Traduzido do grego e comentado por Francisco José dos Santos Braga
Com raciocínio e com sonho (capa da Antologia da 5ª à 6ª série) |
Li na Antologia da 5ª à 6ª classe, nas páginas 85-7: "Uma noite minha avó estava fumando seu charuto preto, enquanto eu estava meio adormecido feliz em seu abraço caloroso." ¹ Claro, aqueles de nós que temos pelo menos mais de 40-50 anos e "pegamos" aquelas idosas vestidas de preto por toda a vida, as mães ou avós da maioria de nós, que incansáveis acendiam as lamparinas a óleo nas humildes capelas e mosteiros desertos da Grécia, temos guardada em nossa memória esta imagem: Queremos que nos embalem, fumando charutos pretos, porque elas não aceitavam os de classe inferior...
Estou lendo na Antologia do nonsense.
Nas página 133-5 está hospedado... um texto intitulado "Os calos de Clara", de um certo Dimiter Inkióv, que nasceu na Bulgária, mora na Alemanha e tem cidadania americana (o homem tinha procedência franco-levantina. ² Tem sangue de três nações e a alma de nenhuma). Texto deprimente, de mau gosto, nocivo. Uma idosa morreu no prédio e uma família vizinha quer ir ao enterro com seus dois filhos. O texto segue um estilo inaceitável, desleixado, inapropriado para a seriedade do mistério da morte. As crianças discutem:
“— Pode ser que a velha que morreu tenha ido para o Inferno.
— Tu achas? Clara acenou afirmativamente com a cabeça.
— Sem dúvida iria para o inferno, porque brigava com todas as crianças do prédio. E porque ela deve ir para o inferno, todos as suas amigas estão chorando. Assim será.
E eu acho isso muito correto. E quando perguntei se os demônios vão assar a velha no Inferno, o pai disse em voz baixa:
— Silêncio! Vocês falam muito!"
No final, foram ao enterro e Clara chora copiosamente. E quando eles tentam confortá-la, ela responde: "Não estou chorando por ela. Estou chorando porque meus horríveis sapatos novos me apertam os pés. Eles estavam cheios de calos. E aqui, o funeral não tem fim."
Nem mesmo o "mistério espantoso" da morte é respeitado pela mesquinha burocracia que decide o que será ensinado aos filhos de nosso povo traído.
E supõe-se que na "Antologia", como diz a palavra ³, você coloca as flores da literatura, o melhor que escreveu a pena dos mestres da fala, τό ἀκροθίνιον ⁴. Avós com charutos, que ardem no inferno, "diabos e triabos", bruxarias e demonologias, o que eles têm a ver com crianças de 11 anos?
Na velha Antologia excelente pré-2006 e de fato um buquê de textos, ensinamos textos com cidadania e um perfume de fragrância espiritual. Kóntoglou (Rei macedônio), Natalía Melá (para a águia da Macedônia, Paulo), Venézis, Petsális (sobre Rígas), Valaorítis, Móntis, Penelópe Délta ("os segredos do pântano"), Elytis, Myrivílis, Psathás, "para o irmão morto", "o hermafrodita", "da ponte de Arta".
Jogaram tudo fora, porque as coisas ocultas nos porões da nossa casa ancestral, guloseimas da tradição romana, deliciosas e abundantes, controlam os janízaros da Educação.
Continuo com outro texto-cadáver inchado, intitulado "O Natal de Ta Ki Ko": “Os olhos de Cristo eram doces. Os olhos do gato eram doces. Cristo e o dragão" (nas páginas 164-8).
Um menino chinês, Ta Ki Ko, "comemora" o Natal na Europa (provavelmente na Grécia). No dia da festa, porque "o venerável Senhor Cristo não estava à vista em lugar nenhum", deram-lhe uma pintura de Cristo. Ele a levou para seu quarto, desenhou um dragão chinês, pegou um gato, que estava em sua janela e começa a comparação blasfema: os olhos do "venerável Senhor Cristo" com "os olhos do gato".
E outra coisa para fazer sorrirem os nossos lábios em meio à escuridão palpável que nos rodeia.
Na página 22 da Antologia da 3ª à 4ª classe, encontra-se um exercício em que os pré-escolares são convidados para compor uma “canção de embalar polvos”. Não, não é... brincadeira. É verdade. Aqui vamos além do nonsense e tocamos os limites da esquizofrenia.
Questão: Por que não se pediu aos alunos indefesos que encontrassem uma canção de embalar tradicional, dos melhores exemplos da nossa poesia popular — "o mais eficaz instrumento de educação étnica, aquele que alimenta e preserva o espírito nacional", como nosso grande folclorista Nikólaos Polítis no prefácio de seu livro "Canções Municipais"?
A resposta é simples: se cortares as raízes (a Tradição), os ramos murcham e os frutos apodrecem e as cidades tornam-se “tocas dos imundos e entrincheiramento dos canalhas”. (Palamás).
Um pai desesperado, procurando em todos os lugares e na literatura estrangeira, não encontrou uma canção de ninar para polvos. Nenhum habitante do nosso planeta, escritor ou não, ficou acordado a noite inteira para se inspirar no sono dos polvos. Tampouco foram registrados fenômenos de insônia em massa dos simpáticos e deliciosos moluscos. Obedecendo à mulher e ela ao filho, o sofredor “pai A”, na terminologia corrente dos paranóicos legítimos, escreveu uma canção de embalar polvos. (Quando perguntaram a Péricles, o ateniense, quem governa o mundo, ele respondeu: meu filho. E ele explicou. Meu filho governa minha esposa, minha esposa governa a mim, eu governo Atenas, Atenas — o mundo inteiro).
Estou citando o poema inteligente. É a única canção universal de ninar polvos e, claro, outros moluscos e artrópodes....
Dorme, meu polvinho,
polvo, náni náni
Eu também te preparei
a maior frigideira.
Dorme e eu pedi
teu sal e pimenta,
teus óleos, teus vinagres
e tuas ervas odoríferas.
As correntes marítimas
te venham balançar
docemente dentro do teu quarto
e te fazer adormecer.
Como adormeceram
as grandes mentes,
aonde trouxeram nossa educação.
Nisso vejo a bagunça...
Nas antologias antigas havia canção de ninar, havia orações à Virgem Maria e ao Cristo Mestre, que diziam nossas avós, as idosas, "as atrasadas" e não as falsificadas, os palimpsestos progressistas de nossos dias, que querem tratá-las com seus nomes curtos — que a morte não se lembra delas...
"Dorme, meu bebê, em um berço de noz
Em roupinhas bordadas de pérolas
Venha, Cristo e Virgem Maria, e apesar disso nos
[jardins
E encheu os seios dele com flores violetas.
Dorme, meu filho, e o destino conspira a teu favor
E tua boa sorte, te carrega e te traz
Dorme novo, dorme novo, dorme lua nova
Meu bebê está dormindo no travesseiro branco.
O sono nutre as crianças e a saúde as faz crescer
E a Senhora Virgem Maria as saúda para o novo dia."
Os "gregos de hoje" deixariam de lado uma canção de ninar que falasse de Cristo e da Virgem Maria?
* Professor da rede pública de
Kilkís (Macedônica Central)
II. NOTAS EXPLICATIVAS PELO TRADUTOR/GERENTE DO BLOG DO BRAGA
¹ "O coração de um rato", por Roald Dahl (✰ Llandaff, País de Gales,1916 - ✞ Oxford, Inglaterra, 199O), filho de noruegueses.
² Diz-se de alguém que tendo nascido na Europa Ocidental, vive em um país do Oriente Próximo.
³ Etimologicamente, antologia consiste da junção de duas palavras: ánthos + lógia: coleção de flores.
⁴ Os gregos costumavam selecionar a parte mais alta de um monte de colheitas ou saque para oferta aos deuses.
III. AGRADECIMENTO
Agradeço à minha amada Rute Pardini Braga a formatação e edição das fotos utilizadas neste artigo.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, DA PESQUISA E DAS RELIGIÕES-INSTITUTO DA POLÍTICA EDUCACIONAL-Instituto da Tecnologia de Computadores e Edições "Diofantos": COM RACIOCÍNIO E COM SONHO: Antologia de textos literários (da 5ª à 6ª classe da escola primária), 2022, 302 p.
13 comentários:
Prezad@,
Sinto-me lisonjeado de ter traduzido do grego para o português o texto do PROFESSOR DIMÍTRIOS NATSIÓS da rede pública de Kilkís, Macedônia Central que decidiu publicar sua opinião sobre a atual Antologia da 5ª à 6ª classe, utilizada pela rede pública do ensino primário.
É um debate sempre atual decidir quais textos devem compor uma Antologia. Muitas academias brasileiras criam comissões de acadêmicos especialistas para coletar, ler e decidir quais textos devem participar da coletânea.
Aqui se lerá um texto bastante crítico a respeito das atuais seleções de textos na Grécia.
É bom lembrar que a seleção dos textos que figurarão na coletânea tem uma natural repercussão em todo o mundo de língua grega: na Grécia continental, nas ilhas gregas e nas colônias de gregos imigrantes pelo mundo inteiro.
https://bragamusician.blogspot.com/2022/12/e-pra-rir-e-pra-chorar.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Meus parabéns pelo relevante trabalho produzido. Abs do Lucio Flávio
CHORAR?
SECARAM AS LÁGRIMAS!
OBRIGADO ENTRETANTO PELA INFORMAÇÃO!
HEITOR
Parabéns!
Obrigado pelo envio, prezado confrade. Este tema é, na minha opinião, da maior importância pois trata e contribui para delimitar os marcos do conhecimento vigente e as perspectivas do que virá e isto contribui para instruir, educar e motivar os futuros homens e mulheres das nossas sociedades, grega e brasileira, para construírem uma crescente consciência de si e do contexto social que os envolve. No próximo ano estaremos discutindo isso no bojo do "Programa Plurianual de Educação Patrimonial" - Projeto piloto, como uma contribuição para a formação de uma "consciência patrimonial" na população jovem são-joanense. Obrigado pela inspiração.
Abraços fraternos,
Paulo Sousa Lima
Muito obrigado notável amiga. Dentro dos condicionalismos existentes: Santo e Feliz Natal. Ditoso Ano Novo de 2023, extensivamente a toda a sua família. Que 2023 nos proporcione o alívio desta cruel guerra. Beijinhos.
Caríssimo Francisco Braga,
mais uma vez, parabenizo-o pela excelente tradução e pelo assunto escolhido por você.
Realmente, parece que muita gente "ligada à cultura" perdeu a noção do que é realmente
a cultura e do que se deve repassar para as crianças de hoje, adultos de amanhã.
Um abraço cordial.
Tarcízio Dinoá Medeiros
Parabéns, mestre Braga! Sentimo-nos orgulhosos de Vossa Senhoria!
Olá, Francisco! Paz e Bem!! Como está lhe valendo o estudo do Grego que teve no passado, pois sua tradução do texto de Professor Dimítrios Natsiós é uma prova disto.
Grande abraço do irmão Joel.
Obrigado, amigo. Vamos à leitura e parabéns. Você, como sempre, no melhor estilo e com o melhor resultado em tudo que faz! Um orgulho de Minas, sem dúvida. Minha admiração, meu respeito e meu melhor abraço poético.
www.poetageraldoreis.blogspot.com
Parabéns pelo seu profícuo trabalho.
Nosso compromisso é com a luz!
Caro professor Braga !
Por mais essa sua saborosa tradução do grego, podemos perceber que a preocupação com esse tema é bastante ampla, pelo menos no mundo ocidental, ante a necessidade alegada de se adaptar ou atualizar conteúdos pedagógicos a novos contextos culturais e sociais. Também fica evidente a complexidade dessas iniciativas, nas quais muitas emendas acabam ficando piores que os sonetos.
Saudações!
Cupertino
Parabéns, colega!
Hilma Ranauro
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