sábado, 25 de novembro de 2017

CRÔNICA DO XIX ENCONTRO DE CORAIS DE SANTOS DUMONT


Por Francisco José dos Santos Braga



 I.  PREÂMBULO

Seminário Seráfico Santo Antônio localizado 
no km 1 da BR 499 em Santos Dumont-MG


Preliminarmente, cabe dizer algumas palavras sobre o Seminário Seráfico Santo Antônio, local onde teve lugar o XIX Encontro de Corais de Santos Dumont, no dia 18 de novembro de 2017. É por dever de justiça que louvo não só a monumental obra de reforma que se verificou nas dependências do Seminário, adaptado que foi para acolher encontros, reuniões e simpósios, depois da modernização e padronização dos alojamentos levadas a cabo nos últimos anos, mas também melhorias na estrutura física para maior conforto dos hóspedes. Com essa modernização do Seminário, este, além de uma casa de formação de seminaristas, também passou a se prestar a encontros e ser referência como Casa de Encontros de Espiritualidade Franciscana, especialmente para leigos.

A respeito da capela do Seminário Seráfico, tenho a dizer que ela sofreu modificações com a aplicação de magníficos vitrais e revestimento acústico para evitar a reverberação e melhorar a audição dos cantos litúrgicos. Na sacristia da referida capela, há um vitral muito bonito de Cristo Rei com coroa de espinhos, recolhido da capela interna da clausura do Ginásio Santo Antônio de São João del-Rei, possivelmente trazido da Holanda, nos tempos áureos do educandário são-joanense, antes da ocorrência do incêndio verificado em 31 de maio de 1968.

Vitral de Cristo Rei na capela do Seminário Seráfico 
- Crédito pela imagem: Rute Pardini

Nos Encontros anteriores sempre abordei algum aspecto distintivo do Seminário. Desta vez, acho conveniente tratar brevemente da história do Seminário. Começou a tomar corpo na Província a ideia de se criar um seminário seráfico em 1923, quando frei José de Haas fundou o primeiro colégio seráfico, na cidade de Araçuaí. Entretanto, o seminário passou por várias dificuldades, sofrendo diversas transferências até conseguir sua localização definitiva. Em 1924, o colégio seráfico foi transferido para o Ginásio Santo Antônio de São João del-Rei; no ano seguinte para Divinópolis e, em 1931, para a cidade de Taquari, no Rio Grande do Sul. Veremos adiante que, durante dez anos, os jovens mineiros que estavam interessados em ingressar no colégio seráfico da Ordem Franciscana foram obrigados a se mudar para o Sul. A decisão de construir o Seminário Seráfico de Santos Dumont foi tomada em 1940 pelo primeiro bispo da Diocese de Juiz de Fora, Dom Justino José de Sant'Ana, que encarregou o frei Geraldo Van Sambeek de tomar todas as providências necessárias. Ou seja, o seminário foi fundado por freis franciscanos da Ordem dos Frades Menores, vindos da Holanda. Entre seus principais fundadores, além de frei Geraldo Van Sambeek, cabe mencionar especialmente outros dois: freis Alexandre Noordeloos e Miguel Burger.  O Seminário Seráfico Santo Antônio de Santos Dumont foi então inaugurado no dia 18 de fevereiro de 1941, contando inicialmente com apenas 11 alunos, que foram acolhidos provisoriamente no Educandário Santa Teresinha.
Placa comemorativa no jubileu de ouro do Seminário Seráfico (13/06/1991) - Crédito pela imagem: frei Irwin

A história do Seminário Seráfico, em Santos Dumont, teve sua época áurea entre os anos de 1958 quando as instalações com duas alas foram inauguradas e 1960. De acordo com os dados históricos, nesta época o Seminário chegou a ter 140 alunos no Internato, o que obrigou a Ordem Franciscana a criar dois outros pré-seminários: o de Muzambinho, que funcionou de 1958 a 1963, e o de Betim, de 1963 a 1964. Com as mudanças realizadas pela Igreja Católica em relação à formação de religiosos nos seminários menores (curso de 1ª à 4ª série do primeiro grau), houve um desdobramento, ficando em Santos Dumont apenas o seminário médio (da 5ª à 8ª série). Os alunos do seminário maior, curso que hoje representa o segundo grau, passaram a ser transferidos para o Colégio Santo Antônio, em São João del-Rei, onde cursavam o antigo Curso Clássico.

Na década de 70, a estrutura do Seminário foi totalmente modificada, ficando concluída sua área física com mais três prédios e também começou a funcionar ali uma escola orientada para o trabalho.


II.  O EVENTO PROPRIAMENTE DITO 

Tradicionalmente, os organizadores dos eventos anuais são frei Joel Postma o.f.m. e Maria Alice de Azevedo Sad, ambos participantes e regentes de seus corais, respectivamente Coral Trovadores da Mantiqueira e Coral Tajapanema. Não tem havido interesse de corais de outras cidades vizinhas de participar do evento, de modo que só tem sido possível contar com a participação da "prata da casa". Os organizadores, como no evento anterior, puderam contar novamente com o entusiasmo do coral São Miguel/São Tarcísio, regido por Paulo "Melado" e integrado pelos tradicionais coristas de Santos Dumont reforçados por alguns coristas vindos de Juiz de Fora, onde agora o regente está também atuando.

O programa do evento teve a seguinte sequência:
1. Palavras de boas vindas a todos os coristas por parte do Guardião do Seminário, frei Irwin, o qual fez a abertura da apresentação dos corais
2. Apresentação do coral Tajapanema
3. Apresentação do coral São Miguel/São Tarcísio
4. Apresentação do duo formado pela soprano Rute Pardini e pelo autor desta matéria, pianista (convidados especiais)
5. Apresentação do coral Trovadores da Mantiqueira 
6. Confraternização no refeitório do Seminário


REPERTÓRIO do CORAL TAJAPANEMA  
Regente: Maria Alice de Azevedo Sad
Acompanhadora ao piano: Maria Alice de Azevedo Sad
Autora do texto: Maria Alice de Azevedo Sad
Coral Tajapanema sob a regência/piano de Maria Alice de Azevedo Sad 
- Crédito pela imagem: Rute Pardini

1. Waldemar Henrique: Foi bôto, Sinhá (arranjo de Aricó Jr.)
Conta a lenda indígena do Tajapanema, pássaro que avisa e previne índios sobre a presença do bôto, que ele se transforma em belo rapaz para roubar as donzelas das  tribos.

2. Villa-Lobos: O canto do pajé (arranjo de Aricó Jr.)
Peça composta para ser apresentada em uma aparição pública do presidente Getúlio Vargas, a fim de estimular o ensino de Canto Coral nas escolas. Foi apresentado no Rio de Janeiro por um coro de 1.000 crianças e adolescentes. A peça narra a expulsão do Anhangá, que representa as trevas, e a chegada de Coaraci, o sol, que representa a luz. É um hino de esperança e de amor à terra, ao Brasil.

3. Herivelto Martins: Ave Maria no morro (arranjo para coral de Benedito Galli)
A rotina simples do morro aparece neste samba-canção, que evoca a fé do povo simples através da oração da Ave Maria.

4. Maria Monte e Arnaldo Antunes: Ainda bem
Canção romântica composta em 2011. Concorreu ao Grammy Latino em 2012 e fez parte da trilha sonora da novela "Amor, Eterno Amor".



REPERTÓRIO do CORAL SÃO MIGUEL/SÃO TARCÍSIO 
Regente: Paulo "Melado"
Pianista: Sara
Flautista/pianista: Gabriela
Violonista: Glória
Coral São Miguel/São Tarcísio sob a regência de Paulo "Melado" 
- Crédito pela imagem: Rute Pardini

1. Vangelis: A conquista do Paraíso
2. Ruth Gordon: No Mires Atras
No mires atras, mira lejos, mi amor Mira lejos de la noche salvaje e oscura Mira derecho, mi amor No mires atras, mira lejos de la noche salvaje e oscura La verdad nos libertará e el amor por la verdad nos libertará Me dare a ti como me des a mi e daremos este amor al mundo entero No mires atras, mira lejos, mi amor Mira lejos de la noche salvaje e oscura Mira derecho, mi amor No mires atras, mira lejos de la noche salvaje e oscura  
Me dijeram que yo non podia volar Me dijeram que yo nunca volaria Pero aqui estamos en las alas del viento el cielo es infinito  
Quando más profundo vás mas quieres ver Tambiem el amor és infinito Com amor puedes ver puedes sentir e crer Deja la tristeza, mira lejos  
No mires atras, mira lejos, mi amor Mira lejos de la noche salvaje e oscura Mira derecho, mi amor No mires atras, mira lejos de la noche salvaje e oscura 
  No mires atras, mira lejos, mi amor Mira lejos de la noche salvaje e oscura 
Mira derecho, mi amor
No mires atras, mira lejos de la noche salvaje e oscura
 
3. Chico Buarque: Tanto Mar
4. Roupa Nova: A paz
5. Peter Piel: Salve, Regina Coelitum
Salve Regina Coelitum, o Maria!
Sors unica terrigenum, o Maria!
Jubilate, cherubim.
Exsultate, seraphim.
Consonate perpetim!
Salve, salve, salve Regina!

REPERTÓRIO DO DUO FORMADO PELA SOPRANO RUTE PARDINI-PIANISTA FRANCISCO BRAGA

1) Johannes Brahms: Da unten im Tale

Da unten im Tale
Läuft's Wasser so trüb,
Und i kann dir's nit sagen,
I hab' di so lieb.

Sprichst all'weil von Liebe,
Sprichst all'weil von Treu',
Und a bissele Falschheit
Is auch wohl dabei.

Und wenn i dir's zehnmal sag',
Daß i di lieb',
Und du willst nit verstehen,
Muß i halt weitergeh'n.

Für die Zeit, wo du g'liebt mi hast,
Dank' i dir schön,
Und i wünsch', daß dir's anderswo
Besser mag geh'n.

Minha tradução:
Lá embaixo no vale
A água flui tão turva,
E eu não posso te dizer
Que te amo tanto.

Tu sempre falas de amor,
Tu sempre falas de fidelidade,
E um pouco de falsidade
Está sempre aí.

E se te disser dez vezes
Que eu te amo,
E tu não acreditares,
Eu preciso partir para outra.

Pelo tempo que estiveste comigo, 
Te agradeço 
E desejo que outro lugar
melhor possa haver para ti.
Convidada especial, soprano Rute Pardini

2) Richard Rodgers: Edelweiss (música)
Peça constante do musical "O Som da Música", lançado em novembro de 1959 na Broadway, tendo em 1965 chegado ao Brasil, como filme musical, com o nome de "A Noviça Rebelde". O autor da letra, Oscar Hammerstein II, morreu de câncer nove meses após a estreia do musical na Broadway.
"Edelweiss" é o nome de uma flor encontrada no alto dos Alpes da Suíça, França, Alemanha, Áustria, Iugoslávia e Itália. O nome dado à flor significa "branco precioso". Ela tem o formato de uma estrela de seis pontas. Se alguém representa um amor eterno ou uma amizade fiel para a gente, é comum presentar essa pessoa com essa flor. Consta que, depois de desidratada, ela dura mais de 100 anos.
Edelweiss
Edelweiss

Edelweiss...
Edelweiss...
Every morning you greet me
Small and white, clean and bright
You look happy to meet me
Blossom of snow
May you bloom and grow
Bloom and grow forever...

Edelweiss...
Edelweiss...
Bless my homeland forever...
Small and white, clean and bright
You look happy to meet me
Blossom of snow
May you bloom and grow
Bloom and grow forever...

Edelweiss...
Edelweiss...
Bless my homeland forever...

Eis minha tradução para a letra de Edelweiss:

Edelweiss

Letra de Oscar Hammerstein II

Edelweiss Edelweiss
Every morning you greet me
Small and white
Clean and bright
You look happy to meet me

Blossom of snow may you bloom and grow
Bloom and grow forever
Edelweiss Edelweiss
Bless my homeland forever


Minha tradução:
Edelweiss, Edelweiss
Toda manhã você me saúda,
Pequena e branca, pura e brilhante,
Você parece feliz de me encontrar.

Flor de neve, possa você desabrochar e crescer,
Desabrochar e crescer para sempre,
Edelweiss, Edelweiss
Abençoe minha pátria para sempre.


CORAL TROVADORES DA MANTIQUEIRA
Regente: frei Joel Postma o.f.m.
Acompanhador ao órgão/piano: Francisco Braga
Autor do texto: frei Joel Postma o.f.m.
Coral Trovadores da Mantiqueira, sob a regência de frei Joel 
com o acompanhamento ao órgão/piano de Francisco Braga
- Crédito pela imagem: Rute Pardini

1) Negro Spiritual "STEAL AWAY TO JESUS" 
Nos primeiros tempos de seu "cativeiro" nos Estados Unidos, os escravos africanos encontravam consolo e força espiritual, ao serem "catequizados" por pastores evangélicos, na sua nova "terra". Naturalmente, era uma formação bem bíblica, que os fazia conhecer a história do Povo de Israel, assim como a Bíblia extensivamente conta. Logicamente, no tempo sofrido do cativeiro do "Povo Eleito", eles começaram a reconhecer a sua própria história de "exilados" forçados em "terra estranha". Estes cantos bíblicos, narrando os tempos sofridos dos judeus no cativeiro, davam-lhes uma força espiritual, para conformarem-se com sua presença obrigatória em terras novas, longe da Mãe África.
A música e o texto dos "negro spirituals" são de uma beleza e força emocional muito grandes e fazem, há tempo, parte dos programas costumeiros de grandes corais, no mundo inteiro. 

Letra em português (para a voz dos sopranos):

ESCONDER EM CRISTO
 
Oh! Esconder, esconder, esconder em Cristo
Esconder no eterno lar, 
Logo estarei partindo. (bis)

Jesus me chama, com seus trovões me chama!
E ecoam, já, no meu coração,
Logo estarei partindo.

Esconder, esconder, esconder em Cristo,
Esconder no eterno lar, 
Logo estarei partindo.

Jesus me chama, seus raios hoje estalam!
E ecoam, já, no meu coração!
Logo estarei partindo,
Senhor, logo estarei partindo.

2)  Pe. José Alves: O canto de Advento: FILHA DE SIÃO

Este canto foi composto pelo Pe. José Alves, na década de 70, atuando, então, no Seminário Arquidiocesano de Rio de Janeiro, onde se iniciou um intensivo trabalho de renovação da música litúrgica, proposta pelo Concílio Vaticano II. Este canto foi, inicialmente, publicado nas "Fichas Pastorais", organizadas pelo Cônego Pe. Amaro Cavalcanti, usadas nos primeiros Cursos de Canto Pastoral, onde se ensaiavam as novas músicas litúrgicas, em português. 
Como estrofes, cantam-se os versos do "Cântico de Maria", pelo evangelista Lucas, colocado na boca de Maria, ao visitar sua prima Isabel, grávida do precursor de Jesus, João Batista. Este cântico evangélico narra a atuação de Deus na história, diante dos graves problemas que a humanidade, sempre, vem enfrentando, desde o início: o orgulho humano, o abuso de poder e a fome dos famintos de todos os tempos.

3)  Frei Joel Postma o.f.m. (arr.): LOUVAÇÃO DE GRECCIO

Foi São Francisco de Assis, que tinha tão grande admiração pelo Mistério da Encarnação, quem, em 1223, três anos antes de sua morte, chegou a organizar uma encenação do nascimento de Cristo, na pequena cidade de Greccio, não longe de Assis.
Seu biógrafo, Tomás de Celano, escreve assim:
"Após ter preparado um lugar adequado, com um presépio, coberto de feno, inclusive com a presença de um burro e um boi, o Santo de Deus veste-se com os ornamentos de levita, porque era levita, e com voz sonora canta o Evangelho. E a voz dele era de fato uma voz forte, voz doce, voz clara e voz sonora, a convidar todos aos mais altos prêmios. Prega em seguida ao povo presente e profere palavras melífluas sobre o nascimento do Rei pobre e sobre Belém, a pequena cidade. Muitas vezes, quando queria nomear o Cristo Jesus, abrasado em excessivo amor, chamava-o de 'Menino de Belém' e dizendo 'Belém' à maneira de ovelha que bale, enchia toda a sua boca com a voz, mas mais ainda com a doce afeição. Também seus lábios, quando pronunciava 'Menino de Belém' ou 'Jesus', como que o sorvia com a língua, saboreando com feliz paladar e engolindo a doçura  desta palavra. Multiplicam-se aí os dons do Onipotente, e uma admirável visão é contemplada por um homem de virtude (cf 1 Mc 5, 50). Via, pois, deitado no presépio um menino exânime, via que o Santo de Deus se aproximava dele e despertava o mesmo menino como que de um sono profundo. E esta visão era muito apropriada, pois que o menino Jesus tinha sido relegado ao esquecimento (cf. Sl 30, 13) nos corações de muitos, mas neles ele ressuscitou, agindo a sua graça por meio de seu servo São Francisco, e ficou impresso na diligente memória (deles). Terminada finalmente a solene vigília, cada um voltou com alegria à própria casa. (Cel. XXX 86)" A leitura desse trecho do biógrafo de São Francisco ficou a cargo de frei Gabriel, prefeito do Seminário.
Nesta "Louvação de Greccio", a antífona inicial e final "Celebrem, terra e céus!" se canta com a melodia do canto natalino medieval "In dulci jubilo", na harmonização do compositor holandês Herman Strategier. A música das estrofes é baseada no canto folclórico pernambucano "Entrada no presepe".
Francisco não podia imaginar como sua celebração natalina em Greccio tem causado uma explosão incrível de criatividades humanas, produzindo, até hoje, presépios os mais artísticos e inculturados, no mundo inteiro.

4) Pe. Jocy Rodrigues: O BOM FILHO

Para encerrar a participação do coral Trovadores da Mantiqueira e para finalizar o Encontro, os três corais participantes, ao saírem, entoaram juntos o canto "O Bom Filho", da autoria de Pe. Jocy Rodrigues, compositor da coleção musical "O Evangelho em Ritmo Brasileiro". Este canto narra o episódio de Mt 21, 28-32, contando as atitudes diferentes de dois filhos de um pai lavrador, após este tê-los exortado a irem ajudá-lo, na lavoura de sua vinha. 
Os coros foram saindo, em fila, caminhando no ritmo do canto, dando um passo para frente e batendo os pés em cada colcheia do ritmo binário de um "côco" nordestino. Na primeira volta dos corais pelo salão, toda a plateia foi convidada a entrar na dança, parecendo uma quadrilha da festa de S. João, fazendo o Seminário assemelhar-se, por uns momentos, a um pedaço do céu na terra!
Da esq. p/ dir.: Ir. América, autor da matéria, frei Joel 
e Ministro da Eucaristia Almir Toledo - Crédito pela imagem: Rute Pardini


Finalizando esta narrativa do 19º Encontro de Corais de Santos Dumont, observo que todas as doações de alimentos e fraldas geriátricas (sob o lema PDF-Precisa-se De Fralda) tiveram ampla aceitação por parte dos espectadores e foram todas entregues ao Lar São Miguel, em Santos Dumont, há 80 anos abrigando pessoas idosas necessitadas de alimento e de acompanhamento médico e psicológico.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

RECUPERE O SEU LATIM > > PARTE 2


Por Francisco José dos Santos Braga



I. Horácio: Epistulae 2.1.156



«Graecia capta ferum victorem cepit et artes
intulit agresti Latio.»

"A Grécia, conquistada, subjugou o (seu) selvagem vencedor e introduziu as (suas) artes no Lácio rústico."

As conquistas de Alexandre, o Grande, espalharam o Helenismo imediatamente sobre o Oriente Médio atingindo o interior da Ásia. Depois de sua morte em 323 a.C., a influência da civilização grega continuou a expandir-se ao longo do mundo mediterrâneo e oeste da Ásia. O período helenístico da história grega começa com a morte de Alexandre em 323 a.C. e termina com a anexação da península e ilhas gregas por Roma em 146 a.C..
Embora militarmente a Grécia tenha sido derrotada por Roma, aquela impôs aos vencedores romanos a cultura helenística. As artes e literatura romanas foram calcadas sobre modelos helenísticos. A língua grega "koiné" (língua comum) tornou-se a língua dominante na parte leste do Império Romano. Na cidade de Roma, a "koiné" esteve em largo uso entre pessoas comuns, e a elite falava e escrevia grego tão fluentemente quanto latim.




II.  Quinto Ênio (239 a.C.-169 a.C.)

«Qui vincit non est victor nisi victus fatetur.»
O vencedor não é vitorioso se o derrotado não reconhecer como tal.

A respeito de Quinto Ênio, poeta e dramaturgo que viveu durante a República Romana, considerado pai da poesia romana, escreveu Aulo Gélio em Noites Áticas 17.17.1:
«Quintus Ennius tria corda habere sese dicebat, quod loqui Graece et Osce et Latine.»
Quinto Ênio dizia que ele possuía três corações, porque sabia falar três línguas: grego, osco e latim.

De fato, Ênio nascera em Rudiae, na Calábria, onde as três línguas estavam em contato uma com as outras.

Também dele tratou Ovídio:
«Ennius ingenio maximus, arte rudis.»
Ênio, o maior no gênio, (foi) falto de arte. (Ovídio, Tristia, Livro II, elegia única, verso 424)

Embora tenham sobrevivido apenas fragmentos de suas obras, sua influência sobre a Literatura Latina foi enorme, particularmente na introdução do estilo e de modelos literários gregos. Foi o primeiro poeta latino a adotar o hexâmetro dactílico usado na épica e na poesia didática gregas, em vez do antigo verso satúrnio (empregado por Lívio Andrônico para sua adaptação da Odisseia ao latim e por Gneo Névio em seu original poema épico sobre a I Guerra Púnica), levando o metro grego a tornar-se o metro-padrão para esses gêneros na poesia latina. Sua obra capital foi Anais, um poema épico em 15, mais tarde expandido para 18 livros, cobrindo a história romana desde a queda de Tróia em 1184 a.C. até o censor Catão, o Velho, em 184 a.C. Os Anais tornaram-se um texto obrigatório para escolares romanos, mais tarde suplantado pela Eneida, de Virgílio. 



III. Horácio: Ars Poetica, 133-134.

«(...) nec verbum verbo curabis reddere fidus
interpres...» 

"Como um verdadeiro tradutor, deverás ter o cuidado 
de não verter palavra por palavra." 

Preceito horaciano que todo tradutor deveria adotar.



IV. Horácio: Odes III, 30, v. 1.

«Exēgi monumentum aere perennius...»

É muito citado o primeiro verso da terceira ode de Horácio: "Concluí um monumento (de palavras) mais perene do que o bronze (isto é, garantindo-lhe a imortalidade)...". Importante observar a abertura para o poema escolhida pelo poeta: "Exēgi monumentum",  com o verbo no perfeito do modo indicativo. No infinitivo: "exigere monumentum". Os dicionários registram exigo, is, ēgi, actum, igere. Tal verbo tem a acepção de 'executar completamente, acabar, concluir, terminar, rematar, aperfeiçoar'.

Entretanto, é conveniente conhecer o pensamento de Horácio na sua integridade. Assim, sua ideia se amplia com a adição de outros oito versos. Para nossos fins, fica da seguinte forma:

(Horácio, Odes III,  XXX, vv. 1-9)

Exegi monumentum aere perennius 
regalique situ pyramidum altius, 
quod non imber edax, non Aquilo ¹ inpotens 
possit diruere aut innumerabilis 
annorum series et fuga temporum.
Non omnis moriar, multaque pars mei
vitabit Libitinam ². Usque ego postera
crescam laude recens. Dum Capitolium
scandet cum tacita virgine pontifex. ³ (...)


Minha tradução:
"Concluí um monumento mais perene que o bronze
e mais alto que o sítio régio das pirâmides,
o qual nem a chuva voraz, nem o Aquilão ¹ indômito
possa(m) destruir ou mesmo a inumerável
sequência dos anos e o decurso das eras.
Não morrerei completamente! e grande parte de mim
escapará ao túmulo ². Seguirei crescendo, renovado,
com o louvor póstero, enquanto o pontífice
sobe ao Capitólio com a virgem silenciosa. ³ (...)"

Esta ode de Horácio é um canto triunfal, um hino de reconhecimento que o poeta eleva a Melpomene, musa da tragédia (aqui da poesia lírica) invocada no verso final do poema, por haver-lhe dado a inspiração. O poeta, num sinal de modéstia, atribui os seus sucessos literários à sua musa inspiradora. Observe que a musa é representada portando um bastão e uma máscara trágica e calçando botas de couro.
Musa Melpomene, estátua de mármore greco-romana c. séc. II d.C. - State Hermitage Museum

  
NOTAS EXPLICATIVAS
  
¹ Aquilão: vento do Norte.
² Libitina é uma deusa romana antiga de funerais. Seu nome era usado como metonímia para morte. O túmulo de Libitina estava localizado na Colina Esquilina, indicando que a área tinha associações "insalubres e de maus presságios".
³  Nos dois versos finais do trecho aqui citado, Horácio refere-se à cerimônia, durante a qual o sumo pontífice subia ao Capitólio com a Vestal, guardiã contínua da lareira (lar doméstico ou focolare, no italiano moderno) de Roma. O poeta, associando a sua fama à de Roma, consagra-a à eternidade.

[LAROUSSE, s/d, 143-44], no verbete Exegi monumentum, informa que na antiguidade, os homens célebres se concediam a si mesmos a imortalidade, sem ferir as conveniências e costumes recebidos. Ulisses, na Odisseia, diz diante de Alcinoo: "Sou Ulisses, filho de Laerte, conhecido de todos os mortais por minha maestria, e cuja glória se eleva até aos astros." Na Eneida, o herói troiano diz de si mesmo: "Sou Enéas, o piedoso; a notoriedade levou meu nome até aos astros." Horácio fala do monumento, mais duradouro do que o bronze, que foi erguido por seus escritos.
Entre os modernos, Corneille disse com orgulho: "Não devo senão a mim mesmo toda a minha notoriedade." 
♧               ♧               ♧
Acreditamos todos ter o direito de colocar sobre nossos livros: Exegi monumentum. Palácio ou cabana, catedral ou casa com teto de palha, esta obra é nossa.
H. de Balzac 
Eis minhas obras! Não as publico por vaidade e não digo como Horácio: Exegi monumentum. Estou tão longe de me glorificar diante deste monte de folhas mortas ou efêmeras tombadas do ramo da árvore de minha vida, cujas raízes já sinto morrer, que digo com toda sinceridade: Gostaria nunca jamais ter sabido escrever.
Lamartine, prefácio das Obras Completas 




V. Ovídio: Amores, III, elegia 11b, vv. 7-8.

«Sic ego nec sine te nec tecum vivere possum;
et videor voti nescius esse mei.»
"Assim eu não posso viver nem contigo nem "sentigo";
e pareço não conhecer meus próprios desejos."  




VI.  Virgílio: Livro III, v. 57

«Auri sacra fames.»
Literalmente, maldita fome do ouro. Observe que sacrus, a, um possui também a acepção de maldito, além da mais comum: sagrado. Ao invés de fome, a língua portuguesa usa frequentemente sede (de ouro).


[LAROUSSE, s/d, 51-2], no verbete Auri sacra fames, observa: "Os Latinos diziam: A fome do ouro; para exprimir a mesma ideia, a palavra sede (la soif) é a única que o gênio da nossa língua (francesa) adotou; diz-se, entretanto, de modo figurado, affamé (no sentido de faminto):
«Esses autores renomados
que, enojados da glória e famintos de dinheiro...»
Boileau
Da mesma forma que nós comunicamos com a natureza e a humanidade pela fome e pela sede, igualmente comunicamos com Deus por uma fome e uma sede sagradas, não como disse Virgílio, auri sacra fames (maldita sede de ouro), mas Dei sacra fames (sagrada sede de Deus).
Lacordaire

Aqui (na Califórnia), lava-se a terra; ao lado, faz-se um canal para desviar o curso do rio; mais longe, sobre os flancos duma colina, nos sulcos das torrentes e das quedas d'água, os mineradores cavam leitos dessecados. Meu companheiro se achava sentado junto de um grupo de trabalhadores: "Auri sacra fames!" exclamou, virando-se para mim e juntando as mãos.
Laurent Pichat
 



BIBLIOGRAFIA



LAROUSSE, Pierre: Fleurs Latines des dames et des gens du monde, Paris: V. P. Larousse et Cie, Imprimeurs-Éditeurs, 519 p.