sábado, 5 de novembro de 2022

HIPÁTIA DE ALEXANDRIA > > PARTE 5


Retrato ficcional de Hipátia feito por Jules Maurice Gaspard, para a biografia ficcional  de Hipátia por Elbert Hubbard in "Little Journeys to the Homes of Great Teachers" de 1908 [East Aurora, New York: The Roycrofters]
 

 

TRECHO DA BIOGRAFIA FICCIONAL DE HIPÁTIA NO VOLUME 10. PEQUENAS JORNADAS ÀS CASAS DOS GRANDES PROFESSORES (1908), POR ELBERT HUBBARD

TRADUÇÃO DO INGLÊS POR FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA

 

 

Inicialmente, para esclarecimento do leitor, refiro-me à imagem de Hipátia que aparece na abertura deste ensaio. Obviamente não se trata do semblante real da minha homenageada, mas de uma réplica da gravura extraída do volume dedicado a ela e intitulado "Little Journeys to the Homes of the Great Teachers" por Elbert Hubbard, 1908. Frequentemente tal gravura é usada para representá-la na maioria dos trabalhos publicados sobre ela.
 
Feita esta advertência, vejamos a seguir o trecho final de uma biografia ficcional de Hipátia num dos volumes de Pequenas Jornadas às Casas dos Grandes Professores (1908), por Elbert Hubbard, autor que a considera "uma grande professora".

 

(...) Foi só um pouco mais de um século antes da época de Hipátia, que o Império Romano se tornou cristão. Quando Constantino abraçou o Cristianismo, todos os seus súditos leais eram, a partir daquele momento, cristãos cristãos por decreto, mas pagãos por caráter, pois a natureza dos homens não pode ser mudada pela aprovação de um decreto. A partir desse momento, cada templo pagão tornou-se uma igreja cristã, e cada sacerdote pagão um pregador cristão. 

Alexandria estava sob o domínio de um prefeito ou governador romano. Tinha sido a política de Roma exercer grande tolerância em assuntos religiosos. Havia a religião do estado, com certeza, mas era para a nobreza ou para aqueles que ajudaram a tornar o Estado possível. Cuidar do pensamento das pessoas comuns era bastante supérfluo eles tinham permissão para seus caprichos. 

O Império tinha sido ousado, descarado, cruel, coercitivo em seu desejo de poder, mas as pessoas que pagavam eram razoavelmente seguras. E agora a Igreja estava entrando em competição com o Estado e tentando reduzir a espoliação a um sistema. 

Manter "lá embaixo" as pessoas pela supressão mental pelo mecanismo da superstição era mais barato e mais eficaz do que empregar a força ou recorrer aos métodos antigos de shows, espetáculos, pensões e dispendiosas diversões. Quando a Igreja assumiu as funções do Estado e procurou substituir César pelo gentil Cristo, ela teve que reformular os ensinamentos de Cristo. Então, pela primeira vez, coerção e amor viveram lado a lado. "Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos" ¹ e passagens semelhantes foram introduzidas nas Escrituras como questões de sábia conveniência. Isso continuou por muitas centenas de anos e foi considerado bastante apropriado e legítimo. Era a escravidão sob uma forma mais sutil. 

O bispo de Alexandria entrou em confronto com Orestes, o prefeito. Prender o povo por métodos psicológicos era melhor do que os antigos planos alternativos de suborno e força assim argumentou o bispo. 

Orestes estava sob o feitiço de Hipátia, e a República de Platão saturava sua mente. "Governar agrilhoando a mente por medo de punição em outro mundo é tão básico quanto usar a força", disse Hipátia em uma de suas palestras. Orestes estava sentado na plateia e enquanto ela falava tais palavras, ele bateu palmas. A notícia foi levada ao bispo, que calmamente declarou que o excomungaria. 

Orestes recorreu ao imperador que deveria ser informado de como esse bispo estava abusando de seu cargo, fazendo ameaças de onde poderia destituir pessoas de quem não gostasse, em outro mundo. Nem o bispo nem o prefeito podiam destituir um ao outro ambos derivavam seu poder do imperador. Para Orestes ficar interessado nos ensinamentos de Hipátia, em vez de se aliar ao bispo, foi considerado pelos legalistas como quase uma traição. 

Orestes tentou se defender declarando que a política dos Césares sempre fora de grande clemência para com todas as escolas de filosofia. Em seguida, citou Hipátia no sentido de que uma religião fixa, formal e dognática paralisaria as mentes dos homens e tornaria a raça, com o tempo, incapaz de pensar. Portanto, o Bispo devia manter-se em seu lugar e não tentar usurpar as funções da polícia. Na verdade, era melhor pensar errado do que não pensar nada. Aprendemos a pensar pensando, e se as ameaças do Bispo fossem acreditadas por todos, isso significaria a morte da ciência e da filosofia. 

O Bispo respondeu declarando que Hipátia estava se esforçando para fundar uma Igreja própria, tendo como base a Grécia pagã. Insinuou também que a relação de Orestes com Hipátia era muito parecida com a que existia entre Cleópatra e Marco Antônio. Ele a chamou de "aquela filha de Ptolemeu" ², e por meio de insinuações e sugestões, fez parecer que ela, se pudesse, estabeleceria um Império Egípcio nesta mesma cidade de Alexandria, onde Cleópatra uma vez reinou com tanto orgulho.

A agitação aumentou. Os seguidores de Hipátia eram necessariamente poucos em número. Eles eram pensadores e pensar é um pesado fardo. Acreditar é leve. O bispo prometeu a seus seguidores um paraíso de paz e descanso. Ele também ameaçou os incrédulos com as penas do inferno. Uma promessa de um lado uma ameaça para o outro lado! Não é de admirar que tenha vivido alguém que colocou seu pensamento honesto contra tal ensinamento quando expresso por homens revestidos de autoridade quase absoluta? Hipátia pode ter vivido ontem, e sua morte nas mãos de uma multidão, foi um acidente que poderia ter ocorrido em Boston, onde uma companhia respeitável uma vez jogou uma corda no pescoço de um homem bom e o arrastou por ruas supostamente consagradas à liberdade e à liberdade de expressão. 

Uma multidão é composta de resíduo de algodão, saturado de óleo; uma ideia focada causa combustão espontânea. Suponha que ocorra um incêndio em quase todas as aldeias do Estado de Nova York, a cidade se tornará uma ruína, e o saque parece iminente no cérebro limitado do aldeão. A civilização é uma fachada. 

Quando alguém vê o emocionalismo virar motim em um renascimento evangelístico, e cinco mil pessoas estão marchando por um bairro impróprio à meia-noite, por quanto tempo você acha que uma forte voz de oposição seria tolerada? 

Hipátia foi atacada por uma multidão religiosa enquanto ia em sua carruagem de sua sala de aula para sua casa. Ela foi arrastada para uma igreja próxima com a intenção de fazê-la se retratar publicamente, mas as brasas se tornaram um incêndio, e o incêndio se tornou uma conflagração, e os líderes perderam o controle. As roupas da mulher foram arrancadas de suas costas, seu cabelo arrancado de sua cabeça, seu corpo espancado, desmembrado, e depois para esconder todos os vestígios do crime e distribuir a culpa, para que ninguém pudesse ser culpado, a pira funerária rapidamente consumiu os restos do que uma hora antes havia sido um ser humano. Veio a aurora, e os raios do sol não conseguiam localizar os culpados. 

Orestes fez um relatório do caso, renunciou ao cargo, pediu ao governo em Roma que investigasse e fugiu da cidade. Se Orestes tivesse se esforçado para usar sua tropa contra o bispo, os homens nas fileiras teriam se revoltado. A investigação foi adiada de tempos em tempos por falta de testemunhas, e finalmente foi divulgado pelo bispo que Hipátia havia ido para Atenas, e não havia nenhuma multidão nem tragédia. 

O Bispo nomeou um sucessor de Orestes, e o novo oficial foi confirmado. 

O dogmatismo como sistema policial era supremo. Prolongou-se até a época de Dante, ou o Renascimento italiano. O reinado do Dogmatismo Religioso foi supremo por um milênio nós o chamamos de Idade das Trevas.

Link em inglês: https://en.wikisource.org/wiki/Little_Journeys_to_the_Homes_of_Great_Teachers   👈

"Morte da filósofa Hipátia" (1866), ilustração por Louis Figuier in "Vidas de sábios ilustres, desde a antiguidade até o século XIX", representando o que o autor imaginava ter sido o massacre de Hipátia pela multidão religiosa em 415 d.C.


 

III. NOTAS EXPLICATIVAS 

 

¹  Mt 25:41

² O autor se refere a Ptolemeu XII (o penúltimo membro da dinastia ptolemaica do Egito, então uma província do Império Romano).


5 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
Tenho o prazer de apresentar-lhe a minha tradução para o capítulo dedicado à "Grande Professora" Hipátia de Alexandria, conforme as palavras de ELBERT HUBBARD, autor do livro PEQUENAS JORNADAS ÀS CASAS DOS GRANDES PROFESSORES (VOLUME Nº 10 DE 1908).

https://bragamusician.blogspot.com/2022/11/hipatia-de-alexandria-parte-5.html

Cordial abraço,
Francisco José dos Santos Braga

Hilma Pereira Ranauro (escritora) disse...

PARABÉNS!

Hilma Ranauro

Diamantino Bártolo (professor universitário Venade-Caminha-Portugal, gerente de blog que leva o seu nome http://diamantinobartolo.blogspot.com.br/) disse...

Muito obrigado.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga.

Notável publicação; o caso de Hipátia de Alexandria à luz dos ideais do magistério e dos efeitos nefastos do dogmatismo dos Estados Religiosos na história ocidental ! Aliás, o "caráter policial" destes pode ter perdurado para além do Renascimento, inclusive atingindo mesmo o Brasil em plena época colonial, representado pelo famigerado Tribunal do Santo Ofício.
Cumprimentos pela tradução e por mais esse texto da série .
Cupertino

Anizabel Nunes Rodrigues de Lucas (flautista, professora de música e regente são-joanense) disse...

Parabéns mais uma vez pela bela publicação.