quarta-feira, 16 de abril de 2014

NOTAS HISTÓRICAS, por Lincoln de Souza, com réplica de Gentil Palhares em BRAVOS! ESTOU COM LINCOLN DE SOUZA!!...


Por Francisco José dos Santos Braga


Carteira de identidade de
Lincoln Teixeira de Souza


Gentil Palhares, "quando, nos campos nevados da
Itália, integrava a Expedição Brasileira que foi
 defender a nossa honra ultrajada (Nápoles, 1944)"



























 

I.  INTRODUÇÃO

Nesta minha pesquisa no periódico "A COMUNIDADE" de 1968 na Biblioteca Municipal Batista Caetano de Almeida, vemos dois lídimos representantes da intelectualidade são-joanense: de um lado, Lincoln de Souza, jornalista, escritor consagrado, poeta e folclorista, autor de "Contam Que...", entre muitos livros; de outro, o historiador Gentil Palhares, cronista, historiador, autor dos livros "De São João del-Rei ao Vale do Pó", "Frei Orlando — o Capelão que não voltou", "São João del-Rei na Crônica", dentre outros. Ambos amigos, intelectuais e amantes do espiritismo, tinham visões divergentes no tocante aos atos de heroísmo quando da tomada de Montese, na Itália. Quando se confrontam, como na passagem referente à FEB, assistimos a um duelo de titãs, de resultado imprevisível. Como se tratava de pessoas educadas e dotadas de elevada espiritualidade, o conflito permaneceu no terreno das ideias, sem maiores consequências.

Note-se ainda que ambos foram laureados por seus méritos literários inconfundíveis. No caso de Lincoln de Souza, já tive a oportunidade de relembrar seus mais expressivos louros no meu Discurso de Defesa do Patrono no Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, em post datado de 2 de fevereiro de 2013 e publicado neste mesmo blog. Sinto-me honrado de tê-lo como meu patrono na referida Casa de Cultura, especialmente por sua virtude de honestidade intelectual.

No caso do tenente Gentil Palhares, tornou-se merecedor dos maiores encômios especialmente por ter atestado, durante a campanha da FEB na Itália, — fruto de uma estreita convivência com Frei Orlando, — e mais tarde em seus livros "Frei Orlando: o Capelão Que Não Voltou" e "A Morte de Frei Orlando", o espírito ecumênico de respeito profundo pelas opções religiosas, diferentes daquelas professadas por aquele autêntico pastor de almas, hoje patrono do SAREx-Serviço de Assistência Religiosa do Exército. Por seus méritos de literato, foi agraciado pela Academia Barbacenense de Letras como sócio correspondente, muito antes de minha admissão relativamente recente.

Para ser fiel aos escritores dos referidos textos, observei rigorosamente a sua ortografia.


II.  NOTAS  HISTÓRICAS

Lincoln de Souza


Descobrimento do Brasil

Desde meus verdes anos aprendi ter sido Pedro Álvares Cabral, (que depois passou a Pedro Álvares Correia) que, desviando-se demais das calmarias da Costa da África, veio dar com os costados no Brasil. Isto se lê em Mario da Veiga Cabral (História do Brasil — Curso Superior) e em muitos outros historiadores.
Ora, em Portugal, não há ninguém, absolutamente ninguém, que afirme tal fato. Todos os portuguêses são unânimes em dizer que Cabral fêz o descobrimento do nosso País em conseqüência de estudos especializados.
Todavia a carta de Caminha aí está para provar o contrário. Nela se fala em "achamento" de uma terra a que foi dado, por último, o nome de Brasil.

O Caramuru

Na costa da Bahia de Todos os Santos naufragou um navio que vinha de Portugal. Salvou-se Diogo Álvares, entre outros, que foram poupados pelos índios.
Ao vê-lo matar a tiro uma ave, os selvícolas, aterrorizados, gritaram: "Caramuru!" — que significava "homem do fogo, filho do trovão".
Nada mais errado: o apelido de Caramuru foi-lhe dado em virtude de um "peixe anguiliforme, espécie de moréia, de que talvez se lembrassem os índios ao ver Diogo, alto, magro, esguio. Leia-se O. de Souza Reis — "Noções de História do Brasil".
Souza Reis dá o episódio como lendário, o mesmo fazendo Rocha Pombo, entre outros, em sua "História do Brasil", o qual diz ter sido a lenda criada por Santa Rita Durão em seu livro "O Caramuru".

Cláudio Manuel da Costa e seu suposto suicídio

A atual Casa dos Contos, onde se teria suicidado o inconfidente Cláudio Manuel da Costa (que não era desembargador, segundo E. Frieiro), à época da Conjuração Mineira, como nos diz Feu de Carvalho em artigos publicados no "Minas Gerais" — março a abril de 1931 — era simplesme a "residência do ex-contratador João Rodrigues de Macedo, que aliás, morava com a família até 1802. Só no ano seguinte passou o prédio para o domínio da Fazenda Real, por adjudicação".
"A Casa Real dos Contratos, assim como outras casas ou repartições do serviço público, funcionavam então — 1789 — no Palácio dos Governadores, onde também havia quartel." Na Casa Real dos Contratos e não em outro local, foi que estêve prêso Cláudio Manuel da Costa.
Se só em 1802 o prédio passou para a Fazenda Real, como poderia ter Cláudio Manuel da Costa se suicidado na Casa dos Contratos?
Para o historiador Diogo de Vasconcelos, "Cláudio morreu no silêncio e no segrêdo em sua fazenda."

A execução de Tiradentes 

Quando Tiradentes foi executado, não ostentava mais longa barba e hirsuta cabeleira, raspadas, como de costume, na época, aos condenados à pena capital.
Todavia, nos desenhos que se vêem por aí (e mesmo aquela estátua em frente à Câmara dos Deputados, na Guanabara) aparece o proto-mártir da Independência barbado e de cabelos compridos.

Bárbara Heliodora não morreu louca

O historiador Joaquim Norberto de Souza e Silva, citado por Lúcio José dos Santos em "A Inconfidência Mineira" (p. 531), escreve que Bárbara Heliodora ficou louca e assim morreu.
Lúcio dos Santos desfêz essa lenda quando escreveu: "Temos notícia de que, a 9 de outubro de 1814, foi Bárbara Heliodora madrinha de um batizado, não podendo ser, portanto, uma louca.
Rodeada de todo o afeto, distraída pelos folguedos de quatro netos, passou Bárbara Heliodora os seus últimos anos em São Gonçalo do Sapucaí, aí falecendo a 24 de maio de 1819, aos 60 anos de idade, vítima de tuberculose pulmonar, moléstia de família". (p. 533)

O caso do Coronel Leitão

O caso do coronel Antônio de Oliveira Leitão, que apunhalou uma filha solteira por vê-la fazer sinais, no quintal, por meio de um lenço, para o namorado, é pura balela.
O coronel Leitão matou não uma filha solteira, mas casada (achando-se para dar a luz) e seu próprio genro.
Tratava-se de um indivíduo truculento, "fascinoroso e desaforado". Foi sentenciado e decapitado não só por ter assassinado a filha e o genro, como ainda por outros crimes, mortes, latrocínios, abusos e violências.
O caso pode ser lido no "O Diabo na Livraria do Cônego", de Eduardo Frieiro.

Anhangüera e o incêndio do rio

Escreve Diogo de Vasconcelos na sua "História Antiga das Minas Gerais": "O apelido de Anhangüera não provém do estratagema do fogo, como se tem dito e nem significa diabo velho.
O artifício, pelo menos, foi usado primeiro por Francisco Pires Ribeiro, nas matas do Paraná, onde reduziu pelo terror os índios ameaçados de verem seus rios incendiados.
O apelido foi dado por haver-se feito caudilho da tribo dos Anhangüeras, aos quais disciplinou e dirigiu na guerra contra os demais selvícolas."

Floriano e a resposta ao embaixador inglês

À página 113 das "Cartas de Inglaterra", Batista Pereira, genro de Rui Barbosa, desmente a conhecida exclamação de Floriano Peixoto, quando o embaixador inglês lhe foi perguntar como receberia a esquadra de seu país que desembarcasse os súditos de S. Majestade.

O "Bacoa"

No primeiro volume do seu "Diário Secreto", Humberto de Campos reproduz o que lhe contara Graco Cardoso, a respeito do ex-presidente de Sergipe, general Siqueira de Menezes que, nas festas de rua, quando a massa popular se comprimia junto dêle, arvorando-se em policial, costumava afastá-la, exclamando: — "Anda!...  Fasta!... Bacoa!... Bacoa!..."
Queria dizer: "Anda!... Afasta!... Evacua...".
Agora, em "Mocidade no Rio e Primeira Viagem à Europa", de Gilberto Amado, leio o mesmo episódio aplicado, porém, a Dionísio Teles, que foi Chefe de Polícia na administração daquele militar.
Afinal, quem é o "Bacoa": Siqueira ou Dionísio?

A FEB na Itália

O escritor e jornalista Tenente Gentil Palhares, que participou da campanha da Itália, escreveu, em seu livro "De São João Del Rei ao Vale do Pó", que "o corpo de Arlindo Lúcio fôra encontrado nas imediações de Montese, conjuntamente com outros dois brasileiros sepultados na encosta de um morro quando do ataque àquela cidade pelo 11 RI a 14 de abril de 1944."
"Encimando as sepulturas rasas que os alemães lhes deram, viam-se gravadas numa tabuleta, os seguintes dizeres: "DREI BRASILIANISCHE HELDEN".
Êsses brasileiros, tombados no cumprimento do dever, segundo Palhares, eram Arlindo Lúcio da Silva, Geraldo Rodrigues e Geraldo Baeta.

"Promoção de praças 'post mortem'

O cabo José Graciliano Carneiro da Silva, o soldado Clóvis Cunha Paes de Castro e o soldado Aristides José da Silva, integrantes de uma patrulha de reconhecimento lançada pelo Regimento Sampaio sôbre as posições inimigas do ponto cotado 720 na região de Precaria, no dia 24 de janeiro de 1945, portaram-se com evidente destemor na execução da missão que lhes foi confiada.
Custou-lhes a vida o cumprimento do dever. Êsse ato bastante dignificante impressionou o inimigo que, numa elegante afirmação de bravura dêsses elementos da FEB, testemunhou a sua admiração, gravando nos seus túmulos a seguinte inscrição:

"Três Heróis — Brasil — 24-1-45".
Este comando resolve, pois, promovê-los ao pôsto imediato, "post-mortem", como justa homenagem aos que bem souberam sacrificar-se pela pátria, com dignidade e bravura.
Ass. General Mascarenhas de Moraes."

A informação que deram a Gentil Palhares foi completamente errônea: trocados os nomes das vítimas, da Unidade (Regimento Sampaio e não Tiradentes), da região, da data do sepultamento e até dos dizeres da tabuleta ¹.
Devo acrescentar que, não me fiando muito na transcrição do documento citado por Paulo Vidal, estive no Arquivo do Ministério do Exército e lá pude constatar o acêrto do que foi publicado no Boletim Interno da 1ª Divisão Expedicionária da FEB de 26 de junho de 945.  ²

Muito e muito mais teria a contar se fôsse reproduzir aqui os erros, lendas e mentiras da nossa história.
Se episódios relativamente recentes, como por exemplo, a proclamação da República e mesmo outros, em que as personagens ainda vivem, não representam o que de fato aconteceu, que dirá o que se passou há séculos e séculos!
Enquanto uns copiarem servilmente o que outros escreveram, ao invés de procederem a penosas buscas em documentos idôneos, os acontecimentos nacionais não passarão de simples narrativas em que cada qual procura colaborar a seu modo, em prejuízo da cultura do País.

Fonte: "A Comunidade", órgão da Prefeitura Municipal de São João del-Rei, Ano I, nº 6, setembro de 1968, p. 1.


III.  BRAVOS! ESTOU COM LINCOLN DE SOUZA!!...

Gentil Palhares

 Leio, na edição passada de "A Comunidade", de que me honro ser colaborador, uma produção de Lincoln de Souza, escritor e poeta, em cuja colaboração faz êle referência à passagem épica que descrevo no meu livro "De São João Del-Rei ao Vale do Pó", intitulada "Três Heróis Brasileiros".
É a história tão singela quanto tocante aos bravos soldados do 11º RI — Arlindo Lúcio, Geraldo Baeta e Geraldo Rodrigues, — os quais, desaparecidos em ação, foram encontrados, depois, sepultados pelos alemães, trazendo suas sepulturas rasas o expressivo epitáfio em idioma dos nazistas: "Três Heróis Brasileiros".
Lincoln de Souza, à guiza de preâmbulos, cita outros casos torcidos do seu verdadeiro sentido real, fatos deturpados, aumentados ³ e o mesmo diz êle estar acontecendo com os três heróis da FEB. Afirma o citado escritor que o acontecido não se dera, para glória nossa, com o Regimento de sua terra natal, senão que se verificaria nas fileiras do Regimento Sampaio. Para o velho 11º nada, mas tudo para o Sampaio, triunfos, glórias, conquistas, a vitória, enfim! Desde que terminou a guerra foi essa luta, transformando-se em verdadeira rivalidade.
Eu aqui não estaria, entretanto, para dizer-lhe algumas palavras, não fôsse a parte final de seu escrito, quando êle diz: "Enquanto uns copiaram servilmente o que os outros escreveram, ao invés de procederem a penosas buscas em documentos idôneos, os acontecimentos nacionais não passarão de simples narrativas em que cada qual procura colaborar a seu modo, em prejuízo da cultura do País."
Até aqui estou com o escritor. E em que pese a boa intenção de muitos historiadores há algo mesmo digno de reparo, já nos fatos de nossa história, já em muitas lendas impingidas ao nosso povo.
Eu não vou, todavia, dar uma resposta a Lincoln de Souza. Quero deixar o caso entregue ao nosso Comandante, então Cel. Delmiro Pereira de Andrade, o qual assim se refere no seu livro "O 11º RI na Segunda Guerra Mundial", edição da Biblioteca do Exército. E diz êle no final do referido livro: 
"Entre os que figuram no cemitério de Pistoia estão os de nome Arlindo Lúcio, Geraldo Baeta, Geraldo Rodrigues, que foram encontrados sepultados na localidade de Zocca, lendo-se na cruz de sua sepultura "Três Heróis Brasileiros". Todos foram identificados como do 11º RI.
Presume-se que tenham sido feridos gravemente e conduzidos pelos alemães até Zocca, onde faleceram. O inimigo reverenciando-os tinha a certeza de que êles merecem essa consideração."
 
Eu narrei essa história tão exaltada quanto admirável para o 11º RI, não apenas no meu "De São João Del-Rei ao Vale do Pó", senão também em outro trabalho de minha autoria, a que intitulei "A Morte de Frei Orlando", título extraído das crônicas da obra. Antes de mim e depois de mim já não tem conta os que se expressaram sôbre o acontecimento verificado nas linhas do Regimento Tiradentes. Outra testemunha inconteste e na qual me estribei foi no Comandante do Pelotão de Sepultamento da FEB, Tenente Lafaiete Vargas Brasiliano, em entrevista concedida ao Diário de Notícias e transcrita no Diário da Tarde, de Juiz de Fora,  cujo arquivo está em meu poder. Depois de contar a história, diz êle na sua parte final:
"Eram três soldados do 11º RI, os de nome Arlindo Lúcio, Geraldo Baeta e Geraldo Rodrigues, reconhecidos pelas impressões digitais e pelas fotografias tiradas."
Trata-se, evidentemente, do depoimento de duas autoridades, no caso, o Comandante do 11º RI e o Tenente que comandava o Serviço de Sepultamento no Front. Se há distorção da verdade, eu errei com êles, o que custa-me crer, porque, repito, autoridades no assunto.
O que suscitou dúvida e vem trazendo controvérsia é pura e simplesmente uma questão de semelhança de fatos acontecidos, algo rotineiro nas guerras. O Sampaio teve, também, caso idêntico, três soldados que morreram heròicamente na linha de frente e que, post mortem, receberam suas promoções e justas citações. Mas não se trata dos três soldados desaparecidos das fileiras do 11º RI e que depois foram encontrados da forma já descrita. Não há relação com o feito de Zocca, quando o nosso assalto foi à cidade de Montese.
Essa questão de semelhança de fatos históricos ou lendários nós vamos encontrar nas próprias lendas de Lincoln de Souza, de que me honro ter uma edição em que aparece uma referência de minha autoria. Das doze lendas escritas por Lincoln de Souza, apenas quatro são completamente desconhecidas. Das oito restantes apenas há modificações nos nomes dos personagens e do cenário. Verdade ou mentira, senhor Lincoln de Souza? Êle abona as minhas palavras em "Vida Literária", senão vejamos: "As lendas 'O Retrato' é conhecida no Rio e Pernambuco. A 'Bisbilhoteira' — contada pelo compositor Almirante. 'A Mula Sem Cabeça' já Gustavo Barroso a contou alhures. 'A Missa das Almas' é lenda encontrada num trabalho de Cattleya-Alba. 'Defunto que o Diabo Levou' é muito conhecida em Aracaju, conforme atesta o poeta sergipano Freire Ribeiro. 'O Segrêdo' nós vamos encontrar no Decameron, de Boccacio. 'A Criança Desaparecida' é encontrada na obra de Feliciano Galdino, em lendas matogrossenses (1919), posto que diferente o título. 'O Cristo de Monte Alverne' há muito deixou de ser pura e simples lenda, porque Dr. Augusto Viegas, o decano dos nossos historiadores, encontrou documentos nesse sentido e provou que a imagem veio de Portugal, conforme se vê, também, dos arquivos da Ordem Terceira. Plágio? Plagiou Lincoln de Souza? Não... são apenas coincidências de fatos, nada mais...
Gustavo Barroso teve razão quando afirmou: "Cada dia vejo, nesse ponto, diminuir o patrimônio das nossas verdadeiras manifestações."
Eis, porque, linhas acima, eu afirmara estar com o escritor Lincoln de Souza, autor de "Contam Que..." quando diz êle mesmo: "enquanto copiarem servilmente o que os outros escreveram, (...) haverá prejuízo para a cultura do País." Bravos! Estou com Lincoln de Souza!!...

Fonte: "A Comunidade", órgão da Prefeitura Municipal de São João del-Rei, Ano I, nº 7, novembro de 1968, p. 7.


IV.  NOTAS  EXPLICATIVAS


 ¹  Aqui segue a imagem da cruz encontrada na Itália com a inscrição "3 tapfere Brasil 24-1-1945" (trad. 3 bravos Brasil 24-1-1945).


Local onde os 3 bravos foram enterrados em 1945 pelos Alemães


²  Tamanho foi o ato de heroísmo desses três soldados (seja lá quem for!) que os próprios inimigos, além de enterrarem os corpos brasileiros, ainda erigiram uma cruz sobre o túmulo com os dizeres: "3 tapfere Brasil - 24-1-45" (trad. 3 bravos Brasil - 24-1-45). Para Lincoln, tratava-se de reservistas do Regimento Sampaio. 
Por sua vez, o ato heróico dos três febianos que bravamente escolheram morrer lutando com suas baionetas a se render ao poderio dos soldados de Hitler é aqui comemorado por Gentil Palhares, como sendo soldados do 11º RI, o glorioso Regimento Tiradentes. Segundo este, encimava o túmulo dos três heróis do 11º RI os dizeres: "DREI BRASILIANISCHE HELDEN" (trad. três heróis brasileiros), louvando-se nas informações dadas pelo Comandante do 11º RI e pelo Tenente que comandava o Serviço de Sepultamento no Front.
À entrada do Regimento Tiradentes, à esquerda de quem entra, há um monumento composto de 4 pedras, guarnecendo um belo jardim, ao lado de um fuzil fincado ao solo com um capacete de aço, símbolo da morte ocorrida em combate. Nas pedras individuais frontais foi colocada uma placa com o nome dos três soldados nomeados por Gentil Palhares.



A pedra maior traz estampada a inscrição em homenagem aos três heróis brasileiros, soldados do 11º RI.



Crédito pela imagem: Pedro Paulo Torga da Silva



³  A partir deste ponto, lamentavelmente o texto de Gentil Palhares apresenta muitos equívocos de redação, desde palavras truncadas, erros gráficos e omissão de palavras até palavras incompletas e linhas fora de sua sequência normal. O que se lê nesta matéria exigiu da minha parte um esforço de reconstituição, resultado de meu exercício de lógica e busca do verdadeiro sentido.  

⁴  Nome de planta da família das orquidáceas, cujas flores são descritas como possuidoras de pétalas e sépalas branco-puro, apresentando no interior do tubo colorido amarelo. Nome assumido pela Confraria dos Bibliófilos Brasileiros que, por exemplo, editou Lendas Brasileiras, de Câmara Cascudo. 

⁵  Gentil Palhares extraiu esse trecho do livro "Vida Literária", de Lincoln de Souza, p. 123-126, que aqui transcrevo na íntegra para apreciação do leitor:
"LENDAS... — Não paro de decepcionar-me com as lendas que se dizem da minha terra natal — a velha, histórica e tradicional cidade de S. João del-Rei. Das doze lendas registradas em meu livro Contam que..., apenas quatro ficam ainda de pé,  — as demais fui encontrar em obras que depois li, ou ouvi narradas por amigos, como tendo ocorrido em outros lugares que não aquela cidade das Alterosas.
Senão, vejamos: O Retrato — essa lenda é contada aqui no Rio e em Pernambuco. A do Rio, narrou-me a senhora Carmen Braga, sogra de Almirante, o conhecido radialista, citando até o nome do padre que foi o protagonista da estranha aventura. Quanto à de Pernambuco (o caso ali se teria passado com um médico e não com um padre) devo-a ao meu prestimoso confrade J. Bandeira da Costa, do "Jornal do Brasil". A Bisbilhoteira, com pequena alteração, está nos arquivos de Almirante, não porém como lenda de S. João del-Rei. Há outra parecida (em vez de osso de defunto, um caixão mortuário), que se narra em Pernambuco, segundo ainda Bandeira da Costa. A Mula sem Cabeça — Gustavo Barroso, em O Sertão e o Mundo, registra-a no Brasil, na Bretanha e na China. A Missa das Almas figura nas Lendas Brasileiras — Cattleya Alba — 1945. O Defunto que o Diabo levou é conhecida em Aracaju como lenda local, ao que me disse o poeta sergipano J. Freire Ribeiro. O Segredo é uma variante do conto de Boccaccio, no Decameron: "O coração de Guilherme Guardastagno é servido como alimento à própria amante." O Senhor do Mont' Alverne há muito deixou de ser lenda: descobriram nos arquivos da Ordem dos Franciscanos que a imagem foi adquirida em Portugal, seu custo, etc. A mais bonita lenda que se diz de S. João del-Rei — A Criança Desaparecida é encontrada na obra de Feliciano Galdino — Lendas Matogrossenses (1919), sob o título A Princesa Branca do Vestido Azul.  
Restam quatro lendas, apenas: Chica-Mal-Acabada, O Sacrílego, O Irmão Moreira e A Casa da Pedra, que provàvelmente devem ser contadas também em outras partes do Brasil ou do exterior, dada a universalidade das manifestações populares nêsse particular.
Na sua obra, aqui citada, já dizia Gustavo Barroso: "Dia a dia, vou notando a origem européia e oriental das coisas folclorísticas, que julgava inteiramente nossas. Dia a dia, vejo, nêsse ponto, diminuir o patrimônio das nossas verdadeiras manifestações.
O mesmo digo eu no tocante às lendas da minha terra natal."
 
Verso da carteira de identidade 
de Lincoln Teixeira de Souza
Não devemos esquecer-nos de que quem faz essa confidência de elevada honestidade intelectual — de que deu prova inúmeras vezes — é o próprio Lincoln de Souza. No meu referido Discurso de Defesa do Patrono no IHG de São João del-Rei tive a oportunidade de desfilar a intelectualidade brasileira que tinha Lincoln de Souza em alta conta. Para refrescar a memória do leitor, permito-me transcrever abaixo apenas uma. Nada menos que o comentário que o historiador, antropólogo, advogado e jornalista brasileiro, Luís da Câmara Cascudo, escreveu, com muito menor rigor sobre CONTAM QUE... do que o faz o próprio autor. Recordo que Câmara Cascudo deixou 31 livros e 9 plaquetas sobre o folclore brasileiro, destacando-se no conjunto de sua obra o seu "Dicionário do Folclore Brasileiro". Eis a nota que este escreveu e enviou a Lincoln de Souza, sobre CONTAM QUE..., pérola do folclore brasileiro, respeitando a sua ortografia: 
"(Em papel timbrado com brasão "ex libris" com os seguintes dizeres: DUM SPIRO SPERO - LUIS DA CÂMARA CASCUDO)
Natal-RN, 30/03/1954: "Lincoln de Souza meu caro confrade

Seu delicioso, claro e agil CONTAM QUE... foi relido no Rio e trazido para agradecer-lhe em Natal. Sucedeu que pessoa da familia socializou o volume e levou-o, tornando agóra para ouvir discurso de desaforo e a significação da responsabilidade de não ter ainda enviado uma palavra afetuosa ao tão amavel autor. Esta é a explicação do silencio e nela o pedido para desculpar o retardamento de um abraço justamente merecido pela remessa que teve a bondade de fazer para o Hotel Gloria em setembro do ano passado. 

Do texto não ha sinão louvor e sonhos de continuação. Tudo ali me agrada, na linguagem lepida e nitida, na precisão vocabular fixando definitivamente o tema, o encanto das escolhas dos assuntos, as soluções terminais, enfim, a maneira, que será sinonimo de processo, de comunicação ao leitor na mesma intensidade emocional como sentiu o mineiro cheio de recordações e de lembranças de sua terra.

Quero agradecer-lhe e dizer que estimarei ter outros livros ou artigos seus no genero. As lendas de Minas Gerais bem mereciam um tomo que as sistematizasse na paisagem geral. Ha muita cousa publicada mas esparsa no meio de livros de historia. As lendas amariam ter o seu ambiente privativo, doce e ensopado de ternura contagiante, como tão bem sabe realizar o Lincoln de Souza. Para mim o essencial é a honestidade, o sentido de uma fidelidade simples à beleza da lenda que todos sabem e ninguem aprendeu nos livros. Esta fixação só pode ser feita por quem possua a coragem de ser claro e natural, segurando o demonio da complicação literaria pelas orelhas e não permitindo passo e vadêo no registo lendário. São justamente as suas virtudes de escritor, meu caro amigo. 

Aqui, nesta sua casa e muito cordialmente, às suas ordens.
Seu grato admirador e amigo
Ass. Luis da Camara Cascudo" 
Lincoln de Souza faleceu a 11 de agosto de 1969, portanto menos de um ano depois da publicação destas polêmicas NOTAS HISTÓRICAS.


V.  AGRADECIMENTO


Quero deixar aqui consignado meu agradecimento ao historiador e profundo conhecedor de música sacra, Sr. Aluízio José Viegas, e ao saudoso Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva por terem disponibilizado a imagem da carteira de identidade de Lincoln de Souza para a sua utilização nos meus trabalhos.


VI.  REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS


CINTRA, Sebastião de Oliveira: Efemérides de São João del-Rei, Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1982, 2 vol., 622 p.

Prefeitura Municipal de São João del-Rei: A COMUNIDADE, periódico mensal que circulou entre 1968 e 1971, num total de 30 edições.

SOUZA, Lincoln: Vida Literária, Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti - Editores, 1961, 169 p.