sexta-feira, 22 de setembro de 2023

INTERSECÇÕES DA LITERATURA GREGA MODERNA COM A HISTÓRIA E O PASSADO GREGOS: UMA BREVE DESCRIÇÃO

Por NEKTARÍA KLAPÁKI *

Tradução do inglês e cinco comentários por Francisco José dos Santos Braga

 
A primeira parte deste artigo é um esboço conciso de algumas das maneiras pelas quais a literatura grega moderna entrou em diálogo com a história e o passado gregos, do século XIX até o presente, seja através da idealização, helenização, supressão, invenção, negociação, crítica, seja através da reinterpretação e reinvenção. Ao longo destas linhas, o artigo entrelaça diferentes tópicos literários, ideológicos e históricos que ajudam os leitores a perceber que os assuntos examinados pelos artigos subsequentes desta Edição Especial ¹ não emergem do vácuo, mas constituem respostas para  ou foram motivados por desenvolvimentos concretos nos domínios da literatura, ideologia e história gregas modernas. A segunda parte do artigo delineia o foco, o âmbito, os objetivos, a abordagem e a metodologia específicos da Edição Especial, ao mesmo tempo que resume os principais argumentos e contribuições de cada um dos artigos individuais. (originalmente publicado in The Journal of Modern Hellenism, vol. 34, Edição Especial publicada em 10 de maio de 2019.)

Qualquer tentativa atual de argumentar que uma característica fundamental da literatura grega moderna é o seu diálogo persistente e quase incessante com a história e o passado gregos equivaleria a um clichê, levando em conta a considerável atenção acadêmica já dada às múltiplas manifestações, formas e configurações desse diálogo. A recriação imaginativa de períodos históricos, atores e eventos específicos por autores gregos modernos de romances históricos; os esforços feitos por poetas gregos modernos para aceitar o legado ambivalente do passado grego antigo e para reimaginar o seu significado para o presente; as tentativas dos autores gregos pós-modernistas de recuperar períodos da história grega esquecidos ou suprimidos da consciência histórica grega moderna, e o envolvimento dos dramaturgos gregos modernos com diferentes facetas e períodos da história grega  todas essas são apenas algumas das questões que têm sido extensivamente discutidas na importante literatura acadêmica.

Apesar do extenso número de páginas dedicadas às várias ligações, intersecções e entrelaçamentos da literatura grega moderna com a história e o passado gregos, o tópico específico não parece ter sido esgotado  ou, pelo menos, ainda não. Pelo contrário, continua a atrair a atenção acadêmica e também artística, como pode ser inferido da recente publicação do excelente volume coletivo intitulado Retelling the Past in Contemporary Greek Literature, Film, and Popular Culture, que foi co-editado por Trine Stauning Willert e Gerasimus Katsan. ²  Tal volume centra-se nas manifestações culturais da consciência histórica grega desde 1989. Os seus ensaios instigantes constituem uma contribuição significativa para a literatura existente sobre as expressões culturais da Grécia de hoje, enquanto a preocupação dos editores e dos colaboradores com questões da história e com o papel que o passado desempenha favorece a relevância contínua destas questões para as discussões sobre a identidade, literatura e cultura gregas modernas.

Esta Edição Especial procura contribuir para a discussão crítica das questões acima e para a produção acadêmica relevante. O seu ponto de partida é a observação de que, embora o diálogo da literatura grega moderna com a história e o passado gregos não seja de forma alguma exclusivo dela, mesmo uma rápida olhada no trabalho de alguns dos principais autores gregos modernos sugere que o seu envolvimento com a literatura grega é mais intenso  e, talvez, mais complexo  do que o de outros escritores. Isto é evidente, por exemplo, na preocupação quase compulsiva de vários autores gregos modernos com a história e o passado da Grécia antiga. ³ Como uma manifestação da relação assimétrica entre a Grécia antiga e a moderna que o culto ocidental e a idealização da Hélade fomentaram, o envolvimento desses autores gregos modernos com a história e o passado da Grécia antiga tem deixado uma marca indelével e profundamente ambivalente sobre o seu trabalho. Por um lado, o seu trabalho sugere que eles tratam a história e o passado da Grécia antiga como ativos para o presente grego. Por outro lado, a mesma história e passado antigos aparecem no seu trabalho como um fardo pesado e persistente do qual não podem se libertar, pois não podem superar nem ignorar um legado tão reconhecido internacionalmente.  Como fonte de sentimentos de orgulho e glória, mas também de ansiedade e atraso, a relação da obra dos autores gregos modernos com o passado grego antigo é, de fato, não apenas ambivalente, mas também inevitável, ao que parece. Pois, independentemente de abraçarem e perpetuarem ou, pelo contrário, criticarem e rejeitarem estereótipos que constituem a gloriosa história da Grécia antiga e seus ancestrais como contrapontos aos infames e degenerados descendentes da Grécia moderna, de uma forma ou de outra o seu trabalho aponta, em última análise, para a história da Grécia antiga, envolvendo o seu passado.

A preocupação quase obsessiva dos autores gregos modernos com a história da Grécia antiga mas também com a história grega, em geral deve ser atribuída ao fato de que, durante aproximadamente dois séculos, muitas das funções da literatura grega moderna e o seu papel na esfera pública grega moderna foram refletidas através das suas estreitas ligações com o moderno Estado-nação grego. O desenvolvimento da literatura grega moderna numa instituição no início da década de 1830  isto é, aproximadamente na mesma altura em que o Estado-nação grego moderno surgiu teve implicações significativas para ambas as entidades. A sua co-emergência significou que se tornaram mutuamente dependentes uma da outra e vinculadas aos mesmos objetivos. Estas aglutinaram-se principalmente em torno de ideais de continuidade (espaço-temporal); autenticidade, pureza e singularidade (etno-cultural); e homogeneidade (nacional), juntamente com a crença na missão providencial e no destino manifesto da nação grega moderna. Esta relação mutuamente constitutiva e recíproca entre a literatura grega moderna e o Estado-nação grego moderno transformou efetivamente a literatura grega moderna numa instituição nacional com laços estreitos com a ideologia nacional grega moderna.  Como instituição nacional, a literatura grega moderna priorizou o seu envolvimento com a história grega durante cerca de dois séculos  especialmente a história da Grécia antiga. Isto não significa que os autores gregos modernos não estivessem interessados noutros períodos, acontecimentos ou atores da história grega. Por exemplo, alguns dos primeiros romances românticos do estado grego moderno se passam nos primeiros anos do reino grego moderno independente, enquanto outros se concentram na história da Grécia pré-independente.  Além disso, o período do domínio otomano da Grécia aparece na obra de vários poetas românticos gregos, próximo à Guerra da Independência da Grécia e aos primeiros anos do reino grego moderno. No entanto, mesmo quando os poetas românticos gregos refletiam sobre acontecimentos muito recentes da história grega moderna ou sobre acontecimentos que lhes eram mais ou menos contemporâneos, ainda se sentiam compelidos a voltar o seu olhar para a história da Grécia antiga, a fim de iluminar os desenvolvimentos históricos mais recentes. Nesse sentido, a Guerra da Independência Grega foi tratada principalmente como um incidente que levou à palingenesia  isto é, à ressurreição da Hélade na forma da Grécia moderna.  O “Hino à Liberdade” (1823) de Dionysios Solomós é um caso bastante revelador, pois retrata a Liberdade como ressuscitada diretamente dos ossos dos antigos gregos. Tal abordagem revivalista da história da Grécia antiga informa a poesia grega do século XIX, especialmente durante a primeira metade do século XIX, embora manifestações desse impulso também possam ser encontradas no trabalho de seletos autores gregos do século XX.

Dionysios Solomós (1798—1857) foi o principal poeta romântico grego, mais conhecido por ter escrito "Hino à Liberdade" (hino nacional grego).

 

A abordagem revivalista dos poetas românticos gregos à história da Grécia antiga deve ser vista como a sua resposta aos discursos do Helenismo Romântico e do Filelenismo, que definiram a Grécia moderna como Hélade revivida, mas também à moderna ideologia nacional grega, que transformou o revivalismo num dos seus elementos constitutivos, especialmente nas suas fases iniciais. De acordo com Antónis Liákos:

Durante a fundação do novo estado, o mito constitutivo foi a ressurreição da mítica Fênix. O seu significado foi que a Grécia ressuscitou, como a mítica Fênix, depois de ter estado sob a domínio dos macedônios, dos romanos, dos bizantinos e dos turcos.¹
Uma consequência fundamental da predominância desta ideologia durante a primeira metade do século XIX foi a rejeição dos períodos pós-clássicos da história como essencialmente não-gregos. A ênfase na ligação direta entre a Grécia clássica e a moderna exigia que as fases entre estes dois períodos não constituíssem parte da história grega. ¹¹
 
A partir de meados do século XIX, o foco dominante na história da Grécia clássica que juntamente com o interesse intermitente pela história grega recente e contemporânea informou a literatura grega moderna historicamente orientada começou a alargar-se. Períodos como a Idade Média, até então excluídos da história e da ideologia nacional grega oficial, e das várias manifestações literárias e culturais da consciência histórica grega moderna, começaram a atrair a atenção dos romancistas gregos modernos, que situaram os seus romances nesse período. De O Senhor de Morea (1850), de Aléxandros Rízos Rangavís, a Papisa Joana (1866), de Emmanouil Roídis, para mencionar apenas dois exemplos, a Idade Média começou a aparecer na ficção grega do século XIX, servindo funções e objetivos bastante diversos que variavam do sério e nostálgico ao satírico.
 
A mudança para a Idade Média em obras selecionadas da ficção grega moderna coincidiu com uma mudança de paradigma na historiografia grega moderna que envolveu a apropriação e incorporação da história de Bizâncio na narrativa histórica nacional. Em resposta a Geschichte der Halbinsel Morea während des Mittelalters (1830), de Jakob Philipp Fallmerayer, onde ele rejeitou as origens raciais e culturais dos gregos modernos na Hélade com base na extinção do elemento grego pelas sucessivas invasões eslavas durante a Idade Média, os historiadores gregos modernos propuseram um modelo de continuidade histórica no lugar do modelo de renascimento existente. ¹² Como parte da seu esforço de reavaliar Bizâncio Helenizando-o, Spyrídon Zambélios inventou, em 1852, o termo “heleno-cristão”. Konstantínos Paparrigópoulos, por outro lado, com a sua volumosa História da Nação Helênica (1860-74), estabeleceu um esquema tripartite da história grega composto de três períodos  antigo, bizantino e moderno  que eram vistos como partes da história grega. um todo único e contínuo. Como resultado dos dois principais desenvolvimentos intelectuais acima, a síntese proposta do Helenismo com o Cristianismo e a teoria da continuidade tornaram-se um elemento básico da ideologia oficial grega moderna. ¹³
 
Da década de 1870 em diante, outras disciplinas também foram alistadas ao serviço da teoria da continuidade ao lado da disciplina de História. Entre elas foi central a disciplina de estudos do folclore grego, que surgiu, mais ou menos, como resultado dos esforços de um único indivíduo, Nikólaos G. Polítis. O modelo epistemológico de “sobrevivencialismo” que Polítis introduziu colocou ênfase nas tradições orais nativas  canções folclóricas, crenças, fábulas, parábolas e lendas  costumes e práticas rituais do povo grego moderno. Todos estes elementos do folclore grego moderno eram vistos como “um elo indispensável na cadeia de continuidade cultural que era percebida como remontando à antiguidade”. ¹ Ao referir-se às tradições folclóricas orais gregas modernas, Polítis usou a frase “monumentos da palavra”, uma formulação que sugere que ele os tratava como relíquias da antiguidade grega que sobreviveram no folclore grego moderno. ¹ Esta abordagem estava em consonância não apenas com a abordagem arqueológica de Polítis ao seu material, mas também com a orientação arqueológica dos estudos do folclore grego em geral, que consideravam o povo grego moderno presente como um reflexo da antiguidade grega.
 
Este impulso dos estudos do folclore grego informa implícita ou explicitamente a literatura grega do final do século XIX, especialmente os contos realistas com cenários rurais contemporâneos que foram escritos entre aproximadamente 1880-1900 no modo de escrita conhecido como “etnografia”. ¹ Vários dos representantes deste modo de escrita, que deu origem à escola de escrita epônima, responderam a um anúncio de 1883 do periódico Estía que solicitava aos autores que escrevessem histórias cujo “tema será grego, isto é, consistirá ou da descrição de cenas da vida do povo grego em qualquer um dos seus períodos históricos, ou da narração de um episódio da história grega.” Embora o anúncio de Estía convidasse os autores a inspirarem-se em qualquer período da história grega, a maioria dos que responderam ao apelo do periódico escreveram contos inspirados nas comunidades rurais gregas contemporâneas. Fizeram-no, contudo, tendo em vista o passado distante, retratando no processo o povo grego moderno com as suas tradições orais, crenças e costumes como estáticos e inalterados ao longo do tempo; principalmente, em termos semelhantes aos que Polítis imaginou  como uma relíquia congelada da antiguidade grega. ¹
 
Assim como os seus contistas contemporâneos, muitos poetas deste período também se inspiraram no material folclórico grego moderno, embora alguns deles tenham ido além deste material, inspirando-se em outros períodos da história grega. Destes poetas, Kostís Palamás escreveu poesia que justapõe e também sintetiza diferentes períodos da história grega  notadamente a antiga e a moderna  ao lado de diferentes tradições culturais, especialmente a clássica, a bizantina e a tradição folclórica grega moderna. Este impulso informa, por exemplo, seus longos poemas de escala épica O Dodecálogo do Cigano (1907) e O cachimbo de junco do imperador (1910). Inspirado na história bizantina dos séculos X e XIII, este último poema aponta para uma fusão do paganismo com o cristianismo, ao mesmo tempo que oferece uma síntese imaginativa da história grega antiga, bizantina e moderna. ¹  A síntese em grande escala que Palamás propôs foi retomada por vários de seus sucessores poéticos. Um deles foi Ángelos Sikelianós, cujas primeiras tentativas nesse sentido foram os primeiros quatro poemas filosóficos do Prólogo à Vida (1915-17) e o poema inacabado Páscoa dos Helenos. Esses primeiros esforços foram continuados na década de 1930 com uma série de poemas mais curtos, como “Caminho Sagrado” (1935) e “No Mosteiro de São Lucas” (1935), que reúnem elementos folclóricos gregos antigos, medievais e modernos. e combiná-los com conotações religiosas e místicas. ¹ Um impulso em direção a uma síntese de elementos gregos antigos, bizantinos e modernos também informa O Peregrino (1919), de Kóstas Várnalis, enquanto três anos depois A Luz Ardente (1922) se baseia na mesma ideia para sugerir que os deuses pagãos e o Deus cristão nada mais são do que construções imaginativas dos homens. ²
 
Kostís Palamás (1859-1943)



 
A síntese apresentada por Palamás e seus sucessores foi caracteristicamente evitada por K. P. Caváfis, um dos contemporâneos de Palamás. Embora uma parte considerável da poesia de Caváfis tenha sido inspirada na história e na cultura bizantinas, a atração de Caváfis por Bizâncio, ao contrário de Palamás, não serviu ao objetivo de uma síntese em larga escala da história grega. Como poeta da diáspora grega, que passou a maior parte de sua vida em Alexandria, Egito, Caváfis não tirou sua inspiração da era clássica de Atenas do século V a.C., que inpirou vários de seus contemporâneos atenienses que foram associados ao centro do Helenismo nacional. Em vez disso, Caváfis estava interessado no período da história grega, aproximadamente entre as conquistas de Alexandre, o Grande, e a queda de Constantinopla em 1453, embora sua preocupação com esses períodos não tenha girado em torno de "fatos" históricos. Como tem sido sugerido, “o que é representado, questionado e constantemente examinado nos poemas históricos de Caváfis não são os fatos da história ('O que aconteceu?'), mas a própria história ('Como a história é feita?').” ²¹ Neste aspecto, a poética histórica de Caváfis difere significativamente da poética de seus contemporâneos gregos, ao antecipar questões da história que informam a ficção grega pós-modernista de orientação histórica. A orientação do trabalho de Caváfis relativamente a períodos históricos específicos e sua abstenção de uma síntese em larga escala da história grega distinguem sua poesia não apenas das obras de Palamás e de seus herdeiros poéticos, mas também da dos principais representantes da chamada “Geração de Trinta.”
 
Konstantínos Pétrou Kaváfis (1863-1933)

 
 
O antigo passado grego que foi evitado por Caváfis informa, por exemplo, a obra de Giórgos Seféris, começando com História Mítica (1935), que abrange ambas as referências aos aspectos materiais da antiguidade grega, tais como estátuas fragmentadas e alusões aos mitos gregos antigos. Outros poetas desta geração, que se basearam em vários aspectos da antiguidade grega e do antigo passado grego, são Odysseus Elytis, Níkos Engonópoulos e Andréas Embiríkos, para mencionar alguns. Por outro lado, o passado bizantino tem realce no trabalho de alguns grandes romancistas desta geração, como, por exemplo, em Argo de Yórgos Theotókas (1933, 1936) e, mais extensivamente, no romance histórico de Ángelos Terzákis, Princesa Isabeau (1938/1945), que se concentra nas batalhas do século XIII dos gregos contra os cruzados. ²² Outros romancistas desta geração, particularmente aqueles associados à chamada "Escola Eólica", dirigiu seu olhar para eventos históricos mais recentes, como a Primeira Guerra Mundial e a Catástrofe da Ásia Menor, a fim de preservar o que eles consideraram como experiências coletivas historicamente significativas. Desde Vida no Túmulo (1924/1930) e Professora com Olhos Dourados (1933) de Strátis Myrivílis, até Número 31328 de Ilias Venézis (1924/1931) e Relato de um Cativo de Guerra (1929) de Stratís Doúkas, esses e outros testemunhos literários da Geração de Trinta testemunha os principais eventos traumáticos da história grega do século XX, ao mesmo tempo que aponta para o papel da literatura grega moderna em servir como um repositório de memória coletiva grega. ²³
 
As vidas bastante longas e as carreiras editoriais de vários membros da Geração de Trinta significavam que eles tinham experiência em primeira mão dos principais eventos da história grega do século XX, sobre os quais seu trabalho refletia. Vários poetas desta geração tiraram vantagem de suas experiências da Segunda Guerra Mundial em suas representações imaginativas desse evento. Desde Canção Heróica e Elegíaca para o perdido Segundo Tenente da Albânia (1945) de Odysseus Elytis até Grecidade (escrito em 1945-7; publicado em 1954), de Yiánnis Rítsos e o Diário de Bordo II (1944) e "Thrush" (1947) de Giórgos Seféris, para mencionar apenas alguns  a obra desses poetas imaginariamente revisita e recria as horríveis realidades históricas da II Guerra Mundial. ² Com muita frequência, a obra dos poetas acima combina eventos de guerra com elementos da tradição grega como uma maneira de oferecer uma mensagem de esperança e redenção, através das quais se superem as condições adversas. Durante os anos de guerra, as vozes dos membros da Geração de Trinta se juntaram às de poetas mais velhos, como Sikelianós com sua coletânea Akritiká ² (1942), bem como os mais jovens, como Manólis Anagnostákis, Títos Patríkios, Tásos Livadítis, Áris Alexándrou e outros poetas associados à esquerda grega. Ao contrário de seus colegas idosos, no entanto, os poetas mais jovens retratavam as duras realidades da Segunda Guerra Mundial em sua chamada poesia "social", sem se voltar para a tradição ou tentar oferecer mensagens de esperança em meio à crise. Quando a guerra terminou, os poetas da Geração de Trinta voltaram seu olhar para períodos anteriores da história grega  como a Idade Média, no caso do Diário de Bordo III de Seféris (1955)  ou levou a novas direções a ideia de sintetizar diferentes períodos históricos gregos, apresentados pela primeira vez por Palamás. Alguns exemplos proeminentes desse impulso incluem, por exemplo, o Áxion Estí ² (1959) de Odysseus Elytis e "Éngomi" ²(1955) de Seféris. Ao contrário, os chamados "poetas sociais" continuaram a refletir sobre a seguida Guerra Mundial e a guerra civil grega que se seguiu em sua poesia, empregando o mesmo estilo factual e sem adornos que haviam adotado anteriormente. ²
 
Giórgos Seféris (1900-1971), agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1963. / Crédito: Arquivo da Fundação Nobel

 
Odysseus Elytis (1911-1996) , agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1979 / Crédito: Arquivo da Fundação Nobel

 
Ambos esses eventos tiveram destaque na ficção publicada entre as décadas de 1940 e 1960. Continuando o legado de testemunhos literários da Escola Eólica entre guerras, os testemunhos ficcionais deste período também confundem a linha divisória entre fato e ficção. Ao mesmo tempo, levam o legado da Escola Eólica a novas direções através do seu envolvimento com diferentes períodos e eventos históricos, e também através do seu desenvolvimento de novas técnicas. Isto é evidente, por exemplo, no desenvolvimento do testemunho “documental” nos romances O Rio Amplo (1946/1973) e Itinerário de 1943 (1946/1976) de Yannis Beratis, que se baseiam respectivamente nas experiências do autor durante a guerra no front da Albânia e Épiro como membro da Liga Nacional Republicana Grega (EDES). Depois de Beratis, autores como Ródis Roufos, Níkos Kasdaglis, Aléxandros Kotziás e outros também exploraram as possibilidades de testemunhos “documentais”. Dos testemunhos sobre a Segunda Guerra Mundial publicados na década de 1960, a trilogia Cidades à Deriva (1960-5) de Stratís Tsírkas oferece um relato da guerra a partir da perspectiva da esquerda, enquanto a novela A Descida dos Nove de Thanásis Valtinós (1963) centra-se na Guerra Civil Grega. O trabalho de Valtinós é um exemplo de testemunho “oral”, como Terras de Sangue (1962), de Didó Sotiríu, a qual se concentra nos acontecimentos de 1922-3 e na campanha do exército grego na Anatólia. ²
 
Nas décadas de 1970 e 1980, o tema da guerra civil foi retomado por obras como o conto alegórico A Caixa (1974) de Áris Alexándrou e A Noiva de Aquiles (1987) de Álki Zéi, que cobre eventos históricos até a ditadura militar dos Coronéis. No entanto, os acontecimentos que ocuparam o centro da ficção e da poesia de orientação histórica deste período foram a ditadura militar e o episódio do Politécnico. Desde Cassandra e o Lobo (1977), de Margaríta Karapánou, Ouro de Tolo (1979), de Máro Doúka, e Usurpação de Autoridade, de Aléxandros Kotziás (1979), entre outros, e de Tales of the Deep (1983), de Jénny Mastoráki, até Hers (1985) de María Lainá, o os romances e a poesia deste período não só tratam de acontecimentos históricos muito recentes, mas também dão destaque às vozes das protagonistas femininas, de acordo com o surgimento vigoroso da escrita feminina na Grécia após 1974. ³
 
No início da década de 1980, a ficção grega historicamente orientada abraçou o modo de “metaficção historiográfica”, que combinou com outras técnicas, questões e preocupações pós-modernas num pós-modernismo grego em grande escala, especialmente a partir da década de 1990. Romances como História de uma Vendetta de Yórgis Yatromanolákis (1982) e A Vida de Ismail Ferik Pasha (1989) de Rhéa Galanáki são alguns dos primeiros exemplos desse modo de escrita, e foram seguidos por obras como I Shall Sign as Loui (1993) e Eléni ou Ninguém (1998) de Rhéa Galanáki, e A Cap of Purple (1995) de Máro Doúka, para citar apenas alguns. Este desenvolvimento teve repercussões significativas na forma como a ficção pós-modernista grega percebeu a sua relação com a nação grega moderna, a sua história e o passado grego, em termos gerais. A nação grega moderna e a história grega moderna aparecem na ficção pós-modernista grega, mas são tratadas de uma perspectiva que questiona noções aceitas sobre elas. Por exemplo, a idealização e a fixação na história da Grécia antiga e no passado da Grécia antiga identificada na obra de escritores românticos e modernistas estão ausentes da ficção pós-modernista grega. Quando os autores gregos pós-modernistas abordam o passado grego antigo, não o idealizam nem o tratam como evidência da ideologia nacionalista da continuidade histórica grega, mas tratam-no, antes, como uma mera alegoria para as realidades históricas gregas contemporâneas que o trabalho deles explora. Nesta linha, a ficção pós-modernista grega evitou o quase silenciamento de certos períodos históricos que caracteriza o trabalho dos autores gregos modernos que abraçaram a ideologia nacionalista da continuidade histórica. Conscientes de que certas épocas não receberam a mesma atenção que outras, os autores pós-modernistas gregos revisitam períodos negligenciados, como o do domínio otomano da Grécia, desafiando no processo noções aceites de identidade nacional grega e desmascarando a história oficial grega. Outra ideologia abordada criticamente pelos autores pós-modernistas gregos é o marxismo. Os autores pós-modernistas de esquerda empregam o modo da metaficção historiográfica para questionar não só as interpretações da direita, mas também as da esquerda, da história da guerra civil grega, abordando assim a questão pós-moderna mais ampla sobre os usos da história e o significado do conhecimento histórico.
 
Todos estes desenvolvimentos a partir da década de 1980, e especialmente a partir da década de 1990, sugerem que a literatura grega moderna está a emancipar-se gradual mas firmemente da sua estreita ligação ao Estado-nação grego moderno. De acordo com Vassílis Lambrópoulos, a partir do final dos anos 2000, a literatura grega moderna deixou de ser uma instituição nacional ligada à ideologia e aos objetivos do Estado-nação grego moderno. ³³  Este desenvolvimento está intimamente ligado ao fato de os autores gregos contemporâneos não estarem interessados em explorar aspectos da nação grega moderna homogênea, pura, única, autêntica, ou sublinhando a ideologia da continuidade histórica grega. Em vez disso, estão interessados em recuperar a voz do Outro dentro da nação grega moderna e em examinar o carácter diverso e heterogéneo da nação grega moderna através do uso de formas literárias mistas que se baseiam e combinam vários gêneros literários. ³ Portanto, depois de assumir o papel de instituição nacional durante aproximadamente dois séculos, a literatura grega moderna já não nutre tais aspirações, tendo a sua relação com o Estado grego moderno fechado um círculo. Este desenvolvimento abre novos horizontes para a literatura grega contemporânea, oferecendo a possibilidade de uma relação diferente com a nação grega moderna que reflete as realidades diversas e multiculturais da Grécia de hoje.
 
* Nektaría Klapáki é uma conferencista do Programa de Estudos Helênicos da Universidade de Washington, especialista em literatura e cultura modernas gregas e em ambas as áreas está desenvolvendo pesquisa.
 
Fonte PLAKÁKI, Nektaría. On the Intersections of Modern Greek Literature with Greek History and the Past. In The Journal of Modern Hellenism, Special Issue, vol. 34 (2019)
 

II. NOTAS EXPLICATIVAS
 
¹  N.T. Levando em conta a referência aos artigos da Edição Especial, abaixo é apresentada a tabela de conteúdos dos artigos a que a autora se refere: 
• Modern Greek Literature’s Intersections with Greek History and the Past: A Concise Outline 
Nektaría Klapáki 
Staging Transcultural Relations: Early Nineteenth-Century British Drama and the Greek War of Independence 
Alexander Grammatikós 
Cavafy’s Historical Poetics in Context: “Caesarion” as Palimpsest 
Tákis Kayalís 
Reading Andreas Kordopatis, Understanding History and Fiction in Thanásis Valtinós 
Anthony Dracópoulos 
Of Pretense and Preservation of the Self: Theater, Trauma, and (Post)memory in The Mother of the Dog by Pavlos Mátesis 
Gonda Van Steen 
History, Fidelity and Time in Rhéa Galanáki’s Novels 
Angie Voela 
 
²  Trine Stauning Willert and Gerasimus Katsan, eds., Retelling the Past in Contemporary Greek Literature, Film, and Popular Culture (Lanham: Lexington Books, 2019). 
³  Richard Clogg, A Concise History of Greece, 3rd ed. (Cambridge: Cambridge University Press, 2013), 2, cunhou o termo "ancestorite" para transmitir em inglês o significado do termo grego progonoplexia, que sugere a fixação dos Gregos modernos em seus ancestrais.
⁴  Dimítris Tzióvas, ed., Re-imagining the Past, 1.
Vassilis Lambrópoulos, Literature as National Institution: Studies in the Politics of Modern Greek Criticism (Princeton: Princeton University Press, 1988), discutiu as implicações do papel da moderna literatura da Grécia como uma instituição nacional para a moderna crítica grega.
Contudo, como observa Tzióvas, Re-imagining the Past, 17-8, um estudo de Aléxis Polítis sobre o uso de temas gregos antigos em romances modernos entre 1790-1900 sugere que uma notável exceção a esta tendência é a ficção grega do século XIX, na qual a preocupação com a antiguidade grega em geral está visivelmente ausente.
Para o foco dos romances românticos sobre a Guerra da Independência Grega e sobre a história grega contemporânea, ver Henri Tonnet, Histoire du Roman Grec (Paris: Ed. L'Harmattan, 1996) em tradução grega de Marína Karamánou como Ιστορία του ελληνικού μυθιστορήματος (Atenas: Patáki, 1999), 102-6. 
Sobre o status ambivalente da Guerra da Independência Grega na historiografia grega moderna, ver Élli Skopetéa, Το «πρότυπο βασίλειο» και η Μεγάλη Ιδέα: Όψεις του εθνικού προβλήματος στην Ελλάδα (1830-1880) (Athens: Polytypo, 1988), 205-8. [Tr. O "reino modelo" e a Grande Ideia: Aspectos do problema nacional na Grécia (1830-1880)]
Roderick Beaton, “Antique Nation? ‘Hellenes’ on the Eve of Greek Independence and in Twelfth-century Byzantium,” Byzantine and Modern Greek Studies 31, nº 1 (2007): 85. 
¹ Antónis Liákos, “Hellenism and the Making of Modern Greece: Time, Language, Space,” in Hellenisms: Culture, Identity, and Ethnicity from Antiquity to Modernity, ed. Katerina Zacharia (Aldershot: Ashgate, 2008), 204.
¹¹  Em muitos casos, o apagamento sistemático das marcas dos períodos pós-clássicos da história grega da consciência grega moderna e da memória pública tomou a forma de um processo de purificação patrocinado pelo Estado. Sobre a purificação da Acrópole, por exemplo, ver Effie F. Athanassopoulou, “An ‘Ancient’ Landscape: European Ideals, Archaeology, and Nation Building in Early Modern Greece,” Journal of Modern Greek Studies 20, nº 2 (2002): 273-305.
¹²  Sobre a teoria de Fallmerayer, ver Skopetéa, Το «πρότυπο βασίλειο» και η Μεγάλη Ιδέα..., 165-6, 171, 173-4.
¹³ Sobre o papel da historiografia, e especialmente sobre a obra de Zambélios e Paparrigópoulos, em relação à teoria da continuidade, ver Skopetéa, ibid., 175-89.
¹Roderick Beaton, An Introduction to Modern Greek Literature (Oxford: Oxford University Press, 1994), 71. Sobre estudos do folclore grego em relação à teoria da continuidade, ver Skopetéa, ibid., 194-6.
¹Sobre a frase de Polítis “monumentos da palavra”, ver Álki Kyriakídou-Néstoros, Η θεωρία της ελληνικής λαογραφίας. Κριτική ανάλυση, 3rd ed. (Athens: Etaireía Spoudón Neoellinikoú Politismoú kai Genikís Paideías, Idrytis: Scholí Moraïti, 1986), 66-7, 89, 97,158-9.
¹  Roderick Beaton, An Itroduction..., 70. 
¹⁷  Cf. Henri Tonnet, ibid., 150.
¹⁸  Roderick Beaton, An Introduction..., 86-90.
¹  Ibid., 90.
²  Ibid., 115.
²¹  N.T. Em 03/12/2019, o Blog do Braga publicou a minha tradução de MORTE DE UM JOVEM, por Kostís Palamás, além da BIOBIBLIOGRAFIA DE KOSTÍS PALAMÁS, de minha autoria. 
De Kaváfis, publicou em 08/07/2017 a minha tradução e comentários sobre À ESPERA DOS BÁRBAROS.
Além desses posts, há neste blog uma enorme variedade de textos de autores gregos (Kikí Dimoulá, Leftéris Papadópoulos, Maria Iordanídou, os economistas Geórgios Adalís e María Negrepónti-Delivánis, o filósofo Stélios Rámfos, etc. etc.) traduzidos por mim para o português.
²²  Roderick Beaton, “The History Man,” in “C. P. Cavafy: Special Double Issue,” ed. Margaret Alexiou, Journal of the Hellenic Diaspora 10, nº 1-2 (1983): 31.
²³  Sobre esse romance histórico de Terzákis, ver K. A. Dimádis, Δικτατορία, πόλεμος και πεζογραφία (1936-1944) (Athens: Estia, 2004), 53-92.
²  Sobre os supracitados testemunhos de Doúkas, Venézis e Myrivílis, ver Mario Vitti, Η γενιά του Τριάντα: ιδεολογία και μορφή (Athens: Ermis, 1989), 244-67.
Sobre a II Guerra Mundia em relação à poesia de Seféris, ver Roderick Beaton, George Seféris (Bristol: Bristol Classical Press, 1991), 53-4.
²  Sobre a II Guerra Mundial em relação à poesia de Seféris, ver Roderick Beaton, George Seféris (Bristol: Bristol Classical Press, 1991), 53-4.
²  N.T. Poemas escritos por Ângelos Sikelianós em homenagem a Digenís Akrítas, o mais conhecido dos heróis de canções e protagonista de uma longa obra narrativa dos séculos XI-XII, conhecida como Epopeia de Digenís Akrítas. De acordo com o mito, Digenís Akrítas foi um dos guardas das fronteiras bizantinas.
A narrativa épica de Digenís Akrítas é o mais antigo monumento literário escrito da língua vernácula grega medieval, que tem sido considerada a obra que marca o início da literatura grega moderna. Narra a origem de Digenís, sua infância, suas façanhas heróicas e sua morte.
²  N.T. Longo poema em que o orador explora a essência do seu ser, bem como a identidade do seu país e povo. Este poema, musicado por Míkis Theodorákis, tornou-se imensamente popular e ajudou Elytis a ganhar o Prêmio Nobel.
O termo Áxion Estí se refere ao grande hino da Virgem Maria, que é cantado nos templos ortodoxos após a 9ª Ode dos Cânones e na Divina Liturgia imediatamente após a consagração dos Santos Dons. Também é o nome dado ao ícone da Mãe de Deus (Theotókos), diante do qual, segundo a tradição, o hino foi revelado.
²  N.T. O poema Éngomi integra a coletânea Diário de Bordo III, que é caracterizado pela profunda saudade da Grécia, durante a estada de Seféris na ilha de Chipre. Em inúmeros poemas da coletânea, o título claramente denota Chipre, como se vê em vários topônimos cipriotas: é este o caso de Éngomi, subúrbio e municipalidade de Nicósia, Chipre. O poema é o resultado da experiência cipriota do poeta, onde se pode identificar um cenário com destaque para a história e a mitologia, uma vez que Seféris faz uso de fontes lendárias e históricas.
²  Para uma mais detalhada discussão desses desenvolvimentos, veja Roderick Beaton, An Introduction..., 180-98.
³  Vários dos supracitados testemunhos são discutidos por Peter Mackridge, “Testimony and Fiction in Greek Narrative Prose, 1944-1967,” in The Greek Novel: A.D. 1-1985, ed. Roderick Beaton (London: Croom Helm, 1988), 90-102.
³¹  Sobre as supracitadas obras de Mastoraki and Laina e, mais geralmente, sobre a poesia da Geração de Setenta escrita por mulheres, ver o estudo por Karen Van Dyck, Kassandra and the Censors: Greek Poetry since 1967 (Ithaca: Cornell University Press, 1998), 175-256.
³²  Sobre o supracitado e outros aspectos da ficção pós-modernista grega, ver o estudo por Katsan, History and National Ideology.
³³  Sobre a supracitada e outros aspectos da ficção pós-modernista grega, ver o estudo por Gerasimus Katsan, History and National Ideology in Greek Postmodernist Fiction.
³  Vassilis Lambropoulos, “Η ιστορία απέναντι στη λογοτεχνία”, Vivliothiki, the weekly literary supplement of the Greek daily Eleftherotypia, February 8, 2008, 17.
³  Ibid., 18.

 
III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
 
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Liakos, Antonis. “Hellenism and the Making of Modern Greece: Time, Language, Space.” In Hellenisms: Culture, Identity, and Ethnicity from Antiquity to Modernity, edited by Katerina Zacharia, 201-36. Aldershot: Ashgate, 2008. 
 
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Van Steen, Gonda. Stage of Emergency: Theater and Public Performance under the Greek Military Dictatorship of 1967-1974. Oxford: Oxford University Press, 2015. 
 
Vitti, Mario. Η γενιά του Τριάντα: ιδεολογία και μορφή. Athens: Ermis, 1989. 
 
Willert, Trine Stauning & Katsan, Gerasimus, eds. Retelling the Past in Contemporary Greek Literature, Film, and Popular Culture. Lanham: Lexington Books, 2019.

sábado, 16 de setembro de 2023

FILME “UM ASSUNTO DE MULHERES” COMPLETA 35 ANOS


Por Francisco José dos Santos Braga 
 
Claude Chabrol (✰ Paris, 24/06/1930 - ✞ 12/09/2010)

 I. INTRODUÇÃO

Lançado no Brasil com o título Um assunto de mulheres (em inglês, Story of women), Une affaire de femmes é um filme de longa-metragem austro-francês de 1988, do gênero drama e histórico, dirigido por Claude Chabrol e baseado em fatos reais da vida de Marie-Louise Giraud (1903-1943), mulher de baixa escolaridade, representada por Marie Latour pelo cineasta. Trata-se de uma história verídica contemporânea da II Guerra Mundial transcorrida na região de Cherbourg-Octeville, no interior da França ocupada pelos nazistas. Sua história foi dramatizada por Claude Chabrol no filme que teria sido uma adaptação dum livro homônimo do advogado Francis Szpiner, publicado pelas Éditions Balland em 1986, e que teve ainda a colaboração da célebre roteirista britânica Colo Tavernier O'Hagan (✰ Guilford, Surrey, 30/07/1942 - ✞ Paris, 12/06/2020).
 
 II. SINOPSE 
 
Não podendo contar com o dinheiro permanente do marido, Paul Latour (François Cluzet), que voltou para casa em 1941 como inválido de guerra devido a ferimento e não consegue emprego fixo, Marie Latour (atriz Isabelle Huppert) não sente mais amor por seu marido e passa a  repelir com agressividade suas investidas sexuais. 
 
[SANCHEZ, 2017] descreve de forma muito precisa as dificuldades de fundo emocional e de comportamento sexual por que passa o casal:
Paul fora um homem que, querendo ou não, certo ou errado, voltou marcado da guerra em que estivera. Seja quem ele tivesse sido antes da guerra, agora já não existia mais. Ele agora demonstra extremo carinho pelas figuras dos filhos, fazendo o possível para estar sempre próximo deles, e uma atração demasiada pela esposa. Apesar de suas investidas, Marie parece sentir repulsa do marido. Sexo com sua esposa já não era mais uma realidade para Paul. Em determinado momento, Paul aborda, de surpresa, a esposa em uma rua vazia no meio da noite, tentando coagi-la a fazer sexo com ele. A mulher se desvencilha de seus braços, reiterando a palavra: “Jamais! Jamais!”.
Resta apenas a ela o próprio sustento e de seus dois filhos: Mouche (Aurore Gauvin, bebê, e Lolita Chammah, menina) e Pierrot (Guillaume Foutrier, bebê, e Nicolas Foutrier, menino).
 
 
Neste ínterim, uma vizinha judia, Ginette (Marie Brunel), moradora do mesmo edifício em que Marie reside, sem o apoio do marido que tinha sido levado à Alemanha dentro do programa governamental do S.T.O. (Serviço do Trabalho Obrigatório), através do qual a Alemanha nazista impôs ao governo Vichy a sua implementação em vigor desde junho de 1942 a julho de 1944, para tentar compensar a falta de mão de obra alemã devido ao envio de um grande contingente de soldados alemães para o front Leste. ¹ Achando-se grávida e temendo o pior para seu feto, Ginette pede a Marie que provoque o seu abortamento, o que seria feito mediante a inserção no útero de água quente misturada com sabão. Marie se presta a abortadora, atendendo pedido de Ginette. Esta, agradecida, lhe dá uma vitrola portátil e um pedaço de sabão como recompensa. Quando seu marido Paul lhe pergunta o motivo do presente, Marie lhe responde que se trata de um reembolso por "um serviço de mulheres". Ginette sabia que Marie gostaria mesmo é de ser cantora e trabalhar como dançarina em palcos de teatros. Mas, pelo menos, ao som da vitrola, pensava Ginette , elas poderiam cantar e dançar juntas, até que um dia a própria Ginette desapareceria com destino à Alemanha, por ser judia, com a anuência do governo colaboracionista de Vichy. Quanto à Marie, a partir dessa experiência bem sucedida, passa a praticar rotineiramente o aborto clandestino em outras mulheres por duas razões: existe procura e ela pode usar o dinheiro para melhorar de vida. Prospera como abortadora com a clientela que lhe é enviada por Lucie apelidada "Lulu", a prostituta (Marie Trintignant). 
 
Marie e Lulu, a prostituta

[
id., ibid., 2017] resume excelentemente a mudança verificada na personalidade de Marie a partir daquele encontro:
Em determinado momento em um bar, Marie conhece uma prostituta que a indaga sobre sua vida cautelosa e sem emoções. Marie então diz que, apesar das aparências, não é uma mulher comum, afirmando burlar as regras fazendo abortos esporádicos. Logo as duas desenvolvem um laço de amizade, onde uma iria elevar a outra. Os abortos, que Marie se gabara para a prostituta até então, na realidade, fora apenas um caso único. Entretanto, a mentira contada virará uma realidade quando começam a chegar mulheres desesperadas à sua porta pedindo a ajuda de Marie em troca de uma quantia razoável de dinheiro. Marie não hesita e começa a dar vida a uma 'persona' extra em sua rotina, essa muito mais interessante. Marie começa a ganhar quantias relevantes de dinheiro, mudando do casebre em que estava alocada para um lugar muito melhor e mais cômodo ². Ali, decide, também, começar a alugar apartamentos para prostitutas...
Nesta altura, seria interessante perguntar qual é a reação de Paul com as múltiplas mudanças perceptíveis na personalidade de sua esposa. De novo, [id., ibid., 2017] tem a resposta pronta:
(...) Paul percebe a figura de sua mulher mudada, o homem já não reconhecia a esposa diante da qual se achava. A mulher agora emanava uma confiança demasiada em comparação com aquela figura passiva que Paul conhecera antes da guerra. Paul jamais iria ter o controle sobre sua casa novamente; Marie era quem reinava em absoluto agora.

Quando melhora de vida fazendo abortos e alugando quartos de sua nova casa para prostitutas, Marie planeja uma forma de saciar o apetite sexual de seu marido e de ver-se livre de suas investidas sexuais; para isso contrata secretamente os serviços sexuais de sua empregada, Fernande (Evelyne Didi). Ao mesmo tempo, essa situação irá possibilitar que Marie fique livre para encontrar satisfação plena com seu belo amante jovem, Lucien (Nils Tavernier), cliente de sua amiga Lulu, a prostituta. Inevitavelmente, Marie dá início a uma rotina de traição conjugal com esse jovem elegante, não se envergonhando das demonstrações públicas desse amor adúltero, fogoso e sem freios. Pelo contrário: Marie não sente qualquer empatia com a "dor de corno" do seu marido Paul; as humilhações dele se avolumam não só pelas manifestações públicas desse amor de sua esposa por Lucien, mas também pelo acréscimo visível à renda dela graças ao novo amante, que, segundo se diz, trafica com os alemães. 

Já se encaminhando para o final do filme, há um trecho em que o procedimento de aborto não tem o final feliz esperado e a paciente morre. Marie recebe, a seguir, a visita nada oportuna de familiares da falecida: sua jovem irmã acompanhada de dois dos filhos agora órfãos. Apesar da situação constrangedora, Marie não se faz de rogada. Inicialmente, a moça visitante não a ameaça; apenas vem ali à sua presença para comunicar-lhe o desfecho fatal de sua irmã, que morreu de septicemia quinze dias após a intervenção. Se isso não bastasse, comunica à Marie que as duas crianças que a acompanham, estão órfãs de pai também: diante da infecção generalizada da esposa, ele comete o suicídio, atirando-se na frente de um trem. Quanto à possibilidade de as duas crianças estarem ouvindo o teor da conversa, diz para Marie não se preocupar: o menino era surdo de nascença e a menina era pequena demais para captar o sentido das palavras. Entretanto, acha conveniente não deixar de advertir Marie para o perigo que estava correndo com a sua atividade ilegal de praticar abortos.  Esclarece que não pretende acusá-la perante as autoridades, mas indaga a ela se não percebe que, com seus abortos, está cometendo um crime contra as almas das crianças impedidas de nascer. Marie não responde diretamente à pergunta; apenas tenta mostrar que se colocara à disposição da paciente em caso de qualquer complicação no procedimento realizado e que não tem culpa se a paciente não retorna para queixar-se do incômodo. A honradez e a dignidade da visitante contrastam inteiramente com a arrogância e insolência de Marie, especialmente perceptível para o espectador que assiste à cena que vem a seguir. Mesmo diante do desfecho fatal da paciente, a moça se dispõe a quitar a dívida pendente da irmã pelo procedimento que resultou na sua morte. Marie não se acanha de  pegar a paga sem cerimônia, a despeito da situação dolorosa para os familiares. 
 
A respeito dessa passagem, [id., ibid., 2017] faz a seguinte apreciação nada lisonjeira sobre o comportamento de Marie:
Veremos a seguir a construção de uma mulher poderosa, demonstrando uma frieza incomum no cerne de sua pessoa. Sua preocupação com as pessoas ao seu redor é praticamente nula, com exceção do carinho com seus filhos. Em determinado momento, uma de suas clientes acaba morrendo em consequência do aborto. Marie é abordada por um dos familiares, mas não demonstra maiores preocupações fora aquelas com a sua própria liberdade, aceitando até o dinheiro do familiar.
Ultimamente, após os encontros não tão furtivos com seu amante, Marie volta para casa e acha seu marido ou a ensinar a lição aos filhos ou a montar umas "colagens", que, em seu parco entendimento, são ingênuas e das quais não desconfia. De fato, é demais para Paul tolerar um belo Lucien, que trafica com os alemães. Está decidido: ele está montando uma peça acusatória de prática de abortos clandestinos em que vai denunciar sua esposa Marie às autoridades francesas como avorteuse (abortadora, em francês).



Em outra oportunidade, há uma cena no filme, em que Marie, de volta à casa, põe-se a ridicularizar o lema "Trabalho, Família, Pátria" de uma sociedade que ela considera hipócrita e moralizante. E acrescenta: "Quando um país está gangrenado, a gente secciona o membro gangrenado". Marie acha também uma forma de amenizar sua conduta imoral de "faiseuse d'anges" (literalmente "fazedora de anjos", gíria francesa para "abortadora"), minimizando o que ela faz quando comparado com aquilo que o regime de Vichy oficialmente encobre, isto é, de "fazer vista grossa" para as milhares de crianças que são enviadas à Alemanha para não se sabe o quê. Esses mesmos conceitos ela vai reiterá-los perante o tribunal de exceção que irá julgá-la.

O processo 
 
Desde setembro de 1941, o regime de Vichy, conduzindo uma política natalista, associa o aborto a um ataque contra o Estado e o povo francês. 
Marie vai ser julgada por um tribunal de exceção, de 7 a 9 de junho de 1943.
O rito é sumário.
O juiz dirige-se a Marie: Ça ne devrait pas durer trop longtemps. Accusée, levez-vous! (Tr. Isso não deveria durar tanto tempo. Acusada, levante-se!
 
Capitulação legal no Direito Penal: Vu les articles 59, 60, 317, et 319 du code pénal, la loi du 13.08.1941, du 15.02.1942, du 24.07.1939 et du 7.09.1941, le tribunal, après avoir délibéré, déclare coupable l'accusée des faits reprochés et la condamne à la peine de mort. (Tr. Tendo em vista os artigos 59, 60, 317 e 319 do Código Penal, as leis de 13/08/1941, de 15/02/1942, de 24.07.1939 e de 07/09/1941, o tribunal, após ter deliberado, declara culpada a acusada dos fatos reprovados e a condena à pena de morte.)
Il n'a pas signé le recours en grâce. (Tr. Ele não assinou a petição de clemência.)
Bien sûr, puisqu'il avait signé la demande de condamnation. (Tr. Claro, já que ele assinou o pedido de condenação.)
 
Ordem do juiz: Gardes, emmenez-la! L'audience est terminée. (Guardas, levem-na! A audiência está encerrada.)

 
No julgamento, o Presidente da corte sublinhou a “imoralidade” da acusada. Vinte e sete mulheres utilizaram os serviços de Marie. ³ Segundo o Advogado-Geral, a pena de morte era “necessária” no caso de Marie. A corte, após deliberação, segue a acusação e declara que Marie está sendo condenada à morte pelo Tribunal de Estado, seção de Paris, por ter realizado 27 abortos na região de Cherbourg. Só um perdão presidencial poderia salvar-lhe a vida, mas o marechal Pétain recusou-se a comutar a pena. Para exemplo, Marie foi executada em 30 de julho de 1943 às 5h25min da manhã no pátio da prisão de Petite Roquette, em Paris. Marie foi decapitada pelo carrasco Jules-Henri Desfourneaux.

Frases marcantes do filme 
 
La France doit retrouver de toute urgence sa morale. (Tr. A França precisa reencontrar com urgência sua moral.)
La France est devenue une gigantesque basse-cour. (Tr. A França se tornou um gigantesco galinheiro.) 
Certaines femmes ne se font pas à la solitude. (Tr. Certas mulheres não são feitas para a solidão.) 
Moi, je veux devenir chanteuse. (Tr. Quero tornar-me cantora.)
À Paris? (Tr. Em Paris?) 
Tiens, c'est une médaille de première communion. (Tr. Ei, esta é uma medalha de primeira comunhão.)
"Je vous salue Marie, pleine de merde, le fruit de vos entrailles est pourri", exclama sacrilegamente Marie Latour, antes de ser executada.
 

III. NOTAS EXPLICATIVAS
 
¹  A França foi o 3º fornecedor de mão de obra forçada do Reich depois da URSS e da Polônia e foi o país que lhe deu os operários mais qualificados. No livro Nascer Inimigo: Crianças de casais franco-germanos nascidos durante a II Guerra Mundial, seu autor Fabrice Virgili, depois de quase 10 anos de pesquisas, garante que, entre 1941 e 1949, dezenas de milhares de crianças nasceram, na França, de pai alemão soldado depois prisioneiro de guerra, ou na Alemanha, de pai francês prisioneiro depois soldado da zona francesa de ocupação. Crianças nascidas inimigas.
A privação econômica, a escassez de alimentos e a separação de um grande número de casais (1,9 milhões de prisioneiros de guerra franceses internados na Alemanha) levaram a que as gravidezes fora do casamento ou não diminuíssem, mas houve uma maior procura de abortos, frequentemente para as vítimas de relações forçadas com a força ocupante. Portanto, a Lei de 15 de fevereiro de 1942 tornou o aborto um crime contra o Estado, punível com pena de morte. A lei foi revogada após a Libertação.

²  Consta que Marie, com as rendas obtidas com abortos, alugou um hotel cujos quartos eram reservados a prostitutas.

³ Consta que várias dessas mulheres eram esposas de prisioneiros que, tendo-se consolado com soldados alemães bem abastecidos, temiam a ira dos seus maridos quando regressassem. 

 
IV. BIBLIOGRAFIA 
 
 
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KESLASSY, Elsa: Colo Tavernier O'Hagan, Screenwriter of 'Fresh Bait,''Round Midnight,' Dies, Variety Media, edição de 14/06/2020 
 
LE MAGUET, Mireille: Une "faiseuse d'anges" sous Vichy: le cas Marie-Louise Giraud, Institut d'études politiques de Grenoble, Saint-Martin-d'Hères, 1996, 128 p. (Memória) 
 
SANCHEZ, Ricky: Crítica: 'Um Assunto de Mulheres' (1988), de Claude Chabrol, Cinefilia Incandescente, edição de 02/02/2017 
 
SZPINER, Francis: Une affaire de femmes: Paris 1943, exécution d'une avorteuse, Paris, Éditions Balland, 1986, 221 p. 
 
WIKIPEDIA: verbete Affaire Marie-Louise Giraud