terça-feira, 12 de março de 2024

DO PASSADO AO PRESENTE COLONIAL


Por PAIVA COUCEIRO *
 
Dedico este artigo ao Acadêmico António Valdemar que mo cedeu de seu arquivo particular para desfrute do leitor deste Blog.
Henrique Paiva Couceiro, busto de Delfim Maia, pertencente ao Museu de Angola - Crédito pela foto: https://pt.wikipedia.org/wiki/Henrique_Mitchell_de_Paiva_Cabral_Couceiro  👈


 
A estreiteza das nossas fronteiras continentais conduziu-nos o espírito, em tempos idos, para os ideais da expansão marítima e ultramarina. Apertados dentro de casa, procurávamos logicamente a grandeza fora dela. E cometendo o duvidoso mar num lenho leve,  como canta o nosso poeta nacional,  rompemos as fronteiras do Mundo antigo, e fomos, por vias nunca usadas, conquistar entre remotas gentes novos domínios para a nossa Soberania, forte, progressiva e humana. 
 
Esses mesmos naturais motivos, que outrora nos levaram para as contingências do Mar Tenebroso, ainda subsistem com fôrça igual no momento que passa. E se, ontem, descobrimos, conquistamos e demos princípio à obra civilizadora,  continuá-la é dever de hoje, e necessidade que se impõe. A missão tradicional não sofre interrupções nem paragens. Os portugueses, colonizadores catedráticos e construtores profissionais de Países novos, prosseguem na mesma carreira, com o "Talent de bien faire", que sempre lhe dedicaram. Perpetuando por esses nobres caminhos, o nosso nome através do espaço e do tempo, e criando, desde logo, elementos colaboradores de fôrça moral, e de potência económica e militar, garantias da prosperidade e da dignidade nacional. 
 
Magna obra, que envolve o Poder Naval. E, na base dêste, o aumento em grande escala da produção económica, aquém e além-mar, e o aumento correspondente da marinha mercante, e frotas de pesca, os quais aumentos do Comércio, e da Navegação Comercial, não só representam alicerce necessário para o desenvolvimento da Marinha de Guerra, mas são elo, ao mesmo tempo, de sumo valor, para a ligação entre a Metrópole e o Domínio Ultramarino, constituídos como um todo económico, solidário e interdependente. Eis o que pretendemos. E o Atlântico, lago português, como era, aliás, aspiração de D. João IV. 
 
Não nos faltam, para isto, elementos geográficos. No Atlântico-Norte, a própria Metrópole com a sua abundância de portos, nomeadamente Lisboa, e Lagos à bôca do Mediterrâneo. No Atlântico-Sul, Angola, onde a nossa colonização se implanta com fortes raízes, frente a frente com o Brasil, sangue do nosso sangue, belo e frondoso ramo do nosso tronco criador. E, regularmente distribuídos sôbre a vastidão Oceânica, entre Europa, África e América, o rosário das nossas Ilhas Atlânticas,  Madeira, Açôres e Cabo Verde, escalas comerciais e estratégicas, servindo e comandando as grandes estradas do Mar. E comandando-as de tal maneira que, sem o seu apoio intermédio, difícil será a qualquer Potência Naval exercer, em tempo de guerra, a polícia e a defesa directa do tráfego marítimo. A questão está em sabermos aproveitar o valor natural dessas posições, preparando-as como pontos de apoio ou bases navais, com as instalações e meios de defesa marítima, fixa e móvel, e de defesa aérea e anti-aérea, para desempenharem o seu papel, em conexão com o problema estratégico geral da posse do Atlântico. Esta posse só pode ressalvar-se inteiramente com a manutenção de esquadras do alto mar, que não se encontram, pelo menos na sua totalidade, dentro do nosso actual alcance financeiro. Mas os pontos de apoio devidamente organizados, representam a valiosa contribuição, com que pagaremos a cota parte de Senhores do Atlântico. 
 
Assim garantida contra eventuais emergências a liberdade desse Mar, e a segurança das nossas comunicações Ultramarinas, poderá levar-se à prática sem receios, em Portugal e seus Domínios, o grande sistema de Agricultura, Indústria, Comércio e Navegação, cujo vasto desenvolvimento é nosso objectivo nacional. 
 
Evidentemente, as relações e conhecimentos pessoais e locais, dos portugueses, estabelecidos, em vários pontos do Globo, constituem, desde logo, portas abertas e oficiosas agências, que muito podem facilitar a nossa expansão mundial. Verdadeiros pontos de apoio de uma obra de paz, eminentemente apropriados para fundar, encaminhar, e sustentar, as correntes comerciais e marítimas. 
 
E, já por virtude de modernas emigrações, em busca da fortuna,  já como resultado da nossa aventurosa vida anterior, de descobridores e conquistadores,  muita alma de ascendência portuguesa se encontra plantadas por todos os hemisférios, fora do território português pròpriamente dito: quer na margem ocidental do Atlântico,  Brasil, Guiana Inglesa, e Estados-Unidos da América do Norte,  quer no Pacífico,  Califórnia e Ilhas do Hawaí ou Sandwich,  quer no Extremo Oriente,  Changai e Hong-Kong, Bombaim, Calcutá e Malaca,  etc., etc. 
 
Verifica-se, pois, que temos auxiliares naturais em todas as partes do mundo, prontos muitos dêles,  estamos seguros disso,  a demonstrar praticamente o seu amor por esta pequena orla do Atlântico-Norte, cume da cabeça da Europa tôda, de onde saíram os seus avós, próximos ou remotos, e estão de pé, ainda, os templos, os monumentos, e os arquivos, que consagram as origens ilustres da sua própria genealogia. 
 
À sombra desses bons entendimentos, torna-se possível, evidentemente insinuar e irradiar, em largas proporções, o trato mercantil, e a influência económica, e dar vida, por conseguinte, a uma grande navegação que os sirva. 
 
Por outro lado, o todo económico do Império Português, no seu conjunto, é susceptível de importantes acréscimos demográficos e produtores, e, implicitamente, bancários, mercantis, e marítimos. Senhores da Navegação e do Comércio, da Ethiópia, Arábia, Pérsia e China,  com carta e patentes de antigas eras,  por que é que não havemos de actualizar título tão soberbo, em harmonia com as circunstâncias do presente,  convencidos demais, como todos estamos, Aquém e Além-Mar, de que a grandeza e o prestígio, da nossa Pátria Comum, se fundam, agora como no passado, e pelas mesmas razões na expansão marítima e Ultramarina em ligação com a economia da Metrópole?
 
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Estas perspectivas que, muito ao correr da pena, estivemos aqui desenrolando, podem, talvez figurar-se a atavismos sebastianistas, ou devaneios de imperialismo sonhador, mais do que objectivos susceptíveis de realização efectiva. 
 
Mas convém, no entretanto, recordar-nos de que muito maior razão teriam os nossos antepassados se, no alvorecer do século XV, supusessem conto fantasioso das mil e uma noites, o dobramento do Cabo da Bôa Esperança, a dominação da Índia, Socotorá, Ormuz, Gôa e Malaca,  e mais avante, China e Japão, Sumatra, Java, e Molucas,  tributos e vitórias,  Impérios e Cristandades  especiaria ardente, e jóias finas,  pérolas e ouro, rubis e diamantes. E, contudo, o sonho tornou-se realidade indiscutível, cuja fama retumbante impôs, o Portugal dessa época, ao respeito, e à admiração do mundo inteiro. 
 
Bem sabemos que tudo isto implica, e requere, novos conceitos de vida, particular e pública,  do prosseguimento dos quais conceitos poderiam acaso duvidar aqueles que, ainda há poucos anos, conheceram e viram os portugueses digladiando-se, e consumindo o tempo e as energias, na pugna estéril e inglória, do Politiquismo sectário e truculento. 
 
É, todavia, facto constatado pela experiência, na História portuguesa, que, em cada vicissitude crítica, em cada iminência de naufrágio, quando parece que a Nacionalidade vai a pique, nas vagas do temporal desfeito,  desperta a consciência nacional, e o patriotismo e o valor dos seus filhos, salva a nau, prestes a submergir-se. Assim sucedeu, por exemplo, em 1383, em 1640, e em 1807. 
 
E a história repete-se, governada desde 1834 por oligarquias partidárias, monárquicas ou republicanas, sob o ambiente desmoralizador de eleições corrompidas, e de favoritismos a benefício de interesses particulares,  a Pátria Portuguesa decaiu. 
 
E a massa popular, vendo ao alto os gôzos egoístas duma sociedade burguesa, sem a chama viva dos ardores patrióticos, sem o poder comunicativo dos civismos entusiásticos,  perdeu a crença em tudo, e tornou-se apática, fatalista e indiferente. 
 
Longe ficavam, sem dúvida, os tempos de Aviz. Esses tempos em que,  por haver ideais positivos,  fé e ciência a guiá-los,  mando consciente, e virtudes fortes, a servi-los,  os Portugueses venceram ondas e perigos, dominaram terras e mares, difundiram leis e ensinamentos, e edificaram, enfim, cidades e fortalezas, civilizações e Impérios, como a Índia e o Brasil. 
 
Esses tempos em que Portugal, numa palavra, tinha assento nos conselhos do Velho Mundo como Potência de 1ª ordem. 
 
Duro contraste com o Presente, que, todavia, bem se explica: Gases deletérios, de filosofia abstracta e mistificadora, invadiram, nomeadamente desde o século XIX, o nosso riquíssimo patrimônio de conquistas morais e materiais, e penetrando as instituições, as ideias, e os costumes, conduziram o País, por degraus sucessivos, até as condições de perdição, e dissolvência social e política.

4 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
Tenho o prazer de enviar-lhe o artigo DO PASSADO AO PRESENTE COLONIAL, texto do escritor português PAIVA COUCEIRO, por especial colaboração do Acadêmico António Valdemar que cedeu a edição de 1934 do jornal Acção Colonial (número comemorativo da Exposição Colonial do Porto), considerando-a "um dos testemunhos do mais arreigado colonialismo português".
O autor trata do Passado de Portugal em que o seu Poder Naval está a serviço da sua ação civilizatória junto às suas colônias, o que se dava principalmente através da "difusão de leis e ensinamentos, edificação de cidades e fortalezas, civilizações e Impérios, citando, neste caso, a Índia e o Brasil".
Ao contrário, o Presente português não é pintado com cores otimistas. O autor acha que se esvaiu o seu "riquíssimo patrimônio de conquistas morais e materiais".

TEXTO
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BREVE BIOGRAFIA DO AUTOR
Link: https://bragamusician.blogspot.com/2024/03/colaborador-henrique-mitchell-de-paiva.html 👈

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

Uma peça do conservadorismo português do início deste século. Na "ação civilizatória" do colonialismo não considerava, é claro, a difusão do escravismo e a exploração mercantilista que levariam diretamente às revoltas dos movimentos independentistas nos diversos continentes. Desconsiderava que a perda da condição de potência naval e imperial era um processo de longo prazo, cujas raízes poderiam ser buscadas na União Ibérica e, finalmente, na dependência britânica, na "modernização" tardia. Um destino muito semelhante ao vizinho império espanhol.
Grato pela oportunidade da leitura. Saudações.

Cupertino

Fernando de Oliveira Teixeira (poeta e professor universitário, decano da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Grato pelo envio, amigo. Abraço para você e Rute.

Raquel Naveira (membro da Academia Matogrossense de Letras e, como poetisa publicou, entre outras obras, Jardim Fechado, antologia poética em comemoração aos seus 30 anos dedicados à poesia) disse...

Obrigada pelo envio, Professor Francisco Braga.
Necessária reflexão sobre nosso passado colonial e sobre os desdobramentos da História de Portugal até os dias de hoje.
Abraço fraterno
Raquel Naveira