Por Francisco José dos Santos Braga
Estátua do Abade Lhomond em Amiens esculpida em 1860 por Gédéon de Forceville |
I. ABADE LHOMOND: De Viris Illustribus Urbis Romae a Romulo ad Augustum, trecho
“Menenius Agrippa concordiam inter patres plebemque restituit: nam cum plebs a patribus secessisset, Agrippa, vir facundus, ad plebem missus est; qui intromissus in castra hoc narravisse fertur: "Olim humani artus, cum ventrem otiosum cernerent, conspiraverunt ne manus ad os cibum ferrent, nec os acciperet datum, nec dentes conficerent. At ipsi quoque defecerunt, totumque corpus: inde apparuit ventris haud segne ministerium esse, eumque acceptos cibos per omnia membra disserere: itaque cum eo in gratiam redierunt. Sic senatus et populus quasi unum corpus discordiā pereunt, concordiā valent.
Hac fabula Menenius flexit hominum mentes ; plebs in urbem regressa est. Creavit tamen tribunos qui libertatem suam adversus nobilitatis superbiam defenderent. Paulo post mortuus est Menenius, vir omni vita pariter patribus ac plebi carus; post restitutam civium concordiam carior plebi factus. Is tamen in tanta paupertate decessit, ut eum populus collatis quadrantibus ¹ sepeliret, locum sepulcro senatus publice ² daret. Potest consolari pauperes Menenius sed multo magis docere locupletes, quam non sit necessaria solidam laudem cupienti nimis anxia divitiarum comparatio.”
Links: http://www.thelatinlibrary.com/lhomond.viris.html ou https://la.wikisource.org/wiki/
[Minha tradução: Menênio Agripa restabeleceu a concórdia entre Patrícios e Plebeus: pois quando a plebe se separou dos Patrícios (saindo de Roma), Agripa, dotado de eloquência, foi enviado à plebe, o qual, introduzido no acampamento, conta-se que disse simplesmente isto: "Um dia, os membros do corpo humano, quando viram o estômago ocioso, conspiraram para que as mãos não levassem o alimento à boca, para que a boca não aceitasse o que lhe era dado, nem os dentes o mastigassem. Ora, eles e todo o corpo perderam o ânimo: por isso ficou evidente que o serviço do estômago não era lento e era ele responsável por distribuir os alimentos recebidos por todos os membros. Assim estes se reconciliaram com ele. Da mesma forma, o Senado e o povo, formando, por assim dizer, um único corpo, perecem pela discórdia, são fortes com a concórdia."
Com esta fábula Menênio aplacou as mentes das pessoas: a Plebe retornou à Cidade. No entanto, (o Senado) criou tribunos que defendessem sua liberdade contra a arrogância da nobreza. Logo após morreu Menênio; homem igualmente caro aos Senadores e à Plebe por toda a vida; tornou-se ainda mais querido depois que foi restaurada a harmonia. No entanto, ele morreu tão pobre que a Plebe com quadrantes arrecadados o enterrou; o Senado concedeu o lugar para o túmulo às custas do Estado. Menênio é capaz de consolar os pobres, mas pode sobretudo ensinar aos ricos o quanto a obtenção ávida demais de riqueza não é necessária a quem deseja um louvor genuíno.]
II. NOTAS EXPLICATIVAS
¹ De acordo com a numismática, quadrante (em latim: quadrans; romaniz.: lit. "um quarto") era uma moeda romana de baixo valor cunhada em bronze. Ela pesava e valia um quarto de um asse ou ás. O quadrante foi cunhado em moedas de bronze durante a República Romana com três pequenos "pontos" ou "pastilhas", representando três úncias (unciae), como marca de seu valor e eram, por isso, conhecidas também como terúncio (teruncius; "três úncias"). O anverso, depois de algumas variações iniciais, trazia o busto de Hércules; no verso, a proa de uma galé.
O asse ou ás (as, em latim, plural asses) era uma moeda romana de bronze e, posteriormente, de cobre, em circulação durante a república e o império. Recebeu o nome da unidade de peso também chamada asse, que era equivalente a 12 onças (unciae), isto é, uma libra romana.
² Publice significa "às expensas do tesouro público ou do Estado".
III. COMENTÁRIOS
1) O objetivo de apresentar a versão simplificada do Abade Lhomond para o Apólogo dos Membros e do Estômago, já examinado na edição nº 11 da série "Recupere seu Latim" na versão de Tito Lívio, é possibilitar que o leitor que acompanha a evolução desse trabalho possa comparar a narração do mesmo episódio da história de Roma com um melhor aproveitamento, observando a composição do texto de cada autor e percebendo a diferença de seus estilos de expressão.
A vantagem está em possuir essa segunda versão uma maior simplicidade, em linguagem quase coloquial, sendo seu próprio autor, Abade Lhomond, quem primeiramente utilizou com proveito em sala de aula esse texto extremamente didático na 6ª série (1ª do curso colegial na França). Naquele país, o seu método de ensino do latim foi reconhecido como bastante eficiente, sendo De Viris Illustribus do Abade Lhomond considerado provavelmente a melhor obra adaptada para uso de iniciantes no aprendizado da língua latina do que qualquer outro trabalho da mesma espécie que tivesse aparecido até então.
2) "De Viris Illustribus Urbis Romae a Romulo ad Augustum" de Charles François Lhomond, mais conhecido por Abade Lhomond, é importante obra didática. Esta obra apresenta uma galeria de homens notáveis de Roma, dos primórdios até a morte de Augusto. Quanto às fontes, o autor Lhomond cita três, no prefácio do seu livro: Tito Lívio, Floro e Valério Máximo. Ele também usa Cornélio Nepos, conforme afirma Jean-Étienne-Judith Forestier Boinvilliers, na reedição da obra em 1805, declarando que Lhomond se inspirou muito no livro de idêntico título de Nepos.
Entretanto, na verdade, no caso particular do presente texto que estamos analisando, Lhomond seguiu muito de perto, quase pari passu, o texto de Aurelius Victor, capítulo 18 do livro de mesmo título: De Viris Illustribus Urbis Romae, que pertence ao Corpus Aurelianum.
Consta que das 86 biografias do livro de Aurelius Victor, Lhomond reproduziu 64. (Sugestão: Compare os dois textos, o do Abade Lhomond com o texto de Aurelius Victor no Link: http://www.thelatinlibrary.com/victor.ill.html, tendo o cuidado de isolar a primeira sentença do capítulo 18 do livro de Aurelius Victor, que se refere a outro assunto: a vitória de Menênio Agripa, quando cônsul, sobre os sabinos em 503 a.C.).
3) Charles François Lhomond, conhecido como Abbé Lhomond, nascido em 1727 em Chaulnes, Picardia, e falecido em Paris em 31 de dezembro de 1794, foi um humanista, pedagogo, gramático e erudito francês. Foi professor de francês na Universidade de Paris. Abade Lhomond deixou várias obras destinadas principalmente à educação. É o autor do manual para latinistas De viris urbis illustribus Romæ a Romulo ad Augustum (ca. 1775), sua obra mais famosa, através da qual gerações de estudantes aprenderam latim. Segundo o prefácio do livro, De viris tinha a pretensão de suprir a falta de autores latinos para a sexta série nas escolas francesas.
Outras obras do Abade Lhomond são: Elementos da Gramática Latina, Paris (1779),
Doutrina Cristã, ibid. (1783),
Epitome historiæ sacræ, ibid. (1784),
História resumida da Igreja, ibid. (1787),
História reunida da religião antes da vinda de Jesus Cristo, ibid. (1791).
Os que conheceram o Abade Lhomond o representaram como um homem simples em suas maneiras, com uma abordagem fria, mas franca e agradável.
Sempre verbalizou este pensamento que é a alma de seus escritos: “A juventude é um depósito precioso pelo qual respondemos a Deus e à nossa pátria.”
4) Homenagens póstumas
Seu nome ganhou popularidade desde sua morte em proporção dos grandes serviços que suas obras prestaram à instrução pública, ao ponto de Amiens e Chaulnes terem disputado a honra de lhe erguer uma estátua. Portanto, duas estátuas foram erguidas em sua homenagem por subscrição popular, em 1860, ambas na Picardia: a primeira, esculpida por Eugène-Louis Lequesne e está em Chaulnes; a segunda, em Amiens (mostrada na abertura do post).
O Abade Lhomond deu seu nome a uma rua no 5º arrondissement de Paris.
4 comentários:
Prezad@,
Nesta 12ª edição da série RECUPERE SEU LATIM, o Blog do Braga traz um artigo meu cujo conteúdo em linhas gerais corresponde ao post anterior, intitulado "Apólogo dos Membros e do Estômago, por Tito Lívio", publicado em 18/06/2022.
No presente trabalho, vou examinar texto em latim sobre o mesmo episódio da autoria do ABADE LHOMOND em minha tradução comentada. A versão do autor francês é mais simples, tendo adaptado texto correspondente de AURELIUS VICTOR (✰ ca. 320 d.C. - ✞ ca. 390 d.C.), que é também apresentado no meu trabalho para, se o leitor assim desejar, cotejar o que afirmo.
Pretendi com minha presente tradução comentada propiciar ao leitor observar a composição do texto de cada autor e perceber a diferença de seus estilos de expressão.
Link: https://bragamusician.blogspot.com/2022/06/recupere-seu-latim-parte-12-menenio.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Bom dia, Francisco e Rute! "Paz e Bem"
Em primeiro lugar quero pedir-lhes muitas desculpas por não ter podido prestar mais atenção às suas últimas comunicações, devido ao fato de receber regularmente pedidos de composição do atual assessor de música da CNBB, que tem o plano de publicar uma nova edição do Missal da nossa Igreja. Além disto, temos aqui um plano diário de estudo e de atividades dentro do nosso 'Aspirantado', cujos estudantes se preparam para entrar no Seminário da nossa província.
Por isso, não sobra muito tempo para outras atividades, por mais que a gente gostasse de ter. Assim, a correspondência, por e-mail, fica muito precária e reduzida! Espero haver mais folga depois da edição do Missal !!
Francisco, me alegrei muito com o fato de Rute ter-lhe dado assistência na escritura da sua pesquisa! Boa notícia!! "Procedamus in pace", assim!! Com nossa saudação franciscana de "Pax et Bonum", para vocês e para todos que lhes são caros.
Do irmão, f. Joel.
Muito obrigado, estimado amigo.
Bom fim de semana.
Abraço.
Diamantino
Parabéns pela iniciativa!
Abrs
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