantou algumas hipóteses.
Essa atividade de copista foi fundamental para que em 1963 ficasse responsável pelo arquivo de partituras da Lira, que incluía não só músicos são-joanenses, mas também Emerico Lobo de Mesquita, Jerônimo de Souza Lobo, Padre João de Deus Castro Lobo, Manoel Dias de Oliveira, Antônio dos Santos Cunha, tido como de naturalidade portuguesa que viveu na Vila de São João del-Rei entre 1800 e 1822, dentre outros. A vida inteira de Aluízio foi dedicada à música, já que, além de instrumentista, se distinguiu como pesquisador, musicólogo, maestro, diretor, mesmo quando exercia outros ofícios, tais como farmacêutico, servidor público municipal e funcionário da FUNREI-Fundação de Ensino Superior de São João del-Rei. Quando aposentado, aceitou colaborar com o Monsenhor José Raimundo de Paiva na condução de diversas incumbências junto à Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar.
Em sua atividade como musicólogo, integrou a equipe da pesquisa O ciclo do ouro: o tempo e a música no barroco católico (PUC-RJ), como membro da Comissão de Análise de Documentos (CAD) e como editor da série Música Sacra Mineira - Séculos XVIII e XIX (hoje também conhecida como Coleção Música Sacra Mineira), participando, juntamente com Francisco Curt Lange (1903-1997), na elaboração da primeira listagem de obras da Coleção Curt Lange recolhida ao Museu da Inconfidência/Casa do Pilar, em Ouro Preto (MG) em 1982.
Desde 1963 colaborou com diversos pesquisadores, principalmente Cleofe Person de Mattos, Pe. Jaime Cavalcanti Diniz, Adhemar Nóbrega, Olivier Toni, Antônio Alexandre Bispo, Adhemar Campos Filho, Ernani Aguiar e Paulo Castagna. Participou de vários projetos da Fundação Nacional de Artes, do Museu da Música de Mariana (especialmente o projeto Acervo da Música Brasileira) e da Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais (especialmente o projeto Patrimônio Arquivístico-Musical Mineiro), na publicação de obras de compositores brasileiros dos séculos XVIII e XIX.
Além da Orquestra Lira Sanjoanense, dirigiu a Sociedade de Concertos Sinfônicos de São João del-Rei e atuou como pesquisador da Cúria Diocesana e do Museu de Arte Sacra de São João del-Rei.
Embora tenha escrito relativamente pouco, Aluízio publicou várias partituras e produziu trabalhos científicos, entre artigos e capítulos de livros (alguns disponíveis online), tendo deixado grande número de partituras e textos manuscritos, principalmente no arquivo da Orquestra Lira Sanjoanense. ⁵
Sua linguagem coloquial é impressionante diante de plateias de especialistas em Música, mesmo porque demonstra não precisar de impressionar ninguém.
[VIEGAS, 2003, 288-290] cita muitos parceiros de fora (os quais ele chama "Musicólogos em São João del-Rei", todos mencionados no item 5) e ele próprio trata dos principais contatos feitos, mencionando explicitamente todas as obras raras obtidas por eles dos arquivos da Lira Sanjoanense e da Ribeiro Bastos, quase todas desconhecidas do meio musical, bem como, em contrapartida, a transmissão de experiência deles com o manuseio de arquivos e o acesso a verbas do Conselho Federal de Cultura, por exemplo, para reforma nas sedes das 2 corporações musicais são-joanenses e para preservação e restauração de obras musicais de seus acervos:
a) Antes da década de 60 do século XX: Curt Lange
a) Nas décadas de 60 e 70:
Cleofe Person de Mattos e Prof. Adhemar Nóbrega (Quinta-feira Santa de 1963) nas pesquisas dela sobre o Padre José Maurício Nunes Garcia; Pe. Jaime Cavalcanti Diniz; Mercedes Reis Pequeno; Luiz Ellmerich, George Olivier Toni e seus alunos da ECA/USP; Antônio Alexandre Bispo (antes de ir especializar-se na Alemanha)
b) Nas décadas seguintes:
Heitor Combat, Maria da Conceição Rezende, Régis Duprat, Maria Augusta Callado, Ernani Aguiar e Paulo Castagna
[VIEGAS, 2003, ibidem, ibidem] distingue quatro dos demais "musicólogos em São João del-Rei", porque aqueles trazem ou trouxeram algum proveito real a nossas corporações musicais e a seus acervos. Foram (ou são) eles Francisco Curt Lange, Cleofe Person de Mattos, Maestro Ernani Aguiar e Prof. Dr. Paulo Augusto Castagna.
“Quando da estada em São João del-Rei do eminente musicólogo e professor alemão Dr. Francisco Curt Lange, na década de 50, eu assisti à pequena palestra que ele pronunciou no salão da Paróquia do Pilar, com demonstracões sonoras em fita magnética de concertos que ele realizara com as obras "restauradas". Lembro-me perfeitamente de sua presença na sede da Orquestra Lira Sanjoanense com o maestro Dr. Pedro de Souza e dos ensaios que ele assistiu, tanto na Lira Sanjoanense como na Ribeiro Bastos, quando houve até uma polêmica entre Curt Lange e Pedro de Souza sobre os andamentos musicais.”
“Em 1982 fui solicitado a assessorar o Professor Francisco Curt Lange, quando da aquisição, pelo Governo Brasileiro, através do então SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e ArtÍstico Nacional), do acervo de música brasileira colecionado por ele através de suas pesquisas realizadas desde a década de 40. Minha função, nessa assessoria, foi a de elaborar uma primeira listagem dos manuscritos que o Brasil estava adquirindo, já que Curt Lange não tinha realizado nenhuma catalogação. Até então, apenas algumas das músicas de Lobo de Mesquita, Francisco Gomes da Rocha, Marcos Coelho Neto e Inácio Parreira Neves haviam sido divulgadas, através de edições e concertos. (...)
Quando o Museu da Inconfidência contratou especialistas para a catalogação do Acervo Curt Lange, várias vezes fui solicitado a ajudá-los. Depois da realização desse trabalho com Curt Lange, deparei-me com uma responsabilidade que nunca imaginei que teria: vários convites para participar de encontros, simpósios, seminários, sempre instado a escrever sobre o que já havia pesquisado.”
“A partir do mencionado encontro com Cleofe acompanhada do Prof. Adhemar Nóbrega na Quinta-feira Santa de 1963, fui um constante colaborador de Cleofe em suas pesquisas sobre o Padre José Maurício e mantivemos uma grande amizade até o fim da vida dessa grande musicóloga, a quem o Brasil muito deve pelo resgate da obra mauriciana, em suas pesquisas, textos, edições e, principalmente, na revitalização de suas obras.
Cleofe retornou inúmeras vezes a Sab Joao del-Rei e eu sempre a ajudava. Notou que eu já demonstrava um gosto peia pesquisa e que começava a elaborar paftiruras de obras dos compositores mineiros, incentivando-me e orientando- me na metodologia de montagem de partiruras, e explicando, ainda, os critérios que a musicologia exigia para esse tipo de trabalho. Para ela elaborei as partituras do Alleluia a 5 vozes para Sábado d'Alleluia, o coro Domine, Tu mihi lavas pedes? e um Credo em Si bemol. O Alleluia era do meu acervo pessoal e em cópia de Bento das Mercês. O Domine, Tu mihi era do acervo da Orquestra Lira Sanjoanense e o Credo do acervo da Ribeiro Bastos.
Cleofe incentivou-me a fazer levantamentos de arquivos, a localizar dados históricos de liwos manuscritos, instruindo-me como copiá-los ipsis literis e depois transcrevê-los, atualizando a grafia e eliminando abreviaturas para a melhor compreensão do texto. Durante muitos anos, mesmo após a publicação do Catálago temático das obras do padre José Maurício Nunes Garcia, nos correspondemos e nos falamos a respeito de trabalhos musicais. Cleofe fez com que eu participasse em diversos eventos ligados à pesquisa e levou a Sao João del-Rei várias personalidades para conhecer o ambiente musical, no qual ela fez muitas amizades (...)
Esse convívio com Cleofe, aliado à amizade com Geraldo Barbosa de Souza, motivou-me não só a restaurar obras que jaziam no esquecimento, retornando-as ao repertório usual da Lira Sanjoanense, como a recopiar o material em uso, constituído em sua maioria por cópias antigas e autógrafas. A preocupação em preservar os manuscritos levou-me a ser um copista incessante de música e, a cada cópia, fui adquirindo agilidade e rapidez, procurando fazer cópias bem legíveis, ainda utilizando penas de aço e tinta.”
“Outros pesquisadores tiveram maior evidência, salientando-se o maestro e compositor Ernani Aguiar, que estabeleceu com o meio musical da cidade de Sao Joao del-Rei um grande vínculo de amizade e de apoio, pois sempre realizou doações de instrumentos e acessórios, divulgando, através de restaurações em trabalhos conjuntos comigo, várias obras musicais de autores antes esquecidos. (...)
O interesse pela musicologia teve um incremento expressivo na década de 1990: a pedido do amigo maestro Ernani Aguiar, fiz levantamento da partitura de várias obras que ele posteriormente apresentou em concerto, destacando-se a Missa e Credo em Dó Maior de Joaquim de Paula Souza, as Matinas do Espírito Santo e as Matinas do Natal de João de Deus de Castro Lobo, a Letania de B.M. Virginis de Lobo de Mesquita e várias outras obras de menor porte.
Com Ernani Aguiar e uma pequena equipe - Carlos Eduardo Fecher e Alex Assis Milagre - realizamos pesquisas em Piranga, Mercês do Pomba e Rio Pomba, as quais resultaram, na primeira cidade, em um volumoso trabalho realizado na Sociedade Musical Santa Cecília, com a separação do material de música sacra do material de banda de música, que estava totalmente misturado.”
“Mais recentemente, Paulo Castagna também estabeleceu contato com a Lira Sanjoanense, do qual se originou a gravação em CD dos Três grandes duetos concertantes de Gabriel Fernandes da Trindade, cujo manuscrito é propriedade da Lira Sanjoanense. Pude auxiliar e prestar informações sobre vários aspectos a todos os que me procuraram para informações sobre a música em São João del-Rei ou para a realização de pesquisas musicais e históricas, sendo bastante extensa a relação de seus nomes.”
Sobre o musicólogo Paulo Castagna, cabe ainda acrescentar um fato ocorrido após o falecimento do musicólogo Aluízio José Viegas em 2015, que se encontra no verbete "Fernand Jouteux" da Wikipedia:
“A Coleção Francesa de Fernand Jouteux foi acumulada por familiares na França (especialmente pela família Baudichon, em Chinon), reunida pelo musicólogo francês Jean-Michel Vaccaro (1938-1998), doada à Fundação Centro de Referência Musicológica José Maria Neves (F-CEREM) em 2018 pela pesquisadora brasileira Carolina Magalhães (por intermediação do músico e pesquisador Carlos Sandroni) e organizada e inventariada em 2019 no Laboratório de Arquivologia e Edição Musical do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (UNESP) por Paulo Castagna. O Inventário da Coleção Fernand Jouteux, que inclui partituras e conjuntos de partes (impressos e manuscritos), cartas, recortes de jornais e revistas, caricaturas e documentos pessoais, encontra-se disponível online.”
Aluízio ainda foi convidado pelo Prof. Dr. Paulo Castagna para participar do I Colóquio Brasileiro de Arquivologia e Edição Musical, de encontros, de simpósios, de seminários e de muitas outras oportunidades, com a finalidade de apresentar seus conhecimentos sobre a música são-joanense.
Como nesta seção foi exposto o reconhecimento do musicólogo Aluízio José Viegas em relação a algumas personalidades da área da Musicologia, acho indispensável finalizá-la com o reconhecimento do expert são-joanense como porta-voz de algumas instituições musicais locais que foram beneficiadas com reformas e melhoramentos, por exemplo, na sede da Lira Sanjoanense, sem precisar a época em que isso se deu. Em suas próprias palavras:
Com a criacão da Fundação Roberto Marinho e, pela influência de um de seus diretores, Dr. José Carlos Barbosa de Oliveira (filho do grande pesquisador Dr. Tarquínio de Oliveira), houve um apoio mais objetivo às atividades musicais de Sao Joao del-Rei. Graças a esse apoio, a Lira Sanjoanense teve sua sede ampliada e totalmente restaurada, sob o patrocínio da Fundação Roberto Marinho, da Xerox do Brasil e do Banco do Brasil, criando-se um espaço próprio para o acervo musical, agora livre de infiltrações.
Aluízio José Viegas, Comendador portando a Medalha Comenda da Liberdade e Cidadania (1ª edição/2011) concedida pelo Conselho da Medalha por minha indicação, quando ali exercia o cargo de Secretário |
2) José Maria Neves (São João del-Rei, 20/08/1943-Rio de Janeiro, 27/11/2002) foi um grande catedrático são-joanense, que se dedicou à música a vida inteira, exercendo, ao lado da carreira docente universitária, outras atividades sempre ligadas à música.
O Blog de São João del-Rei publicou uma palestra de José Maria Neves ⁶, em que ele relembra seus estudos de música, quando de seu regresso de forma definitiva ao Rio. Inicialmente, em 1964, na Escola Nacional de Música, durante apenas um ano e meio; em seguida, de 1965 a 1969, no Seminário de Música Pro-Arte, onde estuda Teoria e Solfejo com Esther Scliar e Harmonia, Contraponto, Fuga e Composição com Guerra-Peixe.
Seus estudos continuam na França, de 1969 a 1971, como bolsista do governo francês: primeiro realizou cursos de aperfeiçoamento em composição, regência, regência coral e música eletroacústica, este último no Conservatório Nacional Superior de Música de Paris sob a orientação de Pierre Scheffer (autor do famoso Tratado dos objetos musicais) e, depois, no seu mestrado em Musicologia, orientado por Jacques Chailley (conhecido autor do Compêndio de Musicologia) e Luiz Heitor Correa de Azevedo. Dessa orientação conjunta resultou uma obra posteriormente publicada em forma resumida pela Ricordi do Brasil: Villa-Lobos, o Choro e os Choros.
De volta ao Brasil, fez concurso para Professor Assistente na UNI-RIO em 1973, foi aprovado e desenvolveu intensa atividade pedagógica. De 1974 a 1976, obteve segunda bolsa francesa, desta vez sob a orientação do Maestro Stéphane Caillat, que fazia um trabalho extraordinário de repertório coral sinfônico no Instituto Católico de Paris. Segundo sua biógrafa Salomea Gandelman