sábado, 25 de dezembro de 2021

PAPAI NOEL NA RÚSSIA


Por Francisco José dos Santos Braga
 
Ded Moroz e sua neta, Sniegúrka

 

Começo este texto explicando os personagens que encantam as festas natalinas na Rússia. Lá, em vez do Papai Noel, existe outro personagem que se chama Ded Moroz (pron. Dyed Moróz). Muita gente traduz esse nome em português como Vovô Gelo ou Vovô Inverno. No caso, manterei a expressão Vovô Moroz. Ded Moroz é um senhorzinho que entrega os presentes para crianças na festa do Ano Novo, e não é no Natal que é celebração religiosa. Ded Moroz tem uma netinha Sniegúrka ou Sniegúrotchka, a heroína de muitos contos de fadas russos, a Donzela de Neve, que ajuda seu vovô. 

Vovô Moroz e sua netinha Sniegúrka, em carruagem puxada por uma Тройка (tróika) de cavalos, diferentemente das 9 renas na cultura ocidental

 

Inicialmente, apresento aqui um conto curto em russo, Мороз, Красный Нос (transliterado Moróz, Krásnyi Nós em português), que, na minha tradução um pouco livre, seria "Moroz, Nariz Vermelho". Abaixo apresento minha tradução para o breve conto¹:
 
I. Moroz, Nariz Vermelho 
 

Era uma vez o Gelo muito semelhante a Vovô Moroz, que fica embaixo da árvore de Natal. Ele era carinhoso e gostava muito de crianças. Quando estas viam Vovô Moroz, então corriam atrás dele e gritavam: 

Vovô Moroz, Nariz Vermelho! 
Vovô Moroz, Nariz vermelho! 

Assim gritavam até o porto enquanto Vovô Moroz ficava muito bravo. Ele colocou o boné da invisibilidade na cabeça, pegou a tinta vermelha e caminhou pelas ruas. As crianças não conseguiam vê-lo, porque ele tinha chapéu invisível. Vovô Moroz pegou tinta vermelha e pintou o nariz de todas. 

Desde então, ele tem caminhado e ninguém o vê. Mas quando num dia frio invernal teu nariz ficar vermelho, sabe que quem o pintou foi Vovô Moroz. 

Crédito pela imagem: BrokenSphere

 

É natural indagar donde veio essa expressão esquisita Mороз, Красный Нос. A essa excelente pergunta esclareço que tudo começou documentalmente em 1863 com um poema com o mesmo título, escrito por Nikolái Alekséievitch Nekrásov (1821-1878), dedicado às crianças russas. Além desse marcante poema, o seu autor ainda produziu um ciclo de poemas, dentre os quais vale citar "Tio Jacob", "Abelhas", "General Toptygin", "Avô Mazai e as Lebres", "Rouxinóis" e "Na véspera de um feriado brilhante". 
 
Nikolái Alekséievitch Nekrásov (1821-1878)

 

O poema "Moroz, Nariz Vermelho", escrito por Nekrásov em 1863, é o mais consistente em termos de padrões de versificação, dentre todas as obras do autor. Este poema é uma glorificação da camponesa russa, em que o autor contempla o tipo de "eslavo majestoso" em desaparecimento na sua época. O poema descreve os lados positivos da natureza camponesa, mas, devido à estrita consistência de estilo, carece de sentimentalismo. 

A seguir vou apresentar um breve resumo do poema de Nekrásov:
 
 
II. Moroz, Nariz Vermelho 
 
Na cabana do mujique há um pesar terrível: o dono e arrimo de família Proclus Sevastyanytch morreu. A mãe traz um caixão para o filho, o pai vai ao cemitério para cavar uma sepultura no chão congelado. A viúva do mujique, Dária, cose uma mortalha para seu falecido marido. 
O destino para uma moça russa comum tem três vertentes difíceis: casar-se com um servo, ser mãe do filho de um servo e se submeter a um servo até o túmulo todas elas recaíram sobre os ombros de uma camponesa russa, Dária. 
Mas, apesar do sofrimento, “há mulheres nas aldeias russas”, nas quais a sujeira de um ambiente miserável parece não grudar. Essas belezas desabrocham maravilhosamente para o mundo, suportando com paciência e uniformidade tanto a fome quanto o frio, permanecendo lindas em todas as roupas e hábeis em todo trabalho. Não gostam de ociosidade nos dias úteis da semana, mas nos feriados, quando um sorriso divertido tira a marca de trabalhadora de seus rostos, o dinheiro não compra uma risada tão sincera como a delas. 
Nas palavras de Nekrásov, em sua heroína ele caracterizou um tipo raro, já em sua época desaparecendo do povo russo, o gênero de "eslavos lindos e poderosos". Mais comumente do que em seu tempo houve a figura da mulher abandonada e humilhada:
Tu és tudo - o susto personificado
Tu és tudo - fatiga secular

diz o poeta sobre aquele tipo comum de camponesa russa.
A mulher russa "parará o cavalo a galope, ela entrará na cabana em chamas!" Ela sente força interior e experiência estrita. Ela tem certeza de que toda a salvação consiste no trabalho e, portanto, não tem pena do pobre mendigo que perambula sem trabalho. Ela é recompensada pelo seu trabalho integral: sua família não conhece a necessidade, as crianças são saudáveis ​​e bem alimentadas, há uma fatia a mais para o feriado, a cabana está sempre quentinha.  
Tal mulher era Dária também, a viúva de Proclus.
Aqui a história da camponêsa Dária é contada. Antes do casamento, ela é a moça de espírito forte, que não tem medo da vida, e bravamente entra em luta com ela. Dária casou com Proclus. Ele era um mujique que combinava com ela sério e trabalhador. E a felicidade inicialmente acompanhou este casal de trabalho duro e assim toda a sua vida aconteceria nesta "difícil tarefa". 
Mas, na adversidade, o arrimo da família, Proclus, caiu enfermo. Dando uma de cocheiro, correndo para entregar uma mercadoria no prazo, Proclus pegou um resfriado. 
Como  não iriam tratar do arrimo da família? Proclus foi submetido a um tratamento da roça: água de nove fusos, banho quente, três vezes metido através de colarinhos suados, colocado debaixo de poleiro de frangos, nada funcionou:
А плохо – не пьёт и не ест!
Vai mal - não bebe nem come!
Dária foi buscar no mosteiro vizinho e, sem medo de geada e lobos, trouxe um ícone milagroso à noite através da floresta, mas tudo o que foi feito foi em vão Proclus morreu.
Mas agora a dor a secou e, por mais que tente conter as lágrimas, elas caem involuntariamente em suas mãos rápidas, que estão cosendo a mortalha.
Os pais de Proclus, tendo levado aos vizinhos seus netos Masha e Grisha transidos de frio, agora vestem o filho falecido. Dos pais, empenhados neste triste afazer, nenhuma palavra desnecessária é dita, nenhuma lágrima sai como se a beleza rude do falecido, deitado com uma vela acesa na cabeça, não permitisse chorar. E só então, completado o último rito, chega a hora da lamentação. 
Numa manhã de inverno rigoroso, o cavalo está conduzindo o dono em sua última viagem. O cavalo serviu muito ao dono: tanto no trabalho de mujique, como no inverno, e agora parte com Proclus em carruagem. 
Todas as crianças, tanto as da unidade agrícola quanto as menores compareceram em casa de Dária para o último adeus. Ela não esteve confusa aqui neste transe, quando manteve o poder de sua poderosa alma: tendo enterrado seu marido, ela se dirige no mesmo dia à floresta para buscar lenha. Neste momento, à floresta tinha ido Moroz-Voevoda ².
Moroz viu a viúva e pôs-se a falar-lhe com suas falas doces; essas falas a enfeitiçam; e ela começa a congelar-se, as alegres visões se descortinam diante dela: então parece a ela que está beijando seu Proclus com todo o fervor da jovem paixão, então lhe são apresentados quadros da vida passada de trabalho duro, mas feliz, e ela morre. 
É assim que o triste destino de uma camponesa russa é retratado no poema "Moróz, Krásnyi Nos" de Nekrásov.

 

III. NOTAS EXPLICATIVAS 

 

¹  Este pequeno conto foi extraído de "Material didático para palestras bem desenvolvidas", um pequeno manual de pequenos textos em língua russa preparado pelo Centro de Ensino Internacional da M.G.U., Moscou , 1995, p. 36.  

²  Moróz: personagem velho fabuloso, uma personificação do frio intenso que congela tudo. Ded Moróz: Papai Noel russo. "Voevoda" é um antigo título russo para um general. Logo, resulta que Moroz-Voevoda pode ser traduzido por "General Moroz".

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Rute Pardini - OH, DULCE BELÉN!


Por Francisco José dos Santos Braga
 


 
I. INTRODUÇÃO: AS FESTAS NATALINAS NA ESPANHA
 

Na Espanha, as festas de Natal duram duas semanas e os feriados mais importantes são a Véspera de Natal, o Natal, a Véspera de Ano Novo e os Reis Magos. Nas casas é colocado o tradicional presépio (belén ¹ em espanhol), um modelo com figuras representando o nascimento de Jesus, e uma grande árvore onde são colocados os presentes. 

No dia 24 de dezembro, é comemorada a véspera de Natal. É tradição cantar canções natalinas e comer um cardápio especial com frutos do mar, peru ou presunto. Os doces típicos são torrone, maçapão e polvorones. 

O 31 de dezembro é a véspera de Ano Novo, a última noite do ano, e é comemorado com a ingestão de doze uvas quando o relógio bate 12, uma para cada badalada. Depois, todo o mundo deseja "Feliz Ano Novo" e brinda com um tradicional espumante espanhol. 

No dia 5 de janeiro, os três Reis Magos, Melchior, Gaspar e Baltasar, trazem presentes para todas as crianças da Espanha, que deixam em seus sapatos enquanto todos dormem. 

O 6 de janeiro é Dia dos Reis. As crianças brincam com os seus novos presentes e costuma-se comer o roscão de Reis, um bolo de natas ou creme que tem uma surpresa no seu interior. 

 

II. NOTAS EXPLICATIVAS 

 

¹  Belén pode significar "presépio" ou a cidade de Belém (Bethlehem). O presépio é um signo característico do tempo natalino. Do presépio, a nossa visão se dirige mentalmente à humilde estrebaria de Belém. Nestes dias de festa paramos para contemplar no presépio a representação da Natividade.  

²  Maçapão é um doce de origem árabe, preparado a partir de uma pasta feita de amêndoas moídas, açúcar e claras de ovos, que pode ser moldada. Também podem ser adicionadas essências. 

³  O polvorón é um tipo de biscoito espanhol pesado, macio e muito quebradiço feito de farinha, açúcar, leite e nozes. São produzidos principalmente na Andaluzia. 

 

III. LETRA E MÚSICA DO VILLANCICO "OH, DULCE BELÉN!"


OH, DULCE BELÉN! 
 
Letra: Anônimo 
Música: Emiliano Ibarguchi, Presbítero 
 
Dulce Belén! 
Hoy luce el día de tu gloria. 
Dulce Belén! (bis) 
 
En ti ha nacido el Sumo Bien 
y Sus fulgores celestiales traen 
la dicha a los mortales. 
Dulce Belén, Dulce Belén! (bis) 
 
Ofereço a seguinte tradução para o poema: 
 
Ó DOCE PRESÉPIO! 
 
Doce Presépio! 
Hoje brilha o dia de tua glória. 
Doce Presépio! (bis) 
 
Em ti nasceu o Sumo Bem 
e Seus fulgores celestiais trazem 
a felicidade aos mortais. 
Doce Presépio, Doce Presépio! (bis) 
 

Informações técnicas

Compositor: Emiliano Ibarguchi, Presbítero (1920-1996)
Gênero: Villancico popular basco
Identificação técnica: villancico para três vozes brancas

Duo Rute Pardini & Francisco Braga
Rute Pardini, soprano lírica
Francisco José dos Santos Braga, piano e arranjo p/ piano do villancico a 3 vozes

Partitura cedida do acervo particular de Licurgo Leão Silveira
Áudio: gravação de um ensaio em 1978 do acervo fonográfico do Coral Nossa Senhora de Fátima de Divinópolis


IV. QUEM FOI Pe. EMILIANO IBARGUCHI ?
 
 
Emiliano Ibarguchi Barrondo nasceu em Ubidea (Biscaia) em 17/07/1920. 
 
Fez estudos eclesiásticos no seminário diocesano de Vitória e foi ordenado sacerdote em 29 de junho de 1947. Estudou Piano com o compositor Luis Aramburu e Harmonia sob a direção do compositor de música litúrgica Julio Valdés. Mudou-se para Madrid e completou a sua formação no Conservatório Real com o Professor Benito García de la Parra. Ele foi designado organista em Markina (Biscaia) e, após a aposentadoria de Jesús José María Vírgala em 1951, foi nomeado organista da Catedral de Santa María de Vitoria em 6 de junho de 1951, tendo sido formado o seguinte júri para sua nomeação: 
・Dimas Sotés, diretor da Escolanía de Tiples de Vitoria, 
・seu ex-professor Julio Valdés e 
・o organista anterior da dita catedral, Jesús José María Vírgala. 

Ao mesmo tempo, foi nomeado também Professor de Música no Conservatório e do Seminário Diocesano de Vitória; capelão dos Carmelitas Descalços (calle Aldabe de Vitoria), e compositor de música religiosa para missas, antífonas, hinos, salve-rainhas e ofícios divinos. 

Ibarguchi era considerado simples,  recatado e eficiente; foi um "sacerdote músico a serviço da liturgia", com profundo misticismo e um sentido especial de harmonia. Ele musicou todo o Ofício Divino e compôs canções marianas, canções de Natal e as "Vésperas de São Prudêncio, padroeiro de Álava." É também autor das cantatas "Caminho de Santiago" e "Marana Tha" para vozes e orquestra; e "Monte de Alegria", para coro misto e percussão. 

Morreu na sua cidade natal, Ubidea, em 08/01/1996, sendo os seus restos mortais posteriormente transferidos para Vitória, para repousar no cemitério de Santa Isabel.

Link: https://dbe.rah.es/biografias/68067/emiliano-ibarguchi-barrondo  👈 

Obs. Consultei também o Diccionario de Músicos Vascos, por Fernando Abaunza Martínez, 2017, p. 184-5, disponível na Internet:  

sábado, 18 de dezembro de 2021

PRELUDE TO A KISS (1938) POR DUKE ELLINGTON - ARRANJO DE FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA PARA OCTETO DE SOPROS


Por Francisco José dos Santos Braga
 


Edward Kennedy “Duke” Ellington (1899-1974), eternizado com a alcunha de "The Duke", foi um dos mais proeminentes e lendários pianistas de jazz, líder de banda de jazz e compositor de jazz que o século XX já conheceu. Foi, sem dúvida, um dos músicos de jazz mais influentes e bem sucedidos, lembrado por In a Sentimental Mood, Prelude to a kiss, Take the "A" Train, My Little Brown Book, Caravan, I don't mean a thing, Azure, Echoes of Harlem, Solitude, All too soon, Day Dream, etc. Sua música era uma melodia para os ouvidos e comoveu milhões de pessoas. Sendo um compositor de jazz, pianista e líder de uma orquestra de jazz, Duke Ellington conduziu uma carreira musical maravilhosa ao longo de seis décadas. 
Foi agraciado com a Presidential Medal of Freedom em 1969 e com a Legião de Honra em 1973, sendo ambas as distinções as mais elevadas que um civil pode receber. 
 
PRELUDE TO A KISS 
 
If you hear a song in blue 
Like a flower crying for that dew 
That was my heart serenading you 
MY PRELUDE TO A KISS 
If you hear a song that grows 
From my tender sentimental woes 
That was my heart trying to compose
A PRELUDE TO A KISS. 
Though it's just a simple melody 
With nothing fancy, nothing much 
You could turn it to a symphony
A Schubert tune with a Gershwin touch 
Oh! How my love song gently cries 
For the tenderness within your eyes 
My love is a prelude that never dies 
A PRELUDE TO A KISS. 
MY PRELUDE TO A KISS. 
 
Agora, minha tradução para a bela letra de "Prelude to a kiss": 
 
PRELÚDIO PARA UM BEIJO 
 
Se você ouvir uma canção na tristeza 
Como uma flor chorando por aquele orvalho 
Isso foi meu coração fazendo serenatas para você 
MEU PRELÚDIO PARA UM BEIJO 
Se você ouvir uma canção que cresce 
Dos meus ternos ais sentimentais 
Isso foi meu coração tentando compor 
UM PRELÚDIO PARA UM BEIJO 
Apesar de ser apenas uma melodia simples 
Com nada sofisticado, nada demais 
A gente pode transformá-la numa sinfonia
Um Lied de Schubert com um toque de Gershwin 
Oh! Como minha canção de amor suavemente chora 
Pela ternura dentro de seus olhos 
Meu amor é um prelúdio que nunca morre 
UM PRELÚDIO PARA UM BEIJO 
MEU PRELÚDIO PARA UM BEIJO 
 
Por último, mas não menos importante: Em 3 de dezembro de 2021 se realizou no Teatro Municipal de São João del-Rei um concerto em homenagem aos 308 anos da Cidade (1713-2021) e dedicado à memória de FERNAND JOUTEUX (1866-1956), compositor francês da grande ópera O SERTÃO, que passou pela cidade em 1937, ocasião em que fundou e foi o primeiro diretor do Conservatório Sanjoanense de Música. 
Abriu o concerto comemorativo o meu arranjo para PRELUDE TO A KISS, peça originalmente composta para conjunto de jazz acompanhar a cantora (Ella Fitzgerald). A letra de Irving Mills e Irving Gordon agradou tanto ao público que se perenizou até hoje. 
 
O leitor do Blog do Braga pode ouvir a gravação para meu arranjo jazzístico (octeto de sopros), clicando no link abaixo:  
 

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

CONSTANTINA ARAÚJO, SOPRANO DRAMÁTICO DE RENOME INTERNACIONAL E ESQUECIDA EM SUA TERRA


Por Francisco José dos Santos Braga 
 
Constantina Araújo (São Paulo, 1922-São Paulo, 1966)

"Em homenagem ao historiador José Carlos Neves Lopes que faleceu em 1º de abril de 2021, vítima de Covid-19, aos 73 anos de idade, amante de óperas e profundo admirador do soprano lírico-spinto brasileiro, Constantina Araújo, de quem tomou conhecimento em 1990 e em cujo louvor criou um blog. Com muita paciência e disciplina, burilou seu diamante por 25 anos, do que resultou o melhor livro em português sobre a célebre cantora brasileira, intitulado 'Constantina Araújo: uma soprano brasileira (Álbum de recortes)' de 2015. O historiador atribuía à doação dos acervos de Cysalpino Maia Carvalho e da irmã caçula da cantora, Renata Araújo, a abrangência de seu livro (nomeadamente com base em fontes italianas e brasileiras), em formato digital, publicado sob os auspícios da UENP-Universidade Estadual do Norte do Paraná em coautoria com o professor da UENP, Newton C. Braga, a quem couberam a revisão, editoração, capa e diagramação."

 

I. INTRODUÇÃO

 

Em outra seção deste Blog do Braga ¹, já tinha comentado o trabalho cultural inesquecível desenvolvido por Raphael e Ana Cilento durante o período em que permaneceu fechado o TMSP-Teatro Municipal de São Paulo para fins de reforma por pelo menos 4 anos (1984-1988). Um pouco antes, fundou e dirigiu seu Vídeo Verdi Ópera Club (outros nomes são conhecidos para o mesmo grupo) em São Paulo, com o objetivo de não deixar morrer a chama que se mantinha acesa durante a passagem de algum(a) grande regente ou cantor(a) por nossa terra e durante as tradicionais temporadas líricas, então grande atração turística paulistana, daquela casa de espetáculos. "Raphael Cilento foi grande conhecedor e colecionador de vídeos de óperas. Em VHS o homem era imbatível: tinha mais de duas mil óperas. Muitas delas no sistema PAL europeu, inacessível para a maioria dos brasileiros da época. Muitas das raridades de meu acervo devo a ele. Muito do que aprendi foi com ele. Seu Vídeo Verdi Ópera Club dos anos 80 foi um sucesso de público", narra Ali Hassan Ayache, em suas Crônicas Operísticas, no Blog Ópera & Ballet.
Depois de oferecer sua visão a respeito daquele grande melômano e empolgado divulgador de seu acervo operístico, Ayache passou a narrar uma aventura prosaica que ouvira de Cilento, sobre a aquisição de ingressos para Samsão e Dalila de Saint-Saëns com o tenor Jon Vickers, mezzo soprano Shirley Verret e barítono John Tomlinson, sob a regência de Sir Colin Davis (1917-2013), em apresentação pelo Royal Opera House, no Covent Garden em Londres, em 1981. 
"(...) Estava Raphael Cilento e sua amada esposa na terra da rainha na época da apresentação de Samson et Dalila. (...) Cilento corre para a bilheteria do famoso teatro londrino, Royal Opera House, Covent Garden, suporta na fila o frio e a chuva da capital inglesa por eternas 3 horas. Com apenas três pessoas à sua frente vê decepcionado a placa de ingressos esgotados. 
Cilento não se dá por vencido, roda a baiana londrina. Faz um escarcéu, ameaça chamar a Scotland Yard, diz que vai até à rainha se for preciso. Argumenta na bilheteria que veio do Brasil só pra assistir a ópera. A frieza do bilheteiro é gélida e bem britânica, ingressos esgotados e porta fechada na cara. 
Um senhor inglês ouve todo o quiproquó e se sensibiliza com o brasileiro maluco. Lhe oferece seus dois únicos ingressos, o problema é o lugar, a galeria. Ruim com eles, pior sem eles. Cilento compra os ingressos do prestativo cidadão, assiste com sua esposa à récita da galeria..." 

Além de mostrar quão determinado era Raphael Cilento, este meu texto faz questão de lembrar ainda quão grande era sua disposição de resgatar e valorizar artistas brasileiros(as) esquecidos(as), que tinham alcançado fama fora de nossas fronteiras. Sobre a soprano CONSTANTINA ARAÚJO, Cilento relembrava, segundo [PERPÉTUO, 1998]

"Era uma mulher belíssima, morena e alta", recorda Raphael Cilento, diretor do Vídeo Verdi Ópera Club, que obteve, em Nova York, o registro de "Ernani", que foi veiculado pela Cultura FM em 22/03/1998. "A voz era muito boa", afirma Cilento, que a viu cantar a ópera "Cavalleria Rusticana", de Mascagni, com Beniamino Gigli, no Pacaembu. "Tinha um ligeiro vibrato, que não incomodava." 

Reavivar a memória de CONSTANTINA ARAÚJO (1922-1966), que tinha um timbre especial de soprano lírico-spinto ², talvez tenha sido o exemplo maior do mencionado resgate de Raphael Cilento. Constantina Araújo, entretanto, está longe de ser um caso isolado. Agnes Ayres e João Gibin poderiam encabeçar a longa lista de grandes artistas líricos brasileiros que caíram no esquecimento. Não pode ser omitido aqui o nome da capixaba Eliane Coelho, soprano da Ópera Estadual de Viena, que já cantou com Carreras, Domingo e Pavarotti, e continua em plena atividade na Áustria. Mas seu nome ainda é ignorado por aqui. 

 

II. "Vita breve, arte lunga" de CONSTANTINA ARAÚJO  ³


Estudou canto lírico no Conservatório Dramático e Musical, com o professor Francesco Murino, mestre italiano de muitos outros talentos paulistas. 
Ela iniciou sua carreira musical inicialmente na Rádio Cultura por um breve período, mas principalmente na antiga Rádio Gazeta, emissora que dispunha de auditório onde eram levadas cortinas líricas e óperas completas em forma de concerto e onde participava do programa "Cortina Lírica", dirigido pelo maestro Armando Belardi. 
Estreou no Teatro Municipal de São Paulo em 1947, fazendo o papel de Leonora na ópera Il Trovatore de Giuseppe Verdi. Em Porto Alegre cantou as óperas Otello, Il Trovatore e Aída
Nas temporadas líricas de 1948 e 1949 do Teatro Municipal de São Paulo, atuou ao lado de Beniamino Gigli, Anna Raone e Paulo Ansaldi na ópera Cavalleria Rusticana de Mascagni, no papel de Santuzza, sob a regência de Edoardo de Guarnieri (19/08/1948) e de Armando Belardi (29/10/1949). 
 
Constantina Araújo como Santuzza na Cavalleria Rusticana / Temporadas líricas oficiais de 1948 e 1949 do Teatro Municipal de São Paulo - Crédito: José Carlos Neves Lopes (1948-2021)
 
 
Em conhecida crítica de Armando de Alcântara Pacheco à "Cavalleria Rusticana" pode-se ler num recorte do livro de [LOPES, 2015, 64], no que se refere a Constantina Araújo: 
"No difícil papel de "Santuzza", saiu-se maravilhosamente bem a nossa conhecida Constantina Araújo. Dona de um impecável timbre de voz, Constantina Araújo, que se acha em plena juventude, está fadada a ser um soprano dramático de renome internacional. Ao lado de Assis Pacheco, ofereceu-nos uma grande interpretação e um formidável jogo de cena no célebre dueto. São poucos os artistas que conseguem viver os violentos momentos de uma paixão traída, tão bem retratada neste dueto formoso que Mascagni deu ao mundo. Constantina Araújo, cantando "Voi lo sapete, o mamma", nada mais fez do que repetir a sua grande interpretação, quando da representação da Cavalleria Rusticana no Pacaembu." (Permito-me acrescentar: no Pacaembu, ocasião em que Constantina Araújo contracenou com Beniamino Gigli.)

Ao final de sua crítica diz ainda: 

"Antes de terminarmos as nossas impressões sobre o que foi a representação de "Cavalleria Rusticana", tomamos a liberdade de sugerir à direção da Rádio Gazeta, esforços no sentido de tornar conhecida em palcos da Europa, o soprano dramático Constantina Araújo. (...)" 

Infelizmente, o recorte da crítica dessa apresentação escrito por Armando de Alcântara Pacheco, não traz o nome do órgão jornalístico que a publicou. Ele prognosticou o futuro próximo de Constantina, e talvez as suas palavras a respeito do desempenho da soprano a tenham influenciado na decisão de ir tentar a sorte na Itália. 

 
Mas Constantina Araújo começou a ter problemas em 1950 dentro da Rádio Gazeta. Consta que teve uma briga com a soprano Agnes Ayres, razão pela qual foi despedida da Rádio. Ao mesmo tempo, foi rejeitada para as temporadas líricas de São Paulo e do Rio de Janeiro. 
 
Em outubro do mesmo ano, resolveu tentar a sorte na Itália. 
Quarenta dias após ter chegado (15/11/1950), numa substituição à última hora, no papel- título da ópera Aída encenada em Modena, mostrou para o que viera à Europa: deslanchar sua carreira, notadamente na Itália. 
 
[LOPES, ibidem, 75-6] documenta a estreia de Constantina Araújo em Modena, Reggio-Emilia e Veneza: 
"O acaso foi favorável a Constantina logo após sua chegada à Itália, em novembro de 1950. O acaso e a experiência de seu empresário, Carlo Tedeschi, o qual, aproveitando-se das oportunidades surgidas, conseguiu que Constantina se apresentasse nas montagens de Aída que os teatros dessas localidades haviam programado para o ano do cinquentenário da morte de Giuseppe Verdi.
No Teatro Comunale, de Modena, Constantina atuou ao lado de Mario Filippeschi, tenor, Anselmo Colzani, barítono, Giorgio Algorta, baixo, e Dora Minarchi, mezzo-soprano, sob a regência de Francesco Molinari Pradelli.
Com o mesmo elenco atuou na Aída montada na vizinha Reggio-Emilia, no Teatro Municipal.
E, por fim, no La Fenice, de Veneza, onde atuou pela primeira vez com a já famosa mezzo búlgara Elena Nicolai, o tenor Mirto Picchi, o barítono Ugo Savarese e o baixo Duilio Baronti, sob a regência de outro grande maestro italiano, Oliviero De Fabritiis."
Apontava o crítico de Gazzetino, de Veneza, in [LOPES, ibidem, 78]
"La parte di “Aida” è stata sostenuta iersera con vivo successo dalla giovane artista brasiliana Constantina Araujo, la quale ha superato la prova con una fresca stesa, sicura voce, drammaticitá di accenti, e nonotevole morbidezza d’inflessioni. Vivi applausi le sono stati rivolti, specialmente al terzo atto, dal pubblico che esauriva il teatro e che la festeggiato insieme a lei anche gli altri interpreti e il maestro Oliviero De Fabritiis."
Dois meses depois, estreou na mesma ópera, no Teatro alla Scala de Milão, contracenando ao lado de Mario Del Monaco, Fedora Barbieri e Ugo Savarese, sob a regência do renomado Victor de Sabata, em montagem comemorativa aos 50 anos da morte de Verdi. 

[PERPÉTUO, ibidem] dá informações complementares sobre a soprano brasileira quando conquistou o papel de Aída no palco do Scala de Milão: 
"De Sabata estava com problemas com a famosa Renata Tebaldi, que não queria cantar "Aída'", afirma Renata Araújo, irmã da soprano brasileira. "Ela foi até o Scala para ser ouvida pelo maestro e acabou sendo a escolhida." 
 
Na WORDPRESS.COM, [LOPES] documenta a sua aclamada entrada no alla Scala de Milão da seguinte forma: "O alla Scala de Milão procurava um soprano para uma nova montagem de Aída em comemoração aos cinqüenta anos da morte de Giuseppe Verdi, já que tinha havido um desencontro entre Renata Tebaldi e o maestro Victor de Sabata. Constantina, credenciada por seus sucessos anteriores, apresentou-se ao grande maestro Victor de Sabata para uma audição. Dentre seis sopranos que foram ouvidos, foi a escolhida. Em 20 de fevereiro de 1951, Constantina apresentava-se no palco da mais famosa casa de ópera da Europa, tendo ao seu lado Mario Del Monaco, Fedora Barbieri e Ugo Savarese. 
 
O superintendente do Scala assim se manifestou a respeito da feliz escolha de Constantina Araújo para o papel de Aída: 
(...) abbiamo avuto la surpresa di scropire una giovane sudamericana, Constantina Araujo, che nella parte di Aida si è rivelata superba interprete, dotada de belissima voce, dosata com intelligenze, sicura nella intonazione, e che si è fatta ammirare anche per la sua grazia. 
Incluída a data de estreia, Constantina apresentou-se como Aída em seis récitas no Scala: 20, 22 e 25 de fevereiro, 1º, 4 e 6 de março de 1951, conforme [LOPES, ibidem, 80]
 
Conta [LOPES, ibidem, ibidem] que o crítico musical Gian Galezzo Severi escreveu na edição de 04/03/1951 da revista Omnibus um artigo intitulado "Un'Aida de Prima Grandezza", com um trecho referindo-se à artista brasileira: 
"Le emissioni della Araujo sono di una perfezione esemplare e, poichè s'è parlato di respiri e di fraseggio, respiri e fraseggio hanno in lei naturalezza, una disinvoltura, una musicalità assolutamente insoliti, di questi tempi. 
L'estensione di cotesta voce è notevole, raggiungendo con una facilità mirabile le note sopracute; i passaggi di registro sono impeccabili; i coloriti sempre apropriati e quasi direbbe matematici; finalmente la qualità di questa voce à preziosa per la retondità e la pastosità del timbro, per la pienezza dell'accento, per il sosaggio del volume. 
[...] è ottima attrice..."

O “Alla Scala” abriu-lhe outras portas: Bari, Verona, Londres, Trieste, Montecarlo, Paris, Augsburg, Lisboa, Genova, Nápoles, Bolzano, Bolonha, Carpi, Salsomaggiore e outras cidades. Seu repertório incluía Aída, Un Ballo in Maschera, I Vespri Siciliani, Ernani, La Vita Breve, Mefistofele, Madame Butterfly, L'Amore dei tre Re, Oberon e Cavalleria Rusticana." 


[PERPÉTUO, ibidem] continua: 
A crítica da época, que chegou a chamá-la de "argentina" e "peruana", louvou a "soberba intérprete, dotada de uma voz belíssima, dosada com inteligência, segura na entonação". Sua "Aída" foi ouvida ainda na Ópera de Paris, no São Carlos de Lisboa, em Augsburg (Alemanha) e em Mônaco, além de teatros italianos como a Arena de Verona e o Carlo Felice, de Gênova. Continuou cantando papéis principais no Scala, destacando-se "Un Ballo in Maschera", de Verdi, ao lado de um dos maiores tenores do século, o sueco Jussi Bjorling. Após o "Ballo" do Scala, fez, com a mesma ópera, em 1952, sua tumultuadaestreia no Covent Garden, em Londres. A soprano que cantaria no teatro britânico adoeceu. A casa procurou mais nove cantoras até conseguir fechar com a brasileira, no dia da estreia. Não houve tempo para ensaios: Araújo desembarcou em Londres uma hora antes do espetáculo, enjoada depois de 11 horas de vôo. Mas sua atuação encantou o público, cujos aplausos a fizeram voltar dez vezes para agradecer.
Para imaginar quão hercúleos foram os seus esforços e quão retos os seus propósitos para ela atingir o píncaro da glória de bem representar o Brasil em palcos internacionais, vou adiantar aqui a listagem de todas as apresentações de Constantina Araújo na Europa, conforme listagem preparada por [LOPES, ibidem, 184-6], a fim de formarmos uma ideia do empenho e realizações da soprano brasileira durante os 8 anos ininterruptos nos palcos dos teatros europeus. A despeito de sua inclinação para a música desde tenra idade, reconhecida por todos os seus biógrafos, certamente sua mãe napolitana foi um fator preponderante e hereditário que possibilitou o surgimento e a persistência do seu amor individual à música. Respeitando seu pendor para a música, seus pais a matricularam no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde estudou com Francesco Murino. Também contribuíram muito para a obtenção de seu brilho vocal a sua passagem pela Rádio Cultura e, a partir de 1943 até 1950, ter integrado o 'cast' da Rádio Gazeta.   
 




 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nesta altura, vem muito a propósito o que escreveu o crítico musical do Correio da Manhã (RJ), Eurico Nogueira França, em "Catálise", em 24/03/1955, edição nº 19015, p. 15, ou seja, quando imagina que "nossos historiadores musicais do futuro olhariam com curiosidade e pasmo esta terra... porque não se podia negar a persistência do amor individual à música, que floresce no Brasil." No grupo de compositores, regentes e intérpretes que evidenciaram esse amor à música, ele citou duas cantoras, a saber: Bidu Sayão e Constantina Araújo, que ele chamou de "vozes privilegiadas, que adquiriram o prestígio estrangeiro dos rouxinóis." Como parágrafo final de sua crítica, recomenda que "as instituições musicais já existentes não se furtem a participar de uma inadiável experiência de laboratório, mas com o fim de produzir só produtos legítimos, não falsificados." Critica a Escola Nacional de Música em razão de permitir que "o governo desampare a causa das atividades musicais brasileiras, admitindo corte das subvenções, e retire um processo de regeneração urgente, deixando-a nas mãos de Joanídias e Anes, e com uma dotação orçamentária ínfima." Finalmente, "enquanto não são criados outros empreendimentos em prol da música e, igualmente para servi-los, espera-se que o Teatro Municipal apóie compositores e intérpretes nacionais, lance um conjunto de câmara e ponha a funcionar a sua orquestra, o seu coro, o seu corpo de baile, com vistas a uma tanto quanto possível atualização e difusão da nossa cultura da música." 
 
 
 
III. CONSTATINA ARAÚJO NO YOUTUBE

 
a) Aída, de Giuseppe Verdi, no Teatro Municipal, do Rio de Janeiro, em 1954; a ópera foi transmitida pelo rádio.

Constantina Araújo como Aída - O Patria mia - Aida, de Verdi, no R.J., 1954
https://youtu.be/ntvtqEg6g2w  👈

Constantina Araujo, Del Monaco, Mascherini - Aida (Seleção), R.J., 1954
https://youtu.be/exG26jURTm4 
👈
 
Constantina Araujo - "Qui Radames verrà" - Aida, de Verdi, no R.J., 1954
https://youtu.be/h9Zb-yCuHnQ 
👈
 
Constantina Araujo & Enzo Mascherini "Ciel, mio padre" - Aida, de Verdi, no R.J., 1954
https://www.youtube.com/watch?v=kPJvunje1wM 
👈
 
Constantina Araújo - Ritorna Vincitor! - Aida, de Verdi, no R.J., 1954
https://www.youtube.com/watch?v=mPReD7XAQg0&t=1s 
👈
 
Constantina Araújo e Mario Del Monaco - Pur ti riveggo - Aida, de Verdi, no R.J., 1954
https://youtu.be/W30N00zyP5k 
👈
b) Ernani, de Giuseppe Verdi, gravado nos estúdios da RAI, Coro e Orchestra Sinfonica di Roma della RAI - Regente: Fernando Previtali, 1958 

Verdi - Ernani - Final trio - Mario del Monaco, Cesare Siepi, Constantina Araújo como Elvira (1958)
https://youtu.be/mGYQSFLeonI 
👈
 
Verdi - Ernani: Ato I: Si rapisca..., Mario Del Monaco, coro (1958)
https://www.youtube.com/watch?v=8czXYwCztBQ 
👈
 
Verdi - Ernani: Ato I: Surta e la notte e Silva non ritorna!, Constantina Araújo (1958)
https://youtu.be/eIXY2WOzrJw 
👈
 
Verdi - Ernani: Ato I: Quante d'Iberia giovani te invidieran, coro e Constantina Araújo (1958)
https://youtu.be/IGrzt8bahpE 
👈
 
Verdi - Ernani: Ato I: Tutto sprezzo che d'Ernani, Constantina Araújo, criadas (1958)
https://youtu.be/7PFBMO7HG18 
👈
 
Verdi - Ernani: Ato II, Cena 4: Ah, morir potessi adesso!, Mario Del Monaco e Constantina Araújo (1958)
https://youtu.be/V4NWSG3-YSA 
👈
 
c) Obéron, de Weber em Paris - Live! (1955)
 
Constantina Araújo como Reiza - "Obéron", de Weber em Paris -Live! (1955)
 
 
IV. CONSTANTINA NO TEATRO MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO 
 
 
[LOPES, 2015, 164-5] trata do contrato firmado entre a Comissão Artística e Cultural, da Prefeitura do Distrito Federal, e Constantina Araújo, e não encontra explicações por que a cantora, ao invés das seis récitas previstas para o período de 27 de setembro a 15 de outubro de 1954, só conseguiu cantar uma delas, quando se apresentou em Aída no dia 08/10/1954 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro: 
"As negociações entre Constantina e o Teatro Municipal do Rio de Janeiro se iniciaram em 1953. O Teatro, cuja comissão recusara-se a ouvi-la em audição em 1950, agora ansiava por fechar um contrato com a soprano brasileira que tanto sucesso fazia na Europa. 
Em 25 fevereiro de 1953, foi assinado um contrato entre a Comissão Artística e Cultural, da Prefeitura do Distrito Federal, e Constantina Araújo, pelo qual a soprano se obrigava 'a prestar o seu concurso, na Temporada Lírica Internacional a ser realizada no Teatro Municipal - Rio de Janeiro, em 1953, interpretando Aída, Un Ballo in Maschera, Lo Schiavo, Madame Butterfly, Il Trovatore e outras de seu repertorio habitual, num total de seis récitas'. 
Pelas apresentações a Comissão lhe pagaria 'a quantia de cento e setenta mil cruzeiros', arcaria com uma passagem aérea Milão-Rio-Milão e se reservava “o direito de transmissão por rádio, ou televisão, das récitas que julgar convenientes, sem qualquer outra remuneração”. As récitas seriam realizadas num período de 30 dias, fixados entre 14 de agosto e 30 de setembro. A Comissão comunicaria à soprano o período de apresentação até 15 de abril de 1953. 
Esse contrato não prosperou e não temos nenhum documento que aponte a causa. 
O contrato que prosperou, levando-a a apresentar-se em”Aída” no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, é de junho de 1954. Por ele a soprano se obrigava a apresentar-se em seis récitas, recebendo por elas a quantia trezentos mil cruzeiros. Ela deveria cantar Aída, Trovatore, e qualquer outra de seu repertório, à exclusão de Madame Butterfly. Caso se dispusesse a cantar Lo Schiavo, de Carlos Gomes, lhe seriam pagos mais cinquenta mil cruzeiros. As récitas ocorreriam entre 27 de setembro e 15 de outubro de 1954. 
No contrato de 1954 com a Réunion des Théatres Lyriques Nationaux, da França, foi assegurado a Constantina que suas récitas de Obéron, somente teriam início a partir de 16 de outubro. No entanto, Constantina apenas se apresentou em “Aída” Por que motivos? 
No jornal, uma manifestação da cantora a respeito:
Teatro dell'Opera - Paris - Constantina Araújo in "OBERON"

Constantina Araújo, que vemos acima, na sua grande criação na Ópera de Paris, onde, durante a temporada deste ano, desempenhou 40 vezes o papel de Reiza, do "Oberon", de Weber, voltará à Europa no próximo sábado. 
Em declarações feitas a este jornal, a grande cantora lamentou só lhe ter sido possível interpretar uma única ópera na temporada do Municipal. Só pôde cantar a "Aída", de Verdi. Isso ela atribuiu à desorganização do teatro, pois esteve para vir várias vezes, sendo, depois, obrigada a cancelar a licença obtida com tanto trabalho junto à direção da Ópera de Paris. 
Espera voltar no ano que vem, sem os imprevistos e os adiamentos que prejudicaram sua atuação. Mesmo assim, seu sucesso na "Aída" foi absoluto."
 
A única apresentação brasileira de Constantina Araújo, após o início de sua carreira internacional, foi no papel-título "Aída", no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em outubro de 1954. "Foi o maior cachê que ela já recebeu", recorda a irmã Renata. 
 
Reportagem assinada por Sula Jaffé, intitulada "Constantina Araújo na "Aída"" na coluna "Música" do jornal Última Hora do Rio de Janeiro (falta-nos a edição para informar) traz revelações sobre a vida pregressa da cantora que, segundo sua autora, não tivera oportunidade de mostrar sua arte ao público carioca até então e aponta as razões (Cf. LOPES, 2015, 174):
"Em 1950, em plena São Sebastião do Rio de Janeiro, era julgada incapaz de cantar no nosso Teatro Municipal uma ambiciosa cantora paulista, pouco tempo antes despedida do 'cast' da Rádio Gazeta de São Paulo, de que por vários anos fizera parte. Motivo? Não tinha voz... Seu nome? Não foi preciso esperar mais que um ano para que fosse dito e repetido nas grandes capitais europeias: Milão, Roma, Londres e, mais tarde, Paris. Chamava-se Constantina Araújo aquele soprano "destituído de voz" em 1950 no Rio de Janeiro e apenas alguns meses mais tarde dotado de uma voz que fazia vibrar os grandes centros líricos do mundo. É triste e depõe contra nós o fato de possuirmos uma Constantina Araújo e, talvez por ignorância dos responsáveis, forçá-la a ir buscar na Europa o que de direito merecia e aqui não podia conseguir: a glória. Mas o tempo passou, o erro foi reconhecido e 1954 viu o mesmo Municipal, fechado quatro anos antes para a Araújo, ante sua arte curvar-se respeitoso e entusiasmado. A Aida de Verdi, última das 12 récitas de assinatura de gala da Temporada Lírica Internacional deste ano, marcou a estreia no Brasil de uma das maiores cantoras do cenário operístico atual: a brasileira Constantina Araújo. A grande expectativa daquele numeroso público que lotou nosso maior teatro na última sexta-feira foi plenamente correspondida. Constantina é realmente uma artista extraordinária. Não foi sem motivo que o Scala de Milão, o Covent Garden de Londres e a Ópera de Paris consagraram-na como soprano excepcional. Dona de uma voz belíssima, possui Constantina Araújo técnica das mais perfeitas, o que lhe permite dominar seu papel com extrema habilidade. Igualmente admirável é sua presença cênica, quer pela beleza e sinuosidade de seu porte, quer pela naturalidade e autenticidade de sua interpretação. À emoção de seu reaparecimento em pátria, podemos acreditar o ligeiro tremor de sua voz notado no início do espetáculo. Superado o nervosismo inicial porém, foi Constantina Araújo alvo das mais entusiásticas manifestações de apreço por parte do público."
Na edição de 10/10/1954 de O Jornal, o crítico musical Ayres de Andrade assim se expressou: 
(....) Constantina Araújo não decepcionou. Nenhuma cantora lírica brasileira, nestes últimos tempos, à exceção de Bidu Sayão, dispõe de um material artístico tão generoso, tão indicado a proporcionar à sua dona um renome internacional. A cantora possui voz extensa e brilhante: seu timbre cativa pela pureza: sua expressão denota o frescor peculiar ao intérprete ainda não contaminado pelos efeitos de habilidade profissional. Sua presença é atraente: seus gestos e atitudes têm a graça natural e insinuante da juventude. (...)

Dois meses antes, a revista O Cruzeiro na edição de 07/08/1954 publicou texto intitulado Constantina Araújo é o maior soprano dramático do mundo, assinado por Luiz Carlos Barreto, resgatando os principais momentos de sua vitoriosa carreira.

Essa foi a última apresentação de Constantina Araújo, no Brasil. No ano seguinte (1955), na reabertura do Teatro Municipal de São Paulo após reforma, foi escalada a soprano italiana Antonietta Stella para cantar em “Lo Schiavo” de Carlos Gomes, ópera que integrava o repertório de Constantina desde pelo menos 1947, como se vê no recorte do Departamento Municipal de Cultura apresentando a ópera Lo Schiavo no Teatro Municipal de São Paulo, tendo nos papéis de Iberê, Ilara e Américo: Paulo Ansaldi, Constantina Araújo e Assis Pacheco.  (Cf. recorte in LOPES, 2015, 48)
 
Lo Schiavo, no repertório de Constantina Araújo desde 1947

 
Memorável também foi a sua atuação, no papel de Elvira, numa gravação célebre de "Ernani", de Verdi, feita nos estúdios da RAI de Roma, em 1958. Regida por Fernando Previtali, a ópera conta com alguns dos nomes do canto lírico nos anos 50: o tenor Mario del Monaco ("Ernani"), o baixo Cesare Siepi ("Don Silva") e o barítono Mario Sereni (Don Carlo). 
"Em 2001, foi lançada uma gravação que Constantina fez em 1958, ao lado de Mario Del Monaco, Cesare Siepi e Mario Sereni, sob a regência de Fernando Previtali, para uma transmissão radiofônica da RAI, da ópera Ernani de Giuseppe Verdi. Trata-se de um documento raro que atesta a beleza e a qualidade de seu registro", segundo [LOPES, 2015, 13].  
 
"Em outubro de 1954, Constantina foi convidada a apresentar-se no Rio de Janeiro, onde fez Aída, seu principal papel e o que cantou o maior número de vezes. Em 1954, apesar do sucesso internacional, as portas do Teatro Municipal de São Paulo ainda continuavam fechadas para Constantina Araújo. Numa montagem de Lo Schiavo, de Carlos Gomes, em comemoração ao 4º Centenário da Cidade de São Paulo, o Teatro trouxe Antonietta Stella, soprano italiano, para fazer o principal papel feminino dessa ópera", de acordo com [LOPES, ibidem, ibidem], apesar de que tal ópera integrasse o repertório de Constantina.
 
Em 1966, em plena atividade, ela veio ao Brasil para se operar de um fibroma (tumor benigno de tecido conjuntivo). "Ela queria fazer a cirurgia na Itália, mas nós sugerimos que ela viesse para cá, onde podíamos cuidar dela", diz a irmã. Nesse mesmo ano, solteira, acabou falecendo bruscamente, em São Paulo, no dia 4 de março, de embolia pulmonar. 
 
 
 
V. NOTAS  EXPLICATIVAS

 

¹  Em 21/05/2012, publiquei no Blog do Braga um artigo intitulado Poder da Ópera de levar a um "sentir coletivo", que enaltecia as qualidades dos fundadores das associações Vídeo Verdi Ópera Club em São Paulo e Amigos da Ópera em Brasília e que tive o prazer de frequentar.  
 
²   Soprano dramático é uma classificação para uma voz mais possante e cheia. Soprano spinto também tem uma voz cheia, mas costuma ter uma qualidade amanteigada, por assim dizer. Devido a essa qualidade referida, o spinto está entre o dramático e o lírico. O soprano lírico-spinto é um soprano que, por características anatômicas singulares, desenvolve uma espécie de peso na voz. Seu timbre tem características encorpadas e metálicas ao mesmo tempo. 
O termo utilizado pelos alemães para um soprano lírico-spinto é jugendlich Dramatischer, isto é, soprano dramático jovem, em oposição ao hoch Dramatischer.
O soprano lírico-spinto se sente confortável fazendo o papel, por exemplo, de Desdêmona na ópera Otello e Leonora na ópera Il Trovatore, ambas de Verdi; ou Madame Butterfly e Tosca em Puccini; ou ainda Adriana Lecouvreur de Francesco Cilea.
 
³  O significado original da frase “A vida é curta e a arte é longa” referia-se à necessidade de se aprimorar continuamente para atingir a perfeição, conceito que pode ser adotado em qualquer tipo de arte. Ou seja, a vida é curta demais para a grandeza da Arte.
 
Este foi um rumoroso caso dentro da ENM-Escola Nacional de Música, por ocasião de um concurso de composição de 1927, cujo prêmio seria uma viagem à Europa, do "discípulo" diplomado no curso de Composição da ENM que fosse selecionado. No concurso se inscreveram apenas Joanídia Sodré e Antônio Assis Republicano. Joanídia Sodré era professora na Instituição; Assis Republicano, ex-aluno que foi declarado inicialmente vitorioso no concurso por júri integrado por Giovanni Gianetti e Fernand Jouteux, além de outros. Mas Joanídia, sabendo que ele já tinha idade superior à idade-limite prevista no edital ("no máximo, 30 anos"), resolveu ir à barra dos tribunais. Estava claro que nem ela (por ser professora) nem ele (por já ter ultrapassado a idade-limite prevista no edital do concurso) poderiam estar na disputa. Ela não foi exatamente a vencedora do concurso, mas foi a agraciada com a bolsa de estudos na Alemanha por ter ganho a ação judicial por ela interposta, com que obteve a desclassificação de Republicano. 
O Maestro Assis Republicano é hoje lamentavelmente um compositor relegado ao esquecimento por nosso povo, apesar de ter composto, naquela altura do concurso e depois, inúmeras obras grandiosas, especialmente a ópera O BANDEIRANTE composta entre 1920-4, que alcançou grande sucesso em São Paulo (1925 e 1927) e no Rio de Janeiro nos anos de 1924 a 1927. O compositor só não está totalmente esquecido porque o seu arranjo do Hino Nacional Brasileiro para bandas foi oficialmente adotado pelo Governo Federal em 1971. 
Joanídia Sodré, apesar de seu excelente aperfeiçoamento na Alemanha, como compositora escreveu algumas poucas obras, entre elas a ópera “Casa Forte”, um trio e dois quartetos. Academicamente foi mais bem sucedida: foi a primeira mulher a se tornar diretora da ENM por dois mandatos entre 1945-1954 e, mais tarde, vice-reitora da Universidade do Brasil e sua reitora interina por quase um ano. 
Sobre o assunto em questão, recomendo a leitura dos seguintes artigos: 
3) Maestro Assis Republicano, por seu filho Esaú de Assis Republicano 
 
  A festa “Fresco Notturno sul Canal Grande”, em Veneza, é tradicional. Durante ela, realizam-se concertos num palco em plena água, rodeado por gôndolas e barcos repletos de pessoas. Em agosto de 1951, acompanhavam os cantores a Orquestra e o Côro do Teatro La Fenice. Constantina Araujo, recém-chegada à Itália, participou de um deles no dia 18/8/1951. Na ocasião, cantou “Ritorna vincitor” de Aída, o terceto do Ato I de "Il Trovatore", em conjunto com Mazziero e Guelfi, e a ária Pace, pace mio Dio, de “La Forza del Destino”.
 
Crédito pela foto: Foto Ferruzzi - Venezia


 
VI. AGRADECIMENTO
 
Agradeço à minha amada Rute Pardini Braga a formatação e edição das fotos utilizadas neste artigo.
 
 
VII. REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS


AYACHE, Ali Hassan: Crônicas Operísticas: Os ingressos para Samson et Dalila, Blog Ópera & Ballet, 24/01/2012.
 
FOLHA DE S. PAULO: Cultura FM resgata Constantina Araújo: Emissora de rádio transmite "Ernani", de Verdi, ópera estrelada pela soprano brasileira e regida por Previtali,  por Irineu Franco Perpétuo, 20/03/1998.  
 
LOPES, José Carlos Neves: Constantina Araújo, uma soprano brasileira (Álbum de recortes), Cornélio Procópio-PR: UENP - Universidade Estadual do Norte do Paraná, 2015, 190 p.
 
__________________. Blog dedicado à divulgação da carreira da grande soprano. 
 
__________________. Operando Milagres (entrevista de José  Carlos Neves Lopes à Tribuna do Planalto em 21/07/2003)
 
__________________. Constantina Araújo e a Ópera de Paris (artigo publicado no site Portogente, em 25/02/2004)
 
__________________. CONSTANTINA ARAÚJO - DE ÓPERA E CONCERTOS (artigo "Constantina Araújo: 6 novas fotos" com anúncio da produção de Obéron, de Weber (1954-55) com Constantina Araújo lançada em CD)
 
__________________.  CONSTANTINA ARAÚJO - ERNANI (artigo anunciando produção de Ernani, de Verdi (1958) com Constantina Araújo lançada em CD)
 
OPERA CLICK: Ernani - Del Monaco e ahimé... Araujo 
 
WORDPRESS.COM: Constantina Araújo, soprano (1922-1966)