domingo, 27 de outubro de 2024

DISCURSO DE SAUDAÇÃO A FLÁVIO RAMOS DE ASSIS PEREIRA, por ocasião de sua posse como membro efetivo da Academia de Letras de São João del-Rei


Por FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA
 
 
Ilma. Sra. Terezinha de Jesus Silva, presidente desta Academia de Letras de São João del-Rei, 
Ilma. Mesa Diretora, todos os Acadêmicos e Acadêmicas presentes, 
Ilmo. Prof. Abgar Campos Tirado, representando o Prof. Anthony Claret Moura Nery, Diretor do Conservatório Pe. José Maria Xavier, 
Prezados Acadêmicos que hoje serão empossados, bem como seus convidados e familiares, 
Senhoras e senhores, 
 
A Academia de Letras de São João del-Rei atribuiu-me a honrosa função de saudar o são-joanense FLÁVIO RAMOS DE ASSIS PEREIRA que hoje toma posse neste Sodalício como membro efetivo, sucedendo Letícia Uebe Pires Braga, na Cadeira nº 5, que tem como patrono o ilustre dramaturgo são-joanense, Antônio Rodrigues de Mello. Anteriormente à Acadêmica Letícia, ocupou a mesma cadeira o Prof. José Maurício de Carvalho. Outrossim, a presidente Terezinha houve por bem recomendar-me essa saudação pública ao recipiendário Flávio Ramos em vez de uma manifestação inter pares, apenas iniciada em reunião anterior de 29 de setembro p.p. Louvo, portanto, a sua decisão, possibilitando que esta audiência tome conhecimento daquilo que passo a discorrer. 
 
Convite da Academia de Letras de São João del-Rei para a posse de Flávio Ramos de Assis Pereira como membro efetivo, ocupante atual da Cadeira nº 5

 
Prezado confrade Flávio Ramos de Assis Pereira, 
Saudá-lo constitui uma honra e um privilégio para mim, já que o considero um dos mais ilustres expoentes da cultura da terra natal do Tiradentes e de Tancredo Neves. 
 
Presidente Terê ladeada pelo Acadêmico recipiendário Flávio Ramos (esq.) e o autor (dir.)
 
No afã de conhecer melhor o novo Acadêmico Flávio, a quem dou as boas vindas, deparei-me com a riqueza do seu “Curriculum Vitae”. Posso imaginar a supresa que tomou conta da comissão encarregada de avaliar os currículos dos candidatos a vagas nesta Academia, diante da experiência e envolvimento deste candidato em diferentes esferas culturais e administrativas. A dita comissão selecionou o seu nome para ocupar uma cadeira neste sodalício, decisão que foi referendada pelo plenário posteriormente com o sufrágio por unanimidade. Devo confessar que me surpreendi com seu notável currículo funcional, do qual extraio o que, a meu ver, mais o destaca: Flávio atua com excelência como advogado, escritor, além de ter brilhado como colunista político diário no jornal Agora em Divinópolis durante 5 anos (verdade é que suas crônicas diárias eram aguardadas com expectativa!), até o lançamento do jornal Primeira Página e da inovadora Revista Styllus, onde buscava trazer informações relevantes e de alta qualidade ao leitor, e, ainda, tem atuado como servidor efetivo da Câmara Municipal de Divinópolis há 17 anos, dos quais vem exercendo o cargo de Secretário Geral da Mesa Diretora por 10 anos. Além da sua experiência como Presidente da Associação das Academias de Letras de Minas Gerais-ASALEMG e ex-Presidente da Academia Divinopolitana de Letras, possui notável bagagem literária que inclui quatro livros publicados, com dois novos lançamentos programados para este ano sobre a história de Divinópolis. 
 
Em 16 de outubro de 1896, Rui Barbosa, discorrendo sobre seu credo político no salão do Senado Federal, abriu seu discurso com a seguinte frase introdutória: "Meu país conhece o meu credo político, porque o meu credo político está na minha vida inteira." Da mesma forma, é como se Flávio, mutatis mutandis, estivesse a nos dizer: "Meu currículo está na minha vida inteira". 
 
O autor discursando
 
Prezados Acadêmicos, 
Esta homenagem que presto a Flávio é fruto da minha admiração e reconhecimento dos valores do nosso novo confrade que certamente irá estreitar laços de amizade entre a Academia de Divinópolis e a ASALEMG, com a de São João del-Rei. Tenho em mãos o perfil de quem sempre teve como ideal dedicar-se a causas civis da localidade onde reside, bem como promover a cultura através da coligação de ideais semelhantes, como foi a de criar a ASALEMG, seja motu proprio, seja em parceria com outros ilustres representantes de outros sodalícios. 
 
Prezados novos Acadêmicos,
Permitam-me também, em breves palavras, resumir o que me vem à mente, ou seja, algumas lembranças do que contam nossos historiadores sobre São João del-Rei: seu povoamento se inicia nos primeiros anos de Setecentos; suas tradições com base na fé de seu povo; sua música cujos alvores datam de 1717; suas duas orquestras que valorizam nosso acervo musical com seu repertório principalmente sacro: as Orquestras Lira Sanjoanense fundada em 1776 e Ribeiro Bastos fundada em 1840 (às quais pertenceu e serviu o avô de Flávio, 
o violinista Carmélio de Assis Pereira, de saudosa memória); suas igrejas centenárias e seus sinos; suas duas pontes de pedra; sua arquitetura admirável razoavelmente preservada; seus educandários que se destacam pelo bom desempenho na avaliação do MEC; também não se esqueçam de que aqui nasceu o ilustre compositor Padre José Maria Xavier (1819-1887), que nos deixou pérolas musicais sacras sob a forma de ofício de trevas para a Semana Santa, matinas, novenas, seis missas e cinco credos, missa de réquiem, antífonas, solos ao pregador, hinos, ladainhas, abertura para o Trânsito de Nossa Senhora para o 14 de agosto —, o qual, devido a essa produção monumental, é o patrono da Cadeira nº 12 da Academia Brasileira de Música-ABM, cujo ocupante durante 1992-2002 foi o escritor, musicólogo e regente são-joanense José Maria Neves (1943-2002), tendo também sido seu presidente nos anos de 2001 a 2002, quando veio a falecer precocemente.
 
Senhoras e senhores, 
Flávio Ramos de Assis Pereira é são-joanense de boa cepa, primeiro por ser filho do saudoso Altivo de Assis Pereira, ex-Chefe do IBGE de Divinópolis, que deixou viúva sua esposa Ana Maria Ramos de Assis Pereira, faleceu em 23 de abril de 2021 e está sepultado no Cemitério local de São Francisco de Assis, cuja memória aqui reverenciamos; segundo, por ser neto paterno de Carmélio de Assis Pereira, grande violinista das Orquestras Ribeiro Bastos e Lira Sanjoanense, tendo exercido o cargo de vice-Prefeito e Juiz de Paz desta cidade, além de ter sido um dos fundadores e ativo colaborador da Sociedade de Concertos Sinfônicos; terceiro, por ser sobrinho do saudoso General Carlos Oliveira Ribeiro Campos, que foi membro efetivo desta Academia de Letras e fundador do IHG de São João del-Rei; quarto, por ser também sobrinho de Nancy Assis Sade, esposa de Roberto Chala Sade; e, finalmente, por ter convivido na infância com o irmão do seu tio Roberto, o popular e saudoso Jorge Chala Sade (1927-1988), que se destacou como desenhista, poeta, violinista e professor de violino neste Conservatório Estadual Pe. José Maria Xavier, outra referência histórica de quão importante é São João del-Rei para a cultura pessoal de seus filhos. No seu livro "ECOS NA ETERNIDADE", Jorge Chala Sade, Imortal desta Academia de Letras e membro do Instituto Histórico e Geográfico local, gravou o seguinte elogio em uma estrofe do poema MEU GRUPO QUERIDO, dedicado ao Grupo Escolar João dos Santos com amor e saudade, nas pp. 57-61, e que poderia se referir igualmente à Escola Municipal Maria Teresa, onde Flávio também iniciou seu aprendizado das primeiras letras: 
 
Se hoje, 
nos meus cantos, 
cantando eu te recordo 
é revivendo a meninice 
que a mocidade ardente 
me roubou sem paixão. 
E no fim da juventude, 
quando a velhice me colher 
sê tu, para mim, o pálio dourado, 
— abrigo estrelado — 
de todos os ideais que me deste 
com carinho e ardor... 
 
Valho-me do talento deste poeta e músico são-joanense, para louvar também este Conservatório, ambiente iluminado pela música, pela poesia e donde emanam as mais belas ondas sonoras, e para dizer que eu próprio aqui estudei na década de sessenta e neste mesmo local em que nos achamos hoje reunidos por cortesia de seu diretor.
 
Para finalizar, professo que toda Academia deve propiciar ambiente favorável para que seus integrantes encontrem condições de aproximarem-se da perfeição e da genialidade, em suas áreas de atuação. Quanto mais receptivos se mostrarem os Acadêmicos, colocando a lume seus trabalhos e suas obras, mais rico se torna o ambiente. Nesta Casa de Milton Viegas não é diferente, sob a direção judiciosa da Sra. Terezinha de Jesus Silva. 
 
Prezado Flávio, 
Termino com as sábias palavras do saudoso formiguense Gentil Palhares, outro Imortal desta Academia e herói da F.E.B. na Segunda Grande Guerra, para quem esta Casa tudo tem feito para manter bem viva a chama que herdamos do passado, a cultura dos nossos vultos das letras são-joanenses, os quais nos legaram os mais sublimes incentivos
 
Obrigado!
 
Após o discurso de saudação, o momento que em que se saúdam os dois Acadêmicos
  

Acadêmico Flávio Ramos discursa em agradecimento

Acadêmicos presentes à posse de Flávio Ramos / Crédito pela foto: Flávio Ramos

 
 
II. AGRADECIMENTO 
 
À minha amada esposa Rute Pardini Braga pela formatação de todos os registros fotográficos utilizados neste trabalho.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

JÚLIA LOPES DE ALMEIDA, a “primeira dama” da Belle Époque tropical


Por FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA
[...] Por que não o hei de enganar do mesmo modo? Em consciência, não há homens nem mulheres: há seres com iguais direitos naturais, mesmas fraquezas e iguais responsabilidades... Mas não há meio dos homens admitirem semelhantes verdades. Eles teceram a sociedade com malhas de dois tamanhos  grandes para eles, para que seus pecados e faltas saiam e entrem sem deixar sinais; e extremamente miudinhas para nós.”
Júlia Lopes de Almeida, em Eles e elas. 2ª ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1922, p. 137.

 

[...] em tudo e por tudo ela o foi, mestra na acepção mais elevada da palavra, o que quer dizer propiciadora de nobres ensinamentos, modelo de raras virtudes, irradiadora de salutar influência. Mestra de língua e mestra de vida, quer pela excelência da sua produção literária, quer pela pureza sem jaça da sua existência”.
Afonso Celso (1860-1938), no artigo Homenagem à Dona Júlia Lopes de Almeida na Revista da Academia Brasileira de Letras, v. 48, abril de 1935, p. 259.


 

Você já ouviu falar de George Sand (1804-1876), pseudônimo de Amandine Aurore Lucile Dupin, romancista e memorialista francesa? E o que dizer de Anne Lefebvre Dacier (1640-1720)? “A mais sábia das mulheres atuais e do passado”, intelectual francesa, editora e tradutora de inúmeros clássicos gregos e latinos, sobre quem Voltaire escreveu: “Madame Dacier é um dos prodígios do século de Luís XIV”? E o que dizer da Inglaterra? Quase na mesma época, a Inglaterra também teve a sua intelectual, Jane Austen (1775-1817), biblioteconomista, preceptora e escritora de destaque, com seu Orgulho e Preconceito, e Razão e Sensibilidade. Também, Mary Shelley (1797-1851), pioneira no âmbito da literatura fantástica com o seu romance gótico, Frankenstein, sua obra de 1818 de maior sucesso; além disso, foi dramaturga, ensaísta, biógrafa e escritora de literatura de viagens (Rambles in Germany and Italy de 1844) e autora de romances históricos (Valperga de 1823 e The Fortunes of Perkin Warbeck de 1830). Com a ascensão da crítica literária feminista e psicanalítica na década de 1970, as obras de Mary Shelley, especialmente Frankenstein, começaram a atrair muito mais atenção de acadêmicos. Da geração seguinte, Charlotte Brontë (1816-1855), autora do romance vitoriano Jane Eyre de 1847, um clássico que reflete a vida íntima de uma mulher, Jane, que enfrenta conflitos com seus desejos naturais e sua condição social, bem como sua irmã, Emily Brontë (1818-1848), autora de O Morro dos Ventos Uivantes

No Brasil, houve uma entre outras autoras pioneiras, cujo nome era Júlia (Valentim da Silveira) Lopes de Almeida (1862-1934), que, embora tenha gozado de enorme popularidade enquanto viveu, caiu infelizmente no esquecimento, apesar de ter explorado com maestria quase todos os gêneros literários,  e só recentemente volta a ser estudada pela academia. Conforme disse, ela foi escritora, contista, romancista, cronista, teatróloga e abolicionista e republicana brasileira, "um fenômeno de sucesso editorial", no dizer de [CASTRO, 2019, 63]. Como Mary Shelley, que foi reabilitada recentemente através de estudos que demonstraram mais interesse em sua carreira literária, particularmente seus romances, também Júlia permaneceu esquecida por quase um século, com exceção de seu romance A falência (Rio de Janeiro: Editora Oficina das Obras d’A Tribuna, 1901). 
Nascida no Rio em 1862, era filha do médico Valentim José da Silveira Lopes, mais tarde Visconde de São Valentim, e de Adelina Pereira Lopes, ambos portugueses ricos e cultos emigrados para o Brasil. Mudou-se ainda criança para a cidade de Campinas, onde, aos 19 anos, iniciou sua vida jornalística em A Gazeta de Campinas em 1881, com uma crítica teatral sobre uma apresentação da declamadora, atriz e criança-prodígio Gemma Cuniberti, então com 9 anos. A partir dessa matéria jornalística, tornou-se colaboradora do periódico. 
Data de 1884 sua participação no jornal carioca O País, numa colaboração que duraria 30 anos. Mas foi em Lisboa, para onde se mudou em 1886, que se tornou escritora. É que publicou, em coautoria com sua irmã Adelina Lopes Vieira (1850-1923), o livro Contos Infantis: em verso e prosa publicado em Portugal em 1886, razão por que seu nome aparece como uma das pioneiras da literatura infantil brasileira. Esse livro foi marcante para a escritora, pois foi adotado nas escolas públicas do País em 1891. Já no ano seguinte (1887), publicou sua primeira obra como autora individual, que foi "Traços e Iluminuras", um livro de contos  escritos entre 1883 e 1887, criado nos dois lados do Oceano Atlântico e publicado pela Typographia Castro Irmão em Lisboa, pouco antes de seu casamento, ocasião em que contava com 24 anos de idade. No final do ano, casou-se em Lisboa em 28/11/1887 com o poeta e jornalista português Filinto de Almeida (Porto, 1857-Rio de Janeiro,1945). Terminadas as núpcias, o casal retornou ao Rio. 
Foi marcante na carreira da escritora seu romance A Falência (1901), em que se alia à literatura realista-naturalista na busca de refletir o papel social da mulher na época. José Veríssimo (1910, p. 141), por exemplo, chegou a afirmar que “com seu novo livro, A Falência, a Sra. D. Júlia de Almeida toma decididamente lugar [...] entre os nossos romancistas”.
Jornal "Tagarela", edição de 26/04/1902

 
Os Porcos”, da escritora carioca Júlia, é parte da coletânea de contos Ânsia Eterna, publicada em 1903. A narrativa conta a história da cabocla Umbelina e de seu desejo de vingança, permeado pela rejeição do pai e do filho do patrão, seu amante, após uma gravidez fora do casamento. O texto ganhou concursos e teve traduções, sendo inspirado, segundo a própria autora, em histórias que ouvira no campo, ainda jovem, e que a haviam horrorizado.
 
No campo teatral, a historiadora Michele Asmar Fanini, no seu livro "A (in)visibilidade de um legado – Seleta de textos dramatúrgicos inéditos de Júlia Lopes de Almeida", resgatou as principais obras teatrais de Júlia,  quem considera a escritora mais publicada da Primeira República (1889-1930), a saber: "O Caminho do Céu", "A Última Entrevista", "A Senhora Marquesa", "O Dinheiro dos Outros", "Vai Raiar o Sol" e "Laura".

Sobre maiores detalhes sobre os episódios na vida de Júlia, transcrevo o que [KNAPP & ZINANI (org.), 2022, 16-18] apresentaram no seu livro ¹:
Quando no Brasil, em 1888, no Rio de Janeiro, nasceu o primeiro filho do casal. Em seguida, mudaram-se para São Paulo, visto que Filinto de Almeida foi trabalhar no jornal A província de São Paulo, que mais tarde teve seu nome alterado para O Estado de São Paulo. Filinto, naquele período, foi eleito deputado da Assembleia Estadual. Nas palavras de Sharpe (2000), não foi um período muito profícuo para a produção literária de Almeida, devido ao fato de ter um filho pequeno.
Após a perda de dois filhos, Valentina e Adriano, que tiveram pouco tempo de vida, Júlia teve seu coração abalado. O casal voltou à capital, a conselho médico, e a família se instalou no Rio, inicialmente, com a família do pai de Júlia, no bairro onde funcionava a Escola Pública dirigida por Adelina. Nasceram mais dois filhos, Afonso e Albano. Após a mudança da escola para Santa Tereza, toda a família mudou-se para lá. Foi nesse bairro que a Família Almeida criou raízes e onde nasceram as duas filhas, Margarida e Lúcia. Foi nessa época que Almeida conseguiu realizar seu sonho de ter a própria casa.
Conforme informações de Margarida Lopes de Almeida ², filha de Júlia Lopes, na biografia que escreveu sobre sua mãe, em 1913 Madame Jeanne Catulle-Mendès e outros escritores franceses organizaram um banquete para a autora em Paris. Vários nomes consagrados das Letras na época se fizeram presentes. Olavo Bilac escreveu um artigo sobre o famoso evento. Nas palavras de Margarida Lopes de Almeida:
O sucesso, disse-nos Bilac, num firme tom de sinceridade, “o sucesso foi o discurso de Júlia Lopes de Almeida, discurso sóbrio, elegante, escrito em puríssimo francês, pronunciado adoravelmente sem sotaque e revelando um perfeito conhecimento da língua francesa” [ALMEIDA, 2015, 202].
O banquete foi memorável e reuniu muitos intelectuais de sucesso na época. No Brasil, em 1915, também foi realizada uma reverência à autora, em forma de leitura de poesias pelos poetas Olavo Bilac, Alberto Oliveira, Augusto de Lima, João Luso, dentre outros. Conforme Margarida Lopes de Almeida, ofereceram à sua mãe um álbum com as poesias dos escritores envolvidos.
A influência e o sucesso da “‘primeira dama’ da Belle Époque brasileira[SHARPE, 2000, 188] proporcionaram à autora a participação em eventos importantes. A conferência em Buenos Aires foi um deles, pois ela proferiu a palestra “Brasil”, em 1922. Ainda em 1922, a escritora juntou-se à Bertha Lutz para receber uma ativista feminista norte-americana, Carrie Chapman Catt, em uma viagem a seis países latino-americanos. Além disso, a ativista foi convidada a participar do I Congresso Feminino do Brasil, experiência que marcaria sua visão da cultura brasileira.

Carrie Chapman Catt ladeada por Bertha Lutz e Júlia Lopes de Almeida, I Conferência pelo Progresso Feminino, dezembro de 1922. Rio de Janeiro, RJ. Da esq. p/ a dir.: Júlia é a segunda sentada / Acervo Arquivo Nacional

I Congresso Feminino do Brasil, 1922. Rio de Janeiro, RJ. Da esq. p/ a dir., Júlia Lopes de Almeida é a primeira que se encontra sentada / Acervo Arquivo Nacional

Em 1924, o casal mudou-se para Europa, a fim de aperfeiçoar os estudos da filha Margarida. Lá permaneceram até 1933, quando retornaram ao Brasil. No ano seguinte, depois de voltar de uma viagem da África, em que foi buscar a filha mais nova doente, Júlia contraiu malária. A escritora morreu em 30 de maio de 1934, mesmo ano em que foi publicada sua última obra: Pássaro tonto. (...)
Ao longo de sua carreira, Júlia construiu uma produção literária vasta, percorrendo, assim, três fases, conforme as informações de Margarida Lopes de Almeida (2015): a imaginosa, a educativa e a pacifista. Exemplificando a primeira delas, destacamos A família Medeiros (1892), Memórias de Marta (1888) e Cruel amor (1911), devido às problemáticas sociais que abordam. Em relação à segunda, Contos infantis (1886) é a obra mais marcante, pois foi adotada nas escolas públicas do País. Por fim, a fase pacifista está contida na obra Maternidade (1925), que reúne uma série de conferências protagonizadas pela autora.
Para a historiadora Michele Asmar Fanini, “Júlia Lopes de Almeida foi o primeiro e mais emblemático vazio institucional produzido pela barreira do gênero”, quando extraoficialmente foi admitida entre os 40 membros da ABL, posteriormente teve seu nome varrido do rol de imortais, tendo como justificativa para ser eliminada, a composição unicamente de homens literatos na Academia Francesa. 
Sobre o caso da discriminação do nome de Júlia por membros da ABL, [CASTRO, ibidem, 64-65] fez o seguinte registro:
“Enquanto os beletristas eram capazes de escrever de graça para ver o nome nos jornais, Júlia, que não tinha problemas de subsistência, era uma escritora profissional. Os editores a disputavam e esperavam dela um livro por ano. Talvez, por isso, não lhe tenha feito diferença o fato de a Academia Brasileira de Letras, que ela ajudara a fundar com Machado de Assis e Lúcio de Mendonça, em 1897, a ter deixado de fora da sua galeria de imortais. A explicação era que, a exemplo da Academia Francesa, em que se inspirara, a Brasileira não poderia admitir mulheres. À macaquice os acadêmicos acrescentaram o ridículo: em lugar de Júlia, deram a vaga a seu menoríssimo marido, o parnasiano Filinto  cujos livros de poesia era Júlia quem organizava e ajudava a publicar.”
Também é verdade que Filinto de Almeida, fundador da cadeira nº 3, que chegou a ser considerado “acadêmico consorte”, de certa forma se penitenciou, declarando na Gazeta de Notícias de 25/03/1905: Não era eu quem devia estar na Academia, era ela.” ³
Júlia participou das primeiras reuniões para a fundação da Academia Brasileira de Letras (ABL) e seu nome constava da primeira lista extraoficial dos 40 “imortais, elaborada por Lúcio de Mendonça (1854 – 1909), conforme publicado no jornal O Estado de São Paulo, de 12 de dezembro de 1896:
“Depois de várias tentativas infrutíferas para dissipar da alta mente do sr. Alberto Torres uns fantásticos terrores de inconstitucionalidade na criação da Academia de Letras por decreto do poder executivo, ideia que, aliás, lhe fora, a princípio, simpática e aceita; não tendo conseguido convencê-lo nem com o argumento que sabe, irrespondível, do art. 35, nº 2, da constituição; resolvemos, os que tentamos fundar nesta capital uma Academia de Letras, constituí-la livremente, para dizer, sem intervenção oficial no ato da instituição, ainda que depois tenhamos de pedir, como é perfeitamente legítimo, a proteção do Estado, em favores concedidos por lei.
Para este fim, deve haver, muito proximamente, uma reunião dos homens de letras brasileiros, residentes nesta cidade, sem a menor distinção de cor política ou de escola literária ou filosófica; todos os que na imprensa, jornal ou livro, houverem adquirido, incontestavelmente, foros de escritor, serão convocados e, se estiverem de acordo quanto à ideia e à organização que lhe queremos dar, constituirão a Academia de Letras, que se comporá, segundo as últimas resoluções  de projeto, de quarenta sócios efetivos e vinte correspondentes, ampliando-se, talvez, esta última classe com dez estrangeiros.
Compreendemos que a composição definitiva do pessoal depende do que se combinar na próxima reunião; aí se completará a lista dos quarenta, e esses, imediatamente, elegerão os vinte ou trinta membros correspondentes.
Sem me responsabilizar pela exatidão absoluta, pois uma ou outra modificação ainda pode ocorrer afinal; penso, entretanto, que posso, sem perigo de muitos enganos, comunicar-lhes, como interessantes primícias, a seguinte lista, por ordem alfabética, dos nomes de que saíram os dos quarenta membros efetivos da Academia de Letras do Rio de Janeiro: Adolfo Caminha, Afonso Celso Júnior, Alberto de Oliveira, Alberto Silva, Alcindo Guanabara, Araripe Júnior, Artur Azevedo, B. Lopes, Capistrano de Abreu, Carlos de Laet, Coelho Neto, Constâncio Alves, Eduardo Salamonde, Escragnolle Dória, Escragnolle Taunay, Eunápio Deiró, Ferreira de Araújo, Graça Aranha, Guimarães Passos, Inglês de Souza, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, José Veríssimo, Júlia Lopes de Almeida, Luiz Delfino, Luiz Murat, Machado de Assis, Medeiros e Albuquerque, Olavo Bilac, Osório Duque Estrada, Pedro Rabelo, Raiz Galvão, Rodrigo Octávio, Rui Barbosa, Silva Ramos, Teixeira de Melo, Urbano Duarte, Valentim Magalhães, Virgílio Várzea e Xavier da Silveira.
Dentre os vinte correspondentes, penso não andar muito arredado da verdade se, desde já, revelar para S. Paulo, os nomes de Garcia Redondo, Francisca Júlia e Brasílio Machado.
Conto que, na próxima carta, já lhe darei notícia da organização definitiva da Academia.
LÚCIO DE MENDONÇA”
Fundada em 1897, a ABL só admitiu uma mulher entre seus membros em 1977, quando elegeu Rachel de Queiroz para ocupar a cadeira de número 5. De lá para cá, outras nove mulheres ingressaram na Academia, tendo 2 delas (Nélida Piñon, cadeira nº 30 e Ana Maria Machado, cadeira nº 1) exercido a Presidência da Casa de Machado de Assis.
 

Integrantes da “panelinha”, criada em 1901 para a realização de festivos ágapes e encontros de escritores e artistas. A foto é de um almoço no Hotel Rio Branco (1901), que ficava na Rua das Laranjeiras, 192. De pé, temos: Rodolfo Amoedo, Artur Azevedo, Inglês de Sousa, Olavo Bilac, José Veríssimo, Sousa Bandeira, Filinto de Almeida, Guimarães Passos, Valentim Magalhães, Rodolfo Bernadelli, Rodrigo Octavio, Heitor Peixoto. Sentados: João Ribeiro, Machado de Assis, Lúcio de Mendonça e Silva Ramos – Crédito: https://www.academia.org.br/galeria/fundacao/panelinha-em-almoco-no-hotel-rio-branco

 
O Jornal da USP, que publicou em 03/08/2017 artigo com o título "Escritora mais publicada da Primeira República foi vetada na ABL" por Ivanir Ferreira, traz a notícia de que no dia 04/07/2017, data em que a ABL completou 120 anos de existência, houve uma homenagem a Júlia Lopes de Almeida, rememorada na palestra de abertura em que o escritor Luiz Ruffato proferiu na ABL intitulada Todos contra Júlia. O evento integrou o ciclo de conferências coordenado pela escritora e Acadêmica Ana Maria Machado, batizado de Cadeira 41, numa clara referência a uma cadeira que não foi ocupada por um possível membro, em determinada época e por diversas razões. A proposta foi homenagear aqueles escritores que, por motivos distintos e individuais, não ingressaram na Academia. Esse ciclo apresentou quatro nomes que poderiam ter ocupado, em suas épocas, uma dessas cadeiras e, que não se tornaram membros da Academia: Júlia Lopes de Almeida, Lúcio Cardoso, Lima Barreto e Clarice Lispector.
 
[RUFFATO, 2009] tem uma explicação para o fato de seu nome ter sido esquecido após a sua morte:
"Com sua morte, em 1934, provocada pelas complicações de uma malária — oito dias após a volta de uma viagem de três meses a Moçambique, onde fora resgatar a filha, Lúcia, adoentada, as netas e o genro —, o nome de Júlia Lopes de Almeida foi varrido para debaixo do tapete da história literária brasileira. O longo período transcorrido fora do país (praticamente toda década de 1920), a ausência da publicação de novos títulos (o último livro de importância, A Silveirinha, saíra vinte anos antes) e a idéia de tratar-se de uma autora “pré-modernista” (“conceito” vazio e destituído de qualquer significado mas seguido pela crítica) podem, sem dúvida, ter contribuído para que a obra de Júlia desaparecesse do horizonte da história literária brasileira da época.
Podemos, ainda, imputar parte dessa responsabilidade aos modernistas da primeira hora. Desejosos de romper radicalmente com o passadismo beletrista rançoso e reacionário, os “moços de São Paulo” difundiram a ideia de que tudo que fora produzido imediatamente antes de 1922 deveria ser categorizado como de duvidosa qualidade estética. Com isso, enterraram na vala comum autores medíocres e autores importantes — uns rapidamente recuperados, como Lima Barreto (1881-1922), outros, tardiamente, como João do Rio (1881-1921) , e, outros ainda, como Júlia Lopes de Almeida, ainda na fila da remissão...

Quanto ao movimento modernista mencionado acima, não há dúvida de que Júlia preferiu não aderir a ele a trair o seu público originário.

Um ano após a morte da escritora, Afonso Celso (1860-1938) publicou o artigo intitulado Homenagem à Dona Júlia Lopes de Almeida na Revista da Academia Brasileira de Letras, onde lhe conferiu o título de Mestra da língua (Revista Academia Brasileira de Letras, v. 48, abril de 1935, p. 259), louvando suas inegáveis virtudes:
”[...] em tudo e por tudo ela o foi, mestra na acepção mais elevada da palavra, o que quer dizer propiciadora de nobres ensinamentos, modelo de raras virtudes, irradiadora de salutar influência. Mestra de língua e mestra de vida, quer pela excelência da sua produção literária, quer pela pureza sem jaça da sua existência”.

Já me encaminhando para encerrar essa peça laudatória a que me propus, posso resumir minha certeza de que, com sua produção literária e em suas ações concretas, Júlia realizou o feminismo possível dentro das limitações de sua época e do meio social em que viveu. Condenava a supremacia masculina, defendia o direito ao voto para as mulheres e combatia a exploração no trabalho, a escravidão e as violências sexuais contra as mulheres. ³

 
II. NOTAS EXPLICATIVAS 
 
¹  Para uma longa exposição desse livro de contos, com uma análise aprofundada de cada conto, queira o leitor consultar [KNAPP & ZINANI (org.), pp. 62-85], com texto de C.J.A. Zinani e Guilherme Barp, que consideram relevante, na perspectiva do resgate, apresentar a obra Traços e Iluminuras, a fim de dar visibilidade a uma dos primeiras da autora.
 
²  ALMEIDA, Margarida Lopes de. Biografia de Dona Júlia. In: ALMEIDA, Júlia Lopes de. O funil do diabo: romance. Florianópolis: Mulheres, 2015, p. 177-208. 
Obs.: O funil do diabo (2015) é uma publicação póstuma, a partir de manuscrito encontrado pelo neto da autora.
 
³  Fonte: Série “Feministas, graças a Deus!” XVIII – Júlia Lopes de Almeida (1862 – 1934), a “escritora da Belle Époque tropical”, 05/06/2024 
 
Em 1910, João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto (Rio de Janeiro, 1881-1921), foi nomeado imortal na Academia Brasileira de Letras. Ele foi o primeiro a tomar posse usando o hoje famoso “fardão dos imortais“. Foi cronista prolífico, autor de romances, ensaios, contos, peças de teatro, conferências sobre dança, moda, costumes e política. Um dos autores mais importantes do início do século XX no Rio de Janeiro: João do Rio, pseudônimo mais famoso de Paulo Barreto (1881-1921), é o autor homenageado da 22ª edição da Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, que foi celebrada recentemente, de 09 a 13 de outubro de 2024. 
 
 
III. BIBLIOGRAFIA


CASTRO, Ruy: METRÓPLE À BEIRA-MAR: o Rio moderno dos anos 20, São Paulo: Companhia das Letras, 2019, 494 p.

FANINI, M.A.: A (in)visibilidade de um legado – Seleta de textos dramatúrgicos inéditos de Júlia Lopes de Almeida, São Paulo: Ed. Intermeios, 2016, 384 p.

FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Júlia Lopes de Almeida - a escritora a belle époque tropical. Templo Cultural Delfos, outubro/2022. Link:
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KNAPP, C.L. & ZINANI, C.J.A. (org.): Interpretação e Reverberações em Júlia Lopes de Almeida, Caxias do Sul: EDUCS-Editora da Universidade de Caxias do Sul, 2022, 215 p. Link: https://www.ucs.br/educs/arquivo/ebook/interpretacoes-e-reverberacoes-em-julia-lopes-de-almeida/. Acesso em 09/10/2024.

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RUFFATO, Luiz: A última fase literária de Júlia Lopes de Almeida e a queda no ostracismo, São Paulo: Jornal Rascunho, edição 105, 2009
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______________: JÚLIA LOPES DE ALMEIDA: entre o salão literário e a antessala da Academia Brasileira de Letras, in Estudos de Sociologia, Araraquara, v. 14, nº 27, pp. 317-338, 2009

______________: Júlia Lopes de Almeida em cena: notas sobre seu arquivo pessoal e seu teatro inédito, 2018,
Link: https://www.scielo.br/j/rieb/a/wZXJTWLLrfPMXDnwhZgJBRN/#. Acesso em 09/10/2024.

SOUZA, Warley: Júlia Lopes de Almeida; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/julia-lopes-de-almeida.htm. Acesso em 09/10/2024.

VERÍSSIMO, José. Um romance da vida fluminense. In: Estudos de literatura brasileira. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1910. Arquivo pessoal de Júlia Lopes de Almeida. 

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