domingo, 5 de maio de 2024

Ideias acerca de “UMA NOITE SEM ELA”


Por Francisco José dos Santos Braga
 
Livro de poemas inspirados de João Carlos Ramos, 1ª edição 2024, 158 p.
 
Tive a honra de ser convidado para o lançamento do livro "Uma Noite sem Ela", uma obra que qualquer poeta brasileiro se envaideceria de assinar, tal a fluidez de sentimentos e emoções que o caracteriza. 
 


Infelizmente não pude comparecer devido a compromisso anteriormente assumido com a Academia Formiguense de Letras de animar com uma apresentação artística a sua reunião noturna de ingresso de neoacadêmicos. Mas, esperando redimir-me, me apresso a dar uma pequena contribuição ao festejado poeta de Ladainha, que Divinópolis adotou como sua segunda terra natal.
O premiado poeta João Carlos Ramos resumiu da seguinte forma a noite de gala que se constituiu o lançamento de seu livro "Uma Noite sem Ela": "A noite festiva se iniciou às 20 horas aproximadamente e contou com a participação do mestre de cerimônia Sérgio Resende fazendo a abertura. logo após convidou a Coordenadora da Biblioteca Luciene Miranda para a palavra inicial. O cantor João Batista da Silva abrilhantou a noite com um repertório de músicas selecionadas nacionais e internacionais. 
O Prof. Dr. Fernando de Oliveira Teixeira fez o comentário crítico da obra em grande estilo. 
Logo após fui convidado a falar sobre o livro. 
A seguir, os presentes que lotaram o auditório da Biblioteca P. M. Ataliba Lago, foram solenemente convidados a saborear um farto coquetel, enquanto o autor autografava os livros recém-lançados. Contei com a presença honrosa dos seguintes confrades: Augusto Fidélis, o orador Fernando Teixeira e Flávio Ramos.
E claro, lá esteve todo o tempo atenta e carinhosa: "Ela", Marita Conceição Ramos, sua esposa e fiel companheira de todas as horas.
 
ELA 
 
Ela não abandonou 
Um pobre homem na estrada. 
Roupas rasgadas 
Indicam 
Feridas abertas sem causa. 
O sorriso lunar 
Substitui o sol. 
(Não sou culpado do entardecer!) 
Uma rosa e um martelo 
Em suas mãos. 
Enfeitarás o meu silêncio 
Rico e necessário. 
Baterás naquilo que não fiz! 
Ficarei emocionado 
Ao ver baixar as águas 
Me darias tudo, eu sei! 
Não precisas me dar nada. 
Basta a alvorada.
 
Numa palavra, o livro  está carregado de afetos (positivos), propiciando a oportunidade que eu fale sobre os afetos. E ao tratar desse tema, atentemos para uma recomendação inicial: não devemos nunca depreciar a importância dos afetos em nossa vida. Filósofos da estatura do holandês Baruch de Spinoza (1632-1677) já nos alertava para darmos importância e estarmos atentos aos nossos afetos. 
 
Desde Platão, a alma humana foi concebida como essencialmente diferente do corpo humano. René Descartes (1596-1650) levou esse "dualismo" ao extremo, defendendo que a mente e o corpo são substâncias ontologicamente distintas e independentes sem nada em comum; e, todavia, estão unidos e interagem causalmente em um ser humano.
Segundo [CARRASCO, 2022], no século XVII,  esse filósofo francês estabeleceu uma separação entre mente e corpo, uma filosofia dualista, entendendo que a mente racional tinha um poder absoluto sobre as ações do corpo e um domínio sobre os afetos e as paixões. Dentro dessa perspectiva, o corpo, tradicionalmente entendido como fonte de erro, irracionalismo e pecado, precisava ser controlado pela razão.
 
Spinoza se colocou contrário àquela tradição herdada de Platão, entendendo que os afetos não são irracionalidades. Para ele, a felicidade não dependia do bom uso da razão, mas de uma libertação das potências afetivas, em especial da alegria. Spinoza defende uma perspectiva monista, entendendo que mente e corpo compõem a mesma instância, de modo que não há poder de um sobre o outro, nem diferença entre o conhecimento da razão e o conhecimento dos afetos. 
 
Diferente da tendência tradicional de valorizar a moral normativa, Spinoza propõe uma perspectiva imanente, abandonando a moral normativa em favor de uma ética dos afetos. Pensando numa ética dos afetos, ele propõe a transformação da atividade do desejo, a partir de um estado passivo para o ativo. A partir desta ética, nossa ação seria justa e verdadeira quando primeiramente desejamos tal ação. Sua ética não parte de valores transcendentes, como o "bem" ou o "mal", mas propõe uma relação imanente, que busca conhecer aquilo que nos faz bem ou mal. A partir desse conhecimento, propõe uma vida livre que consiste em substituir os afetos (negativos) que diminuem, pelos afetos (positivos) que ampliam nossa potência de agir. 
 

 


Para o psicanalista Wilson Klain, no portal Plenae, o afeto “nasce no corpo, parte do corpo e age sobre o corpo”. Portanto, ele é indissociável de nós mesmos. Apesar de serem como “nuvens”, por não serem físicos ou possíveis de serem pegos na mão, eles são sentidos profundamente por nós. São produzidos pelo organismo e, simultaneamente, são orgânicos.
O afeto nunca é neutro, pois vem sempre repleto de significados, alegrias, tristezas, dores ou prazeres. Justamente porque, em sua essência, ele nos afeta.
 
O livro que tenho o prazer de apresentar ao meu leitor tem a virtude de acionar os afetos positivos do amor, da solidariedade e da solicitude no sentido de ampliar a nossa potência de agir. 
 
UMA NOITE SEM ELA
 
Viajou. 
Meu peito dói.
Estás aqui.
E os meus desejos?
Pensamentos sem lei, queimados de sol e sede.
Ah! Chegou:
Beija-me os tristes olhos.
Veja meu corpo só!
... Centenas de noites.
Nós dois juntos.
A água do prazer
banhando nossos corpos...
Fatalidade!
Uma noite sem ela...
Não quero estrelas,
comidas ou flores.
Quero apenas o fim da eternidade desta noite!

LAPIDAÇÃO

O BEM começa,
O MAL também.
(O BEM é trem,
O MAL é peça).

... E AGORA DRUMMOND?
 
... E agora Drummond?
José não existe.
A festa continua no velório do povo.
E o novo prometido
nas páginas do sonho?
A poesia foi embora, Drummond e agora?
Mulheres bonitas chorando.
A proposta continua: à volta da poesia
[completamente nua.


BIBLIOGRAFIA

CARRASCO, Bruno: Spinoza e a ética dos afetos, portal Ex-isto, publicado em 05/01/2022
 
DINIZ, Geyze Marchesi & Abílio: Desmistificando conceitos: o que é o afeto?, portal Plenae, publicado em 04/11/2020
Link: https://plenae.com/para-inspirar/desmistificando-conceitos-o-que-e-o-afeto/
  👈
 
RAMOS, João Carlos: Uma Noite sem Ela, Divinópolis: Gulliver Editora Ltda., 2024, 1ª edição, 158 p.


8 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
João Carlos Ramos (poeta, escritor, membro e ex-presidente da Academia Divinopolitana de Letras e sócio correspondente da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Lavrense de Letras) disse...

Prezado mestre Francisco Braga,
Agradeço-lhe pelo texto crítico do mais alto nível.
Eis aqui esse plebeu!
Obrigado!

Frederico Azevedo disse...

Prezado Francisco, meu dileto amigo.

Pela manhã de um dia ensolarado, caminhando pelas ruas da cidade quando retornava do Tribunal Regional do Trabalho, me peguei refletindo sobre a base biológica das emoções e dos sentimentos, o afeto. Até aqui muito refletimos sobre os sentimentos e a importância de uma reflexão sábia, uma abordagem que nos permite estacionar na linha do tempo emocional por horas e até dias. Refleti então sobre às experiências de vida de nós indivíduos, carregadas de sentimentos e sentidos atribuídos a elas, como ao tempo de desenvolvimento biopsicossocial pelo qual cada pessoa é sujeita nas diversas etapas de sua vida. Saibamos repara o afeto que nos cerca. Ele sempre nos guiará se o caminho é florido, ou se teremos espinhos a percorrer.

Registro aqui meu afeto, sobretudo nos grandes momentos em que nós, ao lado de nossas donzelas, celebramos os prazeres da boa mesa, sempre cercados de um bom vinho.

Parabéns pela abordagem crítica que tanto nos leciona.

Forte abraço amigo.

Frederico Azevedo disse...

em tempo: reparar

Raquel Naveira (membro da Academia Matogrossense de Letras e, como poetisa publicou, entre outras obras, Jardim Fechado, antologia poética em comemoração aos seus 30 anos dedicados à poesia) disse...

Obrigada pelo envio.
Raquel Naveira

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

Sempre aprendo um pouco mais com seus artigos e me emocio com a sensibilidade de seus colaboradores.
Agradecido,
Cupertino

Dr. Paulo Milagre (escritor e membro da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Parabéns pelos seus comentários, Francisco Braga!

Mario Pellegrini Cupello, Arquiteto, Diplomado em Direito, Escritor, Presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto, Membro Correspondente do IHG de Minas Gerais, entre outras importantes instituições culturais de Minas. Membro Efetivo da Academia Valencia de Letras, onde participou da diretoria por mais de 12 anos sucessivos. disse...

Caro amigo e Mestre Braga
Mais uma vez lhe felicito pela preocupação em divulgar a expressão cultural, e muitas vezes poética, como neste caso do livro do “Uma noite sem ela”, do inspirado Poeta João Carlos Ramos, pelo que parabenizo ao autor.
Concordo com o seu comentário final, em sua apresentação, de que este livro “tem a virtude de acionar os afetos positivos do amor, da solidariedade e da solicitude no sentido de ampliar a nossa potência de agir”.
Receba o cordial abraço, meu e de Beth.
O amigo Mario Cupello