Por PAIVA COUCEIRO *
Dedico este artigo ao Acadêmico António Valdemar que mo cedeu de seu arquivo particular para desfrute do leitor deste Blog.
A estreiteza das nossas fronteiras continentais conduziu-nos o espírito, em tempos idos, para os ideais da expansão marítima e ultramarina. Apertados dentro de casa, procurávamos logicamente a grandeza fora dela. E cometendo o duvidoso mar num lenho leve, — como canta o nosso poeta nacional, — rompemos as fronteiras do Mundo antigo, e fomos, por vias nunca usadas, conquistar entre remotas gentes novos domínios para a nossa Soberania, forte, progressiva e humana.
Esses mesmos naturais motivos, que outrora nos levaram para as contingências do Mar Tenebroso, ainda subsistem com fôrça igual no momento que passa. E se, ontem, descobrimos, conquistamos e demos princípio à obra civilizadora, — continuá-la é dever de hoje, e necessidade que se impõe. A missão tradicional não sofre interrupções nem paragens. Os portugueses, colonizadores catedráticos e construtores profissionais de Países novos, prosseguem na mesma carreira, com o "Talent de bien faire", que sempre lhe dedicaram. Perpetuando por esses nobres caminhos, o nosso nome através do espaço e do tempo, e criando, desde logo, elementos colaboradores de fôrça moral, e de potência económica e militar, garantias da prosperidade e da dignidade nacional.
Magna obra, que envolve o Poder Naval. E, na base dêste, o aumento em grande escala da produção económica, aquém e além-mar, e o aumento correspondente da marinha mercante, e frotas de pesca, os quais aumentos do Comércio, e da Navegação Comercial, não só representam alicerce necessário para o desenvolvimento da Marinha de Guerra, mas são elo, ao mesmo tempo, de sumo valor, para a ligação entre a Metrópole e o Domínio Ultramarino, constituídos como um todo económico, solidário e interdependente. Eis o que pretendemos. E o Atlântico, lago português, como era, aliás, aspiração de D. João IV.
Não nos faltam, para isto, elementos geográficos. No Atlântico-Norte, a própria Metrópole com a sua abundância de portos, nomeadamente Lisboa, e Lagos à bôca do Mediterrâneo. No Atlântico-Sul, Angola, onde a nossa colonização se implanta com fortes raízes, frente a frente com o Brasil, sangue do nosso sangue, belo e frondoso ramo do nosso tronco criador. E, regularmente distribuídos sôbre a vastidão Oceânica, entre Europa, África e América, o rosário das nossas Ilhas Atlânticas, — Madeira, Açôres e Cabo Verde, escalas comerciais e estratégicas, servindo e comandando as grandes estradas do Mar. E comandando-as de tal maneira que, sem o seu apoio intermédio, difícil será a qualquer Potência Naval exercer, em tempo de guerra, a polícia e a defesa directa do tráfego marítimo. A questão está em sabermos aproveitar o valor natural dessas posições, preparando-as como pontos de apoio ou bases navais, com as instalações e meios de defesa marítima, fixa e móvel, e de defesa aérea e anti-aérea, para desempenharem o seu papel, em conexão com o problema estratégico geral da posse do Atlântico. Esta posse só pode ressalvar-se inteiramente com a manutenção de esquadras do alto mar, que não se encontram, pelo menos na sua totalidade, dentro do nosso actual alcance financeiro. Mas os pontos de apoio devidamente organizados, representam a valiosa contribuição, com que pagaremos a cota parte de Senhores do Atlântico.
Assim garantida contra eventuais emergências a liberdade desse Mar, e a segurança das nossas comunicações Ultramarinas, poderá levar-se à prática sem receios, em Portugal e seus Domínios, o grande sistema de Agricultura, Indústria, Comércio e Navegação, cujo vasto desenvolvimento é nosso objectivo nacional.
Evidentemente, as relações e conhecimentos pessoais e locais, dos portugueses, estabelecidos, em vários pontos do Globo, constituem, desde logo, portas abertas e oficiosas agências, que muito podem facilitar a nossa expansão mundial. Verdadeiros pontos de apoio de uma obra de paz, eminentemente apropriados para fundar, encaminhar, e sustentar, as correntes comerciais e marítimas.
E, já por virtude de modernas emigrações, em busca da fortuna, — já como resultado da nossa aventurosa vida anterior, de descobridores e conquistadores, — muita alma de ascendência portuguesa se encontra plantadas por todos os hemisférios, fora do território português pròpriamente dito: quer na margem ocidental do Atlântico, — Brasil, Guiana Inglesa, e Estados-Unidos da América do Norte, — quer no Pacífico, — Califórnia e Ilhas do Hawaí ou Sandwich, — quer no Extremo Oriente, — Changai e Hong-Kong, Bombaim, Calcutá e Malaca, — etc., etc.
Verifica-se, pois, que temos auxiliares naturais em todas as partes do mundo, prontos muitos dêles, — estamos seguros disso, — a demonstrar praticamente o seu amor por esta pequena orla do Atlântico-Norte, cume da cabeça da Europa tôda, de onde saíram os seus avós, próximos ou remotos, e estão de pé, ainda, os templos, os monumentos, e os arquivos, que consagram as origens ilustres da sua própria genealogia.
À sombra desses bons entendimentos, torna-se possível, evidentemente insinuar e irradiar, em largas proporções, o trato mercantil, e a influência económica, e dar vida, por conseguinte, a uma grande navegação que os sirva.
Por outro lado, o todo económico do Império Português, no seu conjunto, é susceptível de importantes acréscimos demográficos e produtores, e, implicitamente, bancários, mercantis, e marítimos. Senhores da Navegação e do Comércio, da Ethiópia, Arábia, Pérsia e China, — com carta e patentes de antigas eras, — por que é que não havemos de actualizar título tão soberbo, em harmonia com as circunstâncias do presente, — convencidos demais, como todos estamos, Aquém e Além-Mar, de que a grandeza e o prestígio, da nossa Pátria Comum, se fundam, agora como no passado, e pelas mesmas razões na expansão marítima e Ultramarina em ligação com a economia da Metrópole?
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Estas perspectivas que, muito ao correr da pena, estivemos aqui desenrolando, podem, talvez figurar-se a atavismos sebastianistas, ou devaneios de imperialismo sonhador, mais do que objectivos susceptíveis de realização efectiva.
Mas convém, no entretanto, recordar-nos de que muito maior razão teriam os nossos antepassados se, no alvorecer do século XV, supusessem conto fantasioso das mil e uma noites, o dobramento do Cabo da Bôa Esperança, a dominação da Índia, — Socotorá, Ormuz, Gôa e Malaca, — e mais avante, China e Japão, Sumatra, Java, e Molucas, — tributos e vitórias, — Impérios e Cristandades — especiaria ardente, e jóias finas, — pérolas e ouro, rubis e diamantes. E, contudo, o sonho tornou-se realidade indiscutível, cuja fama retumbante impôs, o Portugal dessa época, ao respeito, e à admiração do mundo inteiro.
Bem sabemos que tudo isto implica, e requere, novos conceitos de vida, particular e pública, — do prosseguimento dos quais conceitos poderiam acaso duvidar aqueles que, ainda há poucos anos, conheceram e viram os portugueses digladiando-se, e consumindo o tempo e as energias, na pugna estéril e inglória, do Politiquismo sectário e truculento.
É, todavia, facto constatado pela experiência, na História portuguesa, que, em cada vicissitude crítica, em cada iminência de naufrágio, quando parece que a Nacionalidade vai a pique, nas vagas do temporal desfeito, — desperta a consciência nacional, e o patriotismo e o valor dos seus filhos, salva a nau, prestes a submergir-se. Assim sucedeu, por exemplo, em 1383, em 1640, e em 1807.
E a história repete-se, governada desde 1834 por oligarquias partidárias, monárquicas ou republicanas, sob o ambiente desmoralizador de eleições corrompidas, e de favoritismos a benefício de interesses particulares, — a Pátria Portuguesa decaiu.
E a massa popular, vendo ao alto os gôzos egoístas duma sociedade burguesa, sem a chama viva dos ardores patrióticos, sem o poder comunicativo dos civismos entusiásticos, — perdeu a crença em tudo, e tornou-se apática, fatalista e indiferente.
Longe ficavam, sem dúvida, os tempos de Aviz. Esses tempos em que, — por haver ideais positivos, — fé e ciência a guiá-los, — mando consciente, e virtudes fortes, a servi-los, — os Portugueses venceram ondas e perigos, dominaram terras e mares, difundiram leis e ensinamentos, e edificaram, enfim, cidades e fortalezas, civilizações e Impérios, como a Índia e o Brasil.
Esses tempos em que Portugal, numa palavra, tinha assento nos conselhos do Velho Mundo como Potência de 1ª ordem.
Duro contraste com o Presente, que, todavia, bem se explica: Gases deletérios, de filosofia abstracta e mistificadora, invadiram, nomeadamente desde o século XIX, o nosso riquíssimo patrimônio de conquistas morais e materiais, e penetrando as instituições, as ideias, e os costumes, conduziram o País, por degraus sucessivos, até as condições de perdição, e dissolvência social e política.