quarta-feira, 10 de novembro de 2021

NÃO FIQUES JUNTO DE MEU TÚMULO A CHORAR


Por Francisco José dos Santos Braga 
 
Sou o veloz animado bater de asas / de tranquilos pássaros em voo circular

 

CONTEXTO HISTÓRICO 

Mary Elizabeth Frye (1905-2004) foi uma poetisa norte-americana que ficou conhecida hoje quase exclusivamente por ter escrito um único poema, "Não fiques junto de meu túmulo a chorar" em 1932 e, apesar disso, ele se mantém o mais popular em língua inglesa. Ela o escreveu especificamente para uma jovem judia alemã chamada Margaret Schwarzkopf que vivia com Frye e seu marido e estava desolada com a morte de sua mãe, que morava na Alemanha. Frye escreveu o poema do ponto de vista da mãe da jovem enlutada, a fim de dar esperança e conforto a essa filha que tanto sofria. Em 1939, o Congresso dos EUA publicou o poema para o serviço memorial dos Veteranos da Guerra Espanhola Unidos sem atribuir-lhe a autoria. O efeito do poema foi monumental. Ele impactou todos os leitores que já perderam um ente querido. Este poema não só ofereceu conforto à jovem para quem foi escrito, mas também a milhões de leitores em todo o mundo. 
 
O POEMA EM PORTUGUÊS
 
Eis minha tradução de "Do not stand at my grave and weep" por Mary Elizabeth Frye: 
 
Não fiques junto de meu túmulo a chorar. 
Não estou aí, nem estou dormindo. 
Sou milhares de ventos que sopram. 
Sou as fagulhas diamantinas na neve. 
Sou o raio solar no trigo maduro. 
Sou a chuva suave de outono. 
Quando acordas no silêncio matinal, 
sou o animado veloz bater de asas 
de tranquilos pássaros em voo circular. 
Sou o doce brilho estelar noturno. 
Não fiques junto de meu túmulo a chorar. 
Não estou aí, nem morri. 
 
O POEMA EM INGLÊS 
 
Do not stand at my grave and weep. 
I am not there. I do not sleep. 
I am a thousand winds that blow, 
I am the diamond glints on snow. 
I am the sunlight on ripened grain, 
I am the gentle autumn rain. 
When you awaken in the morning's hush 
I am the swift uplifting rush 
Of quiet birds in circled flight. 
I am the soft star-shine at night. 
Do not stand at my grave and cry. 
I am not there. I did not die. 
 
ANÁLISE DO POEMA 
 
O poema é composto de 12 versos, rimando em dísticos. Cada linha é constituída de um tetrâmetro jâmbico, exceto as linhas 5 e 7: a 5ª com uma sílaba extra; e a 7ª, com duas extras. 
A primeira linha do "Não fiques junto de meu túmulo a chorar" revela um protagonista por trás da voz de alguém que está no pós-vida. O que intriga o leitor é o tom de autoridade que a frase é dita, como de alguém que sabe o que é morrer, e no-lo anuncia do além-túmulo. Essa linha não é de apelo ou sugestão, mas de comando. Ela ordena a seus enlutados que não chorem. 
Na linha 2, novamente a voz autoritária argumenta: não adianta chorar por mim, pois "não estou aí, nem estou dormindo". Com essas sentenças assertivas o protagonista mostra que possui autoridade neste assunto e que não cabe questionar se há ou não vida pós-morte. 
Nas linhas 3-9, o protagonista muda o tom, de autoritário que tinha sido até então, para outro que ofereça conforto e que tranquilize os leitores. Para isso, convida-os a descobrir onde eles podem encontrá-lo: nos "ventos que sopram" e nas "fagulhas diamantinas na neve". Podem ainda senti-lo no "raio solar" e na "chuva de outono". Esses foram os elementos da natureza em que os enlutados podem encontrar a sua alma. Além disso, o protagonista ainda enumera as situações em que é possível sentir a sua presença física: nos sons dos pássaros em seu voo circular (linhas 8 e 9), no silêncio da manhã (linha 7) ou no doce brilho dos astros (linha 10). 
Nas linhas 11-12, o protagonista retoma o tom de comando inicial, modificando apenas o fechamento do poema, esclarecendo que sua alma está viva ("não morri"), recomendando ao leitor que não deve procurá-la na campa fria, e sim, a partir de agora, pode ser vista ou sentida em todos os lindos elementos da natureza. 
 
AUTORIA CONTROVERSA 
 
"Não fiques junto de meu túmulo a chorar" é o primeiro verso e título popular de um poema de luto de autoria realmente controversa. O poema foi popularizado no final dos anos 1970 graças a uma leitura de John Wayne que inspirou outras leituras na televisão. Durante o final da década de 1990, Mary Elizabeth Frye afirmou ter escrito o poema em 1932. Isso foi supostamente confirmado em pesquisa de 1998 conduzida para a coluna do jornal, "Dear Abby" (Pauline Phillips). 
No entanto, o jornal de Oxford, "Notes and Queries", publicou um artigo de 2018 afirmando que o poema, originalmente intitulado "Immortality", foi de fato escrito por Clare Harner Lyon (1909-1977) e publicado pela primeira vez com seu nome de solteira (Harner) na edição de dezembro de 1934 da revista de poesia The Gypsy no jornal Kansas City Times. O poema teve uma reedição no mesmo jornal em 8 de fevereiro de 1935, p. 18. 
Cf. imagem dessa reedição: https://www.newspapers.com/image/649187665/  👈
 

Observam-se três diferenças entre esta versão do poema de Clara Harner e o apresentado anteriormente: 1) ter um título, ou não ter o seu título Immortality, idêntico ao primeiro verso; 2) ter adotado a "indentation" (processo de deixar um espaço à margem de uma linha, ao escrevê-la) e 3) fazer uso de quebras de linha.

 
ENQUETE DA BBC 
 
Para coincidir com o Dia Nacional da Poesia de 1995, o programa de televisão britânico The Bookworm conduziu uma enquete para descobrir os poemas favoritos da nação inglesa e, posteriormente, publicou os poemas vencedores em forma de livro. O prefácio do livro afirmou que "Não fiques junto de meu túmulo a chorar" foi "o sucesso inesperado da poesia do ano do ponto de vista do Bookworm"; o poema "provocou uma resposta extraordinária... os pedidos (de reconhecimento de voto) começaram a chegar quase imediatamente e, nas semanas seguintes, a demanda aumentou para um total de cerca de trinta mil. Em alguns aspectos, tornou-se o poema por procuração favorito da nação... apesar de ele estar fora da competição." Isso foi ainda mais notável, uma vez que o nome e a nacionalidade do autor(a) norte-americano(a) só se tornaram conhecidos vários anos depois. 
Em 2004, o The Times escreveu: "O poema demonstrou um poder notável para amenizar a perda. Tornou-se popular, cruzando as fronteiras nacionais para uso em cartões de luto e em funerais, independentemente de raça, religião ou status social". 
 
POPULARIDADE DO POEMA 
 
O poema de Mary Frye/Clara Harner já foi traduzido para praticamente todas as línguas ocidentais. Recentemente tomei conhecimento do poema traduzido para o árabe em 2 versões: por Abdurrahman Alsayed e Muath Alomari. 
Também localizei interessante arranjo musical para o coro infantil LIBERA pelo compositor Robert Prizeman, que musicou a letra do poema: 
Cf. nos links: https://youtu.be/lHZ1cuYSRh4  👈
 
Este é certamente o lugar para desejar ao compositor britânico, Sr. Robert Gordon Prizeman:
RIP! Descanse em Paz! (falecido em 8/9/2021)


 
II. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
 
WIKIPEDIA: Do Not Stand at My Grave and Weep
 
WIKIWAND:  Do Not Stand at My Grave and Weep

8 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
É com alegria que submeto à apreciação do(a) leitor(a) minha tradução do poema em inglês conhecido por "Do not stand at my grave and weep", por MARY ELIZABETH FRYE.
Espero que meus comentários ao célebre poema, datado da década de 30 do século passado, venham esclarecer alguns pontos obscuros na criação do poema cuja autoria é realmente controversa e na sua construção em 12 versos.

Link: https://bragamusician.blogspot.com/2021/11/nao-fiques-junto-de-meu-tumulo-chorar.html

Cordial abraço,
Francisco Braga

ANIZABEL disse...

Realmente trata - se de um poema lindíssmo e confortador. Lindíssima também a interpretação do Coral Infantil.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga.

Interessante assunto! Sua análise da trajetória, autoria e do poema em si importa bastante, uma vez que, efetivamente, nenhum tipo de pensamento consegue consolar uma morte, senão conferir-lhe uma beleza triste, como neste caso. Talvez a conjuntura de ascensão política norte-americana no século XX e suas guerras bem sucedidas tenham também dado oportunidade maior para o sucesso desse poema.
Cumprimentos,
Cupertino

Mario Pellegrini Cupello - Arquiteto, Diplomado em Direito, Escritor, Pres. do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto, Membro da Academia Valenciana de Letras disse...

Parabéns amigo Braga pela sua tradução e, em especial, pela brilhante “análise” sobre o poema.
Felicito, também, ao Prof. Cupertino, pelo seu interessante e apropriado comentário acima, sobre o Poema.
Abraços, meus e de Beth.

Diamantino Bártolo (professor universitário Venade-Caminha-Portugal, gerente de blog que leva o seu nome http://diamantinobartolo.blogspot.com.br/) disse...

Muito obrigado estimado amigo Francisco Braga.
Abraço
Diamantino

João Carlos Ramos (poeta, escritor, membro e ex-presidente da Academia Divinopolitana de Letras e sócio correspondente da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Lavrense de Letras) disse...

O poema é famoso e sua tradução cristalina. Como todo poeta, sua preocupação é se despreocupar com tudo, até com a morte. A invocação da natureza, leva o leitor nessa ajuda e cria um novo mundo no poema.
Parabéns!

Anderson Braga Horta (poeta, escritor, ex-presidente da ANE-Associação Nacional de Escritores e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal) disse...

Que belo poema, Francisco. Em inglês e em sua tradução.

Obrigado.

abh

Pe. Sílvio Firmo do Nascimento (professor, escritor e editor da Revista Saberes Interdisciplinares da UNIPTAN e membro da Academia de Letras de SJDR) disse...

Caro Francisco Braga
Graça e paz!
Ao receber sua mensagem, o que lhe agradeço, comunico-lhe que meu pai José Antônio do Nascimento faleceu no dia 11 deste mês. Toda sua existência afetiva e efetiva como cristão e cidadão, pessoal e pública se deu toda em Nazareno. Amanhã é a missa em sufrágio de sua alma no Santuário Nossa Senhora de Nazaré, em Nazareno, às 19 horas.
Rezemos em gratidão a Deus pela sua bondosa pessoa.
Abraço,
Pe. Sílvio