Por Jaime Velazquez *
Traduzido do espanhol por Francisco José dos Santos Braga
Os sangrentos ataques de 2004 contra os trens na estação ferroviária de Atocha, em Madri, marcaram o despertar da Europa para uma das suas principais ameaças: o terrorismo jihadista. Vinte anos depois, as cicatrizes permanecem vivas na memória das vítimas e de toda a sociedade espanhola.
Os ataques do 11-M em Madri, em 2004, foram o primeiro grande golpe do terrorismo islâmico em solo europeu.
Em 11 de março de 2004, uma série de explosões sacudiu trens suburbanos quando estes entravam na estação de Atocha, em Madri, deixando 192 mortos e 1.800 feridos, naquele que ainda é o maior ataque jihadista perpetrado em solo europeu.
“É um dia que nunca se apagará da minha memória. Pude contar minuto a minuto o que aconteceu naquele dia. E o resumo final é que meu irmão foi assassinado no trem Santa Eugênia”, diz Alejandro Benito.
“Ouvi a notícia pelo rádio. Imediatamente a família se mobilizou porque a notícia se espalhou muito rápido e porque foi um acontecimento de grande magnitude; a partir daí começamos a nos mobilizar em torno da família; telefonar para hospitais, ir ao Ifema — recinto de feiras de Madri onde foi instalado o necrotério — e assim sucessivamente até ao reconhecimento final do corpo de Rodolfo”, disse Alejandro Benito à Euronews no início de um evento organizado pela Fundação Rodolfo Benito em Alcalá de Henares.
“Decidimos criar a Fundação porque achávamos que a vida do Rodolfo não poderia ser interrompida de forma tão brutal, tão rapidamente, porque ele era uma pessoa muito jovem, era uma pessoa muito vital, tinha muitos projetos de vida para desenvolver. Quisemos dar à sociedade o que pensamos que Rodolfo lhe teria dado se tivesse preservada a sua vida”, acrescentou Benito, que preside a fundação em memória do seu irmão e de todas as vítimas do terrorismo.
O despertar da Europa para a ameaça jihadista
Os atentados do 11-M em Madri serviram de alerta e provocaram uma mudança significativa nos esforços antiterroristas na Espanha e na Europa. Desde então, foram canalizados recursos para as agências de aplicação da lei e de inteligência para fazer face ao cenário de ameaças em evolução, que atingiu o continente inúmeras vezes nas últimas duas décadas.
“Os ataques do 11-M foram uma operação terrorista sem precedentes em Espanha devido à sua gravidade, ao modus operandi e ao impacto social e político que tiveram. Foi o primeiro ataque jihadista grave levado a cabo num país da Europa Ocidental”, explicou à Euronews Luis de la Corte Ibáñez, professor da Universidade Autônoma de Madri (UAM) e investigador em questões de segurança nacional e internacional.
Segundo De la Corte, “apesar dos ataques de 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque contra as Torres Gêmeas, houve um atraso no reconhecimento da gravidade da ameaça jihadista na Europa. Embora a comunidade internacional tenha tomado consciência do problema”, acrescentou, “ainda se pensava que a ameaça era fundamentalmente contra os Estados Unidos”.
“A União Europeia não adotou nenhuma estratégia comum de luta contra o terrorismo até 2005, respondendo diretamente aos ataques de Madrid e aos ataques subsequentes em Londres em 2005. Até então não havia nenhuma estratégia para enfrentar o terrorismo jihadista internacional. Este é um indicador de que nem as elites políticas, nem as opiniões públicas europeias deram à ameaça jihadista a relevância e a seriedade que ela tinha”, disse o professor da UAM.
Nas últimas décadas, a resposta europeia conjunta permitiu-nos realizar investigações e operações policiais contra redes e conspirações terroristas de inspiração jihadista em toda a Europa, muitas delas com filiais em diferentes países do continente e, por sua vez, ligadas a fontes de atividade jihadista fora do território da Europa.
Espanha, ETA e a guerra do Iraque
“No contexto da luta histórica da Espanha contra o terrorismo separatista basco da ETA, o súbito surgimento da violência jihadista apanhou o país e as forças de segurança de surpresa”, disse De la Corte.
“A prioridade era o terrorismo da ETA e a maior parte dos recursos antiterroristas e da experiência antiterrorista estavam relacionados com a ameaça representada pela ETA, não com a do jihadismo”.
No entanto, o jihadismo não era estranho às forças de segurança espanholas. A Al-Qaeda já tinha estabelecido a sua própria célula no país na década de 90 e em novembro de 2001 a maior operação policial da Europa contra o Islamismo até então foi realizada na Espanha.
“Mas mesmo os responsáveis por toda aquela atividade, por toda aquela investigação policial, subestimaram a ameaça. Acreditavam que o interesse na Espanha era principalmente o interesse de um país para usar como base logística, como campo de recrutamento, como retaguarda da atividade jihadista que seria realizada em outras partes do mundo”, disse De la Corte.
Os ataques destruíram a percepção prevalecente de que a Espanha era imune a tais ameaças, embora muitos os atribuíssem exclusivamente a um ato de retaliação pela participação de Espanha na invasão do Iraque pelos EUA em 2003.
“Os ataques de 11 de março de 2004 foram interpretados de uma forma um tanto simplificada como um incidente circunstancial ligado exclusivamente à participação da Espanha na guerra do Iraque. A experiência mostrou posteriormente que o terrorismo jihadista não precisa da desculpa de qualquer conflito para continuar a atuar na Europa”, ele acrescentou.
Vinte anos de ameaça jihadista
Desde os ataques do 11-M em Madri, a ameaça jihadista evoluiu devido à atividade de divulgação de propaganda através da Internet e à influência de organizações jihadistas que surgiram posteriormente, especialmente após a declaração de um Estado Islâmico na Síria e no Iraque em 2014.
“Isto acabou por gerar, entre outras novas dinâmicas, um ciclo de mobilização jihadista em direção à Síria e ao Iraque. Dos países árabes, mas também dos países europeus, o que representou um enorme desafio para as Autoridades, que tiveram de identificar os cidadãos europeus que tentavam juntar-se ao Estado Islâmico para detê-los, antes que pudessem regressar à Europa, talvez com a intenção de atacar”, explicou De la Corte à Euronews.
O terrorismo islâmico assistiu também à emergência do fenômeno dos «lobos solitários», indivíduos que agem por conta própria, com os seus próprios critérios e sem o apoio de uma estrutura organizacional por trás deles, mas que chegaram ao ponto de cometer ataques letais em Paris, Berlim ou Barcelona.
“Atualmente, o jihadismo global tem uma prioridade clara fora do Ocidente, concentrando-se nos países do mundo árabe muçulmano”, explicou o especialista em segurança.
Embora a situação na Europa esteja menos complicada do que nos anos anteriores, De la Corte alertou para a possibilidade de uma nova onda de atividade jihadista: “Cada vez que uma grande organização jihadista consegue enraizar-se num país, alargar o seu poder territorial, é uma questão de tempo até que tente projetar o terrorismo para os países europeus, ou em termos mais gerais, para o Ocidente”, concluiu.
* Correspondente estrangeiro na Espanha para EURONEWS.
II. BIBLIOGRAFIA
EURONEWS: 11-M: Veinte años del atentado que cambió la lucha antiterrorista en Europa, por Jaime Velazquez
IBÁÑEZ, Luis de la Corte: LA YIHAD DE EUROPA: desarrollo e impacto del terrorismo yihadista en los países de la Unión Europea (1994-2017), Informe del Centro Memorial de las Víctimas del Terrorismo, nº 4, febrero 2018
5 comentários:
Prezad@,
Hoje faz 20 anos dos sangrentos ataques de 2004 contra os trens na estação ferroviária de Atocha, em Madri, marcando o despertar da Europa para uma das suas principais ameaças: o terrorismo jihadista. Vinte anos depois, as cicatrizes permanecem vivas na memória das vítimas e de toda a sociedade espanhola.
O Blog do Braga participa dessa cruzada para não deixar esquecer-se a catástrofe desferida pela Al Qaeda contra a sociedade espanhola, traduzindo do espanhol a matéria de JAIME VELAZQUEZ, publicada pela EURONEWS, intitulado 11-M: Vinte anos do atentado que mudou a luta contra o terrorismo na Europa.
Link: https://bragamusician.blogspot.com/2024/03/11-m-vinte-anos-do-ataque-que-mudou.html 👈
Cordial abraço,
Francisco Braga
Felizmente ainda não tivemos alguma coisa tão grave no Brasil
mas as autoridades não deveriam "baixar a guarda"... Nunca se sabe!
H.
Caro professor Braga
Horrorosa efeméride! E pensar que nestes últimos anos o terrorismo tem crescido e se sofisticado, a ponto de eleger presidente de república representante de milícias e de ser adotado por Estados, inclusive em nome da Pátria e de Deus, ao arrepio das sociedades civis, dos órgãos internacionais e da própria consciência humana . Parece que a barbárie se transformou em dado banal da realidade.
Compartilho da sua preocupação.
Saudações!
Um texto oportuno e interessante. Abraço para o amigo e esposa.
Caro amigo Braga
Agradecemos pelo envio do artigo “Vinte anos do atentado que mudou a luta contra o terrorismo na Europa”, de autoria de Jaime Velasquez, através de sua competente tradução do espanhol, pelo que lhe felicitamos.
À época acompanhamos – perplexos! – pela televisão aquele triste, sangrento e covarde ataque terrorista, em março de 2004, ocorrido na estação de Atocha, em Madrid, com centena de mortos e milhares de feridos. Tal a gravidade dos feridos, que foi necessário montar um hospital de campanha próximo àquela estação. Fato lamentável, com repercussões não só na Europa como em todo o mundo.
Parabéns pela divulgação desse artigo: um alerta necessário para todos os países adotarem ações antiterroristas.
Cordial abraço, dos amigos Mario e Beth.
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