segunda-feira, 26 de agosto de 2024

AFONSO ARINOS, “PAI DO REGIONALISMO BRASILEIRO”


Por FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA

Afonso Arinos (1868-1916)

Afonso Arinos, hoje legado a injusto esquecimento, é fonte primeira para um estudo sério pelos que enveredam pela literatura regionalista. (Carlos Roberto Pellegrino)


AFONSO ARINOS nasceu em Paracatu, MG, a 1º de maio de 1868, e faleceu precocemente em Barcelona, Espanha, a 19 de fevereiro de 1916, com a idade de 47 anos de idade. Era filho de Virgílio de Melo Franco e de D. Ana Leopoldina de Melo Franco. 
Conforme sua biografia no livro da ABL,
desde menino, Afonso se habituou a acompanhar o pai, juiz de direito pelas comarcas do sertão. Viajou por Minas Gerais, morou em Goiás. Daí sua intimidade profunda com as paisagens e os tipos sertanejos, que dariam ao futuro escritor características de grande capacidade descritiva. E nele fixariam, de forma indelével, o amor ao povo e o nacionalismo acendrado que o acompanharam por toda a vida. ¹
É razoável presumir que Arinos tenha visto muitos buritizais nas viagens de mais de 100 léguas que fazia entre Paracatu e Villa Boa de Goiás, atravessando os Gerais, o cerrado. 
Fez seus primeiros estudos em Goiás, para onde fora transferido seu pai, como juiz. Os preparatórios exigidos para os cursos superiores tiveram lugar no Colégio da Conceição, em São João del-Rei, cujo diretor era o Cônego Antônio José da Costa Machado, e no Ateneu Fluminense, no Rio de Janeiro. O historiador Augusto Viegas, relembrando a ilustre passagem do paracatuense por São João del-Rei, chama-lhe de apaixonado psicólogo dos sertões mineiros. ²
 
Ingressou no curso de Direito no Largo de São Francisco, bacharelando-se em 1889, ano da proclamação da República. Monarquista convicto, decidiu então jamais ingressar na política e aderir ao novo regime, ao contrário de seu irmão Afrânio. 
 
Em 1891, aos 23 anos, Arinos pôs-se a advogar em Ouro Preto, então capital de Minas Gerais, mas já se sentia atraído pela História, o que o levou a fazer pesquisas em fontes documentais, base de vários de seus trabalhos futuros. O fator que contribuiu para a sua mudança para Ouro Preto pode bem ter sido o seu inconformismo com o regime republicano, que certamente lhe diminuíra as oportunidades na política.
 
ENCONTRO COM OLAVO BILAC EM OURO PRETO
 
Em 1893 e 1984, Arinos, de 25 anos, conheceu Olavo Bilac, de 28 anos, na cidade de Ouro Preto, ainda capital de Minas Gerais, dando início a uma amizade cultivada por toda a vida. O poeta parnasiano vinha exilado do Rio de Janeiro, onde chegou a ser preso por sua posição contrária ao governo de Floriano Peixoto que decretara o estado de sítio em abril do ano anterior na capital da República. Como o governador de Minas Gerais Afonso Pena mantinha boas relações com o governo de Floriano Peixoto e seu Estado estava suspenso dos efeitos do estado de sítio, mostrando-se como lugar seguro, era muito natural que vários artistas e intelectuais perseguidos por Floriano se exilassem em Ouro Preto. Ali se acomodaram, além de Olavo Bilac, Coelho Neto, Magalhães de Azevedo, Carlos de Laet, Emílio Rouede, Álvares de Azevedo Sobrinho, entre outros anti-florianistas, transformando a capital de Minas num centro de grande ebulição intelectual. Para o poeta, a capital mineira representaria a síntese do Brasil, devido à originalidade nas artes e à aura genuinamente brasileira, que teria ficado protegida da influência externa, graças a seu enclausuramento entre as montanhas.
 
Passados dez anos, Bilac evocaria, no discurso de recepção a Arinos na Academia Brasileira de Letras, a originalidade do encontro:
“[...] Tivemos ali meses de uma vida singular, intensamente vivida, cheia de completos prazeres intelectuais, – que só podem ser bem contados aqui, a uma assistência escolhida e culta como esta, capaz de compreender como dois homens em pleno viço da mocidade puderam passar semanas e semanas entre os vivos, não os vendo nem ouvindo, e só tendo ouvidos e olhos para um estranho mundo de sombras e de fantasmas.[...]” ³
No mesmo discurso, Bilac relembraria sua iniciação à História numa visita que fizera ao arquivo público de Minas (sic), conduzido pelo seu cicerone Arinos:
“[...] Era no rés-do-chão dessa fortaleza (o Palácio), remanescente da era colonial, que estava instalado o arquivo público de Minas: era ali o cemitério das idades mortas, o campo-santo das nossas origens. Esse arquivo tem hoje, graças justamente a esforços vossos, outra instalação, destinada a salvá-lo de uma ruína que teria de pesar na consciência dos modernos como o remorso de um grande crime; mas, naquele tempo, a tristeza e a ancianidade da instalação diziam bem com a ancianidade e a tristeza do depósito. Entrávamos, com respeito, abafando o pisar; e, assim que começávamos a folhear os grossos livros encapados em couro, uma poeira sutil começava a encher o imenso e triste salão. Foi ali que respirei largamente isso a que o mais desmoralizado dos chavões dá o nome de pó dos séculos...” (...) “À medida que íamos virando as páginas, cobertas de uma escritura quase hieroglífica, miudinha e certa, retalhada de barras caprichosas, com fantasias de recorte nas maiúsculas e voltas faceiras nas vírgulas acaramujadas, as nossas impressões exteriorizavam-se; e, no pó finíssimo que pairava em torno de nós, percebíamos vagos cheiros indefinidos, que se casavam ou contrastavam, harmonizando-se, como as notas de uma concertina de aromas: havia o cheiro fresco dos vales, das montanhas, dos ribeirões de águas cantantes, de todo aquele seio de natureza virgem pesquisado pelas caravanas da conquista; o cheiro úmido de terra cavada, e das gupiaras cheias de gorgulho; o cheiro apagado e caricioso do incenso das sés e das sacristias; o cheiro da mandioca macerada com que as damas faziam brancos os cabelos... E, não raro, subia e dominava todos os outros um cheiro acre de sangue, uma exalação de mortualhas podres, de cadáveres de mineiros soterrados nas minas, de garimpeiros rebeldes esquartejados pela justiça, de pretos famintos e de reinóis insubordinados, corridos a pontaços de lança pelos dragões de El-Rei...”
[DIMAS, 2006, 77], no artigo “Entre Vila Rica e Belo Horizonte”, realça a importância de Arinos como uma “espécie de professor de Brasil para Bilac”:
[...] Num espaço convidativo, favorável ao recolhimento e à evocação, dava-se o encontro entre pessoas certas. Nesse lugar e nesse momento operava-se o batismo (ou seria conversão?) de um intelectual que, até então, granjeara sua notoriedade graças às musas helênicas. Antecipando futuras conversões dos modernistas, nos anos de 1910 e 1920, com Mário de Andrade à frente, a antiga Vila Rica abocanhava um poeta parnasiano e o transformava em historiador informal, em perspectiva ligeiramente diferente de seu conversor Arinos, no entanto. Enquanto o escritor mineiro construía e consolidava seu nacionalismo com base numa exploração “geográfica” e, portanto, “espacial” do Brasil, Bilac articulava o seu nacionalismo inicial a partir de uma perspectiva “histórica” e, portanto, “temporal”. Em resumo: Arinos preferiu o regionalismo; Bilac optou pelo historicismo.[...]³
Mas Bilac não foi apenas iniciado no historicismo pelo escritor mineiro; apesar de sua distância nos anos futuros, Arinos continuará sendo uma referência para Bilac na busca do nacionalismo (o poema épico minimalista "O Caçador de Esmeraldas" foi idealizado ainda durante sua estada em Vila Rica) e na crítica aos arremedos vindos do estrangeiro, conforme o escritor mineiro anotou em uma de suas cartas a Bilac:
Como não é de estranhar num povo jovem, nós imitamos muito. Imitamos as mais das vezes a aparência, o exterior, porque não podemos apreender o fundo; outras vezes imitamos mal, querendo – estúpida vaidade – por bazófia de progresso e civilização transportar para o nosso país leis, instituições e costumes que é impossível se adaptarem ao nosso meio.
Sobre essa influência sobre o poeta parnasiano, Arinos lembraria em carta a Bilac os
passeios solitários pelas ruínas de Vila Rica, de onde surgiram tantas admiráveis Crônicas e Novelas e as páginas épicas do Caçador de Esmeraldas.
PRESENÇA NO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO
 
Em 1895, Arinos colaborou também na fundação do Arquivo Público Mineiro, ainda na cidade de Ouro Preto; em 1901, essa instituição cultural respeitável até os dias atuais foi transferida para Belo Horizonte.
 
Além de publicar artigos no jornal Estado de Minas, de Ouro Preto. Afonso Arinos foi professor de História no Ginásio Mineiro em Ouro Preto e participou da fundação da Faculdade de Direito de Minas Gerais, onde lecionou Direito Penal. Dentre os componentes da Congregação desta Faculdade, figurava o nome de João Pinheiro, fundador e primeiro presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
 
Em 1896, Arinos foi pela primeira vez à Europa, itinerário que repetiria amiúde, até o fim da vida, e cujas descrições publicou no Minas Gerais.
 
AFONSO ARINOS DE VOLTA A SÃO PAULO
[...] o mineiro, mesmo na grande capital, guarda sempre em si qualquer coisa de arraial. (Afonso Arinos)

Ao regressar, em 1897 Arinos aceitou convite que lhe fizera Eduardo Prado para assumir a redação do seu diário, O Comércio de São Paulo, no qual fez a campanha pela restauração da Monarquia e onde publicou em folhetim a primeira obra a respeito da Guerra de Canudos, seu romance Os jagunços (antecedendo portanto em quatro anos a publicação de Os Sertões de Euclides da Cunha). Nesse mesmo ano, casou-se com Antonieta da Silva Prado, cujo padrinho foi o visconde de Ouro Preto, o último primeiro ministro do Brasil Império. Antonieta era filha do conselheiro Antônio Prado, sobrinha do Acadêmico Eduardo Prado, irmã de Paulo Prado (seu ex-colega de faculdade) e de Antônio Prado Júnior.

Considerado um dos precursores da literatura regionalista no Brasil, ele retratou em suas obras a vida e a cultura do sertão mineiro, com destaque para duas obras publicadas em 1898: “Pelo sertão” (da qual faz parte o poema em prosa "Buriti Perdido")   e o romance-folhetim “Os jagunços”, baseado na Guerra de Canudos e assinado com o pseudônimo de Olívio de Barros. Cabe-lhe a honra de ser o “Pai do Regionalismo Brasileiro”, tendo influenciado escritores como Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz e Graciliano Ramos. (...)
 
ARINOS NA ABL E NO IHGB
 
Com a morte do Acadêmico Eduardo Prado em 1901, Arinos candidatou-se a vagas daquele na Academia Brasileira de Letras e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiros, tendo sido eleito para ambas, aos 31 anos de idade. O paracatuense Afonso Arinos foi o segundo ocupante da cadeira 40 da Academia Brasileira de Letras, eleito em 31 de dezembro de 1901, na sucessão de Eduardo Prado, e recebido em 18 de setembro de 1903 pelo acadêmico Olavo Bilac.
 
[NEVES, s/d], no site do IHG-MG, registra que
naquele mesmo ano (1901), tomou posse no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro como membro correspondente, tornando-se membro efetivo em 1910. Sua admissão no IHGB baseou-se nos estudos históricos a que se dedicou. Em sua obra inclui-se o artigo “O passado de Minas e a Inconfidência” – um estudo sobre o movimento liderado por Tiradentes. Sua conferência “Cristóvão Colombo e a descoberta da América”, proferida no Ginásio Mineiro, foi também publicada. Arinos foi colaborador da revista do IHGB, inclusive em sua edição de 1911.
ARINOS FIXA RESIDÊNCIA NA EUROPA E PASSA TEMPORADAS NO SERTÃO MINEIRO
 
Depois de São Paulo, Arinos passou uma temporada no Rio e, desiludido com o regime republicano, mudou-se definitivamente para Paris, onde fixou residência em 1904. Mesmo morando na Europa, viajava frequentemente ao Brasil, e em todas as oportunidades fazia incursões ao sertão mineiro, que tão bem retratou em seus livros. 
 
Em 1912, viajou com amigos franceses pelo interior de Minas. Sobre essa viagem, o Conde de Montlaur escreveu um livro bem interessante, Sur La Trace des "Bandeirantes", publicado em 1918, depois da morte de Arinos, e dedicado à sua memória. Premiado pela Academia Francesa, Jean de Montlaur foi um escritor de prestígio em sua época.
 
PALESTRA E CICLO DE CONFERÊNCIAS
 
Numa dessas temporadas no Brasil, chegou em meado de 1914 e aqui permanecendo até 1916, e em 1915 proferiu no Teatro Municipal de Belo Horizonte a palestra A Unidade da Pátria, publicada numa edição póstuma em 1917. Nessa palestra procurou resolver a questão da diversidade brasileira e apontou para a necessidade da mistura dessa imensa trama de diversidade cultural para fundamentar a formação da nação. [ARINOS, 1917, apud VIANNA, 2007:55] escreveu:
“O Brasil está de tal modo regionalizado que, para as províncias não ficarem absolutamente estranhas umas às outras, é preciso um grande esforço no sentido de fortificar-se a unidade moral da pátria.”
Além disso, segundo [ABL, 2010,19-20],
sustentou, num texto denso de observações e conceitos de alcance excepcional, a tese de que a unidade nacional se realizou muito mais pelo sofrido labor das classes populares ao longo do atual território brasileiro do que por medidas governamentais inspiradas na intenção dos homens de Estado.
[GALVÃO, 2008, apud BRAGA, 2010:24] avalia a influência de Afonso Arinos em três nomes consagrados na literatura brasileira: Euclides da Cunha, Mário de Andrade e Guimarães Rosa. Interessava-lhe verificar a relação entre a obra de Mário de Andrade e de Afonso Arinos. Para tanto, relata que, entre janeiro e dezembro de 1915, Afonso Arinos proferiu um ciclo de conferências a convite da Sociedade de Cultura Artística de São Paulo, fundada em 1912, sobre as Lendas e tradições brasileiras, que terminaram com apresentações no Teatro Municipal. Na conferência de encerramento, para a elite paulista Arinos apresentou o panorama das festas tradicionais, ilustradas por grupos genuínos trazidos do interior, que dançaram e cantaram temas do cateretê, reisados, pastoris, ranchos de reis, chegança, bumba-meu-boi, marujada, congada. Mário de Andrade, um dos membros fundadores da Sociedade de Cultura Artística de São Paulo, acompanhou as palestras e, como fazia com todos os espetáculos a que assistia, guardou os programas. Embora Mário não tenha mencionado a possível influência que as conferências de 1915, Galvão supõe que tenham desempenhado importante ingrediente em sua formação, aguçando seu interesse pela cultura popular, conforme deixou patente em sua obra e em sua trajetória intelectual.
 
CURIOSIDADES QUE ESTÃO SENDO DESCOBERTAS
 
[VIANNA, 2007:71, apud BRAGA:24-25] chama a atenção para um dado desconhecido da trajetória de Arinos: a ligação muito próxima que manteve com os músicos populares no Rio de Janeiro, entre eles, Donga e Pixinguinha, antes mesmo de fazerem sucesso com o conjunto Os Oito Batutas. Donga revelaria em depoimento que, no início dos anos 1910, o autor de Pelo Sertão, à época presidente da Academia Brasileira de Letras, tinha tanto apreço por eles que os convidava para audições em sua residência na Praia de Botafogo e em sua fazenda, no Tombadouro. O interesse de Arinos pela música popular o levou a escrever em 1905, na Revista Kosmos , o artigo intitulado A Música popular.
 
[SEVCENKO, 1992:242-247, apud BRAGA, 2010:44-45], ao analisar a aproximação da elite paulista com a cultura popular, aponta como um marco nessa mudança de atitude a encenação da peça O contratador de Diamantes, de Afonso Arinos, em 1919. Sevcenko afirma que O contratador surgiu assim, ao mesmo tempo, como cristalização e catalisador de uma fermentação nativista que adquire densidade crescente em direção aos anos 20. Depois do enorme sucesso da peça, aquilo que era uma corrente intelectual (representada principalmente pela Revista do Brasil, criada pela Liga Nacionalista em 1916, e pela literatura “caipira” de Monteiro Lobato, Amadeu Amaral e Valdomiro Silveira, entre outros) transforma-se numa ampla vigência social. Arinos é alçado à posição de herói nacional dos novos tempos. 
 
ATIVIDADES E COMEMORAÇÕES PÓSTUMAS
 
Em 1917, duas obras de sua autoria foram publicadas postumamente: “Lendas e tradições brasileiras” e “Histórias e paisagens”. 
 
Por um lado, [MATTOS, 2002:84, apud BRAGA, 2010:25) relata que, em 1916, Afonso Arinos fez também uma viagem ao Nordeste, onde colheu vasto material folclórico, do qual resultou a peça Reizada, encenada no Teatro Municipal em São Paulo no mesmo ano. Nessa peça, Catulo da Paixão teria cantado pela primeira vez sua canção mais famosa, Luar do Sertão. Nessa época, Arinos já tinha pronta a peça O Contratador de Diamantes, e pretendia encená-la no mesmo ano, mas morreu em Barcelona, em sua última viagem à Europa. A peça foi encenada três anos mais tarde, por iniciativa de sua viúva Antonieta Prado Mello Franco, que dirigiu pessoalmente a montagem. 

Por outro lado, o sobrinho Afonso Arinos de Mello Franco, no livro Roteiro Lírico de Ouro Preto, de 1937, relata também que se devem a Afonso Arinos a coleta e a compilação da tradição oral mineira a lenda de Chico-Rei, o escravo que era rei no Congo e, transportado para Vila Rica, compra sua alforria e torna-se dono da mina da Encardideira.
 
Finalmente, [ABL, 2010, 22-23] relata que
em 1929, quando da inauguração, pelo presidente Antônio Carlos, do monumento a Afonso Arinos em Belo Horizonte, na praça que hoje lhe traz o nome, Azevedo Amaral assim comentou o evento no Minas Gerais: 'Ninguém antes do original e vigoroso escritor mineiro havia dado forma artística ao conjunto de expressões recebidas das paisagens da nossa terra e às emoções em que revivem as aluviões da formação nacional, mantidas no subconsciente como base do desenvolvimento sociológico da nacionalidade. (...) Assim, a sua obra marca o alvorecer de uma autonomia literária, que deve ser a afirmação intelectual da nossa emancipação. (...) Afonso Arinos, coordenando o homem e o solo em uma síntese cuja expressão estética ilumina encantadoramente a sua obra, foi o pioneiro dessa emancipação intelectual do Brasil e o primeiro libertador do nosso gênio nacional, antes dele ainda vinculado às correntes de uma estesia de além-mar, que nos deixava como hóspedes e intrusos no cenário em que temos de levantar a estrutura autonômica de uma cultura e de uma civilização originais.
 

NOTAS EXPLICATIVAS
 

¹ Academia Brasileira de Letras: ARINOS, filho, Afonso, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado (SP), 2010, p. 6.
 
² VIEGAS, Augusto: Notícia de São João del-Rei, Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 3ª edição, 1969, p. 60. 
 
 
ARINOS, Afonso a Olavo Bilac apud CARVALHO. [Carta não datada] do Arquivo de Afonso Arinos. Revista do Livro, Rio de Janeiro, ano 4, nº 16, pp. 145-147, dez. 1959, p. 147. 
 
Ibidem.
 
Os contos constantes de Pelo Sertão foram originalmente publicados na Revista Brasileira e na Revista do Brasil e rapidamente se notabilizaram, granjeando renome ao autor, que, a partir da publicação, conquistou posto alto na ficção regionalista brasileira.  Em 1898, eles foram coligidos e estampados em livro pela Editora Garnier, com o título de Pelo Sertão, coletânea de nove contos, nos quais personagens, costumes e paisagens do sertão são retratados com fidelidade e verossimilhança. São eles: Assombramento, A Cadeirinha, A Esteireira, Manuel Lúcio, Paisagem Alpestre, Desamparados, A Velhinha, A Fuga, Joaquim Mironga e Pedro Barqueiro. Constam ainda de Pelo Sertão: Buriti Perdido (poema em prosa) e fragmento d'O Contratador dos Diamantes (episódio do século XVIII).
 
Revista KOSMOS, ano 2, nº 4, abril 1905.
 
 
FORTUNA CRÍTICA DE AFONSO ARINOS 
 
 
BRAGA, Vanuza Moreira: Relíquia e Exemplo, Saudade e Esperança: o SPHAN e a Consagração de Ouro Preto, dissertação de curso apresentada ao CPDOC da FGV como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História, Política e Bens Culturais, Rio de Janeiro, agosto de 2010, 132 p. 
 
CARVALHO, Ricardo Souza: Através do Brasil com Afonso Arinos, revista do ieb nº 46, pp. 201-216, fev 2008 
 
DIMAS, Antônio. Bilac, o jornalista: crônicas e ensaios. São Paulo: EDUSP, Imprensa Oficial; Campinas: Editora da Unicamp, 2006, 1.680 p.
 
GALVÃO, Walnice Nogueira: Mínima Mímica: Ensaios sobre Guimarães Rosa. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2008, 350 p. 
 
MATTOS, David José Lessa: O Espetáculo da Cultura Paulista, Livrarias Curitiba, 2002, 272 p. 
 
NEVES, Zanoni: Afonso Arinos de Melo Franco, Patrono da Cadeira número 30 
 
SEVCENKO, Nicolau: Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, 424 p. 
 
VIANA, Hermano: O Mistério do Samba, 6ª edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2007, 196 p.
 
VIEGAS, Augusto: Notícia de São João del-Rei, Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 3ª edição, 1969, 273 p.

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

CONTE-ME UMA HISTÓRIA... SOBRE NICÓPOLIS (ou O ANTIGO CASTELO DE PRÉVEZA)

Por 8ª Escola Primária de Préveza (sob a orientação de Christina Merkoúri, Athiná Konstantáki e Roxáni Vlachopoúlou) *

Tradução do grego e autoria dos comentários por Francisco José dos Santos Braga

Resumo das ilustrações em todas as páginas do livro

À guisa de prefácio 

Em maio de 2011, no âmbito da participação da 33ª Repartição das Antiguidades Pré-históricas e Clássicas de Préveza-Arta ¹ na comemoração do Dia Internacional dos Museus, com o tema "Museus e memória", materializou-se no Museu Arqueológico de Nicópolis um programa educativo com o título "Conte-me uma história... sobre Nicópolis". No programa, que se dirigia a alunos das primeiras classes do Primário, participaram escolas da cidade de Nicópolis e Parga ². O objetivo do programa era conhecerem as crianças, por meio da contação, no espaço do Museu, de uma antiga e hoje esquecida história, que se liga a Nicópolis e a seu aqueduto. A história, conhecida também com o título "O velho Castelo de Préveza", foi transformada pelo poeta folclórico Kóstas Krystállis em poema bucólico. Esse poema, sem perder o seu caráter original, foi adaptado linguisticamente, de modo a ser compreensivo e acessível às crianças. Com base na história  poema e estímulos que são dados pelo percurso pelas salas do Museu, criou-se pelo conjunto dos cinquenta alunos uma série de pinturas, através das quais a fantasia infantil reanimou a história com cor e forma. O livro que tendes em mãos, separado por cada escola que participou, é uma criação de crianças. Esperamos que através dele não será esquecido O antigo castelo de Préveza
Préveza, 2011. 
 
¹ Ambas as cidades ficam a noroeste da Grécia, na província de Epiro. As ruínas da antiga cidade de Nicópolis ficam a 5 km a norte de Préveza, sobre uma pequena baía do Golfo de Arta, no Mar Jônico. Em 29 a.C., dois anos após sua vitória na batalha naval de Actium, na qual derrotou Marco Antônio e Cleópatra, o imperador Augusto Otaviano fundou uma nova cidade que chamou Nicópolis (Cidade da Vitória). As ruínas de Nicópolis, agora conhecida por Antiga Préveza, na área onde ocorreram os eventos da batalha naval de 31 a.C., incluem: 
• o monumento Actium de Augusto 
um teatro (com 77 fileiras de assentos) 
um Odeon 
imensas seções de muralhas originais 
um aqueduto (ruínas do aqueduto nas diversas formas de construção ainda são visíveis hoje, bem como o túnel romano do aqueduto de Nicópolis, talhado na rocha, e que servia de ligação entre a fonte e o aqueduto (recente pesquisa atribuiu sua construção a Hadriano, no século II d.C.; no século IV d.C., vários reparos foram empreendidos pelo imperador Juliano e finalmente em meados do século V d.C. o aqueduto parou de operar)
a ponte do aqueduto sobre a corrente do rio desde a fonte até ao Nymphaeum na cidade, onde era redistribuída
o Nymphaeum 
os banhos (thermae
o estádio, onde se realizavam os famosos Jogos Actianos, juntamente com um ginásio próximo, teatro e hipódromo.
Desde o início, Nicópolis foi designada como local para celebrar a festa dos "Actia". Antes de 29 a. C. era realizada no santuário de Apolo. 
 
Arta é conhecida pela sua antiga Ponte de Arta localizada sobre o rio Aracto, e pelo castelo do século XIII, um dos mais bem preservados da Grécia. 
 
² Antiga cidade da Grécia banhada pelo Mar Jônico, na qual existem ruínas de um castelo veneziano.
 
************************
 
A história que vou lhes dizer contava-a meu avô, que por sua vez disse que ficou conhecendo-a através do avô dele, quando moço em direção para os lados de Nicópolis. Um dia, então, encontrou-se com dois pastorzinhos, que pastoreavam seus rebanhos nos prados de Nicópolis. Não sabendo aonde ir, perguntou-lhes: 
Digam-me, crianças, aonde vai dar este caminho, porque não sou da terra. 
Ao antigo castelo, caminhante. Nas elevadas ruínas. Agora, contudo, anoitece; aonde vais caminhar sozinho? 
Talvez as rochas aqui sejam grandes e os precipícios muito altos, não são? 
Aqui não tem rochas, nem precipícios. Tem o fantasma do castelo. 
Dito isso, já escurecia e os dois pastorzinhos o convidaram vir com eles à sua cabana para uma refeição. Sentaram-se em volta da fogueira e o mais velho começa a contar a história sobre o fantasma do castelo. 
 
Era uma vez, na época que Cristo vivia na terra, governava em Nicópolis um rei famoso, cujo nome não sabemos. Esse rei governava bem e cuidava do seu povo. E tinha uma filha muito bonita, que outra não tinha nascido em todo o mundo. Menina pura como a gota de orvalho e bonita como a aurora. 
 
Quando cresceu a princesinha e tinha vinte anos, o rei quis casá-la. Enviou, então, mensageiros aos confins da terra para se apresentarem todos os príncipes perante sua linda filha. E aquele que for de seu agrado, que ela o tome por marido. 
 
Assim aconteceu. Em poucos dias chegaram a Nicópolis cem príncipes notáveis. A princesa os viu, mas nenhum lhe agradou. Finalmente vieram dois príncipes, que não pareciam com nenhum dos anteriores. Tinham uma estatura esbelta e demasiada coragem. 
 
Mal viu a princesa os moços, corou e achou-se em grande dilema, porque tinha se apaixonado pelos dois moços esbeltos. 
 
Qual, então, escolher para seu marido, pensava e derretia como cera. O rei viu a sua filha sofrer e para tirá-la da difícil situação, lhe disse: 
 
Minha filha, quero construir um alto castelo e levar as águas do rio à região. Nossos palacianos vão anunciar ao povo a minha definição. 
 
Que venham os moços. Que um comece o aqueduto, ou outro, o castelo. E amanhã, até que o sol se ponha, quem terminar primeiro se torne teu par. Daquele instante em diante os dois príncipes se puseram a fazer cada qual o seu trabalho. 
 
E os castelos de Nicópolis nasceram com grande pressa... mas também os trabalhos do grande aqueduto avançaram com ritmo veloz. 
 
Mas também o outro príncipe construía com demasiada arte as elevadas arcadas sobre o rio e aplainava o rochedo sobre o qual passaria a água. O que construía o castelo, até o meio-dia, tinha prontos e talhados os seus mármores. Mármores cortados profundamente, enormes. E quanto mais avançava o dia, tanto mais se construía o castelo. 
 
Ao por do sol o castelo se projetava alto e imenso, e brilhava como se fosse feito de cristal. Corre, então, o jovem para o palácio. Porém, no meio do caminho, lembra-se das ferramentas. O rei tinha dito que, retornando, deveria cada um trazer também as suas ferramentas. Faz uma parada, volta, pega as ferramentas e corre ao palácio num só fôlego. 
 
Mas no primeiro degrau, no mesmo instante chega também o outro jovem, que construía o aqueduto. Como estava pronto para subir, quer com um impulso ultrapassá-lo. O outro jovem estende a sua mão para impedir. Agarram-se, saem nos tapas e lutam com as ferramentas, ferozmente como leões. 
 
A linda princesa, que com susto esperava na janela em cima, para receber seu par, ao ver a briga deles, corre a separá-los, mas... não chegou a tempo. 
 
E assim, de pesar e desgosto, se fechou no seu castelo. E jurou pelo povo não sair do palácio. 
 
Um dia, depois outro dia, demoliu-se o castelo desabitado e nem a moça reaparece. 
 
Somente de noitinha, quando se põe o sol e acendem as estrelas, dos escombros e das ruínas do castelo dizem que ela sai vestida de branco, como fantasma, como espectro. 
 
Link: https://online.pubhtml5.com/xjzp/gupa/  👈  (texto em grego com ilustrações)

* Respectivamente, responsáveis pela Administração geral-coordenação; Realização de docência, administração dos textos e escolha das imagens; Administração gráfica.