sábado, 11 de maio de 2024

Dr. ANTÔNIO DE ANDRADE REIS FILHO: cerimônia de inauguração do seu busto na Santa Casa da Misericórdia de São João del-Rei


Por Francisco José dos Santos Braga
 
DR. ANTÔNIO DE ANDRADE REIS FILHO - Homenagem da Santa Casa da Misericórdia pela abnegação de uma vida a serviço da saúde de São João del-Rei e região. - Crédito por todas as fotos: Rute Pardini Braga

Estando presente nesta data (sábado, 11 de maio de 2024) à cerimônia de descerramento do busto de Dr. Antônio Andrade Reis Filho a convite de D. Valéria Cordeiro, mãe de meu amigo Augusto, sinto-me inspirado a fazer algumas reflexões sobre essa figura notável de médico cirurgião, obstetra e ginecologista que foi, e sobre os grandes serviços que prestou à causa da saúde de São João del-Rei e região: Dr. Antônio de Andrade Reis Filho. 
 
Há 14 anos atrás, o sistema de saúde pública em nossa região foi muito fortalecido com dois eventos importantes: a inauguração e imediato funcionamento da Unidade de Pronto Atendimento - UPA Dr. Antônio de Andrade Reis Filho no mês de março de 2010 e a instalação do Serviço de Assistência Móvel de Urgência (SAMU), que entrou em operação no final daquele ano. 
 
A expectativa era de que a obra iria beneficiar 270.000 pessoas da cidade e região. 
 
Vários serviços médicos e ambulatoriais, principalmente de baixa e média complexidade, que até então eram prestados pela Santa Casa e pelo Hospital N. S. das Mercês, passaram a ser oferecidos pela UPA, apta a prestar atendimentos de urgência e triagem para encaminhamento hospitalar, sendo excluídos os casos de internações e procedimentos de maior exigência técnica. 
 
A ideia é que aqueles dois serviços fizessem parte de uma rede de urgência e emergência a ser implantada em nossa região e, como toda “rede”, deveria funcionar de maneira integrada, para que os resultados em benefício à população fossem os melhores possíveis. Para denominação de uma UPA com tal padrão de excelência e de utilidade pública, foi lembrado o nome de Dr. Antônio de Andrade Reis Filho, que honrou a sua profissão de conceituado médico cirurgião, obstetra e ginecologista, falecido em 1992, deixando viúva Marina de Resende de Andrade Reis, falecida recentemente, e sete filhos: Raquel, Carlos, Nelson, Inês, Antônio, Gisele e Eduardo.
 
A sua cidade natal fez uma homenagem muito carinhosa a ele: a UPA ganhou o seu nome.
 
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Convite para a homenagem a ser prestada ao Dr. Antônio de Andrade Reis Filho pela Santa Casa da Misericórdia de São João del-Rei

 
Dr. ANTÔNIO DE ANDRADE REIS FILHO nasceu em 1919, terceiro filho do casal Dr. Antônio de Andrade Reis (1882-1947), natural de São Tiago, e Gabriela Martins, natural de Juiz de Fora, apelidada de Bielinha. Graças a Dr. Antônio de Andrade Reis, pai, a Santa Casa notabilizou-se por seu bloco cirúrgico que ele ali criou, instalado com equipamentos (inclusive um centro radiológico, algo supermoderno naqueles tempos) que ele próprio adquiriu na Alemanha, inclusive com o concurso de seus dois filhos também médicos: Ivan Andrade Reis, nascido em 1910, que, depois de formado na Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, se tornaria médico ginecologista e cirurgião de renome da Santa Casa, com especialização nos Estados Unidos, falecido em 1982; e Antônio de Andrade Reis Filho, depois de formado na Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, foi especializar-se em Boston, após passar alguns meses em Nova Iorque para fazer alguns cursos, com o objetivo de retornar com aprendizado de modernas tecnologias para a Santa Casa. 
 
Como, a seguir, vou utilizar dois trechos do livro Estações de minha vida (2002), é preciso ainda mencionar que o casal Andrade Reis teve também uma filha, Niva de Andrade Reis, autora do referido livro de memórias, nascida aos 05/11/1917 e casada em 1ªs núpcias com Dr. Saulo Paulo Villa, já falecido, com quem teve quatro filhos, e casada em 2ªs núpcias com Eustáquio Gallejones Prieto, sem geração. Diferentemente de seus dois irmãos, após o Curso Normal concluído em 1933 no Colégio Nossa Senhora das Dores de São João del-Rei, ela se encaminhou para a pintura e, com a concordância de seus pais, seguiu para a Capital Federal para estudar pintura, arte de sua predileção, sob a orientação de Carlos Oswald.
[REIS, 2002, 181-182], no capítulo intitulado Infortúnios, relata os últimos dias de Dr. Antônio de Andrade Reis Filho, que constituíram para ela uma teia de infortúnios:
"(...) Antônio apareceu em meu apartamento muito abatido e se queixando da tireóide. 
Eu disse: Você precisa ver isso." 
Ele respondeu: "Depois do casamento de meus filhos." 
Em 1992, quando descobriu que era câncer, ele operou-se em São Paulo, tendo sempre o velho amigo Charli ao seu lado. Os médicos o mandaram para São João del-Rei, onde ele ainda morava, para descansar até a segunda cirurgia. Mas ele já sabia que não seria feita.
O médico que o tinha operado em São Paulo foi lá e procurou os médicos que estavam tratando dele: "Não deixem o Antônio sentir dor nenhuma, porque o caso dele não tem mais solução." 
Ele continuou trabalhando normalmente no seu consultório na Santa Casa, onde ele passava mais tempo do que na sua própria casa. Numa sexta-feira ele foi lá trabalhar e no sábado foi internado. 
Ao ser conduzido, ele disse: "Estou entrando em minha casa."
Ficou uma semana internado. Eu fiz-lhe companhia, junto com sua mulher Marina. Estava lúcido, caminhava, conversava muito comigo, mas tinha dores horríveis, amenizadas com injeções. 
Uma vez disse: "Lamento não ter rezado mais." 
Eu o consolei: "Você rezou a vida toda, fazendo bem a todos." 
Morreu na madrugada de domingo para segunda. Tinha sete filhos com Marina: quatro mulheres e três homens. Por isso ela usava um colar com sete bonequinhos de ouro dependurados."
[REIS, idem, 182] ainda continuou suas memórias: 
"Éramos muito unidos, eu e Antônio. Foi com ele que falei primeiro sobre minha intenção de casar com Gallejones" (seu 2º marido). (...) 
"Antônio gostava muito de festas, inclusive de seu próprio aniversário. Parecia uma criança rodeada de presentes. Íamos quase todos ao seu aniversário. Quando chegávamos, diziam: "Chegaram os Nivocas", como chamavam meus filhos, e nós chamávamos os filhos de Antônio de Tonicas, por causa do apelido dele, Tonico. Antônio e Marina tiveram sete filhos: Raquel, minha afilhada a pedido, casada com Joel Rodrigues e pais de Maíra, Gabriela e Mariana; Carlinhos, que mora em Cascavel-PR, pais de Kizzy e Tiago; Nelson, casado com Valéria, pais de Augusto e Pedro; Inês, que tem um filho chamado Felipe; Toninho, casado com Mônica, pais de Antônio e Ana Lúcia; Gisele, casada com Zequinha, pais de Zezinho e Marina; e Eduardo, casado com Ana Paula, pais de Isadora e Giovana."
 

 
Meus parabéns a toda esta distinta família, oriunda de São João del-Rei, que estendeu suas raízes para além desta terra e se fez admirada pelos três grandes vultos que exornam a Medicina são-joanense, presentes na galeria de médicos notáveis da Santa Casa da Misericórdia: Dr. Antônio de Andrade Reis (1882-1947), patrono da Cadeira nº 6 da Academia Mineira de Letras e patrono da Cadeira nº 28 da Academia de Letras de São João del-Rei, da qual sou atual ocupante; e seus filhos Dr. Antônio de Andrade Reis Filho (1919-1992) e Dr. Ivan de Andrade Reis (1910-1982).
 
Tomaram parte na cerimônia as seguintes pessoas e autoridades:
Cerimonialista: Tovar Luiz (gerente do Pop News)
Oradores: Carlos Antônio Neves Teixeira (provedor da Santa Casa, que encerrou seu pronunciamento com um telegrama do Dep. Fed. Aécio Neves abaixo referenciado) e Adriano José Tomás Teixeira (diretor administrativo na Santa Casa) em nome da Mesa Diretora da Instituição; Raquel Andrade Reis (em nome da família do homenageado); Dr. Luiz Antônio Neves de Resende (médico pediatra da Santa Casa); Dr. Paulo César de Araújo Rangel (cardiologista da Santa Casa, Diretor Presidente da Unimed São João del-Rei); Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (desembargador do TJ/MG e membro do IHGMG)
Membros da família de Dr. Antônio A. R. Filho: filhos (5 presentes), noras, netos, netas e bisnetos, bisnetas
D. Rute Silva, auxiliar do Dr. Antônio A. R. Filho

Abertura da cerimônia solene:
Por sugestão de Tovar Luiz, foi cantado o Hino Nacional Brasileiro.
 
Leitura do telegrama do Dep. Fed. Aécio Neves por Carlos Antônio Neves Teixeira:
"Caros membros da Diretoria da Santa Casa da Misericórdia de São João del-Rei, a quem já cumprimento pela feliz iniciativa de homenagear o saudoso Dr. Antônio Andrade Reis Filho.
Queridos amigos, familiares do Dr. Antônio presentes a esse evento; conterrâneos,
 
Impedido de estar presente a essa cerimônia por compromissos anteriormente agendados, não poderia deixar de enviar essa mensagem como forma de participar dessa solenidade que reverencia, com justiça, a memória desse que foi um dos mais destacados e dedicados médicos de São João.
Desde minha infância, recordo-me de ouvir o nome do Dr. Antônio, citado em nossa casa por meus avós, Tancredo e Risoleta, sempre com deferência e reconhecimento, como símbolo mesmo de entrega à medicina, o que fez com imensa dedicação e competência.
Vocacionado e estudioso, Dr. Antônio sempre recebeu o respeito de seus pares, mas, principalmente, de seus pacientes, a quem tratava com cuidado extremado, marca de toda a sua carreira.
Reconhecido como exímio profissional, Dr. Antônio agia como um humanista, o que marcou sua atuação neste centro de saúde, na verdade sua segunda casa, empenhando-se, com sucesso, para torná-la uma referência no atendimento médico de toda a população da região, sobretudo os mais pobres.
Dr. Antônio será sempre lembrado com admiração e respeito por todos aqueles que tiveram o prazer de conviver com ele e sua Família, de quem tinha enorme orgulho, ou que receberam dele atenção médica exemplar.
Mais uma vez, parabenizo a direção da Santa Casa pela homenagem, deixando meu abraço fraterno aos filhos e netos desse grande médico.
Aécio Neves
Deputado Federal"


Rute Pardini Braga, minha colaboradora




 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O autor, Tovar Luís e Dr. Paulo César de Araújo Rangel
 
Raquel de Andrade Reis e Ruth Viegas, esta representando SICOOB Credivertentes São João del-Rei, dirigido por João Pinto de Oliveira
 
Nelson Andrade Reis e o autor
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Filhos do homenageado: Nelson, Raquel, Inês, Antônio de Andrade Reis Neto e Eduardo de Andrade Reis. (Carlos de Cascavel-PR e Gisele do Rio de Janeiro lamentaram a impossibilidade de comparecerem à homenagem prestada pela Santa Casa a seu pai.) Ao fundo: encontro de 3 baluartes da medicina são-joanense: Dr. Euclides Garcia de Lima ("Tidinho"), Dr. Cid Rangel e Dr. Antônio de Andrade Reis Filho

 
Dra. Tatiane, D. Rute Silva (enfermeira auxiliar de Dr. Antônio A. R. Filho) e Dr. Pedro Cordeiro de Andrade Reis
 
 
Dr. Pedro Cordeiro de Andrade Reis e Dr. Roberto Veloso

Rute Pardini Braga, Ruth Viegas, Soninha e o autor

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O autor e Dr. Marco Antônio de Araújo Rangel

 
Ex-alunos do Ginásio Santo Antônio: Dr. Marco Antônio de Araújo Rangel, Dr. Luís Antônio Neves de Resende e o autor


 
 II. AGRADECIMENTO

À minha amada esposa Rute Pardini Braga por todos os registros fotográficos e colaboração na redação da crônica.
 
 
III. BIBLIOGRAFIA
 
 
BRAGA, Francisco José dos Santos: Meu discurso de Defesa do Patrono da cadeira nº 28, patronímica de Dr. Antônio de Andrade Reis, na Academia de Letras de São João del-Rei, postado no Blog do Braga em 28/10/2012.
 
_______________________________: DISCURSO DE SAUDAÇÃO PELO MEU INGRESSO NA ACADEMIA DE LETRAS DE SÃO JOÃO DEL-REI por Dr. Euclides Garcia de Lima Filho (nosso amado Dr. "Tidinho"), postado no Blog do Braga em 11/10/2021
 
REIS, Niva de Andrade: Estações de minha vida, Rio de Janeiro: Editora Lidador Ltda., 2002, 195 p. 

domingo, 5 de maio de 2024

Ideias acerca de “UMA NOITE SEM ELA”


Por Francisco José dos Santos Braga
 
Livro de poemas inspirados de João Carlos Ramos, 1ª edição 2024, 158 p.
 
Tive a honra de ser convidado para o lançamento do livro "Uma Noite sem Ela", uma obra que qualquer poeta brasileiro se envaideceria de assinar, tal a fluidez de sentimentos e emoções que o caracteriza. 
 


Infelizmente não pude comparecer devido a compromisso anteriormente assumido com a Academia Formiguense de Letras de animar com uma apresentação artística a sua reunião noturna de ingresso de neoacadêmicos. Mas, esperando redimir-me, me apresso a dar uma pequena contribuição ao festejado poeta de Ladainha, que Divinópolis adotou como sua segunda terra natal.
O premiado poeta João Carlos Ramos resumiu da seguinte forma a noite de gala que se constituiu o lançamento de seu livro "Uma Noite sem Ela": "A noite festiva se iniciou às 20 horas aproximadamente e contou com a participação do mestre de cerimônia Sérgio Resende fazendo a abertura. logo após convidou a Coordenadora da Biblioteca Luciene Miranda para a palavra inicial. O cantor João Batista da Silva abrilhantou a noite com um repertório de músicas selecionadas nacionais e internacionais. 
O Prof. Dr. Fernando de Oliveira Teixeira fez o comentário crítico da obra em grande estilo. 
Logo após fui convidado a falar sobre o livro. 
A seguir, os presentes que lotaram o auditório da Biblioteca P. M. Ataliba Lago, foram solenemente convidados a saborear um farto coquetel, enquanto o autor autografava os livros recém-lançados. Contei com a presença honrosa dos seguintes confrades: Augusto Fidélis, o orador Fernando Teixeira e Flávio Ramos.
E claro, lá esteve todo o tempo atenta e carinhosa: "Ela", Marita Conceição Ramos, sua esposa e fiel companheira de todas as horas.
 
ELA 
 
Ela não abandonou 
Um pobre homem na estrada. 
Roupas rasgadas 
Indicam 
Feridas abertas sem causa. 
O sorriso lunar 
Substitui o sol. 
(Não sou culpado do entardecer!) 
Uma rosa e um martelo 
Em suas mãos. 
Enfeitarás o meu silêncio 
Rico e necessário. 
Baterás naquilo que não fiz! 
Ficarei emocionado 
Ao ver baixar as águas 
Me darias tudo, eu sei! 
Não precisas me dar nada. 
Basta a alvorada.
 
Numa palavra, o livro  está carregado de afetos (positivos), propiciando a oportunidade que eu fale sobre os afetos. E ao tratar desse tema, atentemos para uma recomendação inicial: não devemos nunca depreciar a importância dos afetos em nossa vida. Filósofos da estatura do holandês Baruch de Spinoza (1632-1677) já nos alertava para darmos importância e estarmos atentos aos nossos afetos. 
 
Desde Platão, a alma humana foi concebida como essencialmente diferente do corpo humano. René Descartes (1596-1650) levou esse "dualismo" ao extremo, defendendo que a mente e o corpo são substâncias ontologicamente distintas e independentes sem nada em comum; e, todavia, estão unidos e interagem causalmente em um ser humano.
Segundo [CARRASCO, 2022], no século XVII,  esse filósofo francês estabeleceu uma separação entre mente e corpo, uma filosofia dualista, entendendo que a mente racional tinha um poder absoluto sobre as ações do corpo e um domínio sobre os afetos e as paixões. Dentro dessa perspectiva, o corpo, tradicionalmente entendido como fonte de erro, irracionalismo e pecado, precisava ser controlado pela razão.
 
Spinoza se colocou contrário àquela tradição herdada de Platão, entendendo que os afetos não são irracionalidades. Para ele, a felicidade não dependia do bom uso da razão, mas de uma libertação das potências afetivas, em especial da alegria. Spinoza defende uma perspectiva monista, entendendo que mente e corpo compõem a mesma instância, de modo que não há poder de um sobre o outro, nem diferença entre o conhecimento da razão e o conhecimento dos afetos. 
 
Diferente da tendência tradicional de valorizar a moral normativa, Spinoza propõe uma perspectiva imanente, abandonando a moral normativa em favor de uma ética dos afetos. Pensando numa ética dos afetos, ele propõe a transformação da atividade do desejo, a partir de um estado passivo para o ativo. A partir desta ética, nossa ação seria justa e verdadeira quando primeiramente desejamos tal ação. Sua ética não parte de valores transcendentes, como o "bem" ou o "mal", mas propõe uma relação imanente, que busca conhecer aquilo que nos faz bem ou mal. A partir desse conhecimento, propõe uma vida livre que consiste em substituir os afetos (negativos) que diminuem, pelos afetos (positivos) que ampliam nossa potência de agir. 
 

 


Para o psicanalista Wilson Klain, no portal Plenae, o afeto “nasce no corpo, parte do corpo e age sobre o corpo”. Portanto, ele é indissociável de nós mesmos. Apesar de serem como “nuvens”, por não serem físicos ou possíveis de serem pegos na mão, eles são sentidos profundamente por nós. São produzidos pelo organismo e, simultaneamente, são orgânicos.
O afeto nunca é neutro, pois vem sempre repleto de significados, alegrias, tristezas, dores ou prazeres. Justamente porque, em sua essência, ele nos afeta.
 
O livro que tenho o prazer de apresentar ao meu leitor tem a virtude de acionar os afetos positivos do amor, da solidariedade e da solicitude no sentido de ampliar a nossa potência de agir. 
 
UMA NOITE SEM ELA
 
Viajou. 
Meu peito dói.
Estás aqui.
E os meus desejos?
Pensamentos sem lei, queimados de sol e sede.
Ah! Chegou:
Beija-me os tristes olhos.
Veja meu corpo só!
... Centenas de noites.
Nós dois juntos.
A água do prazer
banhando nossos corpos...
Fatalidade!
Uma noite sem ela...
Não quero estrelas,
comidas ou flores.
Quero apenas o fim da eternidade desta noite!

LAPIDAÇÃO

O BEM começa,
O MAL também.
(O BEM é trem,
O MAL é peça).

... E AGORA DRUMMOND?
 
... E agora Drummond?
José não existe.
A festa continua no velório do povo.
E o novo prometido
nas páginas do sonho?
A poesia foi embora, Drummond e agora?
Mulheres bonitas chorando.
A proposta continua: à volta da poesia
[completamente nua.


BIBLIOGRAFIA

CARRASCO, Bruno: Spinoza e a ética dos afetos, portal Ex-isto, publicado em 05/01/2022
 
DINIZ, Geyze Marchesi & Abílio: Desmistificando conceitos: o que é o afeto?, portal Plenae, publicado em 04/11/2020
Link: https://plenae.com/para-inspirar/desmistificando-conceitos-o-que-e-o-afeto/
  👈
 
RAMOS, João Carlos: Uma Noite sem Ela, Divinópolis: Gulliver Editora Ltda., 2024, 1ª edição, 158 p.


quarta-feira, 1 de maio de 2024

Após cinco anos de batalha judicial, a justiça carioca profere sentença favorável à edição e distribuição da biografia de Guimarães Rosa, por Alaor Barbosa


Por Francisco José dos Santos Braga
Recentemente, publiquei um post sobre a intolerância de uma personalidade pública (no caso, o cineasta Stanley Kubrick) em relação a um livro de Neil Hornick sobre seus filmes. De acordo com o cineasta, o crítico de cinema ousou abordar suas falhas, especificamente em "Lolita" (1962), um longa-metragem de comédia dramático-romântica baseado no romance homônimo escrito por Vladimir Nabokov em 1955. A editora, por sua vez, tinha assinado um acordo com o cineasta, comprometendo-se a não publicar nada sem os conteúdos da obra merecerem a aprovação dele, razão por que remeteu a Kubrick uma versão inicial do manuscrito. Após lido, Kubrick desaprovou o conteúdo do livro e, intolerante, barrou a publicação por se julgar injuriado pela sua crítica. Agora, mais de meio século na gaveta e 25 anos após a morte do cineasta, finalmente o livro foi lançado por outra editora nova-iorquina.
No Brasil, houve a proibição de circularem no mercado biografias de pelo menos três figuras públicas como Roberto Carlos, Garrincha e João Guimarães Rosa. Em 2008, tivemos o início de uma disputa judicial entre a filha de João Guimarães Rosa, Vilma Guimarães Rosa (✰ Itaguara, 1931 ✞ Rio de Janeiro, 2022), autora da biografia de seu pai, intitulada Relembramentos: João Guimarães Rosa, Meu Pai (1983), e sua editora, Nova Fronteira, contra a LGE Editora por ter ousado imprimir, sem sua autorização, outra biografia do escritor mineiro, intitulada Sinfonia Minas Gerais: A Vida e a Literatura de João Guimarães Rosa (2007) por Dr. Alaor Barbosa, cujo desdobramento e desfecho descreverei neste trabalho.

Capa do livro de Alaor Barbosa de 2007, barrado de circular no mercado em 2008

 
O articulista Leo Bicudo, estupefato, se indigna com a audácia da biógrafa, que, ao pedir a proibição da biografia de seu pai por outro autor que não fosse ela própria, se atreveu a considerar a sua visão a única possível, investindo contra quaisquer iniciativas de outros autores de terem diferente visão e de fazerem diferentes abordagens à vida e obra do biografado. O jornal Hoje em Dia, estampou na edição de 02/03/2008, na coluna de Leo Bicudo: 
Depois das biografias de Roberto Carlos e Garrincha, chegou a vez da história de João Guimarães Rosa não poder ser contada. A filha do escritor, Vilma Guimarães Rosa, desautorizou a publicação do livro Sinfonia Minas Gerais, elaborado pelo estudioso Alaor Barbosa, que chegou a conviver com Guimarães Rosa. O livro, que comemoraria o centenário de nascimento do escritor brasileiro, está encalhado na editora (LGE Editora). Vilma afirma que é a única que possui direito para fazer uma biografia do pai. O livro não atenta contra a moral de Guimarães Rosa. Ao contrário, relata os feitos fantásticos do romancista mineiro. Será que a moda pega e deixaremos de ter acesso a outros grandes nomes de nossa história?
 
Para os que não conhecem o imbroglio envolvendo as duas biografias de pessoas públicas como Roberto Carlos, Garrincha e Raul Seixas, reproduzo aqui o ocorrido, segundo [CUNHA, 2015]
Em 2013, medalhões da MPB, como o ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque e Roberto Carlos, reunidos no grupo Procure Saber, defenderam que o direito à intimidade justificaria a necessidade de aval preliminar para a publicação de biografias. Roberto Carlos é um caso exemplar. Em 2006, o escritor Paulo Cesar de Araújo lançou Roberto Carlos em Detalhes; no ano seguinte, Roberto entrou na Justiça, que lhe deu ganho de causa e determinou que 11 mil exemplares fossem recolhidos das livrarias. (...) 
Celebridades são públicas e, muitas vezes, peças importantes para os historiadores resgatarem certa época, daí porque censurar previamente uma biografia é tentar, inutilmente, amordaçar a história. Filosoficamente falando, biografias contêm tanta ficção e delírios quanto Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes. (...)
Em 2008, o jornalista Ruy Castro, ao lançar a biografia de Garrincha, foi processado duas vezes: pelas filhas e por uma ex-companheira do astro do futebol. Ruy ganhou um dos processos, mas foi condenado no outro pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que estipulou indenização de 5% sobre o total de vendas do livro, com juros de 6% ao ano. Em 2009, depois que a imprensa divulgou que Ruy Castro estava escrevendo a biografia de Raul Seixas, o autor foi advertido por uma das cinco ex-mulheres do cantor baiano de que entraria na Justiça caso o livro fosse publicado. (...)
 
Com efeito, a LGE Editora foi condenada a retirar do mercado o livro de Alaor Barbosa. A decisão foi do juiz Marcelo Almeida de Moraes Marinho, da 24ª Vara Cível do Rio de Janeiro. O juiz afirmou que a venda do livro causaria lesão aos direitos da personalidade de Vilma Guimarães Rosa, filha do escritor, e da Editora Nova Fronteira. Alegava também que o livro de Barbosa continha informações erradas sobre o escritor e que a publicação ocorreu sem a autorização de Vilma, que é a responsável pelos direitos de natureza civil de Guimarães Rosa, por ser filha dele. 
A primeira instância concedeu tutela de urgência para determinar a retirada do mercado dos exemplares do livro em 24h sob pena de multa diária de R$ 1 mil. A editora e o escritor recorreram. Argumentaram que, conforme a Lei de Direitos Autorais, não constitui ofensa aos direitos autorais a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada. Também alegaram prejuízo para a editora e para o autor. 
O Tribunal de Justiça do Rio acolheu parte do argumento. A 2ª Câmara Cível mudou a sentença apenas para aumentar o prazo de 24 horas para retirar os exemplares do livro, para 10 dias. “O prazo concedido pelo julgador se mostra exíguo para o cumprimento da medida, ensejando a incidência da multa aplicada”, afirmou o desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes. Quanto ao argumento de prejuízo, o relator ressaltou que a editora sabia do risco assumido quando veiculou “trabalho com inúmeras citações a outra obra, sem a necessária autorização”. 
Tanto Vilma quanto a editora detentora dos direitos de publicação de quase toda a obra de João Guimarães Rosa alegaram prejuízo aos direitos autorais de Vilma, pois a inserção pura e simples de 103 trechos do livro dela na nova biografia de seu pai por Alaor, sem autorização ou mesmo consulta ao autor e editor, prejudicaria a nova edição da obra pré-existente, precisamente no momento de seu relançamento pela editora. 
Quanto aos direitos autorais, a Editora Nova Fronteira e Vilma Guimarães Rosa defendiam que o artigo 29 da Lei de Direitos Autorais afirma que “depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: reprodução parcial ou integral”. 
A filha do escritor ainda afirmava que “o leitor atraído por uma biografia de João Guimarães Rosa certamente não tem interesse algum nos longos relatos de Alaor Barbosa sobre suas viagens pelo estado de Minas Gerais, nem muito menos sobre os elogios que João Guimarães Rosa supostamente dirigiu a Alaor Barbosa, aos quais Sinfonia de Minas Gerais: A vida e a literatura de João Guimarães Rosa dá bastante ênfase”. 
A advogada de Vilma, Susana Paola Barbagelata Kleber, defendeu que não há censura. O que se pretendeu foi mostrar que a biografia não está à altura de Guimarães Rosa.
 
Pode-se também aventar a possibilidade de Vilma ter-se magoado por razões inconfessas nos autos, os quais submeteram o biógrafo de seu pai e sua editora a um extenuante périplo pelos tribunais. Para não me alongar demais expondo essas prováveis razões que aumentaram a beligerância das apelantes, vou concentrar-me numa única razão que suponho tenha-as incomodado muito. Na página 132 do seu livro, o goiano Alaor Barbosa escreve: “Afirma Ismael de Faria que a frase ‘As pessoas não morrem, ficam encantadas’, que João Guimarães Rosa proferiu quase ao encerrar o seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras em 16 de novembro de 1967, foi pronunciada por ele 37 (Ismael de Faria errou na conta: foram 41) anos antes, no velório de um colega da Faculdade, Oséas Antônio da Costa Filho, morto de febre amarela em 1926”. Ismael repetiu que essas mesmas palavras foram usadas por Guimarães Rosa ao se referir à morte de seu antecessor, o acadêmico João Neves da Fontoura.” Alaor ainda acrescenta que Pedro Nava, no livro “Beira-Mar”, assinala que o desventurado Oséas era goiano.
 
Alaor Barbosa recorreu da decisão da 24ª Vara Cível do Rio de Janeiro junto à 4ª Câmara cível do Tribunal de Justiça de Goiás, não só por ter sido chamado por Vilma de “mentiroso, doido e nojento”, mas também por ter ela desqualificado o conteúdo da nova biografia de sua autoria. Após a publicação do livro sobre a vida e obra de Guimarães Rosa, Vilma deu entrevistas a três jornais brasileiros criticando Alaor Barbosa, dizendo que a dedicatória de seu livro era “cínica e vigarista”, além de acusá-lo de plágio e de publicar fotos não autorizadas. 
Segundo [CUNHA, 2023], que teve acesso à defesa do biógrafo goiano, o que as autoras da ação pretendiam era garantir reserva de mercado para faturar em cima de Guimarães Rosa: “A Editora Nova Fronteira acaba de relançar obra de autoria de Vilma Guimarães Rosa, intitulada Relembramentos: João Guimarães Rosa, Meu Pai, livro publicado em 1983, com pouco sucesso comercial e que não se configura tecnicamente uma biografia, mas sim um livro que procura mostrar, em sua visão de filha de Guimarães Rosa, quem seria o seu pai, principalmente por meio da transcrição de cartas escritas e recebidas por Rosa ao longo de sua vida”. 
E adiante: “Evidente que as autoras da ação se aproveitam do ano de centenário de morte de Guimarães Rosa para, absurdamente, tentarem obter vantagens econômicas; sendo certo que buscam o Poder Judiciário visando a uma espécie de exclusividade em relação à história de um dos maiores escritores brasileiros; história esta cuja importância em muito transcende os laços de parentesco. Trata-se, como restará demonstrado, de uma evidente pretensão de apropriação da figura, da vida e da obra de João Guimarães Rosa por parte de uma sociedade editorial de grande porte, que, repita-se, tenta se utilizar do Poder Judiciário para potencializar o seu já notável poderio econômico; buscando, absurdamente, vedar a concorrência”.
 
A decisão da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás foi unânime e seguiu voto do relator, juiz substituto em segundo grau Sebastião Luiz Fleury, que reformou parcialmente sentença do juízo da 6ª Vara Cível de Goiânia. Foi determinado ainda que a sentença fosse publicada, “de forma sintetizada por certidão circunstanciada” nos jornais O Popular (de Goiânia/GO), Folha de S. Paulo e Correio Braziliense, com o mesmo destaque das entrevistas publicadas em cada um e com tamanho proporcional, no prazo de 15 dias. Aos três citados jornais, Vilma atacou o biógrafo dizendo que a dedicatória de seu livro era "cínica e vigarista”, além de acusá-lo de plágio e de publicar fotos não autorizadas. 
Em primeiro grau, a herdeira de Guimarães Rosa foi condenada a pagar R$ 30 mil por danos morais e materiais, por ter sido retirado de circulação o livro de Alaor. A Editora Nova Fronteira e Vilma Guimarães Rosa recorreram: Vilma pedia a reforma da sentença ou, alternativamente, a redução da indenização. Vilma também pedia a exclusão da determinação de publicação da decisão nos jornais aos quais ela havia concedido entrevista. Em seu voto, Sebastião Luiz Fleury entendeu que estavam comprovados a existência de ato ilícito praticado por Vilma e o dano à honra do autor, “restando cristalino o dever legal de indenizar”. Ele acatou o pedido de Alaor. 
Quanto ao pedido de Vilma para excluir a publicação da decisão nos três jornais, o magistrado esclareceu que o direito de resposta proporcional está previsto na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso V, e “é um direito fundamental de defesa em um Estado Socioambiental e Democrático de Direito”.
 
Não sei se é possível estabelecer uma relação causal entre a ordem de retirar do mercado o livro de Alaor e o fato de que, desde 2010, a LGE Editora tenha encerrado suas atividades e, a partir de 2011, tenha suspendido os pagamentos dos direitos autorais e, posteriormente, em 2016, tenha tido sua falência decretada devido à inatividade desde 2010. (Informação extraída do verbete “Editora Lge - Jurisprudência, utilizando o Safari)
 
Em 2014, Alaor conseguiu expressiva vitória no TJ/RJ, quando a desembargadora Elisabete Filizzola da 2ª Câmara Cível em que as apelantes eram Vilma Guimarães Rosa e Editora Nova Fronteira, e a apelada, LGE Editora, em 08/10/2014 prolatou a sentença, absolvendo a biografia de Alaor Barbosa, conclusivamente, verbis
“Repise-se, portanto, que, em regra, quem deve avaliar a qualidade, profundidade e fidedignidade da biografia é o público e a crítica em geral, isto é, partindo-se do pressuposto de que a biografia esteja em livre circulação no mercado, repudiando-se a censura prévia e, pior ainda, vazia de fundamento, como no caso. 
Afinal de contas, é como dissera a própria Vilma Guimarães Rosa, a propósito da deliberação fruto de uma conversa com sua irmã, a respeito da publicação de determinada obra do mestre literário (Relembramentos..., p. 59): “Finalmente concluímos que as Obras de João Guimarães Rosa não pertencem somente a nós, suas herdeiras, porém a toda a humanidade”. 
Exatamente.”
 
Ou seja, o autor da biografia, Alaor Barbosa, reconquistou o direito de publicar a obra ao vencer na justiça, o processo que moveu contra a herdeira, por danos morais, em outubro de 2014. 
Na mesma ocasião, sobre a vitória histórica na ação de proibição do seu livro proposta em julho de 2008 contra a sua editora, a LGE Editora, Alaor Barbosa assim se manifestou em entrevista ao [ESTADÃO, 2014]
“Uma sentença que vai entrar na história da liberdade de expressão do pensamento no Brasil. Muito bem fundamentada, não somente no brilhante laudo da perita do juízo, Carolina Mori Ferreira, mas também em outros argumentos muito bem expostos pelo juiz. (...) 
A sentença, logo que começou a ser divulgada, causou um imenso júbilo no meio literário brasileiro. É preciso assinalar que, desde a proposição da ação e a proibição do meu livro, intelectuais e escritores de várias partes do Brasil se manifestaram de modo uníssono e unânime solidários aos meus direitos e em protesto contra a errônea proibição ocorrida.”
Apesar da conquista, Alaor Barbosa diz que neste momento não pensa em recolocar a biografia de Guimarães Rosa nas livrarias, conforme a mesma entrevista: “Eu teria que retirar partes do livro por questões pessoais, por minha decisão. São as citações que faço ao livro dela (de Vilma) — que na verdade são de terceiros — mas que eu retiraria por um motivo moral. Não sei se quero mais mexer com isso”, diz o autor de 74 anos, que passou cinco pesquisando sobre a vida do escritor. E completa: “Toda essa minha luta foi pelo princípio da liberdade da criação intelectual, que é um princípio universal. Eu já consegui minha vitória.”
 
Alaor, num segundo processo junto ao TJ/DF, alegou que a biografia ficara cinco anos fora das livrarias, o que lhe acarretou prejuízos. O escritor ganhou o processo e o desembargador Fernando Habibe fixou a nova indenização em 50 mil reais. A Editora Nova Fronteira e Vilma recorreram. O recurso teve um desfecho no dia 16/06/2023 quando o TJ/DF decidiu que a Editora Nova Fronteira e o espólio de Vilma Guimarães Rosa (falecida em 2022) teriam que arcar com a indenização. 
[BELÉM, 2023] informa, no subtítulo de sua matéria, um dado importante: 
“Vilma Guimarães Rosa e Editora Nova Fronteira conseguiram retirar obra de Alaor Barbosa das livrarias. A primeira já pagou 140 mil reais para o biógrafo de Guimarães Rosa". E no interior da matéria de sua autoria menciona: “Dados os xingamentos (de Vilma, que chamou Alaor de 'mentiroso, doido e nojento'), que nada têm a ver com crítica — são ofensas graves —, Alaor Barbosa processou Vilma Guimarães Rosa. Como tem uma história positiva, do conhecimento geral, e citação, mesmo longa, não é plágio — o livro da filha de Guimarães Rosa é citado escrupulosamente como fonte (e é praticamente uma fonte primária — um documento) —, o escritor-biógrafo ganhou uma indenização de 140 mil reais.”
[CUNHA, 10/06/2023] assim se manifestou uma semana antes da decisão do TJ/DF sobre o recurso da Editora Nova Fronteira e de Vilma Guimarães Rosa contra o romancista e ensaísta goiano Alaor Barbosa: 
“A Justiça do Distrito Federal deverá bater o martelo sobre o recurso da Nova Fronteira e de Vilma Guimarães Rosa (que faleceu ano passado, aos 90 anos), sexta-feira 16/06, contra o romancista e ensaísta goiano Alaor Barbosa, que publicou, em 2007, há uma década e meia, portanto, a biografia Sinfonia Minas Gerais: A Vida e a Literatura de João Guimarães Rosa, de 388 páginas, com selo de uma pequena editora de Brasília, LGE, hoje Libri Editorial, do editor Antonio Carlos Navarro. (...) 
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, por unanimidade, o fim da censura a biografias não autorizadas, apagando uma mancha que enodava a cultura brasileira. A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) foi impetrada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) contra liminares de instâncias inferiores proibindo o lançamento de biografias não autorizadas. 
Agora, temos um marco legal sobre o limite entre o direito à privacidade e o da informação sobre pessoas de notória projeção pública e celebridades. Até então, no Brasil, havia uma enxurrada de ações judiciais contra editoras e autores de biografias por parentes de biografados, pedindo dinheiro por dano moral e a retirada do livro de circulação.
 
Em 10/6/2015, o Supremo Tribunal Federal julgou a ADI-Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815/2012, proposta pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), quando julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815, que sustentava que os artigos 20 e 21 do Código Civil conteriam regras incompatíveis com a liberdade de expressão e de informação e, no entendimento dos autores, liberava a publicação de livros e filmes biográficos sem a autorização prévia dos biografados. A ADI esteve sob relatoria da ministra Cármen Lúcia, que achou por bem submeter o tema a uma audiência pública convocada em novembro de 2013, com a participação de 17 expositores. A decisão prolatada pelo STF na ADI 4.815, que julgou procedente a ADI 4815 e declarou inexigível a autorização prévia para a publicação de biografias, no entanto não implicou redução de texto ou nulificação dos mencionados dispositivos do Código Civil, já que os Ministros optaram por dar-lhes interpretação conforme à Constituição a fim de dispensar a autorização prévia para a publicação de biografias, seja do biografado ou de seus familiares, quando presente o interesse público na divulgação do escrito, sob pena de caracterização de censura prévia e ofensa à liberdade de expressão.
 
Gostaria de enriquecer este artigo com três parágrafos de um Discurso de Danilo Gomes dedicado ao nosso tema, quando recepcionou Alaor Barbosa em sua posse na Academia de Letras do Brasil, em Brasília, em 09/09/2010: 
“(...) Um dos mais importantes livros de Alaor Barbosa é esse “Sinfonia Minas Gerais”, da Editora LGE, de Brasília, livro todo centrado na vida e na obra de João Guimarães Rosa, de quem o autor goiano, jovem jornalista no Rio de Janeiro, se tornara amigo de muita estima recíproca. O livro (refiro-me ao 1º volume, pois o 2º ainda não saiu) é uma verdadeira ode em prosa ao grande escritor e diplomata, nascido em Cordisburgo, em l908. Coloca-o o autor nas alturas, no merecido Olimpo. Ora, não é que a obra é contestada, judicialmente, pelas duas filhas de Guimarães Rosa? Espantoso, inacreditável! Um absurdo, puro capricho, um despautério! A vida e a obra de Guimarães Rosa não pertencem apenas à sua família, pois se tornaram um patrimônio do Brasil e da literatura universal. As traduções de seus livros correm o mundo. 
A Associação Nacional de Escritores (então presidida pelo saudoso poeta Joanyr de Oliveira), pelo seu jornal mensal, editado pelo mestre Afonso Ligório Pires de Carvalho, saiu em defesa de Alaor Barbosa, naquele começo de 2008. Ouçamos este trecho: “Confiscar obras literárias e punir escritores são ações que, pela intolerância e pelo anacronismo que as apequenam, configuram verdadeiros autos-de-fé medievais, inconcebíveis para mentes ciosas da liberdade, da justiça e da cidadania, a duras penas conquistadas.
Na maré montante de indignação que tomou de assalto os intelectuais cultores do Estado de Direito, o Presidente da Academia Mineira de Letras, escritor, ex-Senador e ex-Ministro Murilo Badaró (falecido há dois meses), convidou o nosso autor para proferir palestra sobre o criador de “Grande Sertão:Veredas”, na sede da agremiação, no Auditório Vivaldi Moreira. Foi uma noite histórica. Tive o prazer e o privilégio de lá estar. Alaor Barbosa, ao final de sua conferência em torno do Mago de Cordisburgo, foi aplaudido de pé por um auditório cheio à cunha – bem se lembra a esposa do conferencista, Sra. Maria Gonçalves Ribeiro, lá presente. Era Minas, pela sua Academia hoje centenária, agradecendo a Alaor Barbosa por aquela sua magnífica “Sinfonia Minas Gerais”. Aliás, Alaor Barbosa tem sangue mineiro, pela vertente paterna, e paulista, pela vertente materna.”
 
E para encerrar, o jornal da ANE-Associação Nacional de Escritores, citada no discurso de Danilo Gomes, publicou uma matéria em janeiro de 2008 denominada “Uma biografia de Guimarães Rosa”, cujos dois últimos parágrafos reproduzirei aqui: 
“(...) Alaor Barbosa escreveu a biografia de João Guimarães Rosa movido pelo sentimento e convicção de que cumpria um múltiplo dever: para com o biografado, a quem conheceu pessoalmente, de quem foi amigo e a quem tributa profunda admiração pessoal; para com a literatura brasileira, cujos criadores devem ser mostrados, difundidos, cultuados; para com a língua portuguesa, que necessita e merece ser defendida; e para com a nacionalidade brasileira, que deve ser preservada principalmente mediante a valorização da sua cultura. 
Observe-se que esta biografia constitui a primeira parte de um trabalho mais amplo, que inclui, em segundo volume, uma análise de toda a obra literária de João Guimarães Rosa.”
 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
 
Acórdão da 2ª Vara Cível do TJ/RJ 
 
AMAGIS: Filha de Guimarães Rosa terá de indenizar autor de biografia de seu pai 
 
BELÉM, Euler de França: Processo contra filha de Guimarães Rosa e editora deve render 50 mil reais para escritor goiano: Vilma Guimarães Rosa e Editora Nova Fronteira conseguiram retirar obra de Alaor Barbosa das livrarias. A primeira já pagou 140 mil reais para o biógrafo de Guimarães Rosa, matéria publicada no jornal OPÇÃO em 08/06/2023
 
CONSULTOR JURÍDICO: Filha pede proibição da biografia de Guimarães Rosa, s/d 
 
____________________: Filha de Guimarães Rosa terá de indenizar autor de biografia de seu pai 
 
COSTA, Priscyla: Mantida decisão que proíbe venda de biografia de Guimarães Rosa, revista Consultor Jurídico, edição de 29/11/2008 
 
CRB-6 (Conselho Regional de Biblioteconomia da 6ª região/MG): entrevista intitulada "Uma sentença para a história da liberdade de expressão do pensamento no Brasil
 
CUNHA, Ray: Fim da censura a biografias não autorizadas. Casos de Roberto Carlos e Guimarães Rosa, 11/06/2015
 
__________: Justiça de Brasília decidirá sexta-feira 16 se a editora Nova Fronteira deve ou não indenizar Alaor Barbosa, biógrafo de João Guimarães Rosa, 10/06/2023 
 
ESTADÃO: Biografia não autorizada de Guimarães Rosa é liberada, matéria publicada na coluna Estadão Conteúdo de Júlio Maria em 15/10/2014 
 
GOMES, Danilo: Discurso de Danilo Gomes, recebendo Alaor Barbosa na Academia de Letras do Brasil, em Brasília, postado no blog Literatura Goiana em 10/09/2010 
 
HOJE EM DIA: Alaor Barbosa, na coluna de Leo Bicudo, p. 16, edição de 02/03/2008 
 
JARDIM, Lauro: Censura a biografia de Guimarães Rosa se aproxima de desfecho judicial 15 anos depois 
 
 ____________: Autor de biografia não autorizada de Guimarães Rosa será indenizado após censura, redação de O GLOBO, edição de 22/08/2023 
 
JORNAL DA ANE-Associação Nacional de Escritores: Uma biografia de João Guimarães Rosa, matéria de janeiro de 2008, Ano II, nº 7, p. 1 e continua na p. 11 
 
JUSBRASIL: Biografias não autorizadas, matéria publicada por Paulo Henrique Alves 
 
HORTA, Anderson Braga: Discurso de recepção acadêmica a Alaor Barbosa no Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, publicado no Blog de São João del-Rei e postado do dia 19/05/2018 Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2018/05/discurso-de-recepcao-academica-alaor.html 
 
MIGALHAS: Biografia de Guimarães Rosa pode ser comercializada, 13/10/2014 
 
Portal do STF: STF afasta exigência prévia de autorização para biografias, 10/06/2015