Por Francisco José dos Santos Braga *
Artigo publicado originalmente na Antologia comemorativa dos 60 Anos da Academia Divinopolitana de Letras, p. 30-39, lançada em 08/06/2022, data do 61º aniversário do Sodalício, em que foi declarado oficialmente o 08 de Junho: “Dia da Academia Divinopolitana de Letras”.
Dr. Roque Camêllo (☆ Mariana, 16/8/1942 ✞ Belo Horizonte, 18/3/2017) |
Conheci Dr. Roque Camêllo quando participei, como Secretário, da Chancelaria da Comenda da Liberdade e Cidadania em 2011 capitaneada pelo Chanceler da Comenda, Dr. Eugênio Ferraz, então Superintendente do Ministério da Fazenda em Minas Gerais e responsável pela Casa dos Contos de Ouro Preto. Trouxe este, para o lançamento da medalha da referida Comenda no Campo das Vertentes, a experiência de ter sido Chanceler e criador da primeira edição da Comenda Ambiental Estância Hidromineral de São Lourenço, criada um ano antes, em julho de 2010. Sobre a Comenda, vale ressaltar que ela nasceu através de um decreto conjunto dos Prefeitos de 3 Municipalidades: São João del-Rei, Tiradentes e Ritápolis.
Meu primeiro contato com Dr. Roque Camêllo, durante a realização da festa de entrega das Comendas na Fazenda do Pombal, berço do Tiradentes e do seu sonho de liberdade, foi, a um só tempo, um momento de congraçamento e de percepção de sua mineiridade contagiante. Mas não podia passar despercebido a qualquer observador mais atento, — e este foi o meu caso, — que sua atividade política lhe trouxera, por um lado, grandes alegrias, por outro, inevitáveis desilusões, “estas tanto mais amargas na medida em que agravadas pelos erros, pelas disfunções, pelas insuficiências da máquina judiciária eleitoral”, nas sábias palavras do ex-Ministro do STF, Dr. Francisco Rezek. (“Os sinos de Mariana”, in O Roque Camêllo que conheci, livro organizado por Mário de Lima Guerra, em 2019, p. 100)
Naquela época (2011), Dr. Roque Camêllo já trazia respeitáveis credenciais: de presidente da Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras, de Diretor Executivo da Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana (FUNDARQ) e de proponente, em 2002 e 2004, do projeto de certificação e inscrição do acervo do Museu da Música de Mariana no programa “Registro Memoria del Mundo” da UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade, deferido em 2011. Em 2007, tinha comemorado esse patrimônio com um artigo publicado pela Casa dos Contos, intitulado “Museu da Música, uma Relíquia da Cultura Brasileira”. Por fim, acumulava em sua biografia o fato de ter sido prefeito eleito de Mariana, afastado de suas funções por força de um processo iníquo da Justiça Eleitoral. Na área educacional, tinha fundado e dirigido, em Belo Horizonte, o Colégio São Vicente de Paulo, e como professor, atuara nos Colégios Santa Doroteia, Dom Cabral, Estadual de Minas Gerais, Alfredo Baeta e Arquidiocesano de Ouro Preto. Ao mesmo tempo, vinha exercendo a função de Conselheiro da Associação Universitária Internacional (AUI), sediada em São Paulo, da qual era o Diretor Regional para Minas Gerais, com prestação de trabalho voluntário. Por fim, tinha sido empossado recentemente no IHG-MG (20/11/2010) como membro efetivo, ocupante da Cadeira nº 66, patroneada por Princesa Isabel.
Em novembro de 2011, Dr. Roque Camêllo compareceu ao 3º Ciclo de Estudos sobre o Tiradentes, promovido pelo IHG de São João del-Rei, quando ouviu em silêncio a informação de que o Auto de Levantamento da Vila de São João del-Rei datado de 08/12/1713, transcrito literal e fielmente nas Ephemerides Mineiras de José Pedro Xavier da Veiga, editadas pela Imprensa Official do Estado de Minas, em Ouro Preto, no ano de 1897, era, segundo este, “uma reprodução litteral de documento oficial, existente no Arcchivo Publico do Estado”. Segundo José Álvares de Oliveira, que em 1750 publicou sua História do Distrito do Rio das Mortes, esse Auto de Levantamento se acha lavrado no livro primeiro do registro da dita Câmara a folhas trinta e sete. Como esse livro tinha desaparecido dos arquivos locais, restou a única indagação plausível: “Estaria ele recolhido no Arquivo Público Mineiro?” Dr. Roque, solidarizando-se com o povo são-joanense e com os pesquisadores locais comunicou à assembleia que de fato constatara que essa folha (que continha o Auto de Levantamento) havia sumido, ou mais precisamente, arrancada com corte preciso de gilete, e, na ocasião, manifestou seu desejo de encontrar esse documento tão importante para São João del-Rei, tendo prometido envidar esforços para recuperar o valioso documento. Com esse feliz aparte e tal disposição de espírito, de imediato fez vários amigos são-joanenses.
“há indagações que se respondem por si próprias. Por que o aprisionaram em Vila Rica e não o conduziram para o Rio de Janeiro como os demais? Barbacena o queria por perto para controlar-lhe a fala perigosa quanto a seu governo e à sua simpatia pelo movimento?”
“o Visconde de Barbacena é o mesmo que Cláudio tinha no rol de seus devedores e que interceptara uma valiosa peça, um cacho de bananas em ouro maciço, enviado por Hipólita Jacinta Teixeira de Mello a D. Maria I, pedindo clemência a favor de si e de seu marido, o inconfidente Francisco Antônio de Oliveira Lopes.”
“A celebração dos sufrágios é a prova inconteste de que Cláudio Manoel da Costa fora assassinado. Além do mais, há o reconhecimento oficial pelo poder civil quando se vê documentado que a Fazenda Real arcou com as despesas dos ditos sufrágios.”
“(...) Por tudo que fez, que faz e que é, o Doutor Roque José de Oliveira Camêllo, na sua terra, entre vultos históricos de grande notoriedade é hoje o maior homem vivo de Mariana. Por isto, a interrupção de seu mandato de prefeito na sua adorada Mariana causou perplexidade a toda a sociedade mineira. Numerosas foram as manifestações organizadas em sua solidariedade e apoio enquanto se aguardam as festas de seu retorno ao cumprimento do mandato interrompido, tantas eram as realizações esperadas de sua competência e brilho como grande benfeitor de sua querida terra. (...) A outra grande manifestação de caloroso apoio se deu em 20 de novembro no centenário Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, na soleníssima sessão de sua posse como sócio efetivo da venerável Instituição. Não se tem notícia de uma solenidade tão grandiosa na memória recente desse renomado Instituto. As crianças de sua terra vieram cantando. Formavam o Coral “Tom Maior” de Mariana sob a presidência do Dr. Efraim Rocha. Presentes numerosas autoridades civis e religiosas, Bispo, Desembargadores, professores, escritores, advogados. Ouviram-se discursos de superior cultura jurídica e histórica. Foi um evento emocionante e emocionado para todos e inesquecível às crianças e inúmeros jovens estudantes da terra de Roque Camêllo que jamais esquecerão as emoções daquele dia. (...)”
“Segundo Roque Camêllo, a Comissão já foi devidamente criada e instalada, sendo que será possível a posse dos membros assim que ela for completamente formada. Ele acrescentou que pretende convidar integrantes das seguintes subseções para fazer parte da Comissão: Mariana, Ouro Preto, Poços de Caldas, Governador Valadares, Congonhas, São João del-Rei, Tiradentes, Diamantina, Sabará, Serro, Paracatu, Minas Novas, Santa Bárbara, Barbacena, Montes Claros, Juiz de Fora, Uberlândia, Sete Lagoas, dentre outras. Roque Camêllo ainda salientou que o objetivo da Comissão é valorizar as raízes históricas do povo mineiro. ‘Preservar a história é não apenas reverenciar o passado, mas construir os caminhos que constroem o futuro. O povo que sabe de onde veio sabe traçar o seu próprio destino. Minas Gerais, não sendo o mais velho Estado da Federação, no entanto, é o Estado do equilíbrio nacional e representa os anseios de todo o povo brasileiro que prima por privilegiar o sentimento libertário a exemplo dos Inconfidentes’.” (texto transcrito no Informativo AVL da Academia Valenciana de Letras nº 121, Ano XI, novembro de 2013)
“O tempo foi exíguo para singrar as águas de Minas que não tem mar, mas é um oceano de Cultura e um continente de patriotismo.”
“São João del-Rei é muito especial por suas características e pelo peso de sua História. Tenho orgulho de minha cidade por tudo que representa para Minas e para o Brasil e pelo fato de ter integrado a circunscrição religiosa de Mariana, primeira sede episcopal mineira. Desta se desmembrou em 1960, criada que foi por João XXIII a Diocese de São João del- Rei. Ambas guardam em comum a fé cristã e as tradições culturais advindas do Século XVIII.”
“Ao ilustre amigo Dr. Francisco Braga, cidadão culto e compromissado com o bem de nossa Pátria, e à querida Rute Pardini, aquinhoada pelo Criador com uma voz divina e singular, ofereço este “MARIANA”, homenageando-os pelo engajamento em defesa da Cultura. Merania e eu somos honrados com a amizade de ambos e desejamos contínuos sucessos em suas belíssimas trajetórias musicais. Com todo o apreço e admiração do Roque Camêllo – 16.7.2016”
“Considerando que o Prof. Roque se empenhou em trazê-lo para nossa Academia, em reunião a Diretoria decidiu sugerir-lhe o nome do referido ex-presidente, Roque Camêllo, para seu patrono. Ficaremos muito gratos pela sua presença nesta Casa.”
Aqui se apresenta uma situação clara em que a generosidade se alia à História com resultados os mais profícuos. Foi assim que tomei posse naquela douta Academia em 1º de junho de 2019, ocupando a cadeira nº 23, patroneada por Dr. Roque José de Oliveira Camêllo, ocasião em que tive a honra de ser saudado por Dom Francisco Barroso Filho, digníssimo Acadêmico marianense, Bispo emérito de Oliveira-MG e um dos baluartes que lutam na defesa e preservação da fé, da arte e da cultura de Ouro Preto.
Resta ainda acrescentar que, enquanto aguardava a oficialização do convite para pertencer àquela Academia, compareci em Mariana à fundação do Instituto Roque Camêllo em 18/03/2018 tornando-me Conselheiro Honorário dessa entidade, e ao lançamento do livro “O Roque Camêllo que conheci” em 17/03/2019, fruto do empenho da jornalista Merania Aparecida de Oliveira e de Dr. Mário de Lima Guerra, idealizador e coordenador do projeto do livro, do qual participei com o artigo “Falecimento do escritor dr. Roque Camêllo constitui irreparável lacuna na comunidade cultural de Minas e do Brasil”, às páginas 9-14, originalmente postado no Blog de São João del-Rei em 18/03/2017 em forma de elogio fúnebre.
É uma pena que o tempo não volte! Daria muito para reviver aqueles dias e, mais ainda, por novos momentos. Todas aquelas e ainda muitas outras recordações estão guardadas em um lugar muito especial do meu coração. Hoje em dia compreendo que algumas pessoas são imortais: vêm a este mundo para transformar a vida de quem está ao seu redor. E Roque Camêllo, certamente, é uma delas. Saudade eterna, meu querido amigo!
* Membro efetivo da Academia Divinopolitana de Letras, ocupante da Cadeira nº 11 - Patrono: Pe. António Vieira.
V. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
7 comentários:
Prezad@,
Como bons momentos de minha vida considero as oportunidades que tive de privar da companhia de Dr. Roque Camêllo e sua esposa Merania Aparecida de Oliveira, sempre atentos aos projetos culturais de entidades que zelavam pelo patrimônio de Minas Gerais e que preservavam as tradições do povo mineiro, incentivando e patrocinando iniciativas culturais pelas cidades onde passavam.
São João del-Rei, Barbacena, Santos Dumont, Formiga, Divinópolis, Belo Horizonte e Mariana foram algumas das cidades que tiveram a honra da presença do casal ilustre.
Sirvo-me do meu artigo publicado na Antologia da Academia Divinopolitana de Letras, lançada na data do seu 60º aniversário (8 de junho), para relatar aos leitores do Blog do Braga algumas passagens curiosas com as quais convivi ao lado do homenageado e outras que fiquei sabendo através de pesquisa, porque Roque Camêllo era muito discreto, reservado e modesto para jogar confete em si mesmo.
Link: https://bragamusician.blogspot.com/2022/06/o-roque-camello-que-eu-conheci.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Prezado Dr. Francisco Braga.
Parabéns pela justa homenagem ao filho ilustre da cidade de Mariana, Dr. Roque Camêllo.
Eu e Donadon tivemos um contato tímido com o Dr. Roque Camêllo, mas a admiração por ele e toda sua trajetória são efetivas.
Em sintonia com a postagem de seu texto, estou, justamente na Casa de Cultura - Academia Marianense de Letras.
Forte abraço.
Andreia Donadon
Braga, boa tarde!
Primeiramente manifesto minha alegria em ver a divulgação de seu texto e consequentemente da antologia.
abraços e axé.
Arnaldo Mesquita Santos Júnior
SAUDADES DO DOUTOR
João Carlos Ramos
Pássaros
voam na memória
de Roque Camêllo.
Inédito poema
escrito a quatro mãos
com minha irmã, primavera.
Tudo piorou,Doutor!
Covid e desculpas,
explodiram a ponte da infância...
A saudade grita
na grande sala, onde aulas são outras,
de perdas mais.
Faz de conta
que voltaste, Doutor!
Por favor!
Obrigado,
Abraços,
Marcelo
Prezado Francisco,
Devo agradecer os dois presentes que você me enviou: a notícia de que o Rosalvo irá me agraciar com um novo exemplar do seu livro e o segundo, não menos relevante, o belíssimo texto onde você se revela, pelo menos parcialmente, demonstrando a vasta cultura que possui. Li atentamente o texto, degustando cada parágrafo. Que bela produção!
Olá Francisco e Rute,
Muito obrigado pelas suas muito interessantes informações sobre a simpática pessoa de Dr. Roque Camêllo, um cidadão tão importante para a História das ' Minas Gerais'.
Todo bem que alguém faz na sua vida tem um valor que ninguém pode desfazer, é para sempre!! Continuemos fazendo "Paz e Bem" nesta nossa vida! Grande abraço do irmão,
f. Joel.
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