sexta-feira, 8 de outubro de 2021

RELEMBRANDO SPUTNIK 1 e 2 (1957)



Por Francisco José dos Santos Braga

 

I. UM POUCO DE HISTÓRIA 

A Guerra Fria foi um conflito político-ideológico travado entre Estados Unidos (EUA) e União Soviética (URSS) entre 1947 e 1991. Esse cenário, de acordo com muitos historiadores, foi disparado por meio do discurso do presidente norte-americano Harry Truman, quando solicitou verba para conter o avanço do comunismo na Europa, em 1947. A corrida espacial foi, então, uma das formas em que essa disputa tecnológica se manifestou. Assim, ambos os países realizaram intenso investimento para incentivar o desenvolvimento da pesquisa científica e passaram a explorar uma nova janela do progresso humano: o espaço. A disputa que marcou a Guerra Fria entre os dois países se manifestou, além do espaço, também na diplomacia, na economia, na indústria armamentista, no esporte e na tecnologia em geral. 
 
II. PROGRAMA SPUTNIK SOVIÉTICO
 
Há 64 anos atrás, o Programa Sputnik soviético foi inaugurado com o lançamento do primeiro satélite artificial conhecido por Sputnik 1 em 4 de outubro de 1957 e, daí a um mês com a segunda missão do Programa, lançada ao espaço a partir do Cosmódromo de Baikonur em 3 de novembro de 1957 pela URSS. Sputnik 1, a primeira espaçonave orbital do mundo, orbitou em volta da terra durante 3 meses.  Seu efeito imediato foi dar início à corrida espacial.
 
Réplica do Sputnik 1 exibida no Cosmonautics Space Museum Moscow

Sputnik 1 em órbita, o primeiro da Era Espacial

[BORGES, 2013, 18] registra a sequência ainda mais emocionante do fato pioneiro dos soviéticos: 
Um mês depois do lançamento do Sputnik 1, os soviéticos enviaram ao espaço o Sputnik 2, em 4 de novembro de 1957. Foi lançado pelo foguete R-7 (R-7 - SS-6 SAPWOOD) da família Zemiorka, como o Sputnik 1, com algumas alterações. Media quatro metros de altura e dois metros de diâmetro, além de possuir vários compartimentos para transmissores de rádio, sistema de telemetria, unidade programada, sistema de controle da cabine e ainda uma cabine separada, onde viajou a cadela Laika. Foi a primeira vez que um ser vivo foi para o espaço. O Sputnik 2 caiu em solo terrestre em abril de 1958, ficando 162 dias em órbita. As conquistas do Stupnik 2 estão associadas às medidas da radiação solar (emissão de raios ultra violeta e raio-x). Os russos haviam conseguido enviar um ser vivo ao espaço e, com alguns tropeços, conseguiram trazer esse ser vivo de volta à Terra.
 
 
Relembrando Laika, cadela espacial e herói soviético

 
Com a agitação que se seguiu, os acontecimentos foram levando àquilo que os historiadores agora reconhecem como um divisor de águas na História - o início da Era Espacial. Ao longo dessas últimas 6 décadas, na dramática arena do voo espacial muita água correu: além da Rússia, que colocou o primeiro humano no espaço em abril de 1961 numa disputa atroz com os Estados Unidos, a China também não demorou a se juntar ao clube de voo espacial humano com seu Programa Shenzhou. 
Iniciado em 1956, pouco tempo depois da fundação da República Popular da China, o programa espacial chinês vem-se destacando nos últimos anos por seus grandes investimentos e realizações, a despeito da crise econômica mundial. Durante a cordial relação entre China e União Soviética, durante os anos 1950, a União Soviética se engajou num programa de transferência de tecnologia à China, no âmbito do qual foram treinados estudantes chineses para construírem um protótipo de foguete. Com o rompimento de relações entre China e União Soviética, em 1960, a URSS retirou seu apoio e a transferência de tecnologia, mas a comunidade científica chinesa prosseguiu de maneira independente e lançou seu primeiro foguete, em fins daquele ano. A China continua firme com seu programa espacial e a Agência chinesa noticiou que quer construir uma meganave espacial com quase 1 km de comprimento, considerando tal plano como "principal equipamento aeroespacial estratégico para o uso futuro dos recursos espaciais, a exploração dos mistérios do universo e a vida longa em órbita". 
 
[BORGES, 2013, 16-17] continua com seu abalizado conhecimento: 
O Sputnik 1 era uma esfera de cerca de 58,5 cm e pesava 83,6 kg, um pouco maior que uma bola de basquete e emitia um sinal intermitente: beep - beep - beep. Seu sinal podia ser sintonizado por qualquer radioamador nas frequências entre 20.005 e 40.002 MHz. Foi lançado em 4 de outubro de 1957 pelo foguete R-7 (Foguete 7 / 8K71) da família Zemiorka, cuja massa bruta era de 272.830 kg, com uma carga útil de 5.370 kg. Possuía 33,50 m de altura e 2,95 m de diâmetro, alcançando 8.000 Km/h e voando a altitudes que variavam entre 230 e 950 km. Quando estava em órbita, o foguete soltou-se do satélite, sendo que este orbitou em volta da terra por três meses antes de cair, colaborando durante esse tempo com a identificação das camadas da alta atmosfera terrestre e com o reconhecimento de pequenos meteoritos. A decisão de mandar um satélite estava relacionada ao desejo de dominação do Espaço orbital. Logicamente, o objetivo era enviar armas passíveis de serem acionadas do Espaço em tempo infinitamente menor do que aquelas enviadas da Terra para qualquer território inimigo. Para enviar o satélite, a questão estava em começar a fazer os testes no Espaço. O Sputnik não era uma arma nuclear, mas poderia vir a ser e os planos eram para que se tornasse. Foi por pressão da mídia que os russos se adiantaram na empreitada, com medo de que os EUA ganhassem o primeiro lugar no domínio simbólico do Espaço. A grande vantagem do Sputnik para a União Soviética foi a declaração universal que era de fato possível colocar um objeto humano no Espaço Sideral e eles haviam sido os donos do feito.

 
III. REPERCUSSÃO NOS EUA 
 
O feito realizado pelos soviéticos tiveram um forte impacto na opinião pública norte-americana. O presidente americano Dwight Eisenhower começou a ser pressionado pelo fato dos EUA estarem atrás dos soviéticos na corrida espacial. Assim, como forma de impulsionar a pesquisa científica americana na exploração do espaço, decidiu-se criar a agência NASA. A NASA foi criada em julho de 1958 e tinha como objetivo coordenar o projeto de exploração espacial dos americanos. A resposta americana não se deu apenas com a criação da agência porque, antes dela, em janeiro de 1958, foi lançado o Explorer 1, o primeiro satélite artificial dos norte-americanos, lançado em 31 de janeiro de 1958. Esse satélite norte-americano conseguiu comprovar a existência de cinturões de radioatividade ao redor da Terra. Além disso, outros sensores instalados no satélite foram importantes para a obtenção de novas informações sobre o espaço. Considera-se que o Explorer 1 obteve resultados científicos mais expressivos do que os dos Sputniks lançados pelos soviéticos. 
 
FILME: SPUTNIK MANIA 
 
O cineasta David Hoffman compartilhou em 2008 partes de seu documentário longa-metragem "Sputnik Mania" *, onde mostra como a União Soviética lançou o Sputnik, deslanchando a corrida espacial e armamentista e elevando a educação científica e matemática ao redor do mundo: 
Há cinquenta anos atrás (1957-2008) na antiga União Soviética, uma equipe de engenheiros transportava em segredo um grande objeto para uma área isolada no interior. Com este objeto, eles esperavam atrair a atenção de todas as pessoas por serem os primeiros a conquistar o espaço sideral. O foguete era enorme. E preso em seu nariz estava uma bola de prata com dois rádios dentro. 
Em 4 de outubro de 1957, eles lançaram seu foguete. 
Um dos cientistas russos escreveu na época: "Nós estamos prestes a criar um novo planeta que nós chamaremos de Sputnik. Nos tempos antigos, exploradores como Vasco da Gama e Colombo tiveram a sorte de descobrir o globo terrestre. Agora nós temos a sorte de descobrir o espaço. E isto é para aqueles — no futuro — invejarem a nossa alegria." 
Vocês estão assistindo a trechos de "Sputnik", meu quinto filme de longa metragem, que está quase finalizado. 
Este conta a história do Sputnik, e a história do que aconteceu na America como resultado. Por vários dias após o lançamento, o Sputnik foi uma curiosidade maravilhosa. Uma lua feita pelo homem, visível aos cidadãos comuns, inspirou admiração e orgulho de que os humanos tinham finalmente lançado um objeto no espaço. 
Mas em apenas três dias, um dia que foi chamado de Segunda-Feira Vermelha, a mídia e os políticos nos contaram — e nós acreditamos, — que o Sputnik era a prova de que nosso inimigo havia nos derrotado na ciência e tecnologia, e que eles poderiam então nos atacar com bombas de hidrogênio, utilizando seu foguete Sputnik com um míssil balístico intercontinental. 
Foi então o caos.  
O Sputnik tornou-se rapidamente um dos três grandes choques a atingir a América — historiadores apontam — assim como Pearl Harbor e 11 de Setembro, ele fez perceber a desvantagem americana em mísseis. 
Explodiu a corrida armamentista. 
Iniciou-se a corrida espacial. 
Em um ano, o Congresso financiou aumentos em armamentos, e nós fomos de 1.200 armas nucleares para 20.000. E a reação ao Sputnik foi muito maior que apenas o aumento do armamento. 
Por exemplo, alguns aqui devem lembrar daquele dia em junho de 1958, a "Simulação Nacional de Defesa Civil", onde dezenas de milhões de pessoas em 78 cidades refugiaram-se no subsolo. 
Ou a pesquisa do Gallup que mostrou que 7 em cada 10 americanos acreditavam que uma guerra nuclear iria acontecer, e que no mínimo 50% da nossa população seria aniquilada. 
Mas o Sputnik provocou também maravilhosas mudanças. 
Por exemplo, alguns nesta sala foram para a escola com bolsa de estudos devido ao Sputnik. O apoio à engenharia, matemática e ciências — educação de maneira geral — explodiu. 
E Vint Cerf aponta que o Sputnik levou diretamente à ARPA (Agência de Projetos de Pesquisa Avançada), à Internet, e obviamente, à NASA. 
O meu documentário mostra como uma sociedade livre pode ser pisoteada por aqueles que sabem como usar a mídia. 
Mas isto também demonstra como podemos transformar o que parece inicialmente ser uma situação ruim, em algo que foi muito bom para a América. 
"Sputnik" (o filme) será lançado em breve. 
Encerrando, eu gostaria de um momento para agradecer a um dos meus investidores: um TEDster há muito tempo, Jay Walker. 
E gostaria de agradecer a todos vocês. (Aplausos) 
* Trailer do filme Sputnik Mania - estrelando Kiev Schreiber, Peter Thomas. Direção: David Hoffman. Data do release teatral: 14/03/2008 
 
 
IV. BIBLIOGRAFIA
 
 
BORGES, Fabiane Morais: "Na busca da cultura espacial", tese de doutorado dentro do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica - Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subjetividade, PUC-São Paulo, 2013, 180 p.
 
DICK, Steven J.: Remembering the Space Age (Ed.), 2008, 482 p.  

4 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Relembrar os feitos dos primórdios do Programa Sputnik soviético, que levaram à corrida espacial, é o propósito desta breve matéria.
Quando criança, lembro-me da parceria entre meu irmão Roque César dos Santos Braga (pequeno cientista que mantinha um laboratório de experiências químicas no porão da nossa casa) com o saudoso arquiteto Carlos Marcos Henriques, que mais tarde foi muito atuante em projetos arquitetônicos na Capital Federal. Pelo menos uma vez, provavelmente no início do ano de 1958, realizaram uma exposição de suas invenções e projetos aeroespaciais num dos recintos mais amplos daquele porão e fui testemunha ocular de suas realizações.
Ali foram expostos vários protótipos de foguetes espaciais e outros artefatos normalmente desenvolvidos pela indústria aeroespacial, além de suas próprias criações.
Seguramente, essa atividade criativa no interior de Minas Gerais deve-se à enorme divulgação dos feitos iniciais soviéticos, logo seguidos de perto pelos norte-americanos.
Só lamento que não tenha registrado em máquina fotográfica aquela experiência única e educativa para proveito das gerações futuras.

https://bragamusician.blogspot.com/2021/10/relembrando-sputnik-1-e-2-1957.html

Cordial abraço,
Francisco Braga

Ângela Togeiro (escritora premiada nacional e internacionalmente, membro da AMULMIG, AFEMIL e Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete) disse...

Gostei. Muito interessante! Parabéns.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga
Marcante lembrança daquele momento tão especial cujo impacto foi inclusive produtivo para seu irmão ! Marcante também nas relações entre ciência, poder e geopolítica. Já o cineasta D.Hoffman, por sua vez, demonstra como o "Sputnik" deu um grande impulso àquilo que parece ser a "paranóia" americana, elemento que legitimou e ainda legitima o seu armamentismo e sua índole intervencionista .
Excelente registro.
Grato.
Cupertino

Marcos C. Henriques (filho do arquiteto são-joanense Carlos Marcos Henriques) disse...

Boa tarde Francisco, muito interessante a publicação, principalmente em sua menção ao meu pai "...saudoso arquiteto Carlos Marcos Henriques".
Após quase 10 anos da sua partida, em 2012, me formei em arquitetura e venho atuando e seguindo os valiosos ensinamentos do meu pai, saudades eternas...

Um grande abraço e qualquer coisa fique à vontade para entrar em contato.

Arq. Marcos C Henriques
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