domingo, 15 de setembro de 2024

O RIO ANTIGO

Por STEFAN ZWEIG *
Transcrevemos, com a devida vênia da Editora Guanabara, Weissman, Koogan Ltd., parte do capítulo constante das OBRAS COMPLETAS DE STEFAN ZWEIG, tradução de Odilon Gallotti, tomo XIV de 1953, intitulado BRASIL, PAÍS DO FUTURO, pp. 146-9 e 153-7.
Stefan Zweig e sua esposa Lotte

 
Para compreendermos verdadeiramente uma cidade, uma obra de arte, uma pessoa, temos de conhecer o seu passado, a história de sua vida, a sua evolução. Por isso, em toda cidade que para mim é nova, dirijo-me em primeiro lugar aos alicerces sobre os quais ela se ergueu, a fim de compreender o seu presente por meio do seu passado. Nada mais natural do que no Rio procurar eu primeiramente o Morro do Castelo, a colina histórica, onde há quatrocentos anos, vencidos os franceses, os portugueses, após a vitória, lançaram a pedra fundamental da cidade. Mas a minha procura foi inútil. O morro histórico fora arrasado. Não é mais possível encontrar uma pedra, um torrão de pedra dele. O terreno há muito que está nivelado e ruas largas percorrem a esplanada. Fenômeno curioso! O Rio antigo desapareceu e o novo se acha sobre um solo inteiramente diferente daquele em que assentava a cidade dos séculos dezesseis e dezessete. Onde hoje estão as ruas asfaltadas, primitivamente só existiam pântanos e baixadas insalubres, inabitáveis, percorridas por pequenos cursos de água; os primeiros colonos fizeram suas moradas nos morros. Só pouco a pouco puderam os habitantes, com a terra dos morros, ir ganhando terreno aos pântanos e ao mar, secando o solo nos vales, atulhando ou canalizando os cursos de água e, ao mesmo tempo, aterrando pedaços da baía. Depois foram sendo arrasados os morros que dificultavam o trânsito. Assim a cidade em trezentos anos se alterou completamente, e tudo, ou quase tudo, o que era histórico foi vítima dessa sôfrega transformação. 
 
Mas com isso não houve grande perda, pois nos séculos dezesseis, dezessete e até boa parte do século dezoito a Bahia foi a capital do Brasil e o Rio era muito pobre, muito pequeno para construções artísticas e palácios luxuosos. Mesmo quando no começo do século dezenove a corte portuguesa fixou residência aqui, os hóspedes involuntários não encontraram abrigo condigno. Tudo o que é histórico data, pois, quando muito, do fim da época colonial, e uma casa de cento e cinquenta anos, ao contrário do que sucede na Bahia, aqui já goza de venerabilidade. São as poucas ruas próximas da Alfândega do Rio, que ainda não foram alteradas em sua genuinidade, as que melhor nos dão uma ideia dessa época colonial, de seu estilo e dos modos de então. Elas ainda são tipicamente portuguesas e, em sua despretensão e modéstia, dão uma impressão agradável. Seus prédios, de um ou dois pavimentos, outrora caiados de várias cores, não possuem outro ornato senão as belas grades de ferro batido das sacadas; esses prédios, que perderam a sua distinção de outrora, são agora exclusivamente ocupados por estabelecimentos comerciais. No primeiro pavimento há lojas, armazéns, nos quais podemos ver as mercadorias empilhadas. As mais das vezes sentimos o cheiro de tais ruas, antes de as vermos, pois essas ruas estreitas próximas do porto, as últimas que restam da época colonial e não sofreram transformação, tresandam a peixe, frutas e legumes. Não temos necessidade das excelentes descrições de Luiz Edmundo na sua obra "O Rio no tempo dos vice-reis" para fazermos ideia de como essas ruas estreitas deveriam ser horrivelmente empestadas e sufocantes numa época em que homens e gado ocupavam as ruas e ainda não se observavam as mais primitivas leis da higiene. Mesmo os poucos edifícios públicos dos tempos coloniais, os palácios e quartéis, foram construídos às pressas, economicamente, sem plano nem ambição, e representam, na melhor das hipóteses, cópias baratas dos edifícios portugueses. Só meia dúzia de velhos lamentam o desaparecimento do "Rio antigo", mas com isso, em verdade, não fazem mais do que inconscientemente lamentar a própria velhice. Na realidade, o Rio com tudo o que de si removeu, pouco ou nada perdeu. Dos tempos coloniais merecem conservar-se apenas algumas igrejas, sobretudo a Nossa Senhora da Glória do Outeiro, admiravelmente situada, e a de São Francisco, bem como o Aqueduto com suas graciosas curvas e, quando muito, como testemunho daquela época, uma ou outra dessas pequenas ruas. A igreja e o mosteiro de São Bento constituem um grande monumento e um testemunho imperecível do passado do Rio. 
 
Essa igreja de São Bento escapou à transformação dos séculos, entrincheirando-se corajosamente e isolando-se desde o primeiro dia, num outeiro; por isso foi conservado esse edifício, cuja construção foi iniciada em 1589 e que é no Rio o único monumento imponente do século dezesseis. E não esqueçamos que uma obra de arte do século dezesseis é para o Novo Mundo, o que são para nós, do Velho Mundo, o Partenon e as Pirâmides. Sozinha no seu outeiro, com sua vista ainda não encoberta pelos prédios altos situados junto dela, olhando livremente para todos os lados, constitui essa igreja uma maravilha de beleza e de tranquilidade nessa metrópole, que progride agitada e retumbante. Só nesse outeiro o tempo no Rio parou, só ali a sôfrega vontade de renovação nada conseguiu modificar. Ainda existe a velha e escabrosa ladeira que conduz ao alto do outeiro, a mesma que há trezentos anos subiam os peregrinos, e do mesmo terraço do qual outrora se viam atracar os galeões de Portugal e os pequenos veleiros, vêem-se hoje os grandes transatlânticos que lenta e majestosamente seguem o seu caminho. 
 
Vista por fora a igreja de São Bento, com o seu mosteiro contíguo, não tem uma aparência particularmente imponente nem especial; é um edifício austero e espaçoso, com pesadas torres redondas. O mosteiro com sua forma quadrangular, parece mais uma fortaleza, e, de fato, em tempos de guerra serviu como tal. Sem grande expectativa entramos no templo, cujas pesadas portas são artisticamente entalhadas. Mas, apenas chegados ao interior, ficamos deslumbrados. Há um instante ainda estávamos na intensa luz solar do Rio, agora é apenas uma penumbra cor de mel que nos envolve, uma claridade velada, amortecida como a de um nebuloso ocaso do sol. Não distinguimos forma e contornos; o espaço e as formas diluem-se nessa neblina luminosa. Só então percebemos que essa luz provém do ouro que doura todas as paredes. Mas não é uma cor berrante, retumbante, de metal dourado, e sim um brilho muito suave, um leve brilho que cobre as colunas e os painéis. Todas as linhas, todas as superfícies continuam-se suavemente e, misturadas com a luz do dia, que penetra pelas clarabóias, produzem esse brilho flutuante que, com tênue fumaça, percorre a ampla e espaçosa nave. 
 
Pouco a pouco os olhos se vão habituando e conseguem perceber pormenores. E então reconhecemos que aquilo que em nossas igrejas é feito de pedra, metal e mármore, as balaustradas entalhadas, os painéis, as decorações, aqui é feito de madeiras do país. Mas não podemos dizer se essa madeira é pintada ou revestida de uma camada muito fina de ouro, uma camada tão tênue e artisticamente aplicada que reproduz delicadamente toda curva e atenua de maneira admirável o encaracolado do estilo barroco. Apesar de a igreja de São Bento não ser comparável, em originalidade ou em magnificência, às grandes catedrais da Europa, os artistas que a fizeram conseguiram efetuar uma coisa sem par: conseguiram de maneira feliz e nova dominar a matéria, lograram uma harmonia perfeita nesse crepúsculo de ouro, que nunca mais esquecemos. E esse agradável comedimento reina também no mosteiro, em suas galerias largas, pavimentadas de lajes, nas pesadas portas pretas de madeira, na biblioteca bem proporcionada, no seu claustro. Percorremos essas galerias frescas protegidas por espessas paredes contra os sons e ruído, como se percorrêssemos outra época. Esquecemo-nos de que nos achamos num país meridional, ao sul do equador e sob outras estrelas. Poderíamos crer acharmo-nos num convento de beneditinos da Suíça ou da Alemanha, num desses antiquíssimos refúgios dos bibliófilos. Mas de repente nos achamos junto a uma janela e a vista magnificamente nos lembra em que lugar estamos: com seus arranha-céus e palácios, com suas ruas movimentadíssimas, estende-se em grande superfície o acúmulo de casas de uma metrópole moderna sob a sentinela de seus morros. Lá embaixo está a baía com seus navios e ilhas e cintila o mar tropical. Em toda parte no Rio, em todos os lugares, mesmo nos mais isolados e mais solitários, experimentamos essa incomparável duplicidade de cidade e paisagem, do que é transitório e do que é eterno. 
 
Esse mosteiro e o outro situado no morro de Santo Antônio, o Rio os conserva como monumentos do seu passado. É seu diploma de nobreza, que testemunha a idade e a distinção de sua civilização. Embora tudo o que é mesquinho e tudo o que é pobre da época colonial continua a desmoronar e desaparecer, embora a cidade em sua sofreguidão se transforme de ano para ano, perdurará esse áureo resplendor. (...) 
 
ALGUMAS COISAS QUE AMANHÃ TALVEZ HAJAM DESAPARECIDO 
 
Algumas das coisas singulares, que tornam o Rio tão colorido e pitoresco, já se acham ameaçadas de desaparecer. Sobretudo as favelas, as zonas pobres em plena cidade, será que ainda as veremos daqui a alguns anos? Os brasileiros não gostam de falar dessas favelas; no ponto de vista social e no ponto de vista higiênico, constituem elas um atraso, numa cidade muito limpa e que, por um serviço modelar de higiene, em alguns anos se libertou inteiramente da febre amarela, que outrora nela era endêmica. Mas as favelas apresentam um colorido especial no meio dessa figura caleidoscópica, e ao menos uma dessas estrelinhas do mosaico deveria ser conservada no quadro da cidade, porque elas representam um fragmento da natureza humana primitiva no meio da civilização. 
 
Essas favelas têm a sua história. A gente humilde que, em parte, vive com salários muito pequenos, não podia morar em casas de aluguel situadas dentro da cidade; vir diariamente dos arredores da cidade ao local do serviço e depois voltar para casa seriam duas viagens por dia, que acarretariam despesas de passagens. Por isso, procuraram eles, nos morros e nos rochedos situados dentro da cidade, para os quais não há ruas, um local e construíram uma casa, ou melhor, uma choça, sem perguntarem de quem era o terreno. Para a construção de um desses mocambos não há necessidade de arquiteto. Pegam-se alguns bambus e fincam-se no solo. Enchem-se os vãos entre os bambus com barro amassado. Soca-se o chão. Cobre-se o casebre com palha. E está ele pronto. Não precisa de janelas de vidro; algumas folhas de zinco apanhadas em qualquer lugar servem de janelas. Uma cortina feita de um saco velho cobre a entrada, que, quando muito, ainda é embelezada por pedaços de madeira, de caixões. E a choça é igual à que há centenas de anos seus avós construíram na aldeia brasileira ou africana. O mobiliário não é lá muito rico  uma mesa feita pelo próprio dono da casa, uma cama, alguns bancos  e, nas paredes se acham pregadas algumas figuras coloridas, tiradas de velhas revistas. Esses moradores também não têm algumas comodidades modernas. Assim é que a água tem que ser carregada da fonte que fica em baixo, na planície, por um caminho de degraus feitos no barro ou no rochedo; ininterruptamente se vêem mulheres e crianças carregando para cima do morro o precioso líquido em vasilhas sobre a cabeça, não em potes  esses custariam muito dinheiro  mas em latas de querosene. A iluminação elétrica não chega a esses casebres, à noite neles tremeluzem apenas pequenas lamparinas de querosene. E sempre o caminho íngreme subindo degraus, pedras e escadas, muitas vezes resvaladiço e raramente limpo, pois entre os casebres andam os bichos mais diversos, cabras e gatos famintos, cães arnosos e galinhas magras, e as águas servidas correm, sem cessar, pelas vielas. A cinco minutos de uma praia de luxo, de uma avenida, parece-nos estar numa aldeia da Polinésia ou da África. Vemos o máximo de primitividade, a maneira mais simples de habitar e de viver, uma maneira que na Europa ou nos Estados Unidos da América do Norte já quase não se acredita existir. Mas, coisa curiosa, o espetáculo nada tem de aflitivo, de repulsivo, de vergonhoso, pois esses moradores se sentem ali mil vezes mais felizes do que o nosso proletariado em suas casas de cômodos. Moram em casas próprias, podem ali fazer e deixar de fazer o que quiserem; à noite ouve-se que cantam e riem  ali eles são senhores de si. Se aparece o proprietário do terreno ou uma comissão que os obriga a se retirarem, para se abrir no local uma rua ou um bairro residencial moderno, eles calmamente se mudam para outro morro. Nada os impede de carregarem consigo os seus casebres. E, como esses casebres estão situados no alto dos morros, nos mais inacessíveis recantos, têm a mais bela vista que se pode imaginar, a mesma vista que têm as mais caras vilas de luxo, e é a mesma natureza luxuriante que ali orna seus lotezinhos com palmeiras, e generosamente lhes dá bananeiras, essa maravilhosa natureza do Rio, que não deixa a alma ser melancólica e infeliz, porque, incessantemente, afaga, com sua mão macia e tranquilizadora. Quantas vezes subi aqueles degraus escorregadios, de barro, para visitar essas zonas de gente humilde. Nunca vi por ali uma pessoa pouco afável ou uma pessoa triste. Com essas favelas desaparecerá uma parte interessante, um pedaço incomparável do Rio, e quase não posso imaginar os morros da Gávea e outros sem esses pobres casebres, colados na rocha, que com sua primitividade lembram quanto de supérfluo temos e exigimos. 
 
Também outra originalidade do Rio em breve será vítima da ambição civilizadora e talvez também da moral  como em muitas cidades da Europa, Hamburgo ou Marselha  as ruas de que não se fala, a zona do Mangue, a grande feira do amor, a yoshivara do Rio. Oxalá ainda à última hora aparecesse um pintor, a fim de retratar essas ruas, quando elas à noite brilham com luzes verdes, vermelhas, amarelas e brancas, e sombras fugitivas, constituindo um espetáculo oriental, misterioso pelos destinos acorrentados uns aos outros e semelhante ao qual não vi outro em toda minha vida. Nas janelas, ou melhor, nas portas se acham como animais exóticos por trás das grades, mil ou talvez mil e quinhentas mulheres, de todas as raças e todas as cores, de todas as idades e naturalidades, negras senegalesas ao lado de francesas, que já quase não podem encobrir com arrebiques as rugas produzidas pelos anos, caboclas franzinas e croatas obesas, e esperam os fregueses, que em incessante préstito espiam pelas janelas, a examinar a mercadoria. Por trás de cada uma dessas mulheres se vêem lâmpadas elétricas de cor, que iluminam com reflexos mágicos o aposento posterior, no qual se destaca da penumbra o leito, que é mais claro, um clair-obscur de Rembrandt, que torna quase mística essa atividade quotidiana e, além disso, assombrosamente barata. Mas o que é mais surpreendente, o que, ao mesmo tempo, brasileiro, nessa feira, é a calma, o sossego, a disciplina; ao passo que em ruas como essas, em Marselha, em Toulon, reina grande barulho, se ouvem risadas, gritos, chamados em voz alta e gramofones; ao passo que lá os fregueses bêbados, europeus, berram nas ruas, aqui, nas do Rio, reina calma e moderação. Sem se sentirem envergonhados, os homens passam diante daquelas portas, para às vezes desaparecerem ali, como um rápido raio de luz. E por cima de toda essa atividade calma e oculta está o firmamento com suas estrelas; mesmo esse recanto, que em outras cidades, de qualquer modo, consciente e envergonhado de seu comércio, se concentra nos bairros mais feios e mais decaídos, no Rio ainda tem beleza e se torna um triunfo de cor e de luzes variadas. 
 
Será que também os velhos bondes abertos irão desaparecer e ser substituídos por bondes modernos, fechados? Seria muito de lastimar, pois eles dão às ruas do Rio uma nota especial, clangorosa. Que espetáculo, do qual nunca nos cansamos, oferecem esses bondes abertos superlotados, em cujos estribos homens vão dependurados como pingentes! E à noite, quando eles trafegam e a luz do seu interior ilumina os semblantes pretos, escuros, ou claros, parece sempre que um ramalhete de várias cores vai passando! E como é agradável viajar nesses bondes! Nos dias mais quentes, mais sufocantes, compramos neles, por alguns tostões, a mais bela, a mais fraca brisa e, ao contrário do que acontece nos automóveis fechados, vamos vendo à direita e à esquerdas as casas comerciais, o movimento, a vida da cidade. Em nenhum outro veículo se pode ver melhor o Rio do que nesse meio de condução das classes modestas; graças a esses bondes e às minhas pernas, creio conhecer realmente hoje o Rio. E não tenho que me envergonhar dessa minha predileção, pois também D. Pedro II gostava tanto desses veículos antiquados, que reservou um para seus passeios democráticos. Que erro, se fizessem desaparecer esse romantismo um pouco barulhento e tremulante para terem o que todos os outros têm e, com isso, perderem algo que só o Rio possui: sua vivacidade colorida e despreocupada!

sábado, 14 de setembro de 2024

GIMPEL, O TOLO

Por ISAAC BASHEVIS SINGER *
Transcrevemos, com a devida vênia da Editora Perspectiva S.A., o referido conto constante da COLEÇÃO JUDAICA, dirigida por J. Guinsburg, vol. 8 de 1966 intitulado O CONTO ÍDICHE, pp. 323-337.
Capa da 1ª edição de Gimfel The Fool, publicado em 1957 pela Noonday Press em inglês, traduzido do iídiche por Saul Bellow - Crédito: https://en.wikipedia.org/wiki/Gimpel_the_Fool
 
Sou Gimpel, o tolo. Não acho que seja um tolo. Ao contrário. Mas é assim que as pessoas me chamam. Deram-me o apelido desde os tempos de escola. Ao todo tive sete apelidos: imbecil, burro, cabelo de palha, toupeira, resmungão, parvo e tolo. O último pegou. Em que consistia minha tolice? Era facilmente enganado. Diziam: "Gimpel, você sabe que a mulher do rabi está dando à luz?" Não fui, pois, à aula. Bem, acontece que era mentira. Como é que eu poderia saber? Ela não estava de barriga grande. Mas eu nunca olhei a barriga dela. Será que isto é assim tão tolo? A turma pôs-se a rir, a zurrar, a patear e a dançar, cantando uma oração da noite. E, em vez das passas que se costuma distribuir quando uma mulher dá à luz, encheram a minha mão de excremento de cabra. 
Eu não era um fracalhão. Se eu acertasse em alguém, ele voaria longe. Mas o fato é que por natureza não sou um valentão. Penso com meus botões: "Deixe estar, não é nada". E é assim que tiram vantagem de mim. 
Voltando da escola, ouvi um cão latindo. Não tenho medo de cachorros, mas é claro que eu jamais os provocaria. De repente, um deles pode estar louco, e, se morder, não existe alma neste mundo que possa ajudar. Foi por isso que me desviei. Depois olhei em volta e vi a praça toda do mercado estourando de rir. Não era cachorro algum mas Wolf-Leib, o ladrão. Como é que eu ia adivinhar que era ele? Era igualzinho a uma cadela uivando. 
Quando os "trelosos" e os "passa-rasteiras" perceberam que era fácil enganar-me, cada um tentou sua sorte comigo. "Gimpel, o Tzar vem para Frampol; Gimpel, a lua caiu em Turbeen; Gimpel, a pequena Hodel Pedaço-de-Pele achou um tesouro atrás da casa de banhos." E eu, como um golem, acreditava em todos. Em primeiro lugar, tudo é possível, como está escrito na Sabedoria dos Pais, só que não sei bem como. Segundo, eu tinha de acreditar, já que a cidade inteira caía em cima de mim! Se alguma vez eu ousava dizer: "Ora, vocês estão brincando!", havia barulho. O pessoal ficava zangado: "Como assim? Quer dizer que todo mundo é mentiroso?" Que é que eu podia fazer? Acreditei neles, e espero, ao menos, que tenham ficado satisfeitos. 
Era órfão. Meu avô, que me criara, já estava com o pé na cova. E por isso me entregaram a um padeiro e como me infernizaram a vida lá! Toda menina, toda mulher que vinha assar um tabuleiro de biscoitos ou secar a massa de macarrão tinha de me fazer de tolo pelo menos uma vez. "Gimpel, no céu há uma feira; Gimpel, o rabi deu à luz um bezerro no sétimo mês; Gimpel, uma vaca voou sobre o telhado e pôs ovos de cobre." Uma vez apareceu um aluno da ieschivá para comprar um doce e disse:  Sabe, Gimpel, enquanto você estava aqui mexendo com a pá de padeiro, o Messias veio. Os mortos ressuscitaram. 
Que é que você está dizendo?  repliquei.  Não ouvi ninguém soprando o schofar
Ele falou:  Será que você é surdo? 
E todos começaram a gritar:  Nós ouvimos, nós ouvimos! Então Reitze, a fazedora de velas, apareceu, bradando com sua voz rouca:  Gimpel, seu pai e sua mãe levantaram-se do túmulo. Estão à sua procura. 
Para dizer a verdade, eu sabia muito bem que nada disso ocorrera, mas de qualquer maneira, já que todo o mundo estava falando, meti a minha roupa de lã e saí. Talvez tivesse acontecido alguma coisa. Que é que eu ia perder em procurar saber? Precisavam ver a algazarra que se levantou! Foi então que fiz a promessa de não acreditar em mais nada. Mas também não deu certo. Confundiam-me de tal modo que não mais sabia distinguir o branco do preto. 
Fui ao rabi à procura de conselho. Disse-me:  Está escrito: melhor ser tolo todos os dias de sua vida que ser mau uma hora que seja. O tolo não é você: são eles. Pois aquele que faz seu próximo envergonhar-se perde ele mesmo o paraíso. 
Depois de tudo isto a filha do rabi me engabelou. Ao sair do tribunal do rabi, disse-me ela:  Você já beijou a parede? 
Respondi:  Não, para quê? 
Explicou:  É uma lei, é preciso fazê-lo depois de cada visita. 
Bem, não parecia haver nenhum mal nisso. E ela explodiu na risada. Foi um belo truque. Ela me fez uma boa, não há dúvida. 
Quis ir embora para outra cidade, mas então todo o mundo começou a querer me arranjar casamento e tanto grudavam em mim que quase me rasgavam a roupa. Falavam, falavam, a ponto de me encher os ouvidos. Ela não era nenhuma donzela, mas a mim diziam que era uma virgem pura. Tinha um defeito no andar e diziam que era de propósito, de denguice. Era mãe de um bastardo, e a mim diziam que a criança era seu irmão menor. Gritava-lhes:  Vocês estão perdendo seu tempo. Jamais me casarei com aquela prostituta. 
Respondiam, indignados:  Isso é jeito de falar? Não sente vergonha de si mesmo? Poderíamos levá-lo ao rabi para multá-lo por injuriar a moça. 
Percebi então que não me livraria tão facilmente deles e pensei: "Estão resolvidos a fazer de mim seu palhaço. Acontece, porém, que quando a gente casa, o marido é que é o patrão, e se isto servir para ela, para mim também está bem. Além disto, não se pode passar pela vida em branca nuvem, nem esperar que assim seja". 
Fui até o casebre da moça, construído na areia, e a turma toda, berrando em coro, vinha atrás de mim. Comportavam-se como gente de circo. Quando chegamos ao lugar, pararam todos ao mesmo tempo. Tinham medo de se meter com Elka. Poria a boca no mundo e tinha uma língua feroz. Entrei na casa. Havia cordas estendidas de parede a parede e roupas secando. Estava junto ao tanque, descalça, lavando roupa. Vestia um surrado roupão de pelúcia. Usava tranças presas no alto da cabeça. Aquele cheiro quase me tirou o fôlego. 
Evidentemente, sabia quem eu era. Deu-me uma olhada e disse:  Vejam, quem está aqui! Ele veio, o bocó. Apanhe uma cadeira. 
Eu lhe contei tudo; não ocultei nada. 
Diga-me a verdade  disse eu  você é realmente virgem? E este infeliz do Iehiel, é de fato seu irmão menor? Não seja falsa comigo, pois sou órfão. 
Eu também sou órfã  respondeu  e se alguém quiser levá-lo no bico, que leve a breca. Mas eles que não pensem que podem tirar vantagem de mim. Quero um dote de cinquenta florins e, fora isso, que façam uma coleta. Senão, podem ir a... 
Ela era muito despachada. Retruquei:  É a noiva e não o noivo quem dá o dote. 
Nada de pechinchas comigo  replicou ela.  Sim-sim, não-não e pode tomar o caminho de volta. Pensei: "Deste mato não sai coelho". Mas a nossa cidade não é uma cidade pobre. Concordaram com tudo e começaram os preparativos do casamento. Acontece que na época grassava uma epidemia de disenteria. A cerimônia deu-se às portas do cemitério, perto da casa onde se preparavam os corpos. Os rapazes ficaram bêbados. Enquanto o contrato de casamento era redigido, ouvi o mais piedoso rabino-mor perguntar:  É a noiva viúva ou divorciada? 
E a mulher do coveiro respondeu por ela:  Ambos, viúva e divorciada. 
Foi um momento negro para mim. Mas que é que eu podia fazer, abandonar a noiva debaixo do pálio nupcial? 
Houve música e dança. Uma velhinha dançava à minha frente, abraçando um halá entrançado e branco. O mestre de cerimônia fez um "Deus tenha piedade" em memória dos pais da noiva. Os meninos de escola jogavam como no dia de Tischa B'Ab ¹. Ganhamos uma porção de presentes depois do sermão: um tabuleiro de macarrão, uma tina de amassar pão, um balde, vassouras, colheres, objetos de uso doméstico. Então dei uma olhada e vi dois fortes rapagões carregando um berço:  Para que precisamos disto?  perguntei. Então disseram:  Não dê tratos à bola por causa disto. Tá tudo certo, ele terá serventia. 
Percebi que ia ser engabelado. Por outro lado, que é que eu ia perder? Refleti: "Vamos ver no que vai dar tudo isso. Não é possível que a cidade inteira esteja ficando louca". 
 
¹ Nono dia de Ab: dia do mês em que os Judeus relembram com luto e jejum a destruição do Primeiro e do Segundo Templo.
 
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À noite fui até a cama onde minha mulher estava deitada, mas ela não me aceitou.  Ora essa, então foi para isso que nos casaram?  disse eu. 
E ela respondeu:  Minhas regras chegaram. 
Mas ontem a levaram ao banho ritual, e isto costuma ser depois, não é? 
Hoje não é ontem  retrucou  e ontem não é hoje. Pode dar o fora, se não gostar. 
Em resumo, esperei. 
Menos de quatro meses depois, ela deu à luz. A gente da cidade mal escondia as risadas. Mas que é que eu podia fazer? Ela sofria dores tão intoleráveis que quase subia pelas paredes. 
Gimpel  gritava  estou morrendo. Perdoe-me! 
A casa se encheu de mulheres. Ferviam panelas de água. Os gritos subiam aos céus. 
A única coisa a fazer era ir à Casa de Orações recitar salmos e foi o que fiz. 
A gente da cidade gostou disto, sem dúvida. Fiquei num canto rezando salmos e orações e eles acenavam com a cabeça em minha direção. 
Vai rezando, vai!  diziam para mim.  Rezar nunca engravidou mulher alguma. 
Um dos membros da congregação quis enfiar uma palha na minha boca, dizendo:  Feno para o gado... 
Por Deus, não teriam eles razão? 
Ela deu à luz um menino. Sexta-feira, na sinagoga, o schamess levantou-se perante a Arca, bateu na mesa de leitura e anunciou:  O digno Reb Gimpel convida a congregação para uma festa em honra ao nascimento de um filho. 
A Casa de Orações inteira ressoou de risos. Meu rosto estava em chamas. Mas não havia nada que eu pudesse fazer. Afinal, eu era o único responsável pelas honras da circuncisão e dos rituais. Metade da cidade veio correndo. Não cabia nem uma agulha mais. As mulheres trouxeram grão-de-bico apimentado, e havia um pequeno barril de cerveja da taverna. Comi e bebi tanto quanto os outros e todos se congratularam comigo. Depois, houve a circuncisão e dei ao menino o nome de meu pai, que ele repouse em paz. Quando todos haviam saído e eu me achava sozinho com minha mulher, ela pôs a cabeça por entre as cortinas da cama e me chamou para perto dela. 
Gimpel  falou  por que você está tão quieto? Será que você perdeu a fala? 
Que é que eu posso dizer?  respondi.  Veja o que você me fez? Se minha mãe soubesse disto, tornaria a morrer pela segunda vez. 
Ela se indignou:  Você está maluco, ou o quê? 
Como é que você pode fazer de mim um tolo tão grande, eu, que deveria ser seu amo e senhor?  Que é que há com você?  indagou.  Que é que você meteu na cabeça?
Percebi que tinha de falar rude e abertamente:  Você acha que é assim que se trata um órfão?  falei.  Você deu à luz um bastardo. 
Tire esta loucura de sua cabeça. A criança é sua  respondeu ela. 
Como é que pode ser minha?  argumentei.  Ela nasceu dezessete semanas depois do casamento. 
Então ela me contou que a criança era prematura. Disse-lhe:  Não será um pouco prematura demais? 
Explicou-me que tivera uma avó cuja gestação também era curta assim e que ela se parecia com aquela avó como uma gota de água se parece com a outra. Jurou com juramentos tais que qualquer pessoa teria acreditado até num campônio da feira, se ele os empregasse. Para falar a verdade, não acreditei nela; mas quando, no dia seguinte, conversei com o melamed a respeito, contou-me que a mesma coisa havia acontecido a Adão e Eva. Começaram a dois e logo se viram a três. 
Não há mulher no mundo que não seja neta de Eva  disse ele. 
Era essa a situação: me encheram os ouvidos com seus argumentos. Mas, afinal, quem é que realmente sabe como são essas coisas? 
Comecei a esquecer minha mágoa. Amava loucamente a criança e ela me amava também. Logo que me via, acenava-me com as mãozinhas e queria que a pegasse, e quando tinha cólicas, eu era o único que sabia acalmá-la. Comprei-lhe um pequeno anel de osso para os dentes e um pequeno solidéu dourado. Estava constantemente pegando mau-olhado, e então eu tinha de correr e buscar um daqueles exorcistas para curá-la. Trabalhava como uma besta. Bem, sabem como as despesas aumentam quando há uma criança em casa. Não pretendo mentir a respeito; não é que eu não gostasse de Elka, por causa disso. Ela blasfemava e me amaldiçoava, e eu não me fartava dela. A força que ela tinha! Era capaz de tirar a fala de qualquer pessoa com um de seus olhares. E seus discursos? Eram como raios e trovões, mas, ainda assim, cheios de encanto. Eu adorava todas as suas palavras. Ela me feriu profundamente, contudo. 
De noite, levava-lhe um pão branco, um pão preto e também rolinhos de semente de papoula assados por mim. Roubava por causa dela e passava a mão em tudo que podia: macarrão, passas, amêndoas, bolos. Espero que me perdoem por ter roubado das panelas de sábado que as mulheres deixavam para assar no forno do padeiro. Eu tirava pedaços de carne, um bocado de pudim, uma perna ou cabeça de galinha, um pedaço de tripa, qualquer coisa que pudesse furtar rapidamente. Ela comia e ficava gorda e bonita. 
Tinha de dormir fora de casa, na padaria, durante toda a semana. Na sexta-feira, quando vinha para casa, ela sempre tinha uma desculpa. Ou estava com azia, ou com uma pontada do lado, ou soluços, ou dor de cabeça. Você sabe como são as desculpas das mulheres. Ela me fez passar maus pedaços. Era duro. Ainda por cima, aquele seu irmão menor, o bastardo, estava crescendo. Atirava-me coisas e quando eu queria revidar, ela abria a boca no mundo e praguejava com tanta força que eu via uma névoa flutuando ante meus olhos. 
Dez vezes por dia ameaçava divorciar-se. Um outro homem, em meu lugar, tomaria o sumiço. Mas eu sou do tipo que aguenta e não diz nada. Que é que se vai fazer? Deus deu os ombros e os fardos também. 
Uma noite na padaria aconteceu uma desgraça; o forno explodiu e quase houve um incêndio. Não havia nada a fazer exceto ir para casa, e então fui. Deixe-me, pensei, provar também a alegria de dormir na minha cama no meio da semana. Não quis acordar o pequenino adormecido e entrei na casa na ponta dos pés. Ao entrar, pareceu-me ouvir não o ronco de um, mas era como que um duplo ronco, um que era bem fino e outro semelhante ao de um boi no matadouro. Ai, meu Deus, não gostei, não gostei nem um pouco! Fui até a cama e as coisas, de repente, ficaram pretas. Junto a Elka estava a forma de um homem. 
Outro em meu lugar teria armado um escândalo e barulho suficiente para levantar a cidade toda, mas ocorreu-me o pensamento de que poderia acordar a criança. Uma coisinha como aquela - "para que assustar um pardalzinho como este", pensei. Pois bem, voltei à padaria e estendi-me sobre um saco de farinha e até o amanhecer não preguei olho. Tremia como se tivesse malária. "Chega de ser burro", disse eu com meus botões. "O Gimpel não há de ser um trouxa a vida toda. Existe um limite mesmo para a tolice de um tolo como Gimpel." 
De manhã fui ao rabi em busca de conselho, e isto provocou imenso rebuliço na cidade. Mandaram o bedel em busca de Elka na mesma hora. Ela veio, carregando a criança. E que é que você pensa que ela fez? Negou, negou tudo, do começo ao fim. 
Ele está fora de si!  berrou.  Não tenho nada a ver com os sonhos ou as visões dele. 
Gritaram com ela, preveniram-na, bateram na mesa, mas ela continuou firme: "era acusação falsa", dizia. 
Os açougueiros e os mercadores de cavalo tomaram seu partido. Um dos rapazes do matadouro veio e disse para mim:  Estamos de olho em você; você é um homem marcado. 
Neste ínterim a criança começou a fazer força e se sujou. Na corte rabínica havia uma Arca Sagrada e não podiam permitir isto, de modo que mandaram Elka embora. 
Eu disse ao rabi: 
Que é que vou fazer? 
Você deve divorciar-se imediatamente  respondeu. 
E se ela recusar? 
Você deve pedir o divórcio, é a única coisa que você pode fazer. 
Bem, está certo, rabi. Deixe-me pensar a respeito. 
Não tem nada que pensar. Você não deve permanecer sob o mesmo teto com ela. 
E se eu quiser a criança?  perguntei. 
Deixe-a ir, aquela meretriz, e aquele bando de bastardos com ela. 
O seu veredito foi que eu não devia sequer pisar a soleira da casa dela, nunca mais, enquanto eu vivesse. Durante o dia não me incomodava tanto. Pensei: "Tinha de acontecer, o tumor tinha de rebentar". Mas, à noite, quando me estendia sobre os sacos de farinha, sentia tudo com muita amargura. A saudade dela e da criança tomava conta de mim. Queria estar zangado, mas esta é exatamente a minha desgraça, não está em mim ficar realmente zangado. "Em primeiro lugar  era assim que meus pensamentos iam  é sempre possível haver um deslize. Não se vive sem cair em falta. Provavelmente aquele rapaz que esteve com ela a levou na conversa e lhe deu presentes e não sei o que mais, e as mulheres muitas vezes têm o cabelo comprido e a inteligência curta, pode ser que a levou no bico. E depois, já que ela nega tudo, pode ser que eu esteja apenas vendo fantasmas. Alucinações podem acontecer. Você vê uma figura ou um boneco ou qualquer coisa e chegando mais perto, não é nada, não existe nada lá. E se assim for, estou cometendo uma injustiça para com ela." E quando cheguei a este ponto, em meus pensamentos, comecei a chorar. Soluçava tanto que molhei a farinha sobre a qual estava deitado. De manhã fui à casa do rabi e disse-lhe que tinha cometido um engano. O rabi continuou na sua escrita e falou que, se assim era, precisaria reconsiderar o caso. Até lá eu não deveria me aproximar de minha mulher, mas poderia mandar-lhe pão e dinheiro por mensageiro. 
 
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Nove meses se passaram até que todos os rabis pudessem chegar a um acordo. Cartas foram para lá e para cá. Não imaginara que pudesse haver tanto erudição por causa de um caso como este. 
Entrementes, Elka deu à luz mais uma criança, desta vez uma menina. No sábado, fui à sinagoga e invoquei uma bênção sobre ela. Chamaram-me para recitar a Torá e dei à criança o nome de minha sogra, que ela repouse em paz. Os grosseirões e os desbocados da cidade passaram pela padaria para me gozar. Toda Frampol ganhou vida nova por causa de minha desgraça. contudo, decidi acreditar sempre naquilo que me contavam. De que adianta não acreditar? Hoje é em sua mulher que você não acredita, amanhã nem mesmo em Deus. 
Por intermédio de um aprendiz que era seu vizinho, diariamente eu lhe mandava pão de cevada ou de trigo, ou então uma fatia de pastelão, bolinhos ou beiguelech, ou quando possível, um pedaço de pudim, uma fatia de bolo de mel ou strudel de casamento  tudo que atravessasse meu caminho. O aprendiz era um rapaz de bom coração e mais de uma vez acrescentou alguma coisa por sua conta. Antes me amolava bastante, puxando meu nariz e furando minhas costelas, mas quando começou a ser um visitante de minha casa, tornou-se amigo: 
Olhe aqui, Gimpel, você tem uma mulherzinha muito decente e dois belos filhos. Você não os merece. 
Mas as coisas que dizem sobre ela...  repliquei. 
Bem essa gente é muito linguaruda  explicava.  Só sabem é mexericar. Esqueça-os como esqueceu o frio do inverno que passou. 
Um dia o rabi mandou-me chamar e disse:  Você tem certeza, Gimpel, que se enganou a respeito de sua mulher? 
Tenho  respondi. 
Bom, mas olhe aqui! Você mesmo o viu. 
Deve ter sido uma sombra. 
Sombra de quê? 
De uma das vigas, eu acho. 
Então pode ir para casa. Pode agradecer ao rabi de Ianover. Ele encontrou uma referência obscura em Maimônides que favoreceu a você. 
Agarrei a mão do rabi e beijei-a. 
Quis correr para casa imediatamente. Não é fácil ficar separado durante tanto tempo de mulher e filhos. Depois refleti: "É melhor voltar ao trabalho agora e ir para casa de noite." Não disse nada a ninguém, apesar de meu coração se sentir como nos Dias Terríveis ². As mulheres me importunavam e escarneciam como costumavam fazer todos os dias, mas eu pensava: "Podem continuar com sua conversa fiada. A verdade subiu como o óleo na água. Maimônides disse que está certo; portanto, está certo!" 
À noite, depois de cobrir a massa para deixá-la crescer, peguei minha parte do pão e um pequeno saco de farinha e rumei para casa. A lua estava cheia e as estrelas cintilavam; era de meter medo à alma. Apressava-me em meu caminho e na minha frente alongava-se uma delgada sombra. Era inverno, tinha caído neve fresca. Senti vontade de cantar, mas estava ficando tarde e não queria acordar os de casa. Depois senti vontade de assobiar, mas lembrei que não se deve assobiar à noite porque isto atrai os demônios. Mantive-me, pois, em silêncio e andei o mais depressa que pude. 
Ao passar pelos quintais dos cristãos, os cachorros latiam contra mim, mas eu pensei: "Que latam até cair os dentes! Que são vocês senão uns pobres cachorros? Ao passo que eu sou um homem, o marido de uma boa mulher, o pai de crianças promissoras." 
Quando me aproximei da casa, meu coração começou a bater como se fosse um criminoso. Não senti medo, mas meu coração fazia bum! bum! Bom, nada de recuar. Sem ruído levantei o trinco e entrei. Elka estava dormindo. Olhei para o berço da criança. A veneziana esta fechada, mas a lua forçava seu caminho pelas frestas. 
Vi o rosto do recém-nascido e amei-o desde o primeiro instante  imediatamente  cada pedacinho dele. 
Depois aproximei-me da cama. E que é que eu vi... o aprendiz deitado ao lado de Elka. A lua desapareceu de repente. Estava completamente escuro e eu tremia. Meus dentes batiam. O pão caiu de minhas mãos e minha mulher acordou e disse: 
Quem está aí? 
Sou eu  murmurei. 
Gimpel?  perguntou. 
Como é que você veio aqui? Não é proibido? 
O rabi deixou  respondi, tremendo como se estivesse com febre. 
Escute, Gimpel, vá lá fora no alpendre e veja se a cabra está bem. Parece que ela está doente. 
Esqueci-me de contar que tínhamos uma cabra. Quando soube que estava indisposta, fui ao quintal. A cabrinha era uma boa criatura. Nutria por ela um sentimento como se fosse humana. 
Com passos hesitantes, fui ao alpendre e abri a porta. A cabra lá estava nas suas quatro patas. Apalpei-a toda, puxei-a pelos cornos, examinei suas tetas, e não achei nada de irregular. Provavelmente tinha comido casca de árvore demais:  Boa noite, cabrinha. Passe bem. 
E o animalzinho respondeu com um "Mé" como que para me agradecer a boa vontade. 
Voltei. O aprendiz tinha sumido. 
Onde está o rapaz  perguntei. 
Que rapaz?  minha mulher respondeu. 
Ora essa... O aprendiz. Você estava dormindo com ele. 
Tomara que as coisas que sonhei esta noite e a noite passada  começou a falar  tomara que elas se realizem e o arrasem, de corpo e alma! Um mau espírito o possuiu e está te perturbando a vista. 
Pôs-se a berrar:  Sua criatura abominável! Seu lunático! Seu bruxo! Seu espantalho! Suma daqui, ou vou acordar Frampol inteira com meus gritos! 
Antes que pudesse esboçar um movimento, seu irmão saltou da estufa às minhas costas e me golpeou na cabeça. Pensei que me tivesse quebrado o pescoço. Senti que algo estava profundamente errado comigo, e disse:  Não façam um escândalo. Só faltava agora as pessoas me acusarem de levantar fantasmas e dibukim
Pois era isso que ela havia insinuado. 
Daí, ninguém vai querer tocar no pão que eu fizer. 
Em resumo, consegui acalmá-la de alguma maneira. 
Bem,  disse ela  basta. Deite-se e vá pro inferno. 
Na manhã seguinte chamei o aprendiz de lado:  Olhe aqui, irmão!  falei. E assim por diante. 
Que é que você está dizendo?  Ele me encarou como se tivesse caído do telhado ou algo assim. 
Juro  continuou  é melhor você ir consultar um médico ou algum curandeiro. Acho que está lhe faltando um parafuso, mas não vou contá-lo a ninguém. 
E era nesse pé que se encontravam as coisas. 
Para encurtar uma longa história, vivi durante vinte anos com minha mulher. Ela deu à luz seis filhos, quatro meninas e dois meninos. Toda sorte de coisas aconteceu, mas nada vi nem ouvi. Acreditei, e só. O rabi, há pouco tempo atrás, disse para mim:  A fé por si só é benéfica. Está escrito que um homem bom vive pela sua fé. 
De repente minha mulher ficou doente. Começou com uma ninharia, um pequeno crescimento no seio. Mas, aparentemente, não era seu destino viver muito tempo: seus anos estavam contados. Gastei uma fortuna com ela. Esqueci de contar que a esta época eu já possuía uma padaria própria e que era considerado em Frampol quase um homem rico. 
Diariamente vinha o curandeiro e todo e qualquer médico de poderes mágicos na vizinhança era chamado. Decidiram usar sanguessugas e depois disto tentaram operar. Chamaram até um médico de Lublin, mas era tarde demais. Antes de morrer, ela me chamou à sua cabeceira:  Perdoe-me, Gimpel. 
Eu disse:  Não há nada para ser perdoado. Você foi sempre uma mulher boa e fiel. 
Chi, Gimpel!  ela disse.  Foi muito feia a maneira como o enganei todos estes anos. Gostaria de ir limpa ao meu Criador e por isso devo-lhe contar que as crianças não são suas. 
Se tivesse recebido uma cacetada na cabeça, não poderia ter ficado mais desconcertado. 
De quem são?  perguntei. 
Não sei.  respondeu  Havia tantos... Mas não são seus. 
E, ao falar, virou a cabeça para o lado, seus olhos se tornaram vidrados, e tudo havia terminado para Elka. Seus lábios esbranquiçados conservavam um sorriso. 
Imaginei que, mesmo depois de morta, continuava dizendo:  
Enganei Gimpel. Esta foi a razão de minha breve vida. 
 
² Dias terríveis ou "iamim noraim": os dez dias que incluem as maiores festividades judaicas, o Ano Novo e o Dia de Expiação. Este último (Yom Kipur) ocorre anualmente no dia 10 de Tishrei, o primeiro mês do calendário hebraico. .
 
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Uma noite, terminado o período de luto, quando estava sonhando deitado sobre os sacos de farinha, o Espírito do Mal veio em pessoa e me disse: 
Gimpel, por que é que você está dormindo? 
Respondi:  Que é que eu devia fazer? Comer kreplach
O mundo inteiro abusa de você e você deveria, por sua vez, abusar do mundo. 
Como posso abusar de todo o mundo?  perguntei-lhe. 
Respondeu:  Poderia juntar um balde de urina todo dia e à noite derramá-lo na massa de pão. Que os sábios de Frampol comam imundície! 
E como serei julgado no outro mundo?  indaguei. 
Não há outro mundo. Impingiram-lhe um saco de coisas e o convenceram de que você estava com um gato na barriga. Que bobagem! 
Pois bem  falei  e Deus existe? 
Respondeu:  Deus também não existe. 
Que é que existe, então? 
Uma sujeira bem grossa. 
Estava de pé diante de mim, com uma barba de cabra e cornos, dentes compridos e um rabo. Ao ouvir tais palavras, quis pegá-lo pelo rabo, mas caí nos sacos de farinha e quase quebrei uma costela. Depois aconteceu que tive de satisfazer um imperativo da natureza e, passando, vi a massa crescida, que parecia falar para mim:  "Faça-o!" Em resumo, deixei-me persuadir. 
Ao amanhecer, chegou o aprendiz. Amassamos o pão, espalhamos semente de cariz nele e o pusemos a assar. Depois o aprendiz foi embora e fiquei sentado no pequeno lugar escavado junto ao forno, numa pilha de madeira. "Bem, Gimpel,  pensei,  você se vingou de toda a vergonha com que eles o cumularam." Lá fora o frio luzia, mas estava quente junto ao forno. As chamas esquentavam meu rosto. Baixei a cabeça e caí num sono leve. 
De repente, em sonho, vi Elka em sua mortalha. Interpelou-me: 
Que é que você fez, Gimpel? 
Respondi-lhe:  É tudo por sua culpa  e comecei a chorar.  
Seu tolo!  disse ela.  Seu tolo! Só porque fui falsa, tudo é falso também? Não enganei ninguém, a não ser a mim mesma. Estou pagando por tudo, Gimpel. Não me poupam nada aqui. 
Olhei a sua face. Estava negra. Acordei sobressaltado e quedei-me estupidificado. Tive a sensação que tudo estava na balança. Um passo falso agora e perderia a Vida Eterna. Mas Deus deu-me Seu auxílio. Alcancei a pá comprida e tirei os pães, carreguei-os para o quintal e comecei a cavar um buraco na terra congelada. 
Nesse meio tempo, meu aprendiz voltou:  Que é que está fazendo, patrão?  perguntou e ficou pálido como um cadáver. 
Sei o que estou fazendo  disse, e enterrei tudo bem diante de seus olhos. 
Depois fui para casa, tirei minhas economias do esconderijo e as dividi entre as crianças: 
Vi a mãe de vocês esta noite  contei-lhes.  Ela está ficando negra, coitada. 
Estavam tão pasmados que não puderam pronunciar uma palavra. 
Felicidades  falei  e esqueçam que alguém como Gimpel jamais existiu. 
Vesti meu casaco, as botas, tomei da bolsa que continha meu xale de oração em uma das mãos, e na outra, meu cajado, e beijei a mezuzá. Quando as pessoas me viram na rua, ficaram muito surpresas. 
Aonde vai?  perguntaram. 
Respondi:  Pelo mundo afora. E assim parti de Frampol. 
Caminhei por sobre a terra e as boas almas não me esqueceram. Muitos anos se passaram, tornei-me velho de cabelos brancos; e ouvi muitas coisas, muita mentira e muita falsidade, mas, quanto mais vivi, mais compreendia que na realidade não eram mentiras. Tudo o que não acontece realmente é sonhado à noite. Acontece para um quando não acontece para outro, amanhã senão hoje, ou um século mais tarde, quando não no ano que vem. Que diferença pode fazer? Muitas vezes ouvi coisas das quais se dizia: "Bem, aí está algo que não pode ocorrer." Mas, antes de se passar um ano, ouvia que o fato realmente ocorrera algures. 
Indo de lugar a lugar, comendo em mesas estranhas, muitas vezes desfio longas estórias  coisas improváveis que não poderiam nunca ter acontecido  sobre diabos, mágicos, moinhos de vento e assim por diante. As crianças correm atrás de mim, chamando: "Avôzinho, conte-nos uma estória." Às vezes pedem estórias especiais e procuro agradar-lhes. Um rapaz gordo disse-me, certa vez: "Avôzinho, esta você já nos contou antes." Aquele malandrinho, ele tinha razão. 
Assim se dá também com os sonhos. Faz muitos anos que deixei Frampol, mas logo que fecho os olhos, estou lá de novo. E a quem pensam vocês que eu vejo? Elka. Parada junto ao tanque de roupa, como no nosso primeiro encontro, mas sua face resplandece e os olhos são radiantes como os olhos de uma santa, fala estranhas palavras para mim, coisas extraordinárias. Quando acordo, esqueci-me de tudo. Mas, enquanto o sonho dura, sinto-me reconfortado. Responde a todas as minhas perguntas e daí resulta apenas que tudo está bem. Choro e suplico: "Deixe-me ficar com você." E ela me consola e me pede para ser paciente. O tempo está mais próximo do que longe. Às vezes, ela me acaricia e beija e chora sobre meu rosto. Ao acordar, sinto seus lábios e provo o sal de suas lágrimas. 
Sem dúvida, este mundo é inteiramente um mundo imaginário; foi simplesmente separado, em tempos idos, de um mundo verdadeiro. Na porta da choupana, onde estou deitado, encontra-se a prancha na qual os mortos são levados. O coveiro judeu tem pronta a sua pá. O túmulo está esperando e os vermes estão famintos; a mortalha está pronta, carrego-a no meu saco de mendigo. Um outro schnorrer está à espera para herdar minha cama de palha. Quando o tempo chegar, irei alegremente. 
Como quer que seja lá, será verdadeiro, sem complicação, sem ridículo, sem decepção. Deus seja louvado: lá nem mesmo Gimpel pode ser enganado. 
 
GLOSSÁRIO
 
beigelech: rosca
dibuk (pl. dibukim): alma errante, penada, condenada a vagar entre o céu e a terra, por causa de suas faltas. É uma concepção cabalístico-hassídica. 
golem: literalmente, corpo informe, embrião, homúnculo, autômato. Gigante de barro, cuja criação era atribuída aos cabalistas. Tem também o sentido pejorativo de bronco, estúpido, imbecil.
halá: nome dado ao pão que é feito para o Schabat e as festividades.
iamim noraim: Dias Terríveis; os dez dias que incluem as maiores festividades judaicas, o Ano Novo e o Dia de Expiação
ieschivá: escola ou seminário rabínicos, academia talmúdica, escola de estudos judaicos superiores.
kreplach: pastelzinho recheado com carne picada.
melamed (pl. melam'dim): professor. Em geral, de primeiras letras no sistema educacional religioso que vigorou entre os Judeus.
mezuzá: estojo de metal que contém, em pergaminho, os primeiros parágrafos da oração Sch'ma Yisrael (Ouve, Israel), e que serve de talismã, sendo colocada no batente das portas.
rabi: rabino
reb: senhor, sr.
schamess: bedel de sinagoga
schnorrer: mendigo, miserável. Designa um tipo popular de pedinte, achacador, impudente.
schofar: chifre, corno. Denomina a trombeta de chifre de carneiro, que se toca na sinagoga durante a solenidade do Ano Novo e no encerramento do Yom Kipur (Dia de Expiação).
strudel: torta de maçã com massa folhada

Colaborador: ISAAC BASHEVIS SINGER


Por Francisco José dos Santos Braga
 
Isaac Bashevis Singer, 1978. (Crédito: Louis Monier/Gamma-Rapho via Getty Images)
ISAAC BASHEVIS SINGER, nascido em 1903 em Leoncin (comuna rural polonesa) e falecido em 1991 em Surfside, Flórida, foi um autor polonês-americano de ascendência judaica, conhecido principalmente por seus contos. Ele foi uma das principais figuras do movimento literário iídiche e é considerado o maior escritor em língua iídiche do século XX, pelo que foi ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1978.  Singer recebeu o prêmio com modéstia: 
“Ontem eu era um escritor iídiche, hoje sou agraciado com o Nobel, amanhã serei um escritor iídiche. Sou grato (pelo prêmio), mas ao mesmo tempo sinto pelos escritores maiores do que eu que não o receberam”.  “Eu não sou o único vencedor do prêmio. Compartilho-o com todos meus leitores e com todos os amantes da língua iídiche”.
No mundo de língua iídiche, o prêmio foi recebido com alegria: o iídiche alcançava dignidade aos olhos de um público de não-judeus.

A língua iídiche é uma língua germânica dos judeus ashquenazitas que habitavam a Europa Central e Oriental. A fonética dessa língua lembra a língua alemã. Infelizmente, esta maravilhosa língua está em extinção e há poucos falantes nativos para tal língua, mas já foi o principal idioma falado pelos judeus da cultura ashquenazita. 
De forma simplificada, pode-se dizer que o iídiche é o idioma germânico escrito com caracteres do alfabeto hebraico moderno e é escrito em sentido oposto ao da escrita ocidental (ou seja, escrita e lida da direita para a esquerda, da mesma forma que o hebraico). 
 
O Blog do Braga já publicou outros trabalhos cujo tema é essa maravilhosa língua, tais como Um Amigo de Kafka pelo mesmo contista Bashevis, Nos Rastros do Cabalista de Praga, Como se diz Adeus em Judeu-arábico? e A Mãe Judia: da canção gravada por Sophie Tucker a Philip Roth
 
Na Revista Morashá encontra-se uma rica biografia de Bashevis que mostra sua importância para a herança espiritual dos Judeus através dos seguintes trechos selecionados reproduzidos aqui: 
Combinando sensibilidade psicológica sutil, profunda simpatia com as excentricidades do folclore judaico e uma infalível percepção do heroísmo da vida cotidiana, trouxe para o mundo de língua inglesa o ambiente vibrante do judaísmo polonês antes do Holocausto e forneceu uma imagem dessa humanidade e de sua cultura, insuperada até hoje. (...) 
Em Varsóvia, o irmão (também escritor Yisrael Joshua Singer) introduziu Isaac no Clube dos Escritores em Iídiche, que logo se tornaria sua casa e sua escola: “Um centro de idéias, aspirações, teorias, fantasias, sonhos”, em que todas as correntes e ideologias coexistiam. No clube, Isaac, a quem faltou uma educação secular formal, devorava os textos, desde Tolstoi a Spinoza, Thomas Mann, Cabalá, Platão. Lá também fizera amizades que o acompanhariam pelo resto da vida. Nesses anos, investia em sua formação como escritor. Sua maneira de escrever era de contador de histórias. Suas histórias tinham tanta força, que às vezes ele mesmo as confundia com a realidade. Sua compulsão para escrever derivava de sua infelicidade: “Eu não podia ser o tipo de judeu que meus pais religiosos queriam que eu me tornasse; também não podia e não queria tornar-me um não-judeu...” (...) 
No clube, Isaac teve suas primeiras experiências amorosas e conheceu Ronye, com que teve seu único filho, Yisrael.  (...) 
Sua chegada a Nova York, em maio de 1935, precipitou-o em uma crise de declínio e desespero que ameaçava incapacitá-lo. Ficou com um bloqueio e não conseguia mais escrever. Numa carta a um amigo, dizia: “... em Nova York vejo mais claramente que na Polônia que não há literatura iídiche e que não há para quem trabalhar...” e “... a literatura iídiche é a mais desnecessária... Nós temos absoluta liberdade; não temos leitores...”" (...) 
No verão de 1937, finalmente Isaac encontrou sua futura mulher, Alma, e o casal continuou inseparável desde o casamento, em 1940, até a morte de Isaac, em 1991. (...) 
Em 1943, Bashevis voltou à tona publicando dois ensaios inteligentes e criativos: “A respeito da literatura iídiche”, análise literária e cultural brilhante que marcava o fim do bloqueio do autor. Nos anos a seguir, a verdadeira força de sua energia criativa ia-se manifestar. Bashevis se sentira investido da missão de fazer reviver o passado de seus pais e avós. (...) 
Em 1945, publicou três breves contos, um dos quais era "Gimpel, o tolo", onde se destacam o clima e a atmosfera do shtetl (significando um pequeno aglomerado urbano, tipo aldeia), onde, durante um largo período, viveram os judeus da Europa Oriental), que nutriu o imaginário de Bashevis durante sua estada em Bilgoray, Polônia. (...) 
O conto “Gimpel, o tolo” é ambientado na era pré-moderna. Gimpel é enganado e ridicularizado por todo o mundo, mas com sua ingenuidade, acaba levando a melhor, porque sua fé é inabalável.
 

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

A GUERRA QUE FEZ O IMPÉRIO ROMANO

Por BARRY STRAUSS *

Tradução do inglês e autoria de cinco comentários por Francisco José dos Santos Braga

 

Para aqueles que não sabem por que a Batalha de Áccio ¹ é tão importante, você poderia explicar, resumidamente, seu significado como um momento decisivo na história romana? 
 
Na época de Áccio, o controle do Império Romano foi dividido entre (Marco) Antônio, no oriente, e Otaviano ², no ocidente. A principal aliada de (Marco) Antônio, assim como sua amante, foi Cleópatra (70/69–30 a.C.), rainha do Egito. A Batalha de Áccio, que marcou o culminar de uma campanha naval mais longa, fez pender a balança decisivamente a favor de Otaviano. Ele foi para o oriente no ano seguinte e derrotou (Marco) Antônio e Cleópatra no Egito. Como resultado, Otaviano tornou-se o único governante do império. Três anos depois recebeu o nome pelo qual é mais conhecido: Augusto. Ele foi o primeiro imperador de Roma e governaria por 40 anos (de 27 a.C. a 14 d.C.). 
Não menos importante, Áccio significava que o império olharia para o ocidente. Se Antônio tivesse prevalecido, o centro de gravidade do império teria se deslocado para o oriente. A cidade egípcia de Alexandria teria se tornado a segunda capital de fato, e o grego, a língua da elite alexandrina, teria aumentado o seu já grande prestígio; os quatro filhos de Cleópatra  três de (Marco) Antônio e um de Júlio César (100–44 a.C.)  teriam se tornado imensamente poderosos; a conquista da Mesopotâmia e da Pérsia e não da Alemanha e da Grã-Bretanha teria se tornado as prioridades de Roma; hoje, a cultura da Europa pode ter uma base grega e não latina. (...)
 
A disposição das forças na Batalha de Áccio - Crédito: Future Perfect of Sunrise/Lencer/Leo2004 via Wikipedia
Na maioria dos períodos, os historiadores da Roma Antiga não têm um Heródoto ou Tucídides em quem confiar (ou mesmo de quem reclamar!). Na verdade, a variedade de fontes que precisamos consultar para reconstruir o século I a.C. é nada menos que desconcertante. Você é muito cuidadoso ao longo do seu livro para expressar quão limitadas e parciais são as fontes existentes. Ao dar vida a esse conflito como uma narrativa histórica legível, quais foram seus maiores desafios? 
 
O desafio é sempre equilibrar o estudo cuidadoso, com sua meticulosidade e humildade, com uma boa narrativa, o que requer imaginação e talento. Como autor, você está sempre metido numa corda bamba. Além disso, Áccio fica na sombra de Shakespeare e Hollywood, então você tem que dissecar alguns mitos também. E você não tem o luxo de seguir o ditado do filme, O homem que matou o Facínora (1962), que é: "quando a lenda se torna fato, imprima a lenda".
 
Pôster promocional para Cleópatra (detalhe: 1963, dir. Joseph L. Mankiewicz), protagonizando Elizabeth Taylor como Cleópatra, Richard Burton como Marco Antônio e Rex Harrison como Júlio César.

 
Quais fontes sobreviventes são as mais esclarecedoras sobre a Batalha de Ácio em si, e qual evidência em particular você mais lamenta a perda? 
 
As fontes ³ sobreviventes mais esclarecedoras sobre a batalha em si são a História Romana de Cássio Dio, Livros 49-51 (escrita no início do século III d.C.) e a Vida de Antônio de Plutarco (escrita no início do século II d.C.). Nem, é claro, é uma fonte contemporânea. Recebemos algumas informações de poetas contemporâneos como Horácio (65–8 a.C.) e Virgílio (70–19 a.C.). Também aprendemos muito sobre a propaganda da guerra com as moedas sobreviventes do período. 
Dois documentos perdidos que eu adoraria ter são: as autobiográficas Memórias de Augusto e o panfleto de (Marco) Antônio oferecido em autodefesa, Sobre Sua Embriaguez. Também seria ótimo ter os livros perdidos de Tito Lívio relativos às guerras civis (escritos durante o governo de Augusto). Também adoraria ver a perdida História das Guerras Civis de Asinius Pollio (também escrita sob Augusto), que não chegava a Áccio, mas certamente oferecia insights sobre os líderes da época, que Pollio conhecia bem. (...) 
 
Escultura em relevo comemorativa da Batalha de Áccio, encontrada em Palestrina (antiga Praeneste), Itália (agora nos Museus do Vaticano)

 
Dada a sua importância na antiguidade, a Batalha de Áccio tem sido um campo de batalha de longa data para os estudiosos clássicos. Que obras atuais lhe ensinaram mais sobre o conflito e seu contexto? Há formas nas quais sua reconstrução da batalha e seu importância difere das de outros historiadores? 
 
Escrever sobre Áccio é realmente apoiar-se sobre ombros de gigantes. Entre os muitos estudiosos notáveis ​​com cujo trabalho aprendi, mencionarei o excelente The Battle of Actium (1970) de John M. Carter; o soberbo comentário de Christopher Pelling sobre Life of Antony (1988) de Plutarco; o trabalho inovador de William M. Murray  sobre o monumento da vitória de Otaviano em Nicópolis — junto com Konstantinos Zachos —, bem como as análises fundamentais de Murray sobre a guerra naval helenística e sobre Actium; o livro de primeira linha de Adrian Goldsworthy sobre Antônio e Cleópatra (2010); o estudo perspicaz de Lindsay Powell sobre Agripa (2015). Também houve várias biografias fantásticas de Cleópatra nos últimos anos, das quais tirei muito proveito. E isso é apenas para mencionar obras em inglês.
 
As ruínas sobreviventes do Monumento da Vitória de Otaviano em Nicópolis, uma cidade fundada em 29 a.C. para comemorar sua vitória em Actium.

 
É um lugar comum zombar de Otaviano por fazer pouco para ajudar a garantir a vitória em Áccio, e então se recompor como a figura dominante na luta, à frente de seu formidável comandante naval Marcos Agrippa (c. 63–12 a.C.). Você acha justo zombarmos dessa ficção conveniente e politicamente motivada, ou Otaviano de fato merece um pouco mais de crédito por seu papel? 
 
Otaviano desempenhou um grande papel na campanha de Actium. Ele classificou a guerra como uma luta não contra Marco Antônio, mas contra Cleópatra, manteve o apoio de um público italiano que se revoltou contra o aumento dos impostos para financiar a guerra e forçou todo o Senado a navegar para a Grécia para se juntar à luta – evitando assim que causasse problemas em casa. Ele certamente aprovou o plano ousado de Agripa de atacar a base de abastecimento de (Marco) Antônio em Methone. Depois de navegar para a área de Áccio com a maior parte de sua frota (Agripa havia ido à frente), Otaviano manteve a calma e recusou os repetidos desafios de Marco Antônio para travar uma batalha terrestre, o que teria favorecido este. E quem senão Otaviano poderia ter selado o acordo nas delicadas negociações que convenceram tantos dos apoiadores de Antônio a desertar em Actium?
 
O "quarto das máscaras" na Casa de Augusto, o lar privado do imperador no Monte Palatino em Roma.

 
Talvez seja injusto perguntar que lado você preferiria ter apoiado, se você estivesse envolvido no conflito. Mas você pode dizer com quem você mais concorda entre os romanos envolvidos, direta ou indiretamente? Através de quais olhos antigos você prefere ver a Guerra Civil como um todo? 
 
É difícil não concordar com Asinius Pollio (75 a.C.-4 d.C.), neutro de princípios. Este veterano estadista e soldado apoiava Antônio. Ele negociou um acordo entre Antônio e Otaviano em 40 a.C. Depois permaneceu na Itália sob o governo de Otaviano. Em 31 a.C., Otaviano pediu a Pollio que se juntasse a ele contra Antônio em Áccio, mas ele recusou. Ele disse que tinha feito demais por Antônio e se beneficiado muito dele para lutar contra ele agora. “Serei o saque do vencedor”, disse Pollio. Nesse caso, ele foi tratado com gentileza. Sem ser punido por Otaviano, ele passou a desfrutar de mais de três décadas de aposentadoria no lazer, dedicando-se a atividades literárias, incluindo a agora perdida história que mencionei anteriormente. (...)
 
Marco Antônio e Cleópatra, Gustav Klimt, 1885 (Teatro Nacional Croata Ivan Zajc, Rijeka, Croácia.

 
Você percebeu que sua própria atitude em relação à batalha e seus principais participantes mudou durante o curso da escrita deste livro? Você acha que uma lição sobre historiografia (incluindo a sua) surge para seus leitores, sejam eles estudiosos ativos ou fãs em geral? 
 
Sim, minha atitude em relação à batalha e seus principais participantes certamente mudou enquanto escrevia o livro. Percebi que os recursos de Antônio no início eram mais fortes do que eu pensava. Portanto, sua derrota foi ainda mais estranha e requer explicação. Seu fracasso em explorar esses recursos, ou seja, seu fracasso como general, se destaca em evidência. Além disso, eu não tinha percebido quão crucial foi a tomada de Methone no sudoeste do Peloponeso para o curso da guerra de Actium, nem quão grande foi tal conquista. 
Eu falhei como historiador porque não compreendi essas coisas no início? Pelo contrário, acho que temos sucesso como historiadores precisamente quando abordamos as evidências com uma mente aberta. Devemos esperar que as evidências nos surpreendam. Eu diria que, a menos que mudemos nossas opiniões durante o processo de pesquisa, não teremos feito nosso trabalho como historiadores.
 
 

COMENTÁRIOS por Francisco José dos Santos Braga
 
 
¹ Em termos geográficos, Áccio é um promontório do Epiro, c. 50 km da Ambrácia. 
A dois de setembro de 31 a.C., durante o consulado de Otaviano e Messala Corvino, deu-se aquele que seria o confronto decisivo para a definição de poderes em Roma, a batalha naval de Áccio (em latim, Actium), em que as forças de Otaviano, lideradas pelo general Marco Agripa, derrotaram as tropas combinadas de Marco Antônio e Cleópatra VII, que debandaram. Na verdade, mesmo antes da batalha, muitos dos apoiadores de Cleópatra já haviam desertado para o campo de Otaviano. Por ter sido a batalha que desarmaria a guerra civil em Roma, entrou para a História romana como um feito monumental e épico. Otaviano foi elogiado por ter anistiado muitos de seus oponentes após a Batalha de Áccio. Após a vitória, o objetivo de Otaviano foi fazer Roma retomar um estado de estabilidade, legalidade institucional e civilidade. Marchando sobre Roma, Otaviano e Agripa foram eleitos cônsules. Embora Otaviano não mais estivesse no controle direto das províncias e das legiões romanas, mantinha a lealdade de soldados ativos e veteranos; o poder de Augusto tinha por base o exercício de um predominante poder militar, sendo a força a sanção final de sua autoridade, embora este fato estivesse disfarçado.
 
² Gaio Otaviano nasceu em Roma em 63 a.C. Por sua adoção por Júlio César, tomou o nome de seu pai adotivo, passando a chamar-se Gaio Júlio César Otaviano, de acordo com o padrão romano de nomenclatura por adoção, levando os historiadores a tratá-lo por Otaviano entre 44 a.C. (quando da morte de Júlio César) e 27 a.C. em virtude de o Senado Romano ter-lhe concedido em 16/01/27 a.C. os novos títulos de "augusto" e "princeps". Ao voltar de sua campanha à Hispânia, Júlio César depositou novo testamento com as virgens vestais, nomeando Otaviano como seu primeiro beneficiário. Após a morte do ditador, Otaviano aliou-se a (Marco) Antônio e Marco Emílio Lépido para formar o Segundo Triunvirato em 43 a.C. Tendo purificado Roma do "sangue ruim" da oposição, o Segundo Triunvirato voltou sua atenção aos assassinos de César. Na Batalha de Filipos, em outubro de 42 a.C., as forças de Bruto e Cássio foram derrotadas pelo Segundo Triunvirato, forçando ambos a cometer suicídio. Em 40 a.C., numa tentativa de consolidar sua aliança, Otaviano ofereceu sua irmã, Otávia, em casamento a (Marco) Antônio. Entretanto, (Marco) Antônio se tornou amante de Cleópatra, o que foi considerado por Otaviano um desrespeito à sua irmã. Seguiu-se o divórcio do casal, o que deteriorou as relações entre (Marco) Antônio e Otaviano. Este considerava o comportamento de (Marco) Antônio no Oriente, tanto na vida privada quanto na esfera política ou militar como intolerável, digno de um renegado. O Senado revogou o consulado de (Marco) Antônio e declarou guerra a Cleópatra VII. Os dois homens ver-se-iam em lados opostos de uma nova guerra civil: do lado romano, Otaviano e o general Marco Agripa contra os conspiradores (Marco) Antônio e Cleópatra, do lado egípcio. Graças à sua vitória na Batalha de Áccio, Otaviano foi o fundador do Império Romano e seu primeiro imperador, governando de 27 a.C. até sua morte em 14 d.C. com o epíteto de "Augusto", com o sentido equivalente a "Comandante César, Filho do Divino, o Imperador". Após os métodos rigorosos no seu reinado de terror como Otaviano empregados para consolidar seu controle, a mudança de nome também serviria para demarcar seu reinado benigno como Augusto, como se tornou mais conhecido. Em 23 a.C., seriamente doente, apresentou ao Senado o seu testamento, que indicava uma preferência por Marco Agripa, o segundo em comando e indiscutivelmente o único de seus aliados que poderia ter controle das legiões e manter o Império unido. No mesmo ano, Augusto casou sua filha Júlia com Agripa, após a morte do marido dela, Marcelo. 

³ Além das fontes sobreviventes dos escritores mencionados pelo autor Barry Strauss, a saber: Cassius Dio, Plutarco, e dos poetas Horácio e Virgílio, ele ainda citou três outros autores por documentos não preservados e que gostaria de ler: o próprio Augusto (Memórias de Augusto), (Marco) Antônio (Sobre Sua Embriaguez) e Asinius Pollio (História das Guerras Civis). A não ser que o entrevistado tenha se esquecido de citar outras fontes pesquisadas ou que tenha julgado que numa entrevista não havia espaço para apresentar todos os autores pesquisados, mas apenas alguns desses nomes em caráter exemplificativo, entendo que, com apenas os autores citados, o entrevistado não parece ter coberto a totalidade de fontes sobre Áccio, contemporâneas ou não, embora todos os seguintes autores tenham mencionado Áccio em suas obras: por exemplo, foram omitidos o contemporâneo Veleio Patérculo (19 a.C.-31 d.C.), autor de Historia Romana; o historiador Tácito (55 d.C.-120 d.C.), autor de Historia e Anais; o historiador Germânico (15 a.C.-19 d.C.); Plínio o Velho (c. 23-79 d.C.), autor de Historia Natural; Petrônio, autor de Satyricon; Suetônio (69-122 d.C.), autor de A Vida dos Doze Césares; o poeta elegíaco Propércio (c. 50 a.C.-16 d.C.), que na elegia 4.6 canta os feitos do Divino Augusto em Áccio, quase num contexto épico, explorando os dois principais motivos: o glorioso Bélico e o trágico Amoroso; e Ovídio (43 a.C.-17 d.C.), autor de Fastos, onde canta os louvores do Áccio e a paz que os acontecimentos aí passados trouxeram a uma Roma mergulhada em guerras civis, atribuindo a tal conflito esse grande mérito. Finalmente, pode-se citar ainda Marco Manílio, autor de Astronomica, mesmo que esse autor refira Áccio apenas por questões geográficas.
Mais recentemente (1606-7), Shakespeare, na sua tragédia Antônio e Cleópatra, impressa no Primeiro Fólio de 1623, usou como principal fonte A Vida de Antônio por Plutarco, traduzida por Sir T. North. Fontes menores incluem as peças da condessa de Pembroke e S. Daniel.
 
William M. Murray é membro do corpo docente da Universidade do Sul da Flórida, onde atua como professor de História Antiga e no Centro de Estudos Antigos. Tem ensinado como especialista visitante na Universidade de Haifa (1997), na Escola Americana de Estudos Clássicos de Atenas (1986 e 1996) e foi selecionado para participar como professor no University Seminar Program (2007 e 2012). Abaixo seguem alguns trabalhos, sobre o tema da Batalha de Áccio e o monumento memorial dedicado a Otaviano em Nicópolis, da autoria dos dois estudiosos citados no texto (Murray e Zachos), especializados em arqueologia e história antiga:
 
MURRAY W.M., 2002, Reconsidering the Battle of Actium, in: V.B. GORMAN & E.W.
ROBINSON (Eds.), Oikistes: Studies in Constitutions, Colonies, and Military Power in
the Ancient World. Offered in Honor of A.J. Graham, Leiden, 339-360.

_____________, s/d, Reconsidering the Battle of Actium––Again

_____________, 2007, Recovering rams from the Battle of Actium. Experimental archaeology at Nicopolis.
Link: https://www.academia.edu/38599765/NICOPOLIS_B_William_M_MURRAY_Recovering_rams_from_the_%CE%92attle_of_Actium_Experimental_archaeology_at_Nicopolis
 
 
ZACHOS K., 2003, The tropaeum of the sea-battle of Actium at Nikopolis: interim report, JRA 16, 64-92. 

Localizada a noroeste da Grécia, na província do Epiro, a cidade de Nicópolis, cujo nome significa "Cidade da Vitória", foi fundada em 29 a.C. por Otaviano em comemoração de sua vitória em 31 a.C. sobre (Marco) Antônio e Cleópatra na Batalha de Áccio nas proximidades. Logo se tornou a maior cidade da região da província do Epiro.
Nicópolis foi povoada com os habitantes de Ambrácia e Anactória, colônias de Corinto, que foram deportados por Otaviano para a nova cidade. O imperador também devastou a Calidão e o resto da Etólia, para que seus habitantes fossem incorporados a Nicópolis.
No local onde Otaviano havia posto sua tenda durante a guerra, ergueu um templo a Apolo.
No decorrer da Idade Média, Nicópolis entrou em decadência e foi suplantada pela cidade de Préveza.
As ruínas de Nicópolis são hoje conhecidas como Antiga Préveza.